A MALDIÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS À PROVA:
OS CASOS DA NIGÉRIA E BOTSWANA
Marlene Bastos
bastos. ma rlen [email protected]
Manuel Ennes Ferreira
mferei ra@iseg .utl .pt
A MALDIÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS À PROVA:
OS CASOS DA NIGÉRIA E BOTSWANA
Marlene Bastos '
Manuel Ennes Ferreira **
Resumo: A análise da 'ma ldição dos recursos naturais' chalna a atenção para
a influência negativa que as matérias-primas, nomeadamente minerais, podem ter
no desenvolvimento económico, social e politico de um país, bem como n a sua
estabilidade interna. Embora não se trate de uma relação linear, a evidência da
África Subsaariana p ar ece dar-lhe argumentos. Porém, dois casos diferentes
en contramos nesta região: por um lado, a Nigéria, exportador de petróleo; por
outro, o Botswana, exportador de diamantes. Favorável ao segundo estão o melhor
desempenho económico e a maior estabilidade política. Factores diversos explicam as suas trajectórias.
Abstract: The 'resOlu'ce curse' analysis highlights the negative influence that
natural resources, namely minerais, might have on a country's economic, politicai
and social development, as well as on domestic stability. Truly, it is not a linear
reIa tionship, although Sub-Saharan Africa seems to fit in that idea. Yet, two different case studies might be presented: on one hand, Nigeria, an oil exporte r country; on the other hand, Botswana, a diamond producer. The latter has achieved a
better economic performance and politicaI stability as weIl. SeveraI factors explain
the paths of both contries.
* Licenciada em Economia e Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional,
ISEG/UTL.
,.,. Professor do Departamento de Economia do ISEG/UTL e Doutorado em Economia
pelo ISEG/UTL.
Lusíada. Política Internacional e Segurança, nº 1 (2008)
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Marlene Bastos, Manuel Enn es Ferreira
Palavras-chave : Recursos N a turais; Economia Po lítica; De sen volv im ento
Económico e Social; Ni géria; Botswana.
Key Words: Natu ral Resurces; PoliticaI Economy; Social and economic development; N igeria; Botswana.
Introdução
Cinquenta anos depois d o início do processo de independência dos países
da África Subsaariana, o desempenho económico, social e político da esmagadora maioria dos países que a constituem, quer em termos absolutos quer em
termos relativos quando comparado com as outras regiões dos países em
desenvolvimento, ficou aquém das expectativas e n ecessidades . Várias explicações têm sido apresentadas. No que diz respeito à análise económica, a constatação da manutenção de uma estrutura económica baseada na produção e
exp ortação de matérias-primas, herdada do tempo colonial, chamou rapidamente a atenção para a importância da diversificação das actividades económicas. Contudo, uma análise mais cuidada evidencia um factor perturbador:
os países que detêm uma indústria extractiva significativa em importân cia
das suas exportações, do PIB ou das receitas fiscais do país, são aqueles que
apresentam maiores problemas em diversificar, em garantir a estabilidade
política, combater a corrupção ou garantir o cumprimento dos princípios
democráticos. A 'maldição dos recursos naturais' ap arece neste quadro.
Na África Subsaariana, embora poucos, alguns casos parecem contradizer
aquela relação. O objectivo deste artigo é, a partir de dois casos considerados
paradigmáticos desta discussão, a Nigéria (produtora de petróleo) e o Botswana (produtor de diamantes), apresentar alguns elementos que possam contribuir para esclarecer a inevitabilidade, qual determinismo histórico, ou n ão,
da ' maldição dos recursos naturais'. Para tanto, a estrutura do artigo começará por destacar os principais aspectos cobertos pela literatura sobre a 'maldição dos recursos naturais', seguindo-se a aprsentação dos casos da Nigéria e
d o Botswana. Numa terceira parte comparar-se-ão os dois países para que se
eviden ciem as diferen ças de trajectória e desempenho. O artigo finalizará com
as p rincipais conclusões a reter deste estudo comparativo.
A Maldição dos Recursos Naturais
A ideia de que imensos recursos naturais p oderiam condicionar o desenvolvimento de um país, indo bem para além da su a influência negativa sobre o
crescimento económico, encontra em Auty (1993) um dos primeiros autores.
A sua proposta da 'maldição dos recursos naturais' começava, de forma mais
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sistemática, a entrar na agenda de investigação A partir daí, estudos mais
globais sobre o 'paradoxo da abundância', destacando em particular o papel
do petróleo (Karl, 1997), com especial ênfase na abordagem pela economia política, vão-se sucedendo (Ross, 1999). A primeira atenção dos estudos centrou-se
nos efeitos económicos. O destaque foi para as consequências do desenvolvimento do sector extractivo em prejuízo das restantes actividades económicas,
que a literatura económica apelida de Dutch Disease. A continuação dos estudos
de caso fizeram sobressair outras questões ainda ao nível económico mas também social: o agravamento na desigualdade da distribuição do rendimento, o
agravamento dos níveis de pobreza (Ross, 2003), ou ainda a aplicação de
modelos de rent-seelcing (por exemplo, Collier and Hoeffler, 2005). Do económico
e do social para as questões políticas foi um passo, com especial ênfase para a
instabilidade política fortemente propiciadora de condições para o eclodir de
guerras civis (Collier, 2000; Herbst, 2000); Ross, 2004)1, para os elevados níveis
de corrupção, a má governação, o atropelo dos princípios democráticos ou
ainda a paz e a segurança (Myers, 2005). Em Basedau (2005), Basedau and
Mehler (2005), Humphreys (2005) ou Rosser (2006) poder-se-á encontrar uma
síntese da literatura sobre estes vários aspectos.
As áreas potencialmente afectadas pela maldição dos recursos naturais
podem ser agrupadas, para simplicidade de apresentação, nas seguintes áreas:
desenvolvimento socio-económico; governance e instituições; democracia e
direitos humanos; e paz e segurança2 . De seguida apresentar-se-ão os canais
de transmissão da maldição dos recursos naturais que afectam cada uma destas áreas de forma directa e indirecta.
Desenvolvimento socio-económico
A abundância de recursos naturais conduz, em muitas circunstâncias, ao
declínio de outras fontes de desenvolvimento de um país. Uma dessas formas é
o crowding out do capital humano pelo capital natural, uma vez que o padrão de
especialização das economias ricas em recursos naturais muitas vezes as leva
a descurarem o desenvolvimento dos seus recursos humanos. Estas economias
tendem a evidenciar o predomínio de actividades agrícolas e mineiras, empregadoras de mão-de-obra pouco qualificada e geradoras de reduzidas externalidades positivas. Assim, o fraco nível de diversificação das economias produtoras de recursos remete para situações de dependência das receitas extractivas
e consequente vulnerabilidade macroeconómica. A exposição a ciclos económicos, associada à menor elasticidade da procura dos recursos naturais face aos
1
2
Ver ainda Bannon and Collier (2003a).
Para esta parte seguir-se-á de perto Basedau (2005) e Basedau and Lay (2005a).
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bens industriais e ao comportamento extremamente volátil dos preços das
matérias-primas no mercado internacional, têm contribuído para o declínio
do preço relativo das exportações dos recursos naturais destas economias.
Um outro mecanismo de transmissão da maldição dos recursos naturais
é a chamada Dutch Disease, isto é, o efeito de apreciação na moeda nacional que
normalmente acompanha o b00111 nos preços dos recursos naturais, e que reduz
a competitividade da indústria e do sector de bens transaccionáveis. Os exemplos na África Subsaariana são vários. Refira-se a título ilustrativo e como um
dos mais recentes, o efeito destruidor da actividade petrolífera sobre a produção de cacau na Guiné-Equatorial.
Também a capacidade de resposta dos governos aos ciclos dos preços dos
recursos naturais e a condução de políticas adequadas é determinante para o
desenvolvimento de um país. Evidência empírica sugere que, em muitos países, a resposta dos governos em períodos de boom de preços dos produtos
extractivos acaba por resultar num excessivo investimento público com vista
à criação de emprego, em mega projectos onerosos e de discutível viabilidade
económica, apelidados de "elefantes brancos", ou até na promoção de políticas
de substituição das importações e de subsídios a outros sectores da economia,
como um fim em si mesmos. O exemplo da Nigéria, ao longo dos anos 70 e 80 é
paradigmático. Estas políticas revelam-se especialmente danosas em períodos
de quedas dos preços dos recursos naturais, em que os governos não podem
cessar imediatamente os investimentos iniciados, tendo para o efeito de contrair nova dívida, do que resulta um endividamento externo bastante elevado.
Governance, instituições e l'ent-seeldng
A qualidade das instituições e govema1'lce são identificadas como canais
importantes para a materialização da maldição dos recursos. A riqueza gerada
pelos recursos resulta, em muitos casos, na emergência de um Estado rendeiro
que procura apropriar-se das receitas extractivas. Fenómenos como a elevada
corrupção, clientelismo e um quadro institucional fraco estão associados às
teorias de rent-seeking e economias/Estados rendeiros.
Em países muito dependentes da actividade extractiva, o Estado, ao apropriar-se de parte significativa destas receitas, cessa com a sua função fiscal
sobre os cidadãos, marcando assim uma distância em relação à população, que
o deixa livre da avaliação de desempenho a que os governos são habitualmente
sujeitos. Uma vez que as rendas extractivas não são transferidas directamente
para o Estado (e elites associadas), recorrendo antes a mecanismos indirectos
como subsídios, restrições ao comércio ou criação de cargos públicos, o Estado
fica alheado das actividades efectivamente produtivas, o que introduz um elevado nível de ineficiência na economia. Para além disso, em muitos casos, as
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rendas são utilizadas na repressão a qualquer movimento de oposição, semeando
a discórdia no país.
Que variáveis podem afectar a qualidade das instituições? O legado histórico na extracção dos recursos aparece como um aspecto importante e materializa-se quando muitos países, após a independência, mantêm as instituições
actuando numa lógica extractiva. A resistência por parte das novas elites a
mudanças institucionais é frequente, uma vez que estas podem reduzir as rendas que conseguem extrair dos recursos naturais. Sala-i··Martin e Subramanian (2003) demonstram, no seu estudo cross-country, que os recu rsos naturais
têm um impacto negativo no crescimento económico por via do seu efeito corrosivo na qualidade das instituições, fazendo notar que o impacto dos diferentes recursos naturais na qualidade das instituições pode variar significativamente.
Segundo as teorias do rent seeking é o lobbying pela afectação das rendas
extractivas que conduz à deterioração da estrutura institucionaL Contudo,
uma vez controladas as instituições e assegurado o seu funcionamento em
prol do desenvolvimento do país, os recursos naturais podem ter um impacto
positivo no crescimento económico. Por outro lado, não é apenas o tipo do
recurso natural que importa, m as também a sua abundância. A ideia que prevalece é que quanto maior seja a sua importância maior é o grau de deterioração da qualidade institucionaL
Democracia e direitos humanos
Os efeitos adversos dos recursos naturais nos direitos humanos e nas
perspectivas da democracia constituem outro aspecto importante. Baseando-se n os trabalhos de Michael Ross, Basedau (2005) distingue três tipos diferentes de efeitos: o efeito de modernização, o efeito rendeiro e o efeito repressivo.
O efeito de modernização envolve um número de mudanças sociais, normalmente fruto do processo de industrialização e que são as grandes responsáveis pelos constituição de processos democráticos. Assim, alguns Estados
rendeiros embora conseguindo produzir riqueza (pelo m enos numa fase inicial) não conseguem desencadear o processo de mudança social e cultural
necessário à constituição de um regime democrático, já que a fonte potencial
de riqueza está confinada a um pequeno grupo de indivíduos. A formação do
capital social capaz de garantir a monitorização e avaliação das autoridades
governativas e funcion ar como contra-poder, sendo fundamental para a constituição de democracias e para a p romoção e respeito dos direitos humanos, é,
por aquelas elites, desincentivada. O efeito rendeiro está associado às teorias
do rent-seeking de que se falou atrás, ao mesmo tempo que os cidadãos se sentem
pouco representados pelo Estado e quase desvinculados deste sempre que os
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deixa de tributar. Finalmente, o efeito repressivo está associado a estas teorias,
podendo ser visto como uma consequência das mesmas.
Numa perspectiva pessimista, Friedman (2006), propõe mesmo a existência de uma lei, a 1ª Lei da Petropolítica, segundo a qual nos Estados ricos em
petróleo o preço do petróleo e a trajectória da liberdade movem-se sempre em
direcções opostas. Assim, quanto mais alto o preço d este recurso, mais esvaziados ficam as liberdades cívicas, as eleições livres, a independência do poder
judicial, o Estado de direito e a independência dos partidos políticos.
Por outro lado, os governos de países abundantes em recursos tendem a
despender parte substancial das receitas extractivas em grandes aparatos de
segurança os quais, em muitos dos casos, constituem a resposta à inquietação
social gerada pelos próprios recursos: pobreza e desigualdade. Se estes últimos
alimentam muitas das vezes conflitos mais intensos como sejam as guerras
civis, a má gestão e a apropriação privada das rendas dos recursos naturais
pode acelerar aqueles fenómenos. E não apenas criando desigualdade vertical
mas igualmente desigualdade horizontat com regiões e grupos étnicos sentindo-se marginalizados das oportunidades de d esenvolvimento no país
(Stewart, 2000 e Cramel~ 2005). Uma vez que esta apropriação indevida dos
recursos naturais pode gerar surtos de violência, as perspectivas da democracia e o respeito pelos direitos humanos sofrem um revés. É bastante provável
que a adopção de uma nova resposta repressiva por parte do governo faça
diminuir o nível de segurança humana, no seu sentido lato, remetendo para
uma espiral negativa que afectará, de forma substancial, as perspectivas democráticas. Por outro lado, dada a importância estratégica dos recursos naturais,
todo o quadro anterior é igualmente influenciado pelas pressões externas.
Em certos casos isto pode, inclusivamente, materializar-se na disputa externa
pelos recursos naturais de um país, acentuando o conflito, justificando até
menores pressões políticas pró-democráticas e a uma deterioração dos direitos humanos.
Paz e segurança
Muita da literatura sobre a 'maldição dos recursos naturais' lida com as
motivações económicas e políticas em torno do acesso e distribuição dos benefícios associados àqueles recursos. Centrada nos conceitos de "greed and grievance",
a agenda de investigação começou por se estruturar em torno dos interesses
económicos (os contributos de Collier devem ser realçados) para, num segundo
momento, passar a incluir questões de natureza política, social, étnica ou regional. Um dos resultados possíveis de ocorrer era a guerra civil ou mesmo a
guerra inter-Estados com a apropriação dos recursos naturais como principal
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motivação. A este propósito, Collier e Hoeffler (2001) demonstraram que a
abundância de recursos naturais aumenta a probabilidade de um conflito civil
num país. A probabilidade de um país sem recursos naturais experimentar
um conflito é de 0.5%, mas quando os recursos naturais representam 26% do
PIB doméstico a probabilidade aumenta para 23%.
Fenómenos de grievance emergem quando determinados segmentos da
população ou regiões se sentem privados dos benefícios e riqueza gerados pela
exploração dos recursos, ou excluídos/marginalizados por questões de ordem
étnica, histórico-cultural, religiosa ou regional. Já a situação de greed respeita
essencialmente a um fenómeno de cobiça e avareza tanto por parte de actores
domésticos como de operadores externos. A riqueza gerada pelos recursos
naturais e o poder associado (sobretudo quando se tratam de recursos naturais de elevada importância estratégica) estimulam comportamentos de cobiçai
/avareza. As pretensões secessionistas podem acelerar-se embora neste caso
seja de cariz artificial já que o acesso aos recursos naturais é a sua principal
motivação. Mas como Basedau (2005) também faz notar, não bastam motivos
para que os conflitos surjam. São necessários também os meios e oportunidades. A formação e manutenção de grupos rebeldes armados são dispendiosas e
podem ser financiadas pelas elevadas receitas extractivas. Mas para que os
meios cheguem até estes países é necessário um enquadramento internacional
que facilite o comércio de armas e géneros. E precisamente porque muito destes
países estão na presença de um quadro institucional fraco, o seu tráfico é
potenciado. A pilhagem e a exploração também são mais ou menos facilitadas
dependendo da exigência de muito ou pouco know how ou infra-estruturas
complexas, facilidade de transporte (como é o caso dos diamantes), maior ou
menor grau de protecção a ataques rebeldes (o caso das infra-estruturas petrolíferas onshore) ou ainda a sua localização geográfica (em área remotas ou perto
das grandes cidades) e concentração (existência do recurso natural em vários
pontos do país) (Le Billon, 2000, 2001 e 2007).
Nigéria: barril sem fundo
A Nigéria, antiga colónia inglesa, tornou-se independente em 1960 e está
localizada na África Central, no Golfo da Guiné. É frequentemente apresentada
como um dos casos em que a maldição dos recursos naturais toma uma
expressão mais contundente. Embora dispondo de elevadas reservas de petróleo - sendo o 11 º maior produtor de petróleo a nível mundial - o país situa-se
entre as 15 nações mais pobres do mundo.
Num país populoso como é o caso da Nigéria, ascendendo a 141,36
milhões de habitantes em 2005, a taxa anual de crescimento do PIB per capita
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apresenta uma tendência fortemente negativa, acusando um decréscimo
de -0,1% no período 1975-2005 e um magro crescimento de 0,8% no período
1990-2005 (UNDP, 2007/2008). Também em termos de Paridade de Poder de
Compra (PPC), o PIB per capita evidencia uma evolução negativa, em termos
reais, já que de 1.113 dólares em 1970 passou para 1.084 dólares em 2000 e
1.128 dólares em 2005. O cenário ainda se torna mais negro se olharmos para a
taxa de pobreza, onde o número de pessoas a viver com menos de um dólar
por dia aumentou de aproximadamente 36% em 1970 para perto de 70% em
2000 (o correspondente a um aumento do número de pobres de 19 milhões
para 90 milhões, respectivamente). Assim, a assimetria social conheceu um
agravamento substancial no período, com os 2% mais ricos a deter o mesmo
rendimento que os 55% mais pobres em 2000, que compara com uma relação
de 2% para 17% em 1970, respectivamente (Sala-i-Martin e Subramanian,
2003, pp. 4). Finalmente, a Nigéria é classificada pela UNOP3 como um país de
índice de desenvolvimento humano baixo, cujo valor em 2005 era de 0,47,
situando-se abaixo da média de 0,49 da África Subsariana.
Os mecanismos de transmissão da maldição dos recursos naturais na
Nigéria podem ser identificados a quatro níveis: (i) fraca qualidade das instituições e bad governance estreitamente associado à detecção de práticas de rentseelcing e corrupção; (ii) sobredependência do petróleo e exposição à volatilidade do preço do mesmo nos mercados internacionais, com consequências
adversas no crescimento do país; (iii) deficiente gestão pública; (iv) vulnerabilidade ao efeito da Dutch Disease; (v) fenómenos de greed and grievance, a primeira
es treitamente associada às práticas correntes de rent seeking, a segunda particulannente ligada à desigualdade horizontal, de cariz regional (Stewart, 2000);
(vi) uma democracia recente e deficiente e o desrespeito pelos direitos humanos.
Fracas instituições e bad governance
A Nigéria é um caso paradigmático em que a abundância de recursos
naturais esteve e está associada à corrupção sistémica e a um quadro institucional fraco. Sucessivas ditaduras militares visando a extracção de receitas
petrolíferas e inúmeras histórias de transferências de rendas para fora da
Nigéria remetem para bad govemance, práticas de rent seeking e elevados índices
de corrupção no país. Sala-i-Martin e Subramanian (2003, pp. 15) estimam que
o crescimento económico da Nigéria tenha sido reduzido em cerca de 0,5% ao
ano por via do m.ecanismo da fraca qualidade institucional.
3
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UNDP (2007/2008).
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A tensão existente entre restituir as receitas às zonas de origem, dar
resposta às exigências de redistribuição, de forma a assegurar níveis de serviço
público aceitáveis às regiões mais pobres, e ao mesmo tempo garantir ao
governo e às elites a apropriação de rendas extractivas, tem estado na origem
de movimentos secessionistas. O sistema de distribuição das receitas petrolíferas sofre, ainda hoje, de falta de transparência e rigor, o que alimenta um clima
de dúvida e desconfiança crescente entre a Federação e as regiões constituintes
(Ahmad e Singh, 2003, pp. 9-22).
Os problemas que a Nigéria enfrenta ao nível da governação são evidentes na classificação obtida pelo lbrahim Index of African Governance 2007,
ocupando, num conjunto de 48 países Africanos, a 37ª posição. Também no
controlo à corrupção o país apresenta uma fraca pontuação - o Corruption
Perceptions Index 2007 classificava a Nigéria na 147ª posição num ran/cing de
179 países.
Exposição aos ciclos do preço do petróleo
A descoberta de petróleo na Nigéria, em 1965, após a independência, é
identificada como um factor determinante para o quadro de deterioração económica e social que o país conheceu desde então. A elevada dependência da
Nigéria face às receitas petrolíferas, representando cerca de 96% das exportações totais do país, parece estar na base da evolução negativa. Parece assim
evidente que a Nigéria não pode apoiar-se apenas na indústria petrolífera
para reverter o cenário socio-económico negativo em que se encontra (Myers,
2005, pp. 2-3).
Da elevada dependência das receitas petrolíferas e da deficiente gestão
das mesmas, resulta uma grande vulnerabilidade dos gastos públicos à volatilidade do preço do petróleo. Períodos de quedas nos preços da commodity são
habitualmente seguidos de quebras na prestação de serviços públicos essenciais à subsistência e dignidade das populações das regiões. Como a quebra
dos gastos públicos não é imediata à descida do preço do petróleo nos mercados internacionais, a dívida pública externa tende a conhecer um agravamento
significativo nestes períodos. No caso da Nigéria esta realidade é denunciada
pelas oscilações no rácio do serviços da dívida face às exportações de bens e
serviços que passou de um valor de 4% em 1980 (logo após as duas crises
petrolíferas) para 21,9% em 1989, cifrando-se em 15,8'X, em 2005 4 .
4
UNDP (1997, 1992, 2007, 2008).
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Como Myers (2005, pp. 4) faz notar, produtores com maior rendimento
por habitante têm mais receitas para suportar o investimento público ao longo do ciclo de preços do petróleo e assim promover o desenvolvimento socio-económico. Por outro lado, da fraca base tributária associada à prática do
rent-seeJcing (Estado rendeiro) decorrem problemas de fraca monitorização e
avaliação da função governativa.
Deficiente gestão pública
A Nigéria conheceu uma significativa acumulação de capital no período
1973-1980, que mediou os dois maiores choques petrolíferos - tendo o stock de
capital crescido a uma média de 14% ao ano. Uma parte substancial deste
aumento foi gerada por investimento público, por sua vez financiado por
receitas petrolíferas. Sala-i-Martin e Subramanian (2003 pp. 13-15) referem
que entre a década de 60 e o início dos anos 80 o peso do sector público na
formação de capital havia aumentado de 20% para 55%. A subida no nível do
investimento público não seria preocupante se a qualidade do mesmo se revelasse elevada, o que não foi o caso, sendo permeado por inúmeros mega projectos improdutivos ("elefantes brancos"). As taxas de utilização de capacidade
instalada na indústria, que em 1975 se situavam em torno de 70%, caíram
rapidamente para 50% em 1983 e para 35% a 40% nos anos mais recentes.
Dutch Disease e reduzida diversificação
Em relação à exposição da Nigéria ao terceiro canal de transmissão da
maldição - a Dutch Disease - as opiniões divergem. Embora haja evidência empírica de um aumento dos preços dos produtos agrícolas no pós-primeiro choque
petrolífero, Sala-i-Martin e Subramanian (2003, pp. 15-16) identifica a maior
oferta de emprego nas zonais urbanas como causa para a redução da força
laboral agrícola e também da produção agrícola, gerando um aumento dos
preços. Mas o que é facto é que o peso do sector Agrícola no PIB declinou de
68% em 1965 para 35% em 1981, período este marcado pela descoberta de
petróleo no país.
Outro aspecto que os autores salientam é o peso do sector industrial que
se manteve em tendência decrescente no PIB mesmo após os anos 80, quando
os preços relativos dos produtos industriais conheceram uma evolução favorável. Referem ainda que a apreciação da Naira em períodos em que as receitas
petrolíferas estavam em queda se deveu à tentativa, por parte das elites, de
angariar rendas através do mercado negro cmnbiat admitindo assim a sujeição da política cambial a interesses rendeiros.
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Greed and grievance
A história política da Nigéria tem sido marcada pela luta pelo controlo
das receitas do ouro negro. A guerra da Biafra nos anos 60 (1967-70) marcou
um movimento secessionista em que a região do lbo, situada a Leste, tentou
apropriar-se das reservas petrolíferas. Também a construção do complexo de
Ajakouta, aquando dos choques petrolíferos, coincidiu com um período em que
o Norte se tentava apropriar das receitas petrolíferas e que, por intermédio
deste mega projecto, visava a sua legitimação política. O conflito no delta do
rio Niger que irrompeu abertamente no início dos anos 90, mostra bem as
crescentes tensões entre as empresas petrolíferas ali instaladas e os diversos
grupos étnicos instalados na região.
As disputas secessionistas que se mantêm na região do delta do rio Níger
apontam essencialmente para fenómenos de grievance. Tratando-se de uma
zona densamente povoada, as populações locais sentem-se privadas dos benefícios e riqueza petrolíferos que os poderiam tirar das situações de extrema
pobreza em que vivem, tendo porém de suportar os elevados custos ecológicos
associados à actividade de extracção petrolífera na região. Daí a subversão e a
obstrução das actividades petrolíferas conduzidas pelas empresas transnacionais, acções estas a que foi dado o nome, na literatura académica, de petrovíolence (Omeje, 2006, pp.477).
Democracia recente e deficiente
A inquietação étnica e política agravou-se na década de 90 e persiste actualmente, não obstante o país ter-se convertido numa democracia no final da
década de 90. As eleições que trouxeram o governo de Obasanjo ao poder em
1999, e depois novamente em 2003, embora enquadradas num regime democrático, não usufruíram da liberdade e justiça característica a um processo
desta natureza. O processo eleitoral esteve sujeito a toda a espécie de pressões
e abusos, inclusive violência.
Como Omeje (2006, pp. 478-479) faz notar, o Estado nigeriano foi incapaz
de desenvolver uma estratégia coerente e construtiva de gestão dos recursos
petrolíferos e das externalidades negativas associadas, bem como de redistribuição das receitas petrolíferas pelas populações, nomeadamente a nível
regional com particular destaque para a zona Delta do Níger. Confrontadas
com a escalada na petro-violência e a inabilidade do Estado nigeriano para
responder às maiores necessidades de seguranças e ao desafio do desenvolvi-
5 Segundo a Agência In ternacional de Energia em Maio 2008 a Nigéria experimentava
uma paragem de produção de cerca de 600 mil barris por dia d evido a conflitos na zona da
delta do Níger. A produção d e p etróleo nacional no referido mês cifrou-se em 1,90 milhões
de barris por dia
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mento social e económico regional que se impõe, as companhias petrolíferas
estão a desenvolver programas que visam assegurar a sua própria segurança
mas também dar resposta ao desenvolvimento das comunidades locais, por
forma a dissipar os fenómenos de grievance locais e a violência associada.
No entanto, as soluções apresentadas pela indústria petrolífera até à data
revelam-se insuficientes perante a magnitude de pobreza existente, tendendo
a dar prioridade às questões de responsabilidade social sobre as de natureza
ambiental (Omeje 2006, pp. 494-495) .
Botswana: os diamantes não são eternos
Segundo a maldição dos recursos naturais, economias abundantes em
recursos naturais tendem a evidenciar um crescimento económico e índices de
desenvolvimento humano mais baixos do que economias escassas em recursos
naturais 6 . O Botswana é usualmente apontado no rol das excepções. Também
este uma antiga colónia inglesa, tornou-se independente em 1966 e situa-se na
África Austral.
PIB per capita e IDH acima da média da África Subsaariana
Aquando da sua independência, o Botswana era tão pobre como a maioria dos países africanos, apresentando um PIB per capita de 100 dólares, constituindo, porém, um dos países mais ricos em recursos naturais a nível mundial. Era um país essencialmente agrícola, dotado de infra-estruturas
rudimentares, com falta de água e que dependia das verbas financeiras concedidas pelo governo britânico para cobrir as necessidades do seu orçamento
corrente. Quando aqueles deixaram o país, este tinha 12 quilómetros de estrada alcatroada, 22 licenciados universitários e 100 jovens que haviam terminado
o ensino secundário (Acemoglu et. AI, 2002, pp. 1).
Contudo, a taxa de crescimento média anual do país registou níveis invejáveis, nomeadamente quando comparados com a África Subsariana: entre
1965-80 alcançou 9,9% e entre 1990-2005 os 4,8%. Em 2005, o Botswana tinha
um PIB PPC per capita de 12.387 dólares, o correspondente a seis vezes a média
africana. Tendo sido até 1994 um País Menos Avançado (PMA), foi o primeiro
6 Sachs, J., and A. Warner. "Natural Resource Abundance and Economic Growth" in
G. Meier and J. Rauch (eds.), Leading Issues in Economic Development, New York: Oxford
University Press. 1995; in Basedau (2005).
162
Lusíada. Política Internacional e Segurança, n" 1 (2008)
A Maldição dos Recursos Naturais à Prova: os Casos da Nigéria e Botswana, pp. 149-178
país a ser graduado a partir daquela classificação, assumindo o estatuto de
país de rendimento médio?
Com uma população em torno de 1,84 milhões de pessoas, o Botswana
apresentava um índice de desenvolvimento humano (IDH) médio segundo a
classificação da UNDps, acima da média dos países da África Subsaariana
(muitos deles igualmente abundantes em recursos naturais). A análise à evolução do índice sugere uma melhoria significativa até ao início da década de 90
(0,674 em 1990), pautando-se por um moderado retrocesso no período que se
segue, para um valor de 0,654 em 2005. A análise dos componentes do IDH
permite observar que a diferença de ranking em termos de PIB e de IDH se tem
vindo a agravar, facto que evidencia uma evolução menos favorável nas
outras componentes do índice, em particular na esperança de vida à nascença,
que em 2005, se situava nos 48,1 anos de idade face a uma média de 49,6 anos
na África Subsaariana. A baixa esperança de vida à nascença que se observa
no país parece estar associada a problemas de saúde e, em particular, no que
diz respeito à elevada incidência do HIV - SIDA: em 2005 representava 24,1%
da população com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos 9 . O país
apresenta também uma elevada taxa de mortalidade infantil abaixo dos 5
anos, num rácio de 110 por cada 1000 em 2002, face a uma média de 174 por
cada 1000 na África Subsaariana lO .
No domínio das políticas públicas, e a par dos problemas com uma elevada
incidência de SIDA, o país enfrenta também dificuldades em matéria redistributiva, pois embora evidenciando elevadas taxas de crescimento económico, a
desigualdade social tem-se mantido elevada. Assim, segundo o UNDP (2007/8),
os 20% mais ricos da população total representavam, em 1993, 65,1% do rendimento/consumo total, correspondente a um índice de Gini de 60,5 11 . O mesmo
rela tório refere que no período 1990-20051 2, 55% da população total vivia com
menos de 2 dólares por dia.
7 Sobre este tema ver, por exemplo, UNCTAD (2001; 2002). Recentemente, Cabo Verde tornou-se o segundo país a ser gradu ado a partir daquele estatuto. A este propósito ver
Encontre (2004), Rep. Cap Vert (2006) ou Fialho (2007).
8 UNDP (2007/2008)
9 UNAIDS (2007)
10 World Bank (2005).
11 Um valor igual a O representa a igualdade perfeita e um valor igual a 100 a desigualdade perfeita.
12 Os dados referem-se ao ano mais recente disponível durante o período especificado.
Lusíada. Política Internacional e Segurança, nO 1 (2008)
163
Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira
Crowding Out e reduzida diversificação económica
Segundo o World Integrated TI'ade Solution (WITS), o Botswana é o 18º maior
exportador de recursos naturais, numa amostra de 161 países. A actividade
mineira tem contribuído para cerca de 40% do PIB doméstico, com especial
relevância para os diamantes (embora o país detenha outros recursos como
níquel, cobre e ouro, entre outros), o que ~videncia um nível de diversificação
ainda aquém do que seria desejável para um cenário de crescimento sustentável (Iimi, 2006, pp. 6-7). As exportações de diamantes representavam, em 2002,
cerca de 82% das exportações totais, apontando para a dependência deste
recurso, sendo que nos últimos dez anos a média foi de 75% do valor das
exportações totais (Basdevant, 2008, p. 3).
Ainda assim, o país tem conseguido ultrapassar as crises associadas
à sua dependência económica dos sectores da p ecuária e dos diamantes,
mediante a constituição de reservas, facto só possível graças aos superávites
nas balanças de transacções correntes e às significativas entradas na conta de
capital 13 .
A natureza fortemente capital intensiva da actividade mineira limita a
oferta de oportunidades de emprego, pelo que embora responsá vel por 40% do
PIB o sector mineiro apenas gera 4% do emprego total da economia. O investimento demasiado específico e capital intensivo no sector primário restringe as
externalidades positivas para a economia, seja sob a forma de learning by doing
ou na dinamização do mercado laboral doméstico, o que é típico de uma situação de 'maldição dos recursos naturais'. O crescimento económico do
Botswana parece mais relacionado com uma acumulação de capital do que
com a melhoria nos níveis de produtividade ou o crescimento no emprego
(Iimi, 2006, pp. 7-8).
Uma questão interessante a analisar é se o Botswana foi afectado por um
outro canal de transmissão da maldição - a Dutch Disease. Para esta matéria
parece não haver um consenso, uma vez que o facto do ' pula', moeda nacional,
se manter, desde 1980, indexado a um cabaz de moedas, dominado pelo rand
Sul Africano, torna mais difícil apurar o que está por detrás das oscilações no
valor relativo da moeda (ver Hope (2000, pp. 213-214) e Iimi (2006, pp. 9)).
Embora o Botswana evidencie crescimento económico e índices de desenvolvimento humano satisfatórios, padece igualmente dos efeitos de alguns dos
canais de transmissão da maldição dos recursos naturais, como atrás se refere.
Mas o que permite ao país gozar de uma situação mais favorável do que noutros países africanos abundantes em recursos naturais?
13 A rápida e bem sucedida resposta por parte do Gove rno ao breve colapso das
exportações de diamantes em 1981-82, é indicativa da sua capacidade reagir perante mudanças
externas (Rakner, 1996, pp. 15).
164
Lusíada. Política Internacional e Segurança, nº 1 (2008)
A Maldição dos Recursos Naturais à Prova: os Casos da Nigéria e Botswana, pp. 149-178
Instituições sólidas
Como Iimi (2006, pp. 9-10) faz notar, o percurso de crescimento sólido do
Botswana foi suportado por um quadro de instituições sólidas e pela prática
de good governance. A sólida estrutura institucional do Botswana, sobretudo na
área da propriedade privada, tem as suas origens: (i) nas instituições políticas
do período pré-colonial (instituições tribais, que encorajavam a participação e
colocavam limitações às elites políticas); (ii) no limitado colonialismo Britânico
(o estatuto de protectorado); (iii) numa forte liderança política desde a independência e no claro interesse das elites do país em reforçar os poderes dessas
mesmas instituições. Por sua vez, Rakner (1996, pp. 8) destaca o facto de se
assistir à ausência de um enviesamento urbano nas políticas do Botswana à
data da independência e a existência de um sector agrícola que corporiza uma
elite económica e política. Também Acemoglu et. al. (2002, pp. 32) partilham
desta opinião, argumentando que durante todos estes anos pós-independência, os grandes proprietários agrícolas têm poder político e é do seu interesse
económico que os direitos de propriedade sejam respeitados . Stiglitz (2002,
p. 76), finalmente, acentua o papel determinante do Estado, notando que "o
sucesso do Botswana adveio da sua capacidade para manter um consenso político assente
num sentimento amplo de unidade nacional. .. necessário ao bom funcionamento de qualquer
contrato social entre governantes e governados ".
Good governance e democracia estável
o Botswana usufrui de uma democracia estável desde a independência e
o processo político do país tem sido pautado pelo sucesso. Como se pode
observar pelo quadro abaixo, de acordo com os índices GRICS (Governance
Research Indicator Country Snapshot) e seguindo Iimi (2006, pp. 9-11), o Botswana
apresenta em todas as dimensões níveis consideravelmente acima da média
da África Subsariana, evidenciando maior proximidade à realidade dos países
de rendimento elevado (com O como mínimo e 1 como máximo):
Quadro 1: Governance Research Indicator Country Snapshot (GRICS), 2002
Voz e Representação
Estabilidade Política
Eficiência Governativa
Qualidade da Regulação
Cumprimento da Lei
Controlo da Corrupção
Botswana
0,75
0,78
0,66
0,72
0,67
0,62
África Sub-Saariana
0,42
0,45
0,3
0,38
0,33
0,29
Países de Rendimento Elevado
0,82
0,82
0,77
0,85
0,84
0,76
Fonte : Adaptado de limi (2005)
Lusíada. Política Internaciona l e Segurança, n Q 1 (2008)
165
Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira
Também o Ibrahim Index of African Governal1ce 2007 14 atribui uma boa classificação ao Botswana em matéria de qualidade de governação, atribuindo-lhe o
3º lugar num ranking de 48 países da África Subsaariana.
No que respeita ao controlo da corrupção, o Botswana obtém uma classificação positiva face à realidade da África Subsaariana e que reflecte a transparência na gestão orçamental e em procurement. O país detém uma autoridade
independente para o combate à corrupção desde 1994, que reporta os casos
directamente ao Presidente. O Corruption Perceptíons Index 2007, que afere as percepções de incidência da corrupção por empresários e analistas de um pais,
classificava o Botswana na 38ª posição num conjunto de 179 economias.
Eficiência na gestão pública
O Governo tem também demonstrado eficiência na gestão da riqueza
oriunda da exploração dos recursos. As receitas oriundas da actividade mineira
obedecem a um mecanismo disciplinador - um Índice de Sustentabilidade
Orçamental - que obriga que toda a receita mineral seja utilizada para financiar investimento em desenvolvimento e despesa recorrente nos sectores da
educação e saúde. O país dispõe também de um fundo - o Fundo Pula - destinado apenas a investimentos em activos financeiros de longo prazo e gerido
segundo critérios de transparência e rigor. O nível de eficiência na gestão da
máquina pública é patente no baixo rácio do serviço da dívida face às exportações totais de bens e serviços, que, segundo a UNDP, se situava em 0,9% em
2005, face a um valor de 4% em 1994.
A existência de um quadro regula tório claro e estável e uma boa capacidade negocial para com privados são outros dos aspectos que suportam a boa
governação no Botswana. Os contratos de exploração das minas de diamantes
têm uma maturidade de 25 anos (acima da média dos contratos de recursos
naturais), mas o governo detém 50% das acções da Debswana, a maior empresa de diamantes no país, estando toda a regulação em matéria de recursos
naturais sob a incumbência do Ministério do Minério, Energia e Recursos
Hídricos (Ii mi 2006, pp. 9-11). A Debswana foi criada em 1969, como uma joint-venture do Governo com o grupo mineiro De Beers, tendo sido consignada
uma alocação de lucros entre os dois parceiros de 15% e 85%, respectivamente.
O negócio viria a ser renegociado em 1975 perante a argumentação, por parte
do Governo, de que as minas eram muito mais rentáveis do inicialmente estimado. O novo acordo daria lugar a uma distribuição de lucros de 50%/50%
(Rakner 1996, pp. 13-14).
14
166
O índice lbrahim de 2007 utiliza dados referentes ao ano de 2005.
Lusíada. Política Internaciona l e Segurança, nO 1 (2008)
Marlene Bastos, Manu el Ennes Ferreira
determinante para o desenvolvimento da economia. A herança de instituições
políticas sólidas do período pré-colonial (instituições tribais, que encorajavam
a participação e colocavam limites às elites políticas) e o limitado colonialismo
britânico constituíram elementos importantes para a constituição de uma
democracia estável e para o percurso de crescimento que o país veio a tomar,
com taxas médias anuais acima dos 7.5% entre 1961 e 1997, um feito notável
para a região em que se insere. O governo tem demonstrado eficiência na gestão da riqueza oriunda da exploração dos recursos e que obedece a um mecanismo disciplinador - o Índice de Sustentabilidade Orçam ental. Evidencia
também uma forte capacidade negocial com os privados, con seguindo defender os interesses d o país nos contractos de exploração de diamantes e controlando 50% das acções da Debswana, a maior empresa de diamantes no país.
Quadro 3: PIBPpe real pc (USD)
Botswana
Nigéria
1960
490
550
1989
3180
1160
1994
5367
1351
2000
7184
896
2005
12387
1128
Fonte: UNDP (1992 , 1997, 2002,2007/8)
A Nigéria, por outro lado, viveu uma experiência m ais intensa de colonialismo britânico, em que muitas das disputas relativas à distribuição das
receitas extractivas entre os diferentes níveis de governação remontam àquele
período. A descoberta de petróleo em 1965, quando o país já era independente,
veio acentuar este tipo de disputas, dando origem a movimentos secessionistas associados, essencialmente, a fenómenos de grievance. Isto é mais visível na
zona do delta do rio Níger, que concentra a exploração da actividade petrolífera do país, m as cujas populações locais se vêm privadas dos benefícios e
riquezas associados (suportando contudo os elevad os custos ambientais associados).
Sucessivas ditaduras militares visando a extracção de receitas petrolíferas e inúmeras histórias de transferências de rendas para o exterior apontam
para um fraco quadro institucional, dominado por práticas de rent seeking, deficiente gestão dos dinheiros públicos e elevados índices de corrupção. A este
respeito, a comparação entre os dois países é bastante elucidativa, se atentarmos no quadro 4:
168
Lusíada. Política Internacional e Segurança, nO 1 (2008)
Marlene Bastos, Manu el Ennes Ferreira
determinante para o desenvolvimento da economia. A herança de instituições
políticas sólidas do período pré-colonial (instituições tribais, que encorajavam
a participação e colocavam limites às elites políticas) e o limitado colonialismo
britânico constituíram elementos importantes para a constituição de uma
democracia estável e para o percurso de crescimento que o país veio a tomar,
com taxas médias anuais acima dos 7.5% entre 1961 e 1997, um feito notável
para a região em que se insere. O governo tem demonstrado eficiência na gestão da riqueza oriunda da exploração dos recursos e que obedece a um mecanismo disciplinador - o Índice de Sustentabilidade Orçam ental. Evidencia
também uma forte capacidade negocial com os privados, con seguindo defender os interesses d o país nos contractos de exploração de diamantes e controlando 50% das acções da Debswana, a maior empresa de diamantes no país.
Quadro 3: PIBPpe real pc (USD)
Botswana
Nigéria
1960
490
550
1989
3180
1160
1994
5367
1351
2000
7184
896
2005
12387
1128
Fonte: UNDP (1992 , 1997, 2002,2007/8)
A Nigéria, por outro lado, viveu uma experiência m ais intensa de colonialismo britânico, em que muitas das disputas relativas à distribuição das
receitas extractivas entre os diferentes níveis de governação remontam àquele
período. A descoberta de petróleo em 1965, quando o país já era independente,
veio acentuar este tipo de disputas, dando origem a movimentos secessionistas associados, essencialmente, a fenómenos de grievance. Isto é mais visível na
zona do delta do rio Níger, que concentra a exploração da actividade petrolífera do país, m as cujas populações locais se vêm privadas dos benefícios e
riquezas associados (suportando contudo os elevad os custos ambientais associados).
Sucessivas ditaduras militares visando a extracção de receitas petrolíferas e inúmeras histórias de transferências de rendas para o exterior apontam
para um fraco quadro institucional, dominado por práticas de rent seeking, deficiente gestão dos dinheiros públicos e elevados índices de corrupção. A este
respeito, a comparação entre os dois países é bastante elucidativa, se atentarmos no quadro 4:
168
Lusíada. Política Internacional e Segurança, nO 1 (2008)
Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira
o facto de o Botswana ter vindo a ter um desempenho económico e social
melhor do que o da Nigéria, não impede, porém, que a melhor performance económica tenha largamente excedido a verificada no sector social (educação e
saúde). É isso que explica porque razão a diferença do ranking do Botswana a
nível mundial, em termos económicos comparativamente ao lado social, se
tem vindo a agravar, como se constata no quadro 6. É um problema que deverá
ser corrigido.
Quadro 6: Diferença de ranking PIB - IDH
Botswana
Nigeria
1990
-20
12
1994
- 30
1
2000
- 62
9
2005
-70
4
Fonte: UNDP (1992,1997,2002). Nota: um sinal negativo significa que o
país está melhor posicionado mundialmente em termos económicos do que sociais
A Nigéria apresenta uma maior dependência de recursos naturais do que
o Botswana. As receitas petrolíferas representam cerca de 96% das exportações totais enquanto no Botswana a exportação de diamantes representa aproximadamente 82% das exportações totais. E ainda que as receitas petrolíferas
da Nigéria excedam largamente as receitas de diamantes do Botswana, a
riqueza gerada per capita é inferior - cerca de 103 dólares por ano face a 1.290
dólares por ano, respectivamente
No domínio das políticas públicas, a par dos problemas com uma elevada
incidência de SIDA, o Botswana enfrenta também evidentes deficiências em
matéria redistributiva. Assim, segundo a UNDp18, os 20% mais ricos da população total representavam, em 1993, 65,1% do rendimento/consumo total, correspondente a um índice de Gini de 60,5; em 2003 a Nigéria apresentava um
índice de Gini de 43,7.
Quadro 7: Índice de Gini
Botswana
Nigéria
1993
60,5
1996-97
2003
igual
igual
50,6
43,7
--
Fonte: UNDP (2002,2007/8)
18
170
UNDP (2007/08)
Lusíada. Política Internacional e Segurança, n" 1 (2008)
A Maldição dos Recursos Naturais à Prova: os Casos da Nigéria e Botswana, pp. 149-178
Finalmente, no que respeita à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD),
esta parece ter tido um contributo para o círculo virtuoso de crescimento que
o Botswana acabaria por seguir, acelerando possivelmente o processo.
Quadro 8: APD (em % do PIB e pelo capita, USD)
Botswana
Nigeria
ASS
1990
3,9 / 116
0,8/2
5,7
1994
2,3 / 64
0,6/2
2000
0,6/ 19,9
0,4/1,6
2005
0,7 / 40,2
6,5/48,9
5,1
Fonte: UNDP (1992, 1997, 2002, 2007/8)
Nota: os valores de 2005 reflectem o perdão muito elevado da dívida à
Nigéria e que é contabilizado como APD
Os níveis de APD revelaram-se mais expressivos na década de 90, na casa
dos 3,9% do PIB e vieram progressivamente a perder importância relativa, em
resultado do desenvolvimento do próprio país. Na Nigéria, os níveis de APD
são baixos, seja em proporção do PIB ou de rácio per capita, com excepção do ano
de 2005 em que o peso da APD sobre o PIB sobe para 6,5%, circunstância que
reflecte o perdão muito elevado de dívida à Nigéria e que é contabilizado como
APD.
Em síntese, diversos factores parecem evidenciar porque razão o desempenho dos dois países é tão diferente. E ao contrário do que uma leitura simplista da literatura da 'maldição dos recursos naturais' pode precipitadamente
levar a concluir, embora os diamantes e o petróleo estejam na origem ou
alimentem guerras civis (Misser et Vallée, 1997; Cilliers and Dietrick, 2000 e
Ross, 2003a), não tem que ser sempre assim ou os seus contornos podem ser
mitigados.
A Nigéria produz e exporta um recurso natural - petróleo - que sempre
teve um carácter estratégico e por isso mesmo mais sujeito a factores económicos e políticos internacionais. A diversidade étnica e regional, num país tão
vasto e populoso, tem espelhado de forma aberta e violenta o desagrado face
ao poder central. Se se tiver em conta que a exploração de petróleo se centra na
região do Delta do rio Níger, não é de estranhar a elevada violência que aqui se
regista, associados a fenómenos de grievance (Engel, 2005). A inoperância da
elite económica e política nigeriana ao invés de aproveitar o boom dos ciclos do
petróleo, aprofundou o modelo de captura de rendas, tornando-o um negócio
privado invejável (Omeje, 2006). A insatisfação social, quer ao nível das diferentes classes sociais quer de cariz regional, rapidamente se fez sentir. A procura de 'estabilidade' tem sido feita pela via mais drástica, silenciando a
democracia e impondo regimes autoritários. Daí que o agravamento dos proLusíada. Polí.tica Internacional e Segurança, nº 1 (2008)
171
Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira
blemas de bad governance, rent seeking e corrupção sejam a conta corrente. que o
país já enfrenta. Do ponto de vista económico não causa estranheza que o
fenómeno da Dutch Disease se imponha, abafando e desestimulando a actividade económica industrial e agrícola. O barril de petróleo parece não ter
fundo ...
No Botswana, por outro lado, o facto da actividade de extracção de diamantes estar sujeita a técnicas mineiras sofisticadas, por oposição à produção
aluvial de diamantes em países como a Serra Leoa ou a República Democrática
do Congo ou mesmo Angola, reduz a incidência de pilhagem e consequentemente as possibilidades de financiamento de grupos de rebeldes. É aquilo que
Lujala, Gleditsch and Gilmore (2005) distinguem entre' diamantes primários e
secundários' e sua influência na eclosão de guerras civis. Contudo, sublinhe-se,
não seria certamente esta a razão que haveria de impedir a eclosão de um
conflito violento interno se as condições para a sua existência tivessem criadas. A ocorrer, é certo que o financiamento pela exploração de diamantes tornar-se-ia mais difícil. Mas nem é o caso. O Botswana pode ser apresentado
como o exemplo de um país bem sucedido, o qual, partindo de um quadro
inicial adverso, conseguiu promover as acções necessárias à constituição de
um quadro institucional forte e uma democracia estável. Paralelamente, a
aposta no sector social, com um IDH acima da média da África Subsaariana,
pode ajudar a compreender a maior estabilidade face à Nigéria. Mas tal como
acontece neste último país, também a diversificação económica está aquém do
desejável. Existem igualmente indícios de que padece de algum modo dos efeitos da Dutch Disease. No entanto, é do ponto de vista institucional que parece
decorrer o maior êxito do Botswana. Baseada na aceitação e na legitimidade de
instituições e valores que aliam a sua história e tradição à modernidade, este
país tem sabido, até agora, encontrar um equilíbrio económico, social e político
mais consentâneo com a trajectória de desenvolvimento.
Conclusão
Dos casos apresentados pode concluir-se que a abundância e até mesmo a
dependência de recursos naturais não tem, necessariamente, que se traduzir
numa maldição para um país. Embora muita da literatura que foi revista na
primeira parte deste artigo aponte para as consequências negativas que a existência de recursos naturais pode ter sobre o desenvolvimento, esta relação não
é linear e depende de diversos factores. Teoricamente, a abundância de recursos naturais deveria até ajudar a promover o crescimento económico, uma vez
que a riqueza gerada pelos recursos poderia dinamizar a economia, canalizando mais investimentos em infra-estruturas, na formação do capital humano e
172
Lusíada. Política Internacional e Segurança, nº 1 (2008)
A Maldição dos Recursos Naturais à Prova: os Casos da Nigéria e Botswana, pp. 149-178
na diversificação da actividade económica. Contudo, e como destacam Humphreys, Sachs and Stiglitz (2007), países com abundantes recursos, nomeadamente petróleo e gás, têm um desempenho pior do que os seus vizinhos mais
pobres, sendo que a riqueza conduz frequentemente a taxas de crescimento
mais baixas, maior volatilidade e até a guerras civis devastadoras. Muito há a
fazer, desde questões de ordem política até económica e fiscal (Sandbu, 2004 e
Weinthal and Luong, 2006) .
Diversos factores parecem evidenciar porque razão o desempenho dos
dois países é tão diferente.
A Nigéria produz e exporta um recurso natural - petróleo - que sempre
teve um carácter estratégico e por isso mesmo mais sujeito a factores económicos e políticos internacionais que introduzem nos países produores alguma
instabilidade. A diversidade étnica, regional e religiosa num país tão vasto e
populoso como é a Nigéria, tem-se manifestado de forma aberta e violenta face
ao poder central. Se se tiver em conta que a exploração de petróleo se centra na
região do delta do rio Níger, não é de estranhar que a elevada violência que
aqui se regista esteja associada a fenómenos de grievance. A inoperância da elite
económica e política nigeriana ao invés de aproveitar o b00111 dos ciclos do
petróleo, aprofundou o modelo de captura de rendas. A insatisfação social,
quer ao nível das diferentes classes sociais quer de cariz regional, rapidamente
se fez sentir. A procura de 'estabilidade' tem sido feita pela via mais drástica,
silenciando a democracia e impondo regimes autoritários. Daí que o agravamento dos problemas de bad governal1ce, rent seelcing e corrupção sejam a conta
corrente que o país já enfrenta. Do ponto de vista económico não causa estranheza que o fenómeno da Dutch Disease se imponha, abafando e desestimulando
a actividade económica industrial e agrícola. O barril de petróleo parece não
ter fundo ...
O Botswana pode ser apresentado como o exemplo de um país bem sucedido (Maipose and Matsheka, s/d), o qual, partindo de um quadro inicial adverso,
conseguiu promover as acções necessárias à constituição de um quadro institucional forte e uma democracia estável. Paralelamente, a aposta no sector
social, com destaque para a educação, fá-lo ter um IDH acima da média da
África Subsariana, o que pode ajudar a compreender a maior estabilidade face
à Nigéria. Por outro lado, o facto de ser um produtor de diamantes poderia à
partida estar a condená-lo a seguir o passado de guerra civil que encontrámos
noutros países africanos, com destaque para Angola, Serra Leoa ou RDC.
E embora a actividade de extracção de diamantes seja feita por oposição à
produção aluvial de diamantes, o que reduz a incidência de pilhagem e consequentemente a possibilidade de financiamento de grupos rebeldes, não se
regista essa realidade no país. É que o Botswana pode ser apresentado como o
exemplo de um país bem sucedido, o qual, partindo de um situação inicial
Lusíada. Política Internacional e Segurança, n Q 1 (2008)
173
Marlene Bastos, Manuel Ennes Ferreira
adversa, conseguiu promover as acções necessárias à constituição de um quadro institucional forte e uma democracia estável. É certo que, tal como acontece com a Nigéria, também a diversificação económica está aquém do desejável,
há indícios de que padece de algum modo dos efeitos da Dutch Disease e que" a
sustentabilidade das receitas fiscais com origem nos diamantes não garante
rendimentos permanentes para sustentar um nível elevado de despesa pública"
(Basdevant, 2008, p. 12). No entanto, é do ponto de vista institucional que
parece decorrer o maior êxito do Botswana. Baseada na aceitação e na legitimidade de instituições e valores que aliam a sua história e tradição à modernidade, este país tem sabido, até agora, encontrar um equilíbrio económico, social e
político mais consentâneo com a trajectória de desenvolvimento. Como diz
Mokhawa (2005), tudo o que brilha no Botswana não são só diamantes ...
Em termos sintéticos, podemos enumerar a qualidade governativa e o
quadro institucional como um dos principais, embora não único, mecanismo
responsável pela divergente performance socio-económica entre os dois países.
Esta conclusão vai de encontro ao grosso da literatura publicada sobre o tema
da maldição dos recursos naturais. O reconhecimento público da importância
da qualidade institucional para o desenvolvimento de um país tem resultado
num crescente número de iniciativas visando obrigar os governos a serem
mais transparentes na gestão das receitas extractivas. A campanha "Publish
What you Pay", a iniciativa liderada pelo Reino Unido "Extractive Industries TI'ansparency Initiative" ou ainda as tentaivas de obrigar a criar sistemas de gestão de
receitas petrolíferas, constituem apenas alguns exemplos. Estas 'inovações institucionais' devem ir a par de incentivos aos actores internos e internacionais,
o que implica mudanças políticas e maiores níveis de transparência (Humphreys, Sachs and Stiglitz (2007).
E embora não haja uma receita única para escapar à maldição dos recursos naturais, sendo necessária uma análise rigorosa ao contexto socio-económico e político de cada país e das condições específicas do recurso natural em
questão, o determinismo pessimista que a visão popular da 'maldição dos
recursos naturais' encerra, deve ser refutado. Pode e deve tornar-se uma 'benção', haja vontade política (Stiglitz, 2003). Dever-se-á preconizar a diversificação económica como instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentável. No caso da Nigéria, a elevada população torna evidente que o país
não conseguirá reverter o cenário de extrema pobreza em que está submerso
apenas com as receitas petrolíferas. Contudo, para que as reformas económicas tenham sucesso é necessário que o país conheça uma alteração na qualidade
governativa. O que implica acabar com o Estado rendeiro e requalificar o quadro institucional, soluções que enfrentam uma enorme resistência à sua implementação, mas que estudos indiciam ser um dos pré-requisitos fundamentais
(Mehlum; Moene and Torvik, 2006).
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