GT3 – Conflitos socioambientais, gestão de recursos naturais e desenvolvimento rural
Gênero e relações de poder no contexto da trajetória política de um Grupo de
Artesãs na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã – Médio Solimões.
Marília de Jesus da Silva e Sousa
Antropóloga, Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social
PPGAS/UFAM, Pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável MamirauáIDSM/OS, marí[email protected]
Resumo
Para Strathern (2007) o simbolismo de gênero exerce papel importante sobre a vida
social e sugere como esta questão aglutina o grupo, orienta as idéias e as práticas
sociais. Com o entendimento de que as relações sociais de gênero são relações políticas
permeadas de poder e conflitos, proponho neste trabalho, discutir aspectos da trajetória
política de um Grupo de Artesãs formado por 23 mulheres moradoras de cinco
comunidades ribeirinhas situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã.
Esta trajetória é marcada pela luta da valorização do trabalho de artesanato produzido
pelas mulheres, e pelo reconhecimento da sua organização. A sóciogênese do grupo é
marcada pelo constante desafio de negociar espaços políticos de tomadas de decisões,
principalmente, sobre o acesso e uso dos recursos dos naturais com as lideranças
masculinas que protagonizam historicamente os processos políticos das organizações
locais. Para problematizar esta questão, discuto o lugar das mulheres na estrutura social
das comunidades enquanto agentes sociais. A partir da descrição dos cenários de
disputas políticas que representam a trajetória deste grupo, analiso os espaços sociais e
políticos que as mulheres estão situadas e os deslocamentos por elas percorridos no
contexto desta trajetória, tendo em vista que o artesanato produzido pelo grupo alcançou
projeção nacional, e, reposicionou as mulheres no campo social das comunidades e das
famílias implicando em novas formas de relações sociais.
Palavras-chave: Relações de Gênero, Tomadas de decisões, Artesãs e Trajetória
Política e Conflitos,
1
Introdução
As primeiras vertentes teóricas do pensamento feminista foram vigorosamente
criticadas por várias antropólogas que se dedicam a temática das relações de gênero,
sobretudo, a partir da década de 80. Tais críticas devem-se ao fato das primeiras
proposta teóricas preconizarem uma abordagem pautada em explicações globalizantes
(ROSALDO, 1995). Nesta linha abrangente um dos marcadores das argumentações
consiste na compreensão do conceito de gênero que ressalta o caráter social das
diferenças entre os sexos (FONSECA, 1995).
De acordo com Fonseca (1995) pelo fato de existir variações no significado de
uma sociedade para outra, parte-se da compreensão que noções como “mulher” e
“homem” só serão plenamente entendidos quando analisados a partir do seu contexto
particular. Este entendimento leva em consideração a existência de uma “multiplicidade
dos gêneros” em que o masculino e o feminino são historicamente construídos e não
fazem parte de um ideal abstrato.
Ao prefaciar o livro “Ecofeminismo e Educação Ambiental” (1999), o
antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, observa que enfoque nas relações de gênero
direcionadas às populações moradoras de unidades de conservação no seu entorno ainda
é um debate a ser desencadeado com maior fôlego no Brasil, apesar dos inúmeros
encontros e simpósios sobre o tema (DI CIOMMO, 1999).
O plano de ação definido pelo Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global cujo texto foi elaborado durante a Conferência
Rio 92 (no Fórum Internacional das ONGS), anuncia em uma das diretrizes que se deve
“promover a corresponsabilidade dos gêneros femininos e masculinos sobre a produção,
reprodução e manutenção da vida” (DI CIOMMO, 1999).
Para Moema Viezzer (1995) “sociedades sustentáveis só existem no contexto de
novas relações sociais homem/mulher...”. Esta concepção carrega consigo uma idéia de
transformação das relações sociais e das estruturas sociais concebidas como sendo
inadequado para os objetivos da conservação. O “ecofeminismo” apresenta um
conteúdo utilitarista ao ter como propósito construir um novo modo de relações sociais
de gênero no campo do desenvolvimento sustentável, entretanto nota-se que os
pressupostos deste movimento estão pautados nos mesmos preceitos do feminismo
2
tradicional que tem na sua ordem de prioridade tirar a mulher da condição de
subordinação e dominação.
Strathern (2007) concentra sua análise sobre a dádiva respaldada no seu estudo
sobre as práticas de conhecimento da sociedade Melanésia, e, elabora uma teoria social
de gênero. Para a autora o simbolismo de gênero exerce papel importante na concepção
das pessoas sobre a vida social e sugere como esta questão aglutina o grupo, orienta as
idéias e as práticas sociais. A proposta de Strathern está pautada na produção teórica
feminista, e de antemão reconhece o mérito que a antropologia feminista conquistou ao
fundar pioneiramente o debate sobre a questão da construção social e cultural do gênero
no contexto da produção antropológica (STRATHERN, 2007).
O argumento de Strathern defende que na sociedade Melanésia há um
englobamento
das
ações
masculinas
e
femininas
que
criam
uma
relação
“compensatória” eliminando uma situação de dominação entre os sexos. A alternância
das ações propicia assim uma relação de equivalência que rege a vida social nesta
sociedade. Há assim uma interação de assimetria encenada, de maneira que define a
posição do agente com respeito tanto à causa como o resultado.
Contudo, essas
construções não implicam em relações de dominação permanente (STRATHERN,
2007).
Ao analisar que o debate sobre conceito de gênero gira em torno do campo das
relações de forças e/ou como sendo produto de forças sociais, e, portanto de poder,
reporto-me à definição de poder defendida por Foucault: “o poder é uma relação de
forças” (Deleuze, 2005, p. 78), o que significa dizer que toda relação de força é uma
“relação de poder”, e, deste modo, toda força já expressa uma relação.
Com o entendimento de que as relações sociais de gênero são relações políticas
permeadas de campo de poder, proponho neste artigo1, discutir aspectos da trajetória
política de um Grupo de Artesãs formado por 23 mulheres moradoras de cinco
comunidades2 ribeirinhas situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Amanã.3.
1
O recorte desta análise faz parte do meu projeto de pesquisa de doutorado em andamento. Esta reflexão
é um exercício de tomar a produção sócio antropológica que discute gênero e poder como pano de fundo
para problematizar aspectos do material etnográfico acumulado nos quase 12 anos em que prestei
assessoria e ao grupo.
2
São João do Ipecaçu, Iracema, São Paulo do Coraci, Vila Nova do Coraci e Matuzalém.
3
Bourdieu chama atenção para o processo árduo e cuidadoso que consiste a construção do objeto. Este
processo é um trabalho que requer grande fôlego e que se realiza paulatinamente. Exige um conjunto de
3
A sóciogênese do grupo é marcada pelo constante desafio de negociar espaços
políticos de tomadas de decisões de diversas ordens, principalmente sobre o acesso e
uso dos recursos dos naturais com as lideranças masculinas que protagonizam os
processos políticos decisórios das organizações locais. A busca pela valorização do
trabalho de artesanato desenvolvido pelas mulheres, bem como o reconhecimento da
organização política do grupo consistem nas bandeiras de luta.
Para problematizar esta questão, discuto o lugar das mulheres na estrutura social
das comunidades enquanto agentes sociais. A partir da descrição de um cenário de
disputas políticas que demarca o contexto da trajetória deste grupo, analiso os espaços
sociais e políticos que as mulheres estão situadas e os deslocamentos por elas
percorridos. É importante ressaltar que o artesanato produzido pelo grupo alcançou
projeção nacional, e, reposicionou as mulheres no campo político das comunidades e no
contexto familiar implicando em novas formas de relações sociais.
Como preconiza Bourdieu (1997) os agentes sociais são constituídos a partir das
relações que os mesmos estabelecem com um espaço social. Deste modo, Bourdieu
afirma que “como o espaço físico é definido pela exterioridade recíproca das partes, o
espaço social, por sua vez, é deliberado pela exclusão mútua das posições que o
constituem, isto é, como estrutura de justaposição de posições sociais” (1997, p.160).
Para Bourdieu, se a sociedade está estruturada dentro de uma ordem hierárquica, da
mesma forma os espaços são hierarquizados, refletindo por sua vez as diferenças
sociais, que aparentemente se expressam como se fosse uma ordem naturalizada
(1997:160).
A práxis social deste grupo e a narrativa da artesã Maria Rosenize vai embasar
um diálogo com a produção antropológica feminista e com a proposta teórica elaborada
pelos autores que discutem as distintas modalidades e manifestações de relações de
poder no contexto da produção antropológica de modo a contrapor teorias e idéias
nestes campos de produção teórica que discute gênero e poder.
Com o material etnográfico disponível até o momento proponho fazer o
exercício de problematizar sobre como estão fundadas às relações (de poder) na
realidade em questão e como homens e mulheres, ou melhor, os agentes sociais ligados
princípios práticos que fazem parte do ofício do pesquisador que orientam as opções mais amplas às
menores, tais como: retoques sucessivos, correções, emendas (2009:26).
4
às organizações locais estabelecem relações e negociam interesses para atender e/ou
atingir propósitos individuais e coletivos a partir da sua percepção de mundo.
Pressupostos teórico-metodológicos
Neste estudo darei ênfase às trajetórias individuais, e adoto como objeto de
análise a atuação de uma liderança (uma das sócias mais atuantes que exerceu por duas
vezes a função de coordenadora geral e realizou inúmeras viagens pelo Brasil, fazendo
divulgação do trabalho do grupo). Em diversas situações esta liderança exerceu o papel
de mediadora e negociadora (e algumas vezes de conciliadora) de conflitos. Este fato
lhe conferiu habilidade para negociar num “campo de poder” que tem a atuação
majoritária dos homens nas organizações locais. Compreendo que ocupar um cargo de
liderança, sobretudo, o papel de coordenadora, implica em ganho de prestígio e de
capital simbólico para as mulheres. Esta experiência como de liderança investe nas
mulheres um reposicionamento na estrutura social que ultrapassa as fronteiras de
atuação dentro do grupo e se estende aos espaços políticos decisórios como, por
exemplo, dentro da Associação de Produtores local.
O desafio maior é estranhar a trajetória do Grupo de Artesãs que acompanho ao
longo de 12 anos. Como nos fala Bourdieu em “Coisas Ditas” (2004) realizar “uma
espécie de experimentação epistemológica”, ou seja, fazer o exercício de analisar como
etnólogo num universo familiar. Isto significa, “me conceder a oportunidade de
objetivar o ato de objetivação e o sujeito objetivante; de objetivar o etnólogo não apenas
enquanto indivíduo socialmente situado, mas também enquanto cientista que tem como
ofício analisar o mundo social pensá-lo, e que por isso deve se retirar do jogo [...]”
(BOURDIEU, 2004, p. 77-78).
Neste sentido Bourdieu (1997) adverte que a relação de pesquisa deve ser
prescrita de uma interação entre o pesquisador e o sujeito da pesquisa cuja premissa é
levar em consideração aspectos práticos e teóricos. Ressalta ainda que a relação de
pesquisa é antes de tudo uma relação social que produz efeitos sobre o resultado final
(Bourdieu, 1997, p. 694). De outro modo, o autor posiciona-se contra a ilusão da
neutralidade do observador. Defende que um fator central para alcançar a “objetivação”
na relação de pesquisa deve ser a realização de um conhecimento prévio das realidades
que a pesquisa vai fazer emergir e que ela deseja registrar (Bourdieu, 1997:706).
5
O material etnográfico analisado neste artigo aborda a trajetória política do
grupo, bem como a entrevista realizada com a artesã Maria Rosenize, será
complementada com os registros· feitos durante os anos de experiência de trabalho na
qualidade de extensionista. Recorro também aos meus apontamentos de campo e
relatórios das reuniões realizadas com o grupo.
“Campo” de estudo: as artesãs, o lugar de sociabilidade e o contexto da trajetória
política do grupo.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA)
4
é um espaço
territorial construído por meio de dispositivos jurídicos. É este lugar que constitui a
realidade social das artesãs moradoras das comunidades de Vila Nova do Coraci, São
Paulo do Coraci, Iracema, São João do Ipecaçu e Matusalém. Ao se juntarem para
formar um grupo de mulheres, o espaço de referência territorial das mulheres foi
ampliado e a referência de trabalho e de organização do grupo passou a ser o “setor”,
que se constitui na organização geopolítica dos moradores locais. É neste contexto
organizativo que estão inseridas o Grupo de Artesãs foco de análise deste trabalho.
O Grupo de Mulheres do Setor5 Coraci foi fundado em 2001 com a participação
de 37 mulheres. É composto atualmente de 23 sócias. O grupo está integrado à
Associação dos Produtores do Setor Coraci (APSC) formado de pescadores, agricultores
e artesãs, no qual as mulheres têm participação como sócias e exercem alguns cargos na
diretoria, quando lhes são conferidos ou quando há disponibilidade das mulheres para
pleitearem tais postos.
O contexto histórico de constituição do trabalho deste grupo está marcado pela
atuação das mulheres (associadas ao grupo) na gestão da produção e comercialização de
artesanatos6 confeccionados com uma fibra vegetal denominada de cauaçu (Calathea
4
Criada em 1998, a RDS Amanã é uma unidade de conservação estadual cuja proposta de sua
implantação é conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento sustentável das
populações locais tradicionalmente usuárias dos recursos naturais da área. Localiza-se entre as bacias do
médio rio Negro e do baixo Japurá, sua área total consiste em 2.313.000 hectares e seu território situa-se
nos limites de abrangência dos municípios de Maraã, Coari, Codajás e Barcelos.
5
O setor é formado por um conjunto de comunidades. Neste caso, as comunidades que formam o Setor
Coraci são: Iracema, São João do Ipecaçu, Vila nova do Coraci, São Paulo do Coraci, Matuzalém, Nova
Canaã e Ébenezer. As mulheres associadas ao grupo são moradoras das cinco primeiras comunidades.
6
Balaio, peneira, vaso, tupés, porta-revista, porta-lápis, porta-jóia, fruteira, petisqueira, jogo de mesa
Amanã e tamboretes formam a lista dos objetos produzidos pelas artesãs.
6
lutea) tingidos com corantes naturais extraídos de uma variedade de plantas (crajiru,
safroa, anil e urucu) cujos produtos são comercializados pelas artesãs no mercado local,
regional e nacional. A atividade tem possibilitado uma nova forma de acesso à renda
para as mulheres e suas famílias e ao mesmo tempo provocou a necessidade de uma
participação ativa das mulheres nas várias organizações políticas existentes nas
comunidades em que as artesãs estão vinculadas.
A história do grupo está relacionada com a história de retomada de um fazer
manual (objetos artesanais) que se encontrava restrito ao conhecimento de poucas
mulheres (mais antigas) das comunidades que detinham tal conhecimento. O acesso a
este saber pelas mulheres jovens foi estimulado a partir da organização do grupo.
Esta trajetória é marcada pela busca de uma identidade materializada no nome.
Inicialmente batizado de “Grupo de Mulheres do Setor Coraci”, para fazer alusão tanto
às mulheres como o lugar onde elas residem. Em seguida foi chamado de Grupo de
Mulheres Artesãs do Setor Coraci, cuja referência está pautada não somente às mulheres
e o lugar, mas referenciando e valorizando a ocupação e/ou a principal atividade
desenvolvida pelas mulheres. Por razões estritamente comerciais o grupo adotou em
2008, o nome de “Teçume da Amazônia”, referência ampla cujo lugar de pertencimento
passou a ser a Amazônia. Sua identidade então ficou caracterizada pela expressão local
tuçume – forma pela qual as mulheres denominam os artesanatos confeccionados com
fibras vegetais.
As sócias do grupo estão integradas a uma rede de sociabilidade, em que um
conjunto de normas estabelecidas impacta umas às outras. O vínculo de parentesco é
uma característica marcante e tem um papel tanto de integrador, como também opera
para criar relações conflituosas, disputa e de poder tanto no interior do grupo como
também no âmbito das relações sociais mais amplas onde o grupo está atuando.
Desde a sua fundação as artesãs contam com o incentivo e assessoria do Instituto
Mamirauá por meio do Programa de Artesanato7 que acompanha a trajetória do grupo e
promove oficinas de produção de objetos artesanais, empoderamento de gênero,
atividades de pesquisa, organização política e apoio à comercialização visando à
autogestão das atividades do grupo.
7
O Programa de Artesanato do Instituto Mamirauá desenvolve atividades de pesquisa e extensão nas
reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã. Embora a institucionalização do programa
tenha ocorrido em 2004, às ações de promoção e apoio à produção de objetos artesanais junto às
comunidades das reservas acontecem desde 1998 através da organização dos grupos de mulheres.
7
É importante expor que o trabalho desenvolvido com as mulheres foi orientado,
a priori, pela proposta de estimular à inserção feminina nos processos decisórios de
organização comunitária e a promoção da atividade artesanal. Esta premissa buscava
agenciar a “participação equitativa” de homens e mulheres nas tomadas de decisões no
contexto de um projeto de desenvolvimento sustentável que envolve processos
decisórios em níveis amplos, cuja atuação de homens e mulheres moradores de uma
Unidade de Conservação é considerada fundamental.
Na visão institucional em voga, na época8, parte-se do entendimento que a
atividade artesanal propicia ingresso de renda às mulheres e ao mesmo tempo instituiu
maiores possibilidades de inserção das mulheres no processo de tomadas de decisões
sobre o acesso e uso dos recursos naturais. Apresenta ainda um ambiente favorável para
o fortalecimento da difusão de técnicas e conhecimentos tradicionais repassadas de uma
geração para outra.
Neste sentido Kuchemann (2000) defende que uma das estratégias para
desenvolver planos de ação com enfoque de gênero em Unidades de Conservação é o
estímulo à produção artesanal, pois há disponibilidade de recursos florestais e práticas
tradicionais para esta atividade. Apoiar a atividade significa contribuir tanto com a
conservação ambiental como com a promoção da cultural local bem como gerar um
importante ingresso monetário.
Decorrido mais de uma década de uma trajetória de trabalho marcada pela busca
permanente de garantir a existência do grupo9 e pela apropriação de um campo político
e econômico; atualmente, as mulheres participam da composição da renda familiar e,
das decisões políticas nas comunidades e em outras organizações locais, mas enfrentam
restrições com relação à participação das mesmas nos processos de tomadas de decisões
no âmbito da gestão dos recursos naturais da RDS Amanã. De modo geral suas opiniões
são desqualificadas e o esforço de negociação das mulheres no contexto da organização
dos produtores locais é permanente, em que pese existir o entendimento de que
8
Esta visão foi conduzida por mim enquanto atuei como extensionista cuja principal atividade foi
promover a organização das mulheres.
9
O grupo coleciona em seu curriculum três prêmios nacionais que auxilia no reconhecimento do
trabalho. Em 2005 ganhou o IV Concurso Latino Americano de Empreendimentos Exitosos Liderados
por Mulheres. Em 2008 recebeu o prêmio SEBRAE TOP 100 de artesanato brasileiro, qualificando a
produção artesanal das artesãs entre os 100 melhores artesanatos do Brasil. Em dezembro de 2009 foi
contemplado com o prêmio Cultura Populares da Secretaria da Identidade e Diversidade do Ministério da
Cultura, Este último, amplia a ressignificação local do trabalho das artesãs, deixando de ser interpretado
como uma forma de renda para ganhar status de objeto cultural.
8
determinados assuntos, tais como, manejo de recursos pesqueiros, não é considerado
assunto que diz respeito às mulheres, limitando-se a aceitar a opinião/participação das
mulheres em temas relativos aos recursos naturais usados para produção de artesanato e
atividades agrícolas e assuntos concernentes a educação e saúde.
A trajetória do grupo representada no discurso: atuação das mulheres na
resolução de conflitos, estratégias e manipulação de regras sociais.
Utilizando um trecho da entrevista que realizei com artesã Maria Rosenize,
exponho como as mulheres lançam mão de estratégias para ocupar espaços sociais nas
comunidades. Para situar, esclareço que o recorte da entrevista apresenta o momento em
que as artesãs moradoras da comunidade de São João do Ipecaçu 10, convocam uma
reunião para negociar o uso do barco da comunidade para que todas as artesãs, de outras
comunidades, associadas ao grupo possam participar em Tefé de uma Oficina de
Capacitação de Artesanato.
A negociação se deu da forma que artesã Rosenize11 descreve abaixo:
[...] aí a Marli [sócia do grupo] disse se as mulheres das outras comunidades não
forem pelo menos nós do São João do Ipecaçu nós vamos, pelo amor de Deus, nós
cooperando, sei que nós vamos nem que seja de rabeta. Mas ela rapidinho pensou no
motor do Valdir, falou do motor do Valdir [esposo da Erli, irmã da Marli, ambas sócias
do grupo de artesãs], mas só que o Valdir já tinha fretado o motor dele para outra
pessoa, aí ela pensou no barco do São João do Ipecaçu, mandou dizer para nós reunir
com a comunidade. A Erli não teve coragem de falar porque ela sabe que tem sócio que
não apoia o grupo né, aí a Marli disse que ela não falaria também, então ela disse fala
“Nice” que tu tem coragem, tu tens mais assunto e jeito de falar. Aí eu disse então
convidem para a reunião que eu falo. Aí a Erli e a Soila [outra sócia do grupo]
convidaram, aí apareceu à maioria dos moradores da comunidade, principalmente os
homens. Maninha eu pensei, deixa eles [os homens] falarem o que eles quiserem, se eles
não derem o motor para a gente tudo bem, também a gente não vai brigar com os outros.
A gente agradece, termina e a gente dá outro jeito para ir nessa oficina. Eu já sabia que
tinha algumas pessoas que não concordariam. Aí na reunião eu falei para eles, como diz
a Marli, Nice é bom que tu fale por que tu não fala alto como eu. Aí eu falei para eles,
ninguém sabia para que fosse a reunião, perguntaram é da associação? Eu disse não, é
uma reunião rápida que nós mulheres queremos ter com vocês. Aí eu fiz a abertura e
falei qual era a pauta da nossa reunião; era que nós estávamos precisando do barco para
ir para uma oficina de artesanato, justifiquei que nós temos o nosso próprio motor
rabeta, tem a canoa que tá meio desorganizada, porque ela está entrando muita água
[está com vazamento], e aí já não está mais prestando para fazer viagem longa, mais
mesmo assim se desse para ir de rabeta, a gente tinha como ir, conseguia uma canoa,
10
É a maior comunidade da região e com melhor estrutura física. Reúne o maior número de lideranças
atuantes no Setor Coraci (tanto homens como mulheres), ou seja, é a comunidade que detém o maior
“capital econômico e simbólico” em termos de atuação na organização política local.
11
“Nice” é nome com que Maria Rosenize é conhecida nas comunidades
9
mas só que eu não vejo só o meu ponto, eu posso ir de rabeta, posso pegar uma canoa e
o motor do meu marido, mas agora eu penso nas outras sócias do grupo que tem filho
pequeno. Agora nós estamos pedindo se vocês liberam o barco aqui da comunidade para
nós ir para Tefé participar da oficina, mas sem pagar a taxa que sempre é cobrada
quando os comunitários usam o barco. Porque nós somos sócias e achamos que não
temos direito12 de pagar essa taxa13, o grupo de artesãs não tem condições de pagar, é
possível nós levar as mulheres para essa reunião sem pagar essa taxa, só mesmo
contribuindo com o diesel? Essa é a pergunta que eu faço para vocês. Tudo bem nós não
quer brigar, nós não quer teima, nós só queremos uma decisão certa, se vocês não
conseguirem a gente agradece e se conseguirem a gente agradece também. Aí ficou uma
barulhada, um falava uma coisa e outro falava outra coisa, disseram que não dava não,
para nós tudo bem que nós somos sócias [mulheres moradoras da comunidade de São
João do Ipecaçu], mas lembraram que eles também eram sócios e toda viagem deixavam
dois reais, cada viagem nós deixa dois reais, por que é assim é a regra, além do diesel
nós deixa dois reais, e questionaram por que elas [mulheres das outras comunidades]
também não iam pagar para deixar um pouco para manutenção do barco? Aí foi eu disse
assim, olha gente tá certo, vocês estão pensando certo, mas só que no meu ponto de
vista, eu vejo assim, quando o seu Anézio [morador de outra comunidade, marido e pai
de várias sócias do grupo] tinha o motor dele nós cansamos de ir ao barco dele, mas nós
só contribuía com o diesel, nós não pagava taxa, e hoje se nós for cobrar das mulheres a
taxa para usar o barco daqui da comunidade e elas tiverem que pagarem elas vão ter
motivo de falar, por que elas nunca cobraram de nós, o dono do barco nunca cobrou de
nós, ele só cobrava o diesel, mas se não dar tudo bem... Marilia: Qual é a regra, é só
pagar o frete quando os moradores levam produtos para vender em Tefé? Rosenize:
Sim. Por isso eu disse nós vamos para uma oficina não vamos vender produtos. A Soila
que fala alto disse: agora por quê? Perguntou do homem que se chama “Chico Padre”,
por que elas vão ter que pagar, por quê? Me diz agora, o barco não é usado para a
viagem do catequista, para levar daqui desse setor e levar de outro setor, até a Boca do
Capivara [comunidade próximo de Tefé], eles deixam o dinheiro para o barco? O Chico
Padre respondeu: Não. E a Soila questionou: E por que as mulheres daqui do Setor vão
pagar? Nós não vamos passear, nós vamos para uma reunião, para uma atividade
importante para as mulheres que são sócias do grupo, aí ele disse: ah! mas é da Igreja é
uma reunião da Igreja. Aí a Soila disse: mas nós também somos filhos de Deus porra,
somos filhos de Deus, ela falou revoltada chamando palavrão [sorrindo Rosenize
comenta que ela fala “filho de Deus e ao mesmo tempo chama porra]. Aí o Valcimar
[presidente da comunidade de São João do Ipecaçu na época] falou: rapaz da minha
parte o motor esta liberado, pois não é toda vez que as mulheres pedem, na verdade elas
nunca pediram esse barco para ir para reunião, elas merecem, elas participam de todas
as reuniões, elas pagam a associação direitinho, e as nossas mulheres não estão no grupo
por que elas não querem então da minha parte está liberado, pode ir. Aí o Choca, que é
solteiro, disse que não aceita, da parte dele o barco não saía não, se saísse, mas as outras
[as mulheres que não moravam na comunidade São João do Ipecaçu] tinham que pagar,
por que eles eram sócios e pagavam. Foi ele quem puxou esse assunto e aí o negócio
começou a complicar. Aí a Soila disse para ele: “cala a boca! Nem pra tu ter mulher tu
presta, tu fica falando aí só por que tu não tens mulher”. Aí um falava dali, outro falava
daqui, aí não liguemos para ele, aí o Valcimar disse que podia, o Valdir disse que podia,
sei bem que a maioria, agora eles disseram se caso quebrar o motor, que Deus me
defenda, que eu sei que não vai acontecer, aí sim, aí o grupo vai ter que pagar as peças
que quebrarem. Aí a Soila disse: “mas não vai quebrar porque nós não somos
amaldiçoadas”. Rosenize: eu falei assim para eles: para vocês verem que nós nunca
12
O uso do termo “direito” é usado no sentido de dever.
Nice me esclareceu que na comunidade de São João, essa contribuição é usada para ajudar na
manutenção do barco.
13
10
pedimos barco, quando as oficinas eram aqui mesmo pelas comunidades nós podemos ir
de rabeta, vem chuva? vem, nós pára na beira de uma comunidade, ou nós leva o
plástico e nós se cobre. Para ir para Várzea Alegre [outra comunidade] nós já
precisemos do motor da Dona Gracinha [sócia do grupo já falecida] uma vez para ir, por
que agente não tinha canoa, mas nós cooperamos, ela veio de lá, aí nós demos o
combustol e fomos todas juntas. Então agora chegou o ponto de nós pedir de vocês o
barco por que quando a Dona Gracinha era viva a gente andava no barco dela, nós já
enfrentamos temporal, uma vez o barco dela quebrou a corda do leme que ficou rodando
no meio do temporal. Então para nós se dispor daqui até Tefé com as mães que tem
filho pequeno, eu não tenho mais filho pequeno, mas eu vejo as outras que têm filhos
pequenos que ainda estão no peito, para ir daqui para Tefé no sol quente, debaixo de um
temporal, então é por isso que nós estamos pedindo de vocês, mas só que a gente tem
que ter um bom diálogo. Eu disse ainda que no caso da gente conseguir diesel que possa
sobrar uma lata ou duas, nós deixa para o barco, nós deixa, nós vamos lutar para ter o
combustol de ida e volta uma lata ou duas nós deixa para o barco, aí eles [os homens]
disseram tá bom. Marília: e todas as mulheres já sabem que vocês já conseguiram o
barco? Rosenize: todas [...]
Diferentes personagens atuam neste diálogo e/ou confronto de posições que
ocorre durante a reunião convocada pelas mulheres. Na narrativa de Rosenize
personagens são enfatizadas como, por exemplo, as sócias do grupo, Marli e Erli, que
embora não estivessem presentes, Rosenize faz questão de ressaltar o quanto elas foram
importantes para que a reunião acontecesse. Por sua vez, Soila, é a personagem que
Rosenize traz à tona para descrever o comportamento que geralmente as mulheres têm
durante uma reunião e em outras atividades do grupo. São comportamentos e ações que
podem trazer à tona conflitos, mas que também mostram a realidade das relações
exatamente como ela ocorre no dia-a-dia das comunidades no contexto da organização
do grupo.
O presidente da comunidade e os demais sócios homens são referenciados por
Rosenize, na medida em que eles tomam posições contra ou a favor, isto porque, ela
procura enfatizar como cotidianamente as mulheres do grupo estão em permanente
negociação para alcançar seus interesses coletivos e como as sócias do grupo
desenvolvem estratégias diversas para dar andamento nas atividades do grupo, em face
de todos os obstáculos vivenciados.
Durante a narrativa de Rosenize, observamos que a artesã faz um exercício de
mostrar como a reunião foi planejada. Expressa ainda quais são os receios das mulheres
e quais as expectativas criadas com relação ao pedido que as mulheres formularam aos
moradores da comunidade de São João do Ipecaçu. Percebe-se que há um planejamento
de como as mulheres projetam reagir diante do resultado da reunião. De outro modo,
11
Rosenize, apresenta os argumentos que ela lançou mão para referendar o pedido. De um
lado, ela se posiciona ressaltando que as mulheres são gentes sociais que têm direito de
usar um patrimônio coletivo da comunidade, pois cumprem com suas obrigações
enquanto sócias da associação. De outro, ela mostra que não pretende contraargumentar ou se rebelar, caso a proposta não seja acatada por todos, como se tivesse
mantendo a aparência de obediência passiva às regras. É neste sentido reporto-me ao
posicionamento de Bourdieu (2004) sobre a noção de estratégia. Para este autor
[...] o bom jogador, que é de algum modo o jogo feito homem, faz a todo
instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige. Isso supõe uma
invenção permanente, indispensável para se adaptar às situações
indefinidamente variadas, nunca perfeitamente idênticas. O que não garante a
obediência mecânica à regra explícita codificada (quando ela existe) [...]
(2004:81)
Com este entendimento a artesã Rosenize demonstra habilidade e capital
simbólico para se posicionar dentro do jogo. De modo que tal capital lhe garante
vantagens e prestígio diante das lideranças masculinas, e, portanto, favorece resultados
positivos para os interesses das artesãs bem como cria possibilidades de abertura para
que às mulheres possam se reposicionar dentro de um campo político e no espaço
social. Este trecho da entrevista é emblemático para revelar como as mulheres que
fazem parte de uma organização se articulam para acessar um campo social em que os
interesses devem ser pleiteados a cada dia.
De outro lado, ao fazer questão de relatar a atuação da artesã Soila, Rosenize,
demonstra compartilhar dos argumentos da mesma, muito embora ela comente que falta
certa “etiqueta social” em Soila na forma de expressar e de negociar com os principais
interlocutores presentes na reunião, de modo a garantir o “controle do jogo”.
Outro aspecto importante presente nesta narrativa é a postura das mulheres de
instituir estratégias e manipular regras sociais que estão estabelecidas. Como postula
Bordieu, os sujeitos são agentes ativos manipulando regras em busca de seus interesses
(Bourdieu, 2004). Por exemplo, o argumento que é usado para justificar o uso barco,
isto é, a importância da atividade para as mulheres e os benefícios que aquela atividade
representa em termos de qualificação do trabalho empreendido pelo grupo. De outro
modo, outro argumento lançado mão para sensibilizar, principalmente os homens, são
os “riscos de vida” que as mulheres poderiam passar juntamente com seus filhos, caso
não tivesse ao seu dispor um transporte que garantisse a segurança e o conforto para
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todos os passageiros. Há uma eficácia simbólica presente no discurso a artesã no sentido
de que sua proposta de solicitação do barco encontra-se alicerçada numa situação real.
Como se refere Bourdieu a construção dos grupos deve estar alicerçado nas afinidades
objetivas entre as pessoas que se quer reunir (2004:166).
Há uma lógica de comportamento para que o ganho seja garantido em longo
prazo. Existe uma perspectiva política no agir diante de um campo estruturado.
Observa-se que ao final da negociação, Rosenize faz um discurso para reforçar que em
retribuição a liberação do barco, o grupo fará o esforço de deixar para comunidade uma
quantidade de combustível que o deixe abastecido. Parece ser um uma posição
contraditória, porque o principal argumento para o não pagamento da taxa é “falta de
condições financeiras” do grupo. Ao se comprometer em abastecer o barco as mulheres
indicam ter possibilidades para tal além garantir uma negociação semelhante em outro
momento com a “dádiva” trocada.
Nota-se que as palavras usadas pela artesã exercem um poder de mobilizar
coisas e, assim consiste num dos principais instrumentos da estratégia lançada mão
durante o processo de convencimento das pessoas presentes na reunião, especialmente,
os homens. Assim as palavras utilizadas está relacionada a uma performance encenada
para atingir os propósitos do grupo junto à comunidade como um todo. Como propõem
Bourdieu, “o poder simbólico é um poder de fazer coisas com as palavras” (2004:
166/167).
A fala da artesã Rosenize é um discurso autorizado pelo grupo, sua
“performance de negociadora” reflete uma fala qualificada. Muitos aspectos do discurso
produzem sucesso e em outros casos são descartados, mas podemos afirmar que
Rosenize é uma pessoa que detém o poder no discurso que é elaborado por ela para que
o grupo possa atingir seus objetivos.
O fato das outras artesãs, como Marli e Erli (irmãs e que tem um histórico de
envolvimento maior nas atividades organizativas das comunidades) recorrerem a
Rosenize para que a mesma lidere a reunião e repasse o pedido das mulheres para a
comunidade representa o reconhecimento de Rosenize como detentora de prestígio e
capital simbólico junto ao grupo e a comunidade.
O discurso explorado por Rosenize ressalta o sentimento de unidade e
solidariedade existente no grupo, bem como a preocupação que as mulheres têm de
propiciar segurança e conforto para as sócias que têm filhos pequenos e que
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obrigatoriamente devem acompanhar as mães nas atividades do grupo. Isto não significa
dizer que há uma harmonia presente nas relações do grupo e/ou ausência de tensões e
conflitos, ao contrário, embora exista um interesse coletivo em jogo, ao mesmo tempo
em que dádivas estão sendo trocadas e/ou contraprestações de dádivas (Cfe Mauss,
2003) estão sendo retribuídas através da conquista do acesso ao barco para todas as
mulheres associadas ao grupo.
Considerações gerais
A trajetória deste grupo revela muitas questões sobre os papéis sociais
desempenhados pelas mulheres e suas expectativas sobre os processos de tomadas de
decisões. Algumas questões são pertinentes para serem examinadas futuramente: A
conquista de sua própria fonte de renda representa “autonomia” financeira que reflete
nas suas ações individuais e familiares? A posição das mulheres numa sociedade é
determinada pelo grau de controle que exercem sobre seu próprio trabalho e sobre o
produto deste? O acesso à renda é uma estratégia de agenciamento das mulheres em
várias esferas da vida, seja ela familiar, política, econômica?
Peralta e Alencar (2008) no estudo feito em duas comunidades ribeirinhas da
Reserva de Mamirauá (vizinha à RDS Amanã) apresenta as mudanças geradas nos
papéis clássicos dos gêneros nas unidades domiciliares destas comunidades. As autoras
apontam que, de modo geral, o aumento da renda familiar é entendido como positivo,
pois implica em aumento do patrimônio familiar e o acesso a diversos bens de consumo.
Na narrativa da artesã Rosenize transparece as diferentes estratégias utilizadas
pelo grupo para garantir o direito no campo político de tomadas de decisão no âmbito da
organização comunitária local. São colocadas em prática estratégias de manipulação de
normas visando atingir os interesses do grupo. É a partir da organização em torno da
produção do artesanato que as artesãs almejam não somente, ter uma fonte de renda
para suas famílias, mas junto a isso, sentirem-se valorizadas e intuídas como agentes
políticos atuantes em todos os campos sociais.
Embora os trechos da fala de Maria Rosenize represente uma opinião individual,
autoriza uma visão coletiva. Revela tanto o processo de construção da trajetória do
grupo, bem como acena e/ou reflete rupturas e expõem uma linguagem política que é
construída com a práxis. Há uma linguagem que prescreve como - a partir do
empoderamento econômico obtido através da renda oriunda da produção de artesanato –
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as mulheres passam a se relacionar com os homens nas comunidades. Há uma luta
permanente de equalizar tensões e uma idéia de política através de uma linguagem e de
uma etiqueta de comportamento forjada para garantir rupturas e mudanças num campo
de relações estruturadas e estruturantes.
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