UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE J ANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA “OS CASOS DE CÂNCER DE COLO UTERINO TRATADOS EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA BRASILEIRO ENTRE 1999 E 2004: CARACTERÍSTICAS CLÍNICO­EPIDEMIOLÓGICAS E ANÁLISE DE SOBREVIDA”. Claudio Calazan do Carmo RIO DE JANEIRO 2007
Claudio Calazan do Carmo “OS CASOS DE CÂNCER DE COLO UTERINO TRATADOS EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA BRASILEIRO ENTRE 1999 E 2004: CARACTERÍSTICAS CLÍNICO­EPIDEMIOLÓGICAS E ANÁLISE DE SOBREVIDA”. Dissertação apresentada com vistas à obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva. Orientador: Ronir Raggio Luiz RIO DE JANEIRO 2007
Carmo, Cláudio Calazan do Os casos de câncer de colo uterino tratados em um centro de referência entre 1999 e 2004: características clínico­epidemiológicas e análise de sobrevida. Rio de Janeiro, UFRJ / Instituto de Estudos da Saúde Coletiva, 2007. 90 p. Inclui referências bibliográficas Orientador: Ronir Raggio Luiz Dissertação (mestrado)­UFRJ, Instituto de Estudos da Saúde Coletiva, 2007. 1. Câncer de Colo Uterino 2. Epidemiologia 3. Análise de Sobrevida 4.Radioterapia 5. Quimioterapia. I­Tese. II­IESC. III­UFRJ. IV­Título. V­Autor.
Claudio Calazan do Carmo “OS CASOS DE CÂNCER DE COLO UTERINO TRATADOS EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA BRASILEIRO ENTRE 1999 E 2004: CARACTERÍSTICAS CLÍNICO­EPIDEMIOLÓGICAS E ANÁLISE DE SOBREVIDA.” Dissertação apresentada e aprovada no dia 02 de agosto de 2007 no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, com vistas à obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva. Membros da banca avaliadora: Ronir Raggio Luiz Professor adjunto da UFRJ Mestre em Estatística pela UFRJ Doutor em Engenharia Biomédica pela UFRJ Pauline Lorena Kale Professora adjunta da UFRJ Mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz Doutora em Engenharia Biomédica pela UFRJ Luiz Cláudio Thuler Professor adjunto da UNIRIO Mestre em epidemiologia clínica pela Université de Montreal Doutor em doenças infecciosas e parasitárias pela UFRJ Moysés Szklo Professor titular da UFRJ Mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins University Doutor em Saúde Pública pela Johns Hopkins University
AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Ronir, por todos os conhecimentos transferidos, além do apoio e competência, sem os quais não seria possível chegar até aqui. Aos meus colegas e professores do IESC, em especial aos meus amigos Deolinda e Rafael, que me apoiaram e estimularam nos momentos de maior dificuldade. Aos colegas do Hospital do Câncer pela presteza e incentivo, em especial para Ilce e Leda. À Mirna, pela compreensão e apoio incondicional. A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão deste trabalho.
RESUMO O Câncer de Colo Uterino é uma neoplasia de grande impacto na saúde pública do nosso país. Esta dissertação representa uma análise retrospectiva de uma coorte de pacientes diagnosticadas e matriculadas no Instituto Nacional de Câncer do Brasil entre 1999 e 2004, totalizando 4877 casos, obtido através de informações contidas no registro hospitalar. O objetivo principal foi analisar a sobrevida no grupo com doença invasora. Secundariamente foram descritas as características clínico­epidemiológicas disponíveis, em especial a tendência temporal envolvendo os casos invasores; os efeitos da adição da quimioterapia ao tratamento radioterápico na sobrevida deste subgrupo e as indicações da radioterapia nessa população. Para a avaliação da sobrevida foi utilizado a Curva de Kaplan­Meier com o teste log­rank, além de análise multivariada com modelo de Cox. As variáveis categóricas foram analisadas com teste qui­quadrado e o modelo de Regressão Logística foi utilizado para estudar as diferenças clínico­epidemiológicas entre os casos invasores e pré­malignos, além de ter sido útil para determinar as situações em que se indicou a radioterapia. Para a avaliar o impacto da adição da quimioterapia, utilizou­se o escore de propensão e o modelo de Cox. Os resultados indicaram que a sobrevida para o grupo invasor foi de 48% em cinco anos, e o estágio ao diagnóstico foi o único fator prognóstico após a análise multivariada (p <0,001); o HR ajustado para óbito foi de 4,90 para estágio II e 11,33 para estágio III em relação ao estágio I (p<0,001). Com relação à adição da quimioterapia ao tratamento com radioterapia, houve uma melhora na sobrevida quando comparada a radioterapia exclusiva (HR­0,69 com p< 0,001), que persistiu após a análise multivariada (HR­0,72, p<0,001).Houve uma discreta tendência de aumento de casos invasores no período analisado (OR 1,15 ­ p< 0,001). No total, 79,7% dos casos receberam radioterapia como tratamento inicial e sua indicação foi mais freqüente naquelas com estágio II e III (OR de 253,91 em relação ao estágio I, p< 0,001), nas mais idosas (OR de 4,03 em relação às mais jovens, p<0,001) e nas com tipo histológico diferente do carcinoma epidermóide (Adenocarcinoma­OR 1,53­ p=0,021 e outros tipos­OR 1,98, p=0,038). Palavras­chave: Câncer de Colo Uterino, epidemiologia, análise de sobrevida, radioterapia, quimioterapia.
ABSTRACT Cervical cancer is one of the most common cancer problems in the world and also in Brazil. This monograph reports on a retrospective analysis of a cohort formed by 4.877 women with a diagnosis of cervical cancer, and treated at Brazil’s National Institute of Cancer between 1999 and 2004. The primary objective of the study was to evaluate the survival of the subgroup with invasive disease. Other objectives included an examination of the clinical and epidemiological variables found in the hospital’s registry; to examine temporal trends in proportion of invasive cases; and to study the effects of the addition of chemotherapy to radiation in survival. For the overall survival analysis we used Kaplan­Meier Curves and multivariate analysis with Cox regression model. In order to measure the impact of the addition of chemo to radiotherapy while adjusting of confounding variables , we constructed a propensity score. Categorical variables were compared using chi­square test and multivariable tests were done with the Logistic Regression model. A 5­year global survival of 48% was found for the invasive disease subgroup, and staging was the only prognostic factor affecting survival after multiple adjustment (p<0,001). Risk of death was higher for stages II (HR 4,90) and III (HR 11,33) in comparison to stage I (p<0,001). The addition of chemotherapy, compared with radiotherapy without chemotherapy, was associated with an increased in the survival time after multivariable analysis (HR­0,72, p<0,001). During this period there was a modest increase in the proportion of invasive cases (OR 1,15 ­ p<0,001). 79,7% of the invasive cases received radiotherapy as the initial treatment, and the odds of received it were higher for those at stages II and III (OR 253,91) in comparison with those at stage I (p<0,001), in the older (OR 4,03) in comparison with the younger (p<0,001) and in those with non­epidermoid carcinoma (adenocarcinoma­OR 1,53 p=0,021 and others histolopathologic types OR 1,98 p=0,038). Key words: Cervical cancer, epidemiology, survival analysis, radiation therapy, chemotherapy.
LISTA DE ABREVIATURAS ACIP ­ Advisory Committee on Immunization Practices ACOG –The American College of Obstetricians and Gynecologists ACS – American Cancer Society CACON ­ Centro de Alta Complexidade em Oncologia CAF ­ Cirurgia de Alta Freqüência CID ­ Código Internacional de Doenças CIS ­ Carcinoma in situ EUA ­ Estados Unidos da América FDA ­ Food and Drugs Adminstration FIGO ­ International Federation of Gynecology and Obstetrics GOG ­ Gynecologic Oncology Group Gy­ Gray HPV – Human Papiloma Virus HR – Harzard ratio IARC ­ International Agency for Research in Cancer INCA – Instituto Nacional de Câncer NCI ­ National Cancer Institute OMS – Organização Mundial da Saúde OR­ Odds Ratio PET­scan ­ Positron emission tomography PNAD ­ Pesquisa Nacional por amostragem de domicílios RTOG ­ Radiation Therapy Oncology Group
SEER ­ Surveillance Epidemiology and End Results SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida SIM ­ Sistema de Informação sobre Mortalidade SWOG ­ Southwest Oncology Group TNM ­ Sistema de classificação de tumores malignos
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 13 2.1 Epidemiologia ......................................................................................................................... 13 2.2 Fatores de Risco ..................................................................................................................... 13 2.3 Programas de Prevenção ....................................................................................................... 14 2.4 Fatores Prognósticos.............................................................................................................. 17 2.5 Tratamento............................................................................................................................... 18 2.5.1 Cirurgia ............................................................................................................. 18 2.5.2 Radioterapia e tratamento combinado................................................................ 18 2.5.3 Sobrevida relacionada à doença. ........................................................................ 19 3 OBJETIVOS ............................................................................................................. 21 3.1) Primário .................................................................................................................................. 21 3.2) Secundário.............................................................................................................................. 21 4 MATERIAIS E MÉTODOS...................................................................................... 22 4.1 Definição das Variáveis de Interesse ................................................................................. 22 4.2 Análise Estatística .................................................................................................................. 24 4.2.1 Modelo de Regressão Logística ......................................................................... 24 4.2.2 Análise de Sobrevida ......................................................................................................... 25 5 ARTIGO I: O diagnóstico de câncer de colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro: tendência temporal e potenciais fatores relacionados. ................................... 27 6 ARTIGO II: Indicação de Radioterapia em mulheres com câncer de colo uterino no Rio de Janeiro, Brasil. ................................................................................................... 41 7 ARTIGO III: Análise de sobrevida de mulheres com câncer de colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro na coorte diagnosticada entre 1999 e 2004.......... 53 8 ARTIGO IV: O efeito da adição da Quimioterapia ao tratamento radioterápico em mulheres com câncer de colo uterino no Rio de Janeiro................................................. 69 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS . .................................................................................. 82 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 84 11 APROVAÇÃO PELO COMITÊ DE ÉTCA EM PESQUISAS ................................. 89
SUMÁRIO DE TABELAS ARTIGO I: O diagnóstico de câncer de colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro: tendência temporal e potenciais fatores relacionados. Tabela 5.1­ Distribuição por estágio e tipo histológico dos casos com neoplasia do colo uterino diagnosticadas entre 1999 e 2004. População de referência: pacientes matriculadas no INCA. ..................................................................................................31 Tabela 5.2­ Distribuição por estágio e tipo histológico dos casos acometidos por neoplasia do colo uterino diagnosticadas no período entre 1999 e 2004. População de referência: pacientes matriculadas no INCA...................................................................32 Tabela 5.3­ Distribuição de 4.877 casos invasores e in situ por origem do diagnóstico, faixa etária, raça e escolaridade. População de referência: mulheres matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004.. ....................................................................33 Tabela 5.4­ Modelos logísticos para o diagnóstico de carcinoma invasor baseado no ano do diagnóstico, faixa etário, raça e escolaridade, referentes à coorte matriculada no INCA e diagnosticada entre 1999 e 2004...................................................................34 ARTIGO II: Indicação de radioterapia em mulheres com câncer de colo uterino no Rio de Janeiro, Brasil. Tabela 6.1­ Distribuição das modalidades terapêuticas empregadas na coorte de mulheres com tumor invasor de colo uterino matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004...........................................................................................................45 Tabela 6.2­ Relação entre as características clínico­epidemiológicas disponíveis e o uso de radioterapia na coorte matriculada no INCA e diagnosticada entre 1999 e 2004. 46 Tabela 6.3­ Modelos de Regressão Logística para a indicação radioterápica considerando a idade, raça, escolaridade, tipo histológico e estadiamento. Mulheres com diagnóstico de câncer de colo uterino entre 1999 e 2004 matriculadas no INCA .....47 Tabela 6.4­ Probabilidades estimadas de indicação radioterápica a partir de um modelo logistico, considerando a coorte de pacientes com tumor invasivo de colo uterino tratadas no INCA ente 1999 e 2004................................................................... 48 ARTIGO III: Análise de sobrevida de mulheres com câncer de colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro na coorte diagnosticada entre 1999 e 2004. Tabela 7.1­ Características Clínico­Epidemiológicas e óbitos encontrados na coorte de 3.341 pacientes com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 .................................................................................. 57
Tabela 7.2­ Distribuição por estágio das características clínico­epidemiológicas de 3.341 casos de câncer de colo uterino diagnosticados no INCA entre 1999 e 2004 .........58 Tabela 7.3­ Modelos de Cox para mortalidade considerando a coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculdas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004...............................................................................................................................61 Tabela 7.4­ Taxas de letalidade ajustada por estágio considerando os casos de câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 ........62 ARTIGO IV: O efeito da adição da quimioterapia ao tratamento radioterápico em mulheres com câncer de colo uterino no Rio de Janeiro. Tabela 8.1­ Características Clínico­Epidemiológicas dos Grupos de tratamento com radioterapia exclusiva e com adição da quimioterapia. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 ........74 Tabela 8.2­ Subclasses baseadas nos quintis do escore de propensão derivados da probabilidade de receberem o tratamento de radioterapia com ou sem adição da quimioterapia. Coorte de mulheres com cÂncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 .................................................................76 Tabela 8.3­ Modelo de Cox para sobrevida em pacientes com câncer de colo uterino invasor tratadas com ou sem adição da quimioterapia. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 ........76 Tabela 8.4­ Taxa de Letalidade em mulheres com câncer de colo uterino considerando os grupos de tratamento com radioterapia exclusiva e combinação................................77
SUMÁRIO DE FIGURAS ARTIGO I: O diagnóstico de câncer de colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro: tendência temporal e potenciais fatores relacionados. Figura 5.1­ Distribuição por apresentação clínica e por estágio da coorte de mulheres com câncer de colo uterino matriculadas e diagnosticadas no INCA entre 1999 e 2004...............................................................................................................................31 ARTIGO II: Indicação de radioterapia em mulheres com câncer de colo uterino no Rio de Janeiro, Brasil. Figura 6.1­Casos de câncer de colo uterino invasor tratados no INCA entre 1999 e 2004 por ano de diagnóstico, segundo realização de radioterapia. ..................................45 ARTIGO III: Análise de sobrevida do câncer de colo uterino invasor em um centro de referência brasileiro na coorte diagnosticada entre 1999 e 2004. Figura 7.1­ Curvas de Kaplan­Meier para sobrevida em mulheres com câncer de colo invasor matriculadas no INCA entre 1999 e 2004 de acordo com a idade, raça, escolaridade, tipo histológico e estágio...........................................................................60 ARTIGO IV: O efeito da combinação de quimioterapia e radioterapia em mulheres com câncer de colo uterino no Rio de Janeiro. Figura 8.1­ Curva de Sobrevida Kaplan­Meier não­ajustada para os grupos de traatmento com radioterapia exclusiva e com a a adição da quimioterapia. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004...........................................................................................................75
12 1 INTRODUÇÃO O câncer de colo de útero é uma das principais neoplasias em todo o mundo, sendo a sexta em incidência e a terceira maior causa de morte em mulheres 1,2 . Cerca de 250.000 casos foram diagnosticados no ano de 2005 em todo o mundo, e se espera um aumento em 25% nos próximos 10 anos, principalmente nos países em desenvolvimento 2 . Ao mesmo tempo, dentre todos os tumores, é o que apresenta maior potencial de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente 3 . O câncer de colo uterino representa um dos grandes problemas de saúde pública no Brasil 4 e corresponde à segunda causa de morte por neoplasias na população feminina 5 . Considerando os 10 registros de base populacional disponíveis no país, nota­se que há uma grande heterogeneidade na distribuição da doença entre as regiões. Assim, encontramos taxas de incidência que vão de 14,30 casos/100.000 mulheres (Salvador, BA 1997­2001) até 50,70 casos/100.000 (Distrito Federal, 1996­1998) 6 .As taxas de mortalidade no Brasil aumentaram em 29 % entre 1979 e 1998 (3,44 para 4,45 casos/100.000). Dentro deste contexto, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) exerce um importante papel no sentido de criar normas e rotinas, bem como desenvolver estratégias para o programa nacional de controle do câncer 7 . Do ponto de vista assistencial, representa um centro de referência e recebe uma grande demanda especialmente da região metropolitana do Rio de Janeiro (o número de matrículas nos últimos 5 anos corresponde a aproximadamente 83% de todos os casos de câncer colo uterino estimados para a capital e 39% dos casos do Estado) 8 .
13 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 Epidemiologia A maioria dos casos (80%) ocorre em países em desenvolvimento 1 . De uma forma geral, afeta principalmente mulheres entre 40 e 60 anos, pertencentes a classes sócio­ econômicas menos favorecidas e com dificuldades de acesso à rede de saúde 9 . As principais regiões afetadas são a África (principalmente na região do Sub­Sahara), América Latina e Caribe, chegando a taxas de incidência acima de 45 casos /100.000 mulheres. É relativamente infreqüente na Europa, Israel e EUA, onde as taxas ficam abaixo de 8 casos /100.000 mulheres. Mesmo dentro destes países há variações entre grupos sócio­econômicos desfavorecidos e áreas rurais. O principal tipo histológico encontrado, segundo a classificação da OMS (Organização Mundial da Saúde), é o carcinoma epidermóide (80%), seguido pelo adenocarcinoma (10%) e por outras linhagens mais raras (tumores neuroendócrinos, linfomas, sarcomas e outros) 10 .Apesar de compartilharem fatores de risco, evolução e prognóstico semelhantes, há algumas diferenças entre os dois principais tipos 11 .Com relação ao HPV, a prevalência do subtipo 16 é maior no carcinoma epidermóide e do subtipo 18 é maior nos casos de adenocarcinoma. Além disso, parece que o uso de anticoncepcionais está mais fortemente associado com o último tipo e que este apresenta pior prognóstico 11 . 2.2 Fatores de Risco Vários fatores de risco se encontram associados ao desenvolvimento do câncer de colo uterino 12 , destacando­se o início precoce de vida sexual, múltiplos parceiros, o uso de anticoncepcional oral, múltiplas gestações e baixo nível sócio­econômico. Essas condições
14 estão fortemente associadas à infecção pelo vírus HPV, cuja via de transmissão é sexual. A presença deste vírus é causa necessária para o surgimento da neoplasia 12 . Outros fatores relacionados incluem a imunossupressão (SIDA, Diabetes Mellitus), o tabagismo e as deficiências nutricionais 13 . Várias peculiaridades justificam a associação com o HPV 11, 12, 14 . Além da sua prevalência relativamente alta na população feminina sexualmente ativa (chegando até a 20% em alguns estudos) 15, 16 , o mesmo pode ser detectado em virtualmente 100% dos carcinomas primários da cérvix, principalmente os subtipos 16, 18, 31 e 45. Além disso, existem evidências de que a infecção tecidual continuada pode induzir alterações seqüenciais, que vão desde as lesões intra­epiteliais de baixo grau até os tumores invasores. Essa evolução progressiva e lenta é a base dos métodos de rastreamento periódicos, permitindo a detecção e cura de lesões em fases pré­invasoras 15 . 2.3 Programas de Prevenção Secundária Desde a introdução dos programas de detecção precoce, a partir da avaliação de esfregaço citopatológico cérvico­vaginal (Papanicolaou), na década de 50, a incidência e a mortalidade do câncer de colo de útero vêm caindo de forma expressiva nos países em que a cobertura do rastreamento é satisfatória 7,17 .Considera­se que, por conta deste, a mortalidade pela doença possa ser reduzida em mais de 90%. 3 Favoravelmente ao método, atribui­se o baixo custo e a facilidade de execução 16,17 . Todas as evidências sobre a efetividade do rastreamento do câncer do colo de útero são advindas de estudos observacionais realizados nos países em que foi implantado, comparando­se os períodos pré e pós­implantação 18 . Por questões éticas associadas, não há nenhum estudo randomizado efetuado para esse fim, e provavelmente nunca serão realizados. Sendo assim, os resultados oriundos dos estudos observacionais são amplamente aceitos.
15 Um estudo realizado pelo IARC (International Agency for Research in Cancer ) com dados da população da Finlândia, Islândia e Índia confirma a importância da ampla cobertura populacional na efetividade do rastreamento. Enquanto a cobertura nos dois primeiros países foi superior a 75%, e os resultados no decréscimo mortalidade foram expressivos nas décadas seguintes ao início do programa, nenhuma mudança significativa foi notada no último, onde se alcançou cobertura de 45% 1 . De acordo com a OMS 2 , nas últimas 3 décadas houve uma queda expressiva de novos casos nos países desenvolvidos por conta do rastreamento e outros programas de prevenção 2 . Por outro lado, nos países em desenvolvimento não se notou mudanças significativas nas taxas registradas. As desigualdades sócio­econômicas e demográficas também parecem afetar os países desenvolvidos, dado o maior risco da doença em áreas rurais e de classes sociais inferiores 5 . Na rede de saúde brasileira, a grande maioria das avaliações é feita abaixo dos 35 anos (provavelmente naquelas que comparecem para acompanhamento pré­natal) e não representa o grupo de maior risco 7 . Talvez por conta desses elementos, e da falta de um programa específico, não se tenha obtido um impacto significativo na mortalidade nos últimos 20 anos 4, 19 .Como conseqüência da cobertura ineficiente e das dificuldades de acesso aos serviços de saúde em nosso país, grande parte dos diagnósticos é feita já com a doença invasora e localmente avançada 5, 20 . Em 1998, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Controle do Câncer Cervical e de Mama 6 cujo objetivo era criar uma rede nacional integrada e facilitadora de acesso aos serviços de saúde, disponibilizando uma estrutura para a realização do diagnóstico (citopatológico e histopatológico) e do tratamento precoces (colposcopia e CAF ­ Cirurgia de Alta Freqüência), objetivando reduzir a incidência e a mortalidade.
16 Na fase de intensificação do programa, cerca de 3 milhões de exames foram realizados, dos quais 65% na faixa etária dos 35­49 anos.Cerca de 60.000 apresentavam algum tipo de lesão precursora ou câncer propriamente dito, dos quais 77% foram acompanhadas ou tratadas 19 . Em 2002, iniciou­se a 2 a. fase do programa, que visou reavaliar as mulheres atendidas em 1998 e recrutar outras entre 35 e 49 anos, que nunca haviam se submetido à prevenção. Os dados referentes à segunda fase ainda não se encontram disponíveis. Estima­se a realização de 2.511.581 exames, dos quais 2,7% deverão conter lesões precursoras 21 . Uma alternativa preventiva é o uso de vacinação contra o HPV em mulheres entre 9 e 26 anos de idade (prevenção primária). O primeiro estudo de fase III publicado demonstrou sua efetividade em reduzir a chance de infecção pelo HPV 16 e 18, e diminuiu incidência de lesões pré­invasoras e de tumores propriamente ditos, sendo então aprovado pelo FDA (Food and Drugs Adminstration) 22 . Atualmente encontra­se também disponível uma vacina quadrivalente (relacionada com os subtipos 6, 11, 16 e 18), também efetiva contra o papiloma acuminado, que, de acordo com estudo de fase II no Brasil e no Reino Unido, reduziu a infecção pelo HPV em 89% e a incidência de câncer em 100% 23 . A recomendação atual dada pelas sociedades norte­americanas (ACOG e ACIP) é que meninas a partir de 9 anos sejam vacinadas (medida classe IA, altamente recomendada). Entretanto essa medida não substitui o rastreamento citoplatológico e até o momento é desconhecida a duração da imunidade 24, 25 . No Brasil, poucos estudos analisaram as tendências temporais do estadiamento inicial dos casos de câncer do colo uterino. Os dados obtidos a partir dos registros de 89 centros médicos em todo o Brasil mostraram que, na última década, houve redução no percentual de casos em estádio avançado, o que pode indicar que nas regiões onde estes hospitais estão localizados houve melhora na detecção precoce desta neoplasia 20 .
17 Dentre os problemas apontados pelo Ministério da Saúde para o tratamento encontram­se a dificuldade de acesso à rede primária, disponibilidade de estrutura capacitada a realizar CAF (cirurgia de alta freqüência) e de centros capacitados a realizar tratamento avançado (CACON), incluindo quimioterapia, radioterapia e braquiterapia 7 . 2.4 Fatores Prognósticos O estadiamento FIGO (International Federation of Gynecology and Obstetrics) parece ser um dos principais fatores prognósticos, estando diretamente associado com a sobrevida global e a chance de recorrência local. Ele avalia o tamanho do tumor primário, extensão local e invasão de estruturas adjacentes, bem como presença de lesões à distância 26 . Entretanto, vários outros fatores também são relatados como importantes e não são contemplados pela FIGO 27, 28 . Assim, fatores locais como grau de invasão estromal, presença de invasão linfo­vascular, o grau histológico do tumor e o tipo histológico adenocarcinoma estão associados a um pior prognóstico 29, 30 . Outro fator importante não avaliado pela FIGO é o acometimento nodal pélvico e para­aórtico. Estudos em casos com estágio IB com acometimento para­aórtico, por exemplo, revelam uma sobrevida 50% menor em relação aos casos sem esta alteração 30 . A avaliação clínica do envolvimento nodal é dificultada pelas limitações dos métodos de imagem em detectar linfoadenomegalias. Técnicas como o PET­scan parecem promissoras, mas ainda não estão validadas e são de alto custo 31 . A presença de anemia também parece estar relacionada a um pior prognóstico em pacientes tratadas com radioterapia, por conta da hipóxia tecidual que em última análise prejudica a radiosensibilização do tumor 32, 33 . De qualquer forma, os resultados de estudos retrospectivos são controversos, e um estudo randomizado fase II do GOG (Gynecologic Oncology Group), utilizando Eritropoetina em 53 mulheres para manter níveis de
18 hemoglobina acima de 12,5 g/dL, não demonstrou ganho considerável de sobrevida ou controle local, e houve aumento de trombose venosa acima do esperado 34 . 2.5 Tratamento O tratamento da doença invasora pode compreender cirurgia, radioterapia (teleradioterapia, com aplicação externa, e braquiterapia, por via intra­cavitária) e quimioterapia. 2.5.1 Cirurgia Estágios iniciais podem ser tratados com cirurgia exclusiva, principalmente em mulheres jovens, onde se deseja preservar a função ovariana. Histerectomia do tipo II (para os estágios FIGO IA2, IB e IIA) ou tipo III (nos estágios IIB e IIIA) com amostragem dos linfonodos pélvicos são geralmente os procedimentos de escolha 35 . Estudos observacionais têm demonstrado resultados similares, em termos de sobrevida global e sobrevida livre de doença, com o uso da radioterapia nos casos mencionados acima, quando há contra­indicação cirúrgica 36 . Tumores micro­invasores estagiados como FIGO IA1, cuja invasão estromal é menor que 3 mm, podem ser tratados com histerectomia extra­fascial simples (tipo I) ou, ainda, com conização alargada, em casos particulares. Traquelectomia radical (acompanhada de ressecção do paramétrio e linfonodos pélvicos) pode ser uma alternativa para estágio IA2 quando se deseja preservar a fertilidade, apesar das críticas na literatura 37 . 2.5.2 Radioterapia e tratamento combinado A cirurgia em estágios mais avançados não é considerada efetiva do ponto de vista curativo, e a radioterapia assume papel preponderante nos pacientes com estágios FIGO IIB a IVA. Classicamente prescrevem­se doses de radioterapia externa entre 45 e 55 Gy (dose total)
19 divididas em 25 frações, em 2 ou 4 campos, na dependência do tipo de fonte utilizada (acelerador linear de alta energia ou Cobalto). Os campos de tratamento ântero­posterior e póstero­anterior têm como limites superiormente o espaço entre L4 e L5; lateralmente a região a 1,5 cm da margem óssea pélvica; inferiormente o 1/3 médio da vagina. Já o campo lateral tem os limites entre S3­S4 e a púbis 39, 38 . A teleradioterapia deve ser complementada com braquiterapia de alta ou baixa taxa de dose, atingindo no total 80­85 Gy no ponto A (região localizada a 2 cm acima e lateralmente ao orifício externo do colo) . O tratamento intra­cavitário com alta taxa, à base de Ir 192 , vem sendo cada vez mais utilizado, em substituição ao de baixa taxa, uma vez que permite o tratamento ambulatorial e diminui o risco de exposição nos profissionais envolvidos. Apesar disso, a dose adequada e o número de aplicações continuam discutíveis, variando de duas a quatro aplicações, com doses entre 14 e 28 Gy 39 . Desde 1999, após a publicação de cinco trabalhos randomizados conduzidos pelo GOG, RTOG, SWOG e um comunicado do NCI (National Cancer Institute) norte­amricano, quimioterapia à base de cisplatina, com ou sem fluoropirimidina, passou a ser adicionado ao esquema de radio e braquiterapia, para tumores com estágios FIGO IB2 a IVA 40, 41, 42, 43, 44 . Demonstrou­se que a associação promovia uma redução em torno de 30% da mortalidade geral em 5 anos quando comparado com o tratamento à base de radioterapia exclusiva. Uma metanálise conduzida pelo Cochrane Collaborative Group confirmou os benefícios da associação 45 . Recentemente um estudo retrospectivo canadense de base populacional confirmou os achados acima, na prática clínica 46 . 2.5.3 Sobrevida relacionada à doença. Há poucos relatos em relação à sobrevida de mulheres brasileiras com câncer de colo uterino. Dados referentes a um Centro de Referência no Paraná, com 2.396 casos com doença
20 invasora (1990­1994) apontaram uma sobrevida global em 5 anos de 53,6% 47 . Outro estudo, conduzido no Hospital AC Camargo (São Paulo), apontou sobrevida global de 66,5% (com uma sobrevida surpreendentemente alta para os casos avançados) 48 . Nos EUA, dados nacionais apontam que a sobrevida global em 5 anos para mulheres acometidas é de 72% (Cancer and Facts Figure, 1992­1999, ACS) 49 . No Reino Unido, dados populacionais indicam sobrevida de 62,5% (Cancer Survival, National Statistics, 1996­ 1999) 50 e na Austrália, de 58% (1992­1997, Australia´s Health 2004) 51 . Em áreas em desenvolvimento a sobrevida parece ser menor, e há grande variação de acordo com a região analisada. Dados referentes à ilha de Cuba indicam sobrevida de 53,5% (1988­1989), mas algumas cidades da Ásia apresentam resultados inferiores: Bombaim, Índia, registrou 46,5% (1983­86), Qidong (China 1982­91), 37,5% e Rizal (Filipinas), 24,6% 52 . A efetividade do rastreamento populacional parece ser o principal motivo para as diferenças de sobrevida encontradas acima 7, 16, 17 . É improvável que essas diferenças se dêem exclusivamente por um viés de antecipação, ou seja, dada a extensa cobertura populacional em determinados locais, haveria uma incorreta impressão de que a sobrevida seria maior basicamente pela detecção numa fase ainda pré­clínica da doença 53 .
21 3 OBJETIVOS 3.1 Primário Avaliar a sobrevida numa coorte de pacientes com diagnóstico de câncer de colo uterino matriculados no INCA no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2004. 3.2 Secundários Analisar a tendência temporal da distribuição de casos invasores e descrever as características clínicas e epidemiológicas disponíveis no registro hospitalar; avaliar o efeito da adição da quimioterapia ao tratamento combinado sobre a sobrevida; avaliar as indicações de radioterapia nessa coorte ao longo do período.
22 4 MATERIAIS E MÉTODOS Os dados foram obtidos do Registro Hospitalar do INCA, que por sua vez é alimentado a partir de um formulário padronizado. O mesmo é constituído por 35 variáveis básicas, das quais foram utilizadas para esse estudo: (1) a idade, (2) a raça/cor, (3) o grau de instrução, (4) o estágio ao diagnóstico, (5) o tipo histológico e (6) o primeiro tipo de tratamento recebido no hospital. As datas referentes ao diagnóstico, início de tratamento e óbito também foram selecionadas. Todos os casos disponíveis de tumores primários do colo uterino (CID C53), matriculados na unidade 2 da instituição (Hospital do Câncer 2) e diagnosticados entre 1999 e 2004 independentemente da idade, do tipo histológico e estágio foram considerados. As informações sobre óbito foram complementadas consultando o prontuário eletrônico da instituição e o SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade, Ministério da Saúde). Os resultados das análises deram origem a quatro artigos científicos que compõem este estudo. 4.1 Definição das Variáveis de Interesse Idade: Representa o período em anos desde a data do nascimento até o momento do diagnóstico. Raça: a divisão proposta de acordo com o formulário padronizado do registro se dá em branca, preta, amarela, parda e desconhecida. Considerando as limitações desta divisão, ocasionada pela dificuldade prática no registro da raça (que é informada pelo próprio paciente), foi optada por dividi­la em brancos e não brancos. Nível de Instrução: considerando dados estabelecidos que apontam alguma correlação entre nível sócio­econômico e educacional com a neoplasia de colo uterino, é importante a
23 avaliação dessa variável. De acordo com o formulário padronizado, foram consideradas as seguintes situações: analfabeta, 1 o . grau incompleto, 1 o . grau completo, segundo grau incompleto, segundo grau completo, nível superior e desconhecido. Tipo Histológico: para a análise os casos serão classificados em Adenocarcinoma, Carcinoma Epidermóide, Carcinoma Adenoescamoso, carcinoma in situ e outros tipos (tumores de origem não­epitelial). Estadiamento: o banco de dados segue a classificação TNM, que no caso dos tumores de colo uterino repetem o que é apontado na classificação FIGO 26 , que é a usualmente adotada em estudos clínicos. No caso, o estadiamento se refere ao momento do diagnóstico, e não sofre alterações mesmo com a progressão ou regressão da doença. Os estágios foram simplificados em I, II, III e IV. Tipo de tratamento: para essa variável considerou­se especificamente o tratamento aplicado para a condição clínica de apresentação (exclusivamente). Pelas limitações do nosso banco, foi possível detectar apenas as modalidades terapêuticas utilizadas (cirurgia, radioterapia, quimioterapia) e se houve alguma combinação entre elas. De qualquer forma, foram apreciadas as modalidades empregadas em cada estágio e definidas as combinações mais utilizadas. Datas relacionadas à evolução da doença: as datas extraídas para a análise correspondem à data do diagnóstico (momento em que se confirma a doença por avaliação histopatológica); data da primeira consulta (momento da primeira avaliação clínica na Instituição), data do início do tratamento propriamente dito e data do óbito. O tempo para início do tratamento foi definido como o tempo entre a primeira consulta e a data de início do tratamento. Essa variável foi estratificada em intervalos para as avaliações subseqüentes (início antes de 30 dias; entre 30 e 90 dias; entre 90 e 180 dias; mais de 180 dias).
24 4.2 Análise Estatística 4.2.1 Modelo de Regressão Logística A Regressão Logística consiste em um modelo utilizado em análise multivariada para descrever a relação entre as variáveis explicativas (X´s) e uma variável resposta (dependente), que deve ser dicotômica ou binária. A variável dependente assume valor 0 ou 1, ou seja, p(yi)=p i e p(yi=0)=1­p i (se o indivíduo apresenta a situação considerada ou não, respectivamente). Através deste modelo pode­se obter estimativas de razões de chances (odds ratio ­ OR) entre grupos de pessoas com determinadas características de estarem ou não em situação de desigualdade. Com isto, se torna possível controlar covariáveis que eventualmente possam agir como fatores de confusão. A partir daí, é possível estudar o efeito de um fator de risco específico (presente ou não) sobre um determinado evento ou na identificação de vários fatores associados com uma reposta dicotômica. Uma situação que deve ser considerada em análises com dados secundários é o surgimento do confundimento residual, que pode ocorrer quando se desconhece uma determinada variável, que por sua vez também estaria associada à exposição estudada e ao desfecho. O tamanho do confundimento, neste caso, dependeria da associação daquela variável com a exposição, da sua relação com o desfecho e da associação real entre a própria exposição analisada e o desfecho.Uma outra fonte de confundimento residual é aquele derivado da criação de amplas categorias a partir de variáveis contínuas ou com múltiplas ordens. Nesta dissertação, a utilização do modelo ocorre em duas diferentes análises: das características associadas com a presença de doença invasora (artigo 1) e das condições clínicas em que se tem maior probabilidade de utilizar a radioterapia (artigo 2).
25 4.2.2 Análise de sobrevida A análise de sobrevida é uma medida freqüentemente utilizada para avaliar grupos com neoplasia. A sobrevida global da população reflete vários fatores, como o estádio da doença, a disponibilidade de acesso e a efetividade do rastreamento. No método de Kaplan­Meier os intervalos de tempo não são fixos, mas determinados pelo aparecimento de uma “falha”, e os sobreviventes ao longo do tempo são ajustados pela censura (os casos censurados entram no cálculo da função da probabilidade de sobrevida acumulada até o momento da perda). A análise de regressão múltipla, ou modelos de riscos proporcionais de Cox, é utilizada quando se pretende avaliar o efeito conjunto de variáveis independentes e auxilia na detecção de confundimento. Através desta técnica pode­se estabelecer a associação entre covariáveis explicativas e o tempo para a ocorrência de um evento de interesse. Assim sendo, o tempo decorrido é considerado como variável dependente, e o risco de morte por uma determinada causa é o produto de uma função não especificada de tempo e de uma função conhecida, que é a combinação linear das covariáveis (independentes) analisadas. Neste estudo, foram realizadas análises de sobrevida nos artigos n◦. 3 (sobrevida na coorte com doença invasora) e n◦. 4 (efeito da quimioterapia adicionada a radioterapia), sendo utilizada a curva de Kaplan­Meier, com teste log­rank, e a análise multivariada pelo método de Cox. Neste aspecto cabe destacar que no último artigo (efeito da quimioterapia) foi utilizado também o escore de propensão. Este representa um método cujo fundamento está no balanceamento das múltiplas covariáveis entre dois grupos através da estimação da probabilidade (propensão) de cada indivíduo ser arrolado em um ou outro grupo de tratamento, dado o seu perfil de covariáveis. Dessa forma, o ajuste obtido permite balancear
26 as covariáveis utilizadas. Através dos escores geram­se subgrupos (subclasses) homogêneos, permitindo, dentro desses, comparações diretas, minimizando o confundimento. Assim, E(X): = Pr (Z= 1 / X) Onde se denota a probabilidade condicional de arrolamento ao tratamento (Z) e o seu perfil de covariáveis (X). Ao mesmo tempo, dentro de cada subgrupo, há heterogeneidade em relação à distribuição das covariáveis prognósticas, pois a homogeneidade está somente na propensão para o tratamento. De qualquer forma, em cada estrato obtém­se o balanceamento da heterogeneidade entre os grupos. Assim, pode se obter comparabilidade entre os grupos em cada estrato.
27 5 ARTIGO I O DIAGNÓSTICO DE CÂNCER DE COLO UTERINO INVASOR EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA BRASILEIRO: TENDÊNCIA TEMPORAL E POTENCIAIS FATORES RELACIONADOS.
28 5.1 Introdução O câncer de colo de útero corresponde à principal causa de morte por neoplasias na população feminina mundial 1 . No Brasil, a taxa de mortalidade aumentou em 29% entre 1979 e 1998 (3,44 para 4,45 casos /100.000) 2 e as estimativas do Ministério da Saúde para 2006 previam mais de 19.000 novos casos 3 . O rastreamento populacional abrangente e constante é fundamental para reduzir não só a incidência da doença, mas também a mortalidade em mais de 90% 4, 5 . Há dois importantes motivos para este efeito: (1) um grande número de mulheres é detectado ainda com doença pré­invasora (carcinoma in situ), antes de que desenvolvam a doença propriamente dita, e (2) quando a doença é detectada na sua forma invasora, esta tende a ocorrer em estágios mais precoces, onde as chances de cura são maiores. Neste sentido, há duas formas possíveis de mensurarmos a efetividade das campanhas preventivas numa determinada região ou país: a determinação da proporção de casos detectados como pré­invasores, e, focando na forma invasora, a análise da proporção de casos encontrados em estágios iniciais 6 . Em 1998, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Controle do Câncer Cervical e de Mama 2 , cujo objetivo era criar uma rede nacional integrada e facilitadora de acesso aos serviços de saúde, disponibilizando uma estrutura para realização de diagnóstico (citopatológico e histopatológico) e tratamento precoces (Colposcopia e Cirurgia de Alta Freqüência­CAF), visando minimizar o impacto desta doença na população. Dentro deste contexto, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) exerce um importante papel no sentido de criar normas e rotinas, bem como de gerar planejamento estratégico para o programa 2 . Do ponto de vista assistencial, ele representa um centro de referência e recebe uma grande demanda especialmente da região metropolitana do Rio de Janeiro (o número de
29 matrículas no Hospital nos últimos cinco anos corresponde a aproximadamente 83% dos casos estimados para a capital e 39% dos casos do Estado) 7 . Este artigo foi focado nos casos de câncer de colo uterino atendidos neste centro de referência. O objetivo primário foi verificar as mudanças temporais nos padrões de referência da distribuição de casos pré­malignos e invasores matriculados no INCA no período de 1999 a 2004, além de gerar hipóteses a respeito. De forma secundária, foi realizado um estudo das características clínico­epidemiológicas disponíveis, referentes às duas formas clínicas. 5.2 Materiais e Métodos Foram selecionados todos os casos de tumores primários do colo uterino, matriculados na instituição e diagnosticados entre 1999 e 2004 (fonte da pesquisa: Registro Hospitalar do INCA). Esse período corresponde ao momento a partir do qual o instituto designou uma única unidade hospitalar para atender a todos os seus casos ginecológicos. Considerou­se as seguintes variáveis: (1) raça (branca vs não branca), (2) idade, (3) o ano do diagnóstico,(4) o grau de instrução, e (5) estadiamento ao diagnóstico. Os casos também foram divididos em já diagnosticados e encaminhados para tratamento no INCA e casos suspeitos, diagnosticados no próprio centro antes do início do tratamento. A idade ao diagnóstico foi agrupada em <30 anos, 30­54 anos, 55­64 anos e mais de 65 anos. O estadiamento utilizado foi o FIGO 8 (International Federation of Gynecology and Obstetrician), que classifica os tumores em estágios 0 (carcinoma in situ ou doença pré­ invasora) I, II, III e IV (fases com doença invasora). O grau de instrução foi dicotomizado em (a) nível de escolaridade abaixo do segundo grau (menor que 9 anos de estudo, baixo) e (b) segundo grau completo ou superior (igual ou acima de 9 anos, alto).
30 Em cada ano analisado foi verificada a proporção de casos invasores matriculados (em relação aos pré­malignos). O teste qui­quadrado de tendência linear foi utilizado para determinar o significado estatístico das variações temporais na proporção de casos. Considerando as diferenças clínico­epidemiológicas encontradas entre os dois grupos de pacientes, o modelo de regressão logística foi empregado com o propósito de análise multivariada, para detecção de eventuais confundimentos. Considerando a possibilidade de modificadores de associação, ou seja, que pudesse ocorrer heterogeneidade da associação de uma variável analisada com o tipo de apresentação clínica, de acordo com uma terceira variável, foi realizada a pesquisa de interações baseadas no modelo multiplicativo. 5.3 Resultados Foram encontrados 4.950 casos no período analisado, dos quais 73 foram excluídos por falta de informações essenciais para o estudo. A figura 5.1 resume a distribuição de casos por estágio durante o período. A maioria da coorte é constituída por neoplasia invasora (72,1%). Considerando exclusivamente os casos invasores, mulheres em estágio II e III (fase localmente avançada) representaram 68,4%. Estágio I representou somente 27,9% dos casos.
31 Figura 5.1 ­ Distribuição por apresentação clínica e por estágio da coorte de mulheres com câncer de colo uterino matriculadas no INCA e diagnosticadas entre1999 e 2004 E stágio I 19,3% C IS Invasor es 1363 casos 27,9% E stágio II 23,3% 3445 casos 72,1% E stádio III 25,0% E stádio I V 3,0% Estágio Desconhecido 1,5%
A tabela 5.1 caracteriza a distribuição de casos de acordo com o ano do diagnóstico, no período englobado pelo estudo. O número de matrículas anuais não variou significativamente, mas a proporção de casos invasores aumentou durante o período, subindo de 65,7% no início para 78,5% no último ano analisado. Tabela 5.1 – Distribuição dos 4.877 casos de câncer de colo uterino, matriculados no INCA e diagnosticados no período entre 1999 e 2004, por tipo de lesão e ano do diagnóstico Tipo de lesão T otal in Situ Ano Invasor n % n % n % 1999 858 100,0 294 34,3 564 65,7 2000 849 100,0 241 28,4 608 71,6 2001 851 100,0 268 31,5 583 68,5 2002 856 100,0 237 27,7 619 72,3 2003 792 100,0 177 22,3 615 77,7 2004 671 100,0 146 21,8 525 78,2 Total 4877 100,0 1363 27,9 3514 72,1 *Teste c 2 para tendência P­valor* χ < 0,001 32 De acordo com a tabela 5.2, o Carcinoma Epidermóide foi o tipo histológico predominante (84,5% dos casos invasores), seguido pelo adenocarcinoma (12,0%) e o adenoescamoso (2,6%). Detectou­se uma maior proporção de carcinoma epidermóide em estágios mais avançados (III e IV) quando comparado ao adenocarcinoma (41,8% vs 29,5%). Tabela 5.2 ­ Distribuição por estágio e tipo histológico dos casos acometidos por neoplasia do colo uterino diagnosticadas no período entre 1999 e 2004. População de referência: pacientes matriculadas no INCA Estágio T otal Tipo histológico dos invasor es Car cinoma Adeno­ Adeno­ Outr os Epider móide car cinoma escamoso tipos n % n % n % n % 22,0 146 4,2 36 1,0 3 0,1 757 I n 942 II 1136 947 27,5 146 4,2 37 1,1 6 0,2 III 1218 1085 31,5 102 3,0 16 0,5 15 0,4 IV 149 123 3,6 20 0,6 2 0,1 4 0,1 Total 3445 2912 84,5 414 12,0 91 2,6 28 0,8 Obs: Excluídos da tabela 69 casos com estágio desconhecidos. A tabela 5.3 revela a distribuição dos casos invasores de acordo com as variáveis estudadas. Pouco menos da metade dos casos diagnosticados dentro do INCA foram invasores (48,8%), ao contrário da grande maioria encaminhada já com o diagnóstico (75,8% destes casos tinham forma invasora, p<0,001). A doença pré­invasora configurou a grande maioria dos casos nas pacientes abaixo dos 30 anos (67,1%). No entanto, houve um aumento progressivo e estatisticamente significativo dos casos invasores com o envelhecimento, constituindo a maioria absoluta naquelas acima de 65 anos (90,2%). No geral, a raça branca foi discretamente mais afetada (74,5% vs 69,4%, p<0,001), e com relação ao nível de escolaridade, a proporção mulheres com casos in situ foi maior naquelas com baixo maior nível de escolaridade (15,9 vs 9,5%, p<0,001).
33 Tabela 5.3 ­ Distribuição de 4.877 casos de neoplasia de colo uterino, invasores e in situ, por origem do diagnóstico, faixa etária, raça e escolaridade. População de referência: mulheres matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Tipo do carcinoma Total in Situ P­valor Invasor n % N % n % INCA 681 100,0 349 51,2 332 48,8 Fora do INCA 4196 100,0 1014 24,2 3182 75,8 Até 29 anos 441 100,0 296 67,1 145 32,9 30 a 54 anos 2981 100,0 914 30,7 2067 69,3 55 a 64 anos 747 100,0 84 11,2 663 88,8 65 anos ou mais 707 100,0 69 9,8 638 90,2 Branca 2620 100,0 667 49,2 1953 55,6 Não branca 2247 100,0 688 50,8 1559 44,4 Menos que o 2º grau 4316 100,0 1139 84,1 3177 90,5 2º grau completo ou + 548 100,0 215 15,9 333 9,5 Do teste c 2 Origem do diagnóstico < 0,001 Idade
< 0,001 Cor/raça < 0,001 Escolaridade < 0,001 Na tabela 5.4 é apresentada uma análise baseada no modelo de regressão logística. Há uma associação estatisticamente significativa das variáveis independentes testadas com o tipo de lesão, que é mantida mesmo após os ajustes no modelo multivariado. Ao mesmo tempo, as razões de chances (ORs) obtidos nas análises uni e multivariada, são semelhantes para cada variável, o que não sugere confundimento entre as mesmas.
34 Tabela 5.4 ­ Modelos logísticos para o diagnóstico de carcinoma invasor baseado no ano do diagnóstico, faixa etário, raça e escolaridade, referentes à coorte de mulheres matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Modelos logísticos Características Ano do diagnóstico Modelo logístico univariados multivariado OR p­valor OR aj * p­valor 1,13 < 0,001 1,15 < 0,001 Origem do diagnóstico INCA Fora do INCA 1 3,30 Idade 1 < 0,001 3,17 < 0,001 < 0,001 <0,001 Até 29 anos 1 1 30 a 54 anos 4,62 < 0,001 4,23 < 0,001 55 a 64 anos 16,11 < 0,001 14,59 < 0,001 65 anos ou mais 18,88 < 0,001 17,38 < 0,001 1,29 < 0,001 1,27 0,001 Cor/raça Branca Não branca 1 1 Escolaridade Menos que o 2º grau 1,80 2º grau completo ou + 1 < 0,001 1,56 < 0,001 1 *OR aj = Odds Ratioajustado Nota: Não se observou nenhuma interação estatisticamente significativa O ano do diagnóstico apresentou uma associação de pequena magnitude, apesar de estatisticamente significativo. O fato de ser diagnosticado fora do INCA associou­se com uma maior chance da forma invasora em relação ao grupo diagnosticado no próprio instituto (OR ajustado de 3,17, p<0,001). Considerando as faixas etárias, há um gradiente entre a freqüência da doença invasora e o aumento da idade, o que pode ser ilustrado pelo aumento das ORs de forma progressiva e estatisticamente significativa nas faixas etárias superiores em relação ao grupo mais jovem (nas acima de 65 anos o OR ajustado atinge 17,38). Já a raça e a baixa escolaridade apresentaram uma associação de magnitude menor.
35 5.4 Discussão Os dados obtidos neste estudo apontam para o fato de que, neste período, menos de 1/3 dos casos matriculados representaram lesões precursoras (27,9%). A grande maioria dos casos invasores foi do tipo carcinoma epidermóide (84,5%), e foi diagnosticada em estágios localmente avançados (68,4%). Este tipo de lesão foi encontrado mais comumente em mulheres com idade mais avançada, naquelas com menor grau de instrução e, de forma mais discreta, naquelas de raça branca. Além disso, houve um aumento significativo na proporção de casos invasores matriculados nos últimos anos no INCA. Estudos realizados em países europeus avaliando as últimas décadas apontam que, nas áreas onde o rastreamento foi efetivamente aplicado, houve uma progressiva redução de novos casos e aumento na proporção dos estágios iniciais de câncer do colo uterino 9 . Países desenvolvidos, como os EUA e Austrália, também apresentaram o mesmo fenômeno, e atualmente contam com mais da metade dos tumores invasores detectados em estágio I 10 . Poucos estudos avaliaram a variação temporal do câncer de colo uterino no Brasil. De acordo com um estudo envolvendo 173 Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) de todo o país 11 , parece ter ocorrido uma redução dos casos invasores em estágios mais avançados no período entre 1995 e 2002 (estágio I­17,7%; II­33,3%; III­37,7% e IV­ 6,1%) em comparação ao período prévio de 1990 a 1994 (estágio I­4,5%; II­35,8%; III­40,7% e IV­18,0%). Na literatura, um elemento fortemente associado à doença invasora é a idade, sendo mais freqüente nas mais velhas 12, 13 . Esta situação também é encontrada neste estudo, onde 90,4% das pacientes acima dos 65 anos foram afetadas pela forma invasora. Nesta análise, a raça branca foi mais acometida pela doença e também apresentou maior chance de doença invasora (OR ajustado de 1,28). Os resultados do SEER (Surveillance Epidemiology and End Results) norte­americano também apontaram diferenças
36 na incidência e no estágio inicial da doença entre as diferentes raças naquele país. Entretanto, não pareceu haver plausibilidade biológica para as diferenças, e acredita­se que isso tenha ocorrido por conta das desigualdades sócio­econômicas e das disparidades no acesso à rede de saúde 14, 15 . Caso se utilize o nível de instrução como um marcador do nível sócio­ econômico 16 na população atendida pelo INCA, é possível se relacionar a baixa escolaridade com o risco de doença invasora (OR ajustado de 1,56, p<0,001) 17 . Entretanto, esse argumento não elucida as diferenças entre as raças encontradas aqui. Ao contrário do esperado, as mulheres de raça branca apresentaram nível de escolaridade maior em relação às de raça não­ branca (13% de analfabetismo vs 18,5% e considerando o 2º. Grau completo ou mais, 14,8% vs 7,0%). Por outro lado, as mulheres brancas foram mais velhas do que as não­brancas (31,9% vs 27,4% dos casos acima dos 55 anos), e isso pode ter contribuído para a maior freqüência de doença invasora nesta raça. É provável que a presença de confundimento residual neste estudo seja responsável pela diferença encontrada entre raças, principalmente considerando a natureza retrospectiva das variáveis obtidas, as dificuldades inerentes à caracterização da raça (no caso, declarada pela própria paciente), a necessidade de categorização de variáveis contínuas (como a própria idade) e ao desconhecimento de outros elementos (exemplo: nível social). Conhecendo­se as limitações relacionadas ao estudo de uma população atendida em um único centro, a distribuição de casos acima parece corroborar a idéia de um período de transição ocasionado pela melhoria do rastreamento. Numa área inicialmente caracterizada pelo predomínio de doença localmente avançada, esse fato poderia gerar o surgimento de um novo grupo em fase pré­invasora (detectado pelo rastreamento), criando um aspecto bimodal na distribuição, pela coexistência das duas situações. Por outro lado, de acordo com os resultados obtidos, nota­se que há uma tendência estatisticamente significativa de aumento da proporção de casos invasores ao longo do
37 período. Observações de anos anteriores do registro hospitalar dessa mesma unidade de saúde apontaram que a proporção de casos anuais em estágio zero havia sofrido um progressivo aumento entre 1991 e 1999 (carcinoma in situ mais estágio I, de 31% para 59%) 18 . Esse período corresponde ao momento em que as campanhas nacionais e o programa Viva Mulher se intensificaram. Uma segunda onda do programa nacional de rastreamento ocorreu em 2002, mas a cidade do Rio de Janeiro não participou. Em 2004, carcinoma in situ mais estágio I totalizou 43,4% do total. Essa tendência de queda, ainda que discreta, poderia estar associada à perda de força dos programas de detecção precoce, mas certamente representam mudanças no planejamento estratégico do hospital, que também funciona como centro de treinamento para a rede nacional e está voltado principalmente para o atendimento de alta complexidade. Finalmente, dada a magnitude da associação, é necessário se discutir as diferenças na proporção de doença invasora entre mulheres com diagnóstico dentro do INCA e aquelas vindas com detecção de fora. É possível que, novamente, haja confundimento residual por desconhecimento de informações importantes, como o padrão de atendimento e da forma de encaminhamento do sistema de saúde da área metropolitana e dos demais municípios do estado. Deve­se ressaltar que o número total de casos diagnosticado após a matrícula é substancialmente inferior (13,96% do total) e é possível que esses representem casos admitidos por alta suspeição diagnóstica do encaminhador e nos quais, subseqüentemente, não tenha sido encontrada a presença de doença invasora, já que o INCA funciona como um centro de referência e matricula preferencialmente os casos com diagnóstico já estabelecido. Além disso, é importante ressaltar que em números absolutos, a grande maioria dos casos pré­ invasores é diagnosticada fora, antes do encaminhamento para o INCA (1014 casos, 74,39% do total).
38 O câncer de colo uterino é uma das neoplasias com maior chance de cura quando diagnosticada precocemente. É extremamente importante que o rastreamento ocorra com ampla cobertura e de forma regular para que sua efetividade e os efeitos sobre a população possam ser detectados 6 . Nesse sentido, torna­se possível reduzir a incidência dos casos invasores e, especialmente nas mais idosas, obter uma menor proporção de casos com estágio localmente avançado.
39 5.5 Referência Bibliográfica 1 Parkin DM, Whelan SL, Ferlay J, Teppo L, Thomas DB, editors. Cancer incidence in five continents. Lyon (France): IARC; 2002. 2 Ministério da Saúde. Implantando o Viva Mulher ­ Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama, Rio de Janeiro ­ Instituto Nacional de Câncer, Coordenação de Prevenção e Vigilância – Conprev, 2001. 3 Ministério da Saúde. Estimativa 2006: Incidência de câncer no Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer, 2005. 4 Peto, J, Gilham, C, Fletcher, O, Matthews, FE. The cervical cancer epidemic that screening has prevented in the UK. Lancet 2004; 364:249­58 5 Eddy, DM. Screening for cervical cancer. Ann Intern Med 1990; (113):214­22. 6 Lynge, Elsebeth et al. What happens when organization of cervical cancer screening is delayed or stopped? Journal of Medical Screening, Vol. 13, 2006; (6): 41­46. 7 Registro Hospitalar do Hospital do Câncer 2, INCA. Dados internos, período de 1999 a 2004. 8 Shepperd JH. Staging announcement: FIGO staging of gynecologic cancers; cervical and vulva. Int J GynecolCancer 1995;(5):319. 9 F. Bray et al. Trends in Cervical Squamous Cell Carcinoma Incidence in 13 European Countries: Changing Risk and the Effects of Screening .Cancer Epidemiology Biomarkers & Prevention Vol. 14, 677­686. 10 Pecorreli S. FIGO annual report on the results of treatment in gynaecological cancer. Vol 24. J Epidemiol Biostat 2001;(6):87­91. 11 Thuler, LC; Mendonça, GA. Estadiamento inicial dos casos de câncer de mama e colo do útero em mulheres brasileiras. Rev. Bras. Ginecol. Obstet 2005, 26 (11): 115­121. 12 Meanwell CA, Kelly KA, Wilson S, et al. Young age as a prognostic factor in cervical cancer: analysis of population based data from 10022 cases. Br Med J 1988; (296): 386–391. 13 Kodama S, Kanasaa K, Homma S, Tanaka K. Age as a prognostic factor in patients with squamous cell carcinoma of uterine cervix. Cancer 1991,(68): 2481­2485 14 C.L. Kosary, FIGO stage, histology, histologic grade, age and race as prognostic factors in determining survival for cancers of the female gynecological system: an analysis of 1973–87 SEER cases of cancers of the endometrium, cervix, ovary, vulva and vagina, Semin. Surg. Oncol. 1994; (10)31–46.
40 15 Coker AL, Du XL, Fang S, Eggleston KS.Socioeconomic status and cervical cancer survival among older women: findings from the SEER­Medicare linked data cohorts.Gynecol Oncol. 2006;102(2):278­84. 16 Howard DH, Sentell TL, Gazmararian JA. Impact of Health Literacy on Socioeconomic and Racial Differences in Health in an Elderly Population. Journal of General Internal Medicine. 2006;21(8):857­61. 17 Lindau ST, Anirban B, Leitsch SA. Health Literacy as a Predictor of Follow­Up After an Abnormal Pap Smear: A Prospective Study. Journal of General Internal Medicine. 2006;21(8):829­34. 18 Ministério da Saúde.Morbi­mortalidade associada ao Câncer do Colo Uterino, disponível em www.inca.gov.br/viva_mulher/manual/documentos/morbi.pdf.Acesso em 25 março 2007.
41 6 ARTIGO II INDICAÇÃO DE RADIOTERAPIA EM MULHERES COM CÂNCER DE COLO UTERINO NO RIO DE JANEIRO, BRASIL, NO PERÍODO DE 1999 A 2004.
42 6.1 Introdução O câncer de colo de útero é uma das principais neoplasias em todo o mundo, sendo a sexta em incidência e a terceira maior causa de morte em mulheres 1, 2, 3 . No Brasil, corresponde à segunda causa de morte por neoplasias na população feminina e as estimativas do Ministério da Saúde para 2006 eram de 19.200 novos casos 4 . O prognóstico e o tratamento desta doença são amplamente dependentes da extensão do tumor ao diagnóstico (estadiamento) 5 . De forma geral, os estágios iniciais (IA até IIA) devem ser tratados com histerectomia radical e linfadenectomia pélvica. Nestes casos, do ponto de vista prognóstico, a radioterapia e o tratamento cirúrgico são equivalentes, mas este último está menos associado às seqüelas tardias (principalmente retite / cistite actínica e estenose de vagina), sendo a modalidade preferencial nas pacientes mais jovens 6, 7 . Já nos estágios localmente avançados (II e III), o papel da radioterapia se torna preponderante, e é a principal forma de tratamento curativo, uma vez que freqüentemente há a impossibilidade de ressecção completa do tumor por cirurgia, e a quimioterapia isolada nestes estágios só apresenta efeito paliativo 8, 9 . Nos últimos sete anos, a quimioterapia à base de cisplatina foi adicionada ao tratamento padrão com radioterapia, já que uma série de estudos demonstrou uma ação sinérgica da combinação 10, 11, 12, 13, 14, 15 . A radioterapia, utilizada exclusivamente ou em combinação com a quimioterapia, representa um procedimento complexo e de alto custo, principalmente para os países em desenvolvimento. No Brasil, dentro do sistema público de saúde, é considerado como um procedimento de alta complexidade e há, em algumas regiões, escassez de centros para a demanda existente 16, 17 . O Instituto Nacional de Câncer (INCA) exerce um importante papel no sentido de criar normas e rotinas que são adotadas em diversas instituições públicas do Brasil. Do ponto
43 de vista assistencial, representa um centro de referência e recebe uma grande demanda especialmente da região metropolitana do Rio de Janeiro 18 . Este artigo analisou as modalidades terapêuticas utilizadas neste centro, com especial ênfase na utilização da radioterapia e suas indicações no câncer invasor do colo uterino, considerando o estadiamento e as características clínico­epidemiológicas disponíveis para o estudo. 6.2 Materiais e Métodos Foram selecionados todos os casos invasores de tumores primários do colo uterino, matriculados na instituição e diagnosticados entre 1999 e 2004 (fonte: Registro Hospitalar do INCA). As seguintes variáveis foram estudadas: (1) idade, (2) o ano do diagnóstico, (3) o grau de instrução, (4) a raça, (5) o tipo histopatológico, (6) o estadiamento do tumor ao diagnóstico e (7) o tipo de tratamento inicialmente oferecido. Para o propósito da análise, a idade ao diagnóstico foi categorizada em <30 anos, 30­ 54 anos, 55­64 anos e mais de 65 anos. Já a variável raça foi categorizada em branca e não­ branca. A classificação histopatológica encontrada foi dividida em (a) carcinoma epidermóide, (b) adenocarcinoma e (c) demais tipos (constituído principalmente pelo C. adenoescamoso). O estadiamento utilizado foi o FIGO 19 (International Federation of Gynecology and Obstetrician). O tipo de tratamento refere­se ao tratamento oferecido inicialmente, e foi classificado como cirúrgico exclusivo (1), radioterápico exclusivo (2), cirúrgico e radioterápico (3), combinado (Quimioterapia e radioterapia) (4) e outros. O grau de instrução foi dicotomizado em (1) 2º. Grau completo ou mais e (2) Menos que o 2º. Grau completo.
44 Com relação à indicação da radioterapia, a população foi dividida entre aquelas que receberam e as que não receberam radioterapia no tratamento inicial. Avaliou­se a distribuição das variáveis (estágio, raça, tipo histológico, grau de instrução e faixa etária) nestes dois grupos e foi utilizado o teste qui­quadrado para testar a associação entre a indicação da radioterapia e as variáveis citadas. O Modelo de Regressão Logística foi utilizado para controlar o confundimento entre a utilização da radioterapia e as variáveis independentes acima citadas e testar a sua significância estatística. A partir do mesmo foi possível a criação de um modelo preditivo, relacionando­se um conjunto de características clínico­epidemiológicas com a possibilidade de um determinado indivíduo receber irradiação. A presença de interações multiplicativas no modelo foi considerada e pesquisada. Por conta da utilização da regressão logísitica não foi possível a pesquisa de interações aditivas. 6.3 Resultados No total, 3.514 pacientes com doença invasora foram encontradas e 6 foram excluídas por falta de informação do tipo de tratamento oferecido. A figura 6.1 ilustra a utilização de radioterapia na população analisada durante o período do estudo, independente do seu uso exclusivo ou combinado. No total, 79,7% das mulheres tratadas neste hospital receberam radioterapia e a sua indicação se manteve praticamente constante ao longo dos anos. A tabela 6.1 descreve as diversas modalidades terapêuticas empregadas na população do estudo. Mais da metade dos casos recebeu radioterapia como a única forma de tratamento (55,7%). A cirurgia foi realizada em somente 24,3% dessas mulheres, mas ainda assim a irradiação complementar foi necessária em 172 casos (4,9%). Dentre as modalidades combinadas, a mais utilizada foi a quimioterapia associada à radioterapia (17,8%).
45 Figura 6.1 ­ Casos de câncer de colo uterino invasor tratados no INCA entre 1999 e 2004 por ano do diagnóstico, segundo realização de radioterapia 81,0% 80,4% 76,6% 1999 2000 2001 2002 2003 80,1% 81,2% 700 600 500 400 300 200 100 0 79,0% Casos invasores Casos de câncer de colo uterino invasor tratados no INCA entre 1999 e 2004 por ano de diagnóstico, segundo realização de radioterapia 2004 Ano do diagnóstico Sem radioterapia Com radioterapia
Tabela 6.1 ­ Distribuição das modalidades terapêuticas empregadas na população de mulheres com tumor invasor de colo uterino matriculadas no INCA e diagnosticas entre 1999 e 2004 T ratamento Com r adioterapia Exclusiva n % 2797 79,7 1953 55,7 Com quimioterapia 625 17,8 Com cirurgia 172 4,9 Outros Sem radioter apia Cirurgia exclusiva Outros Total 47 1,3 712 20,3 679 19,4 33 0,9 3509 100,0 Na tabela 6.2, nota­se que há uma associação (p <0,001) entre a faixa etária e a proporção de pacientes submetidos à irradiação, com formação de um gradiente, sendo maior nas mais idosas (92,5% nas acima dos 65 anos versus 62,1% nas mais jovens). Já a indicação da radioterapia por raça não apresentou diferença significativa. Houve uma tendência para se indicar radioterapia com maior freqüência no grupo com nível escolar inferior (80,8% vs 69,9%). Com relação ao tipo histológico não houve diferença de indicação, embora os casos 46 de carcinoma epidermóide apresentem uma indicação ligeiramente maior e de significância marginal (80,4% vs 76,6%).Essa modalidade foi utilizada principalmente nos estágios II e III e IV (quase 100% dos casos localmente avançados), mas em somente 31% daquelas com estágio I. Tabela 6.2 ­ Relação entre as características clínico­epidemiológicas disponíveis e o uso de radioterapia no grupo de 3.509 pacientes matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Total Radioterapia Sim n P­valor do n % % Até 29 anos 145 100,0 90 62,1 30 a 54 anos 2064 100,0 1538 74,5 55 a 64 anos 662 100,0 579 87,5 65 anos ou mais 637 100,0 589 92,5 Branca 1949 100,0 1541 79,1 Não branca 1558 100,0 1254 80,5 3173 100,0 2563 80,8 332 100,0 231 69,6 2945 100,0 2367 80,4 Adenocarcinoma 428 100,0 328 76,6 Outros 136 100,0 102 75,0 Estádio I 941 100,0 297 31,6 Estádio II 1134 100,0 1119 98,7 Estádio III 1216 100,0 1211 99,6 Estádio IV 149 100,0 130 87,2 teste X 2 Idade < 0,001 Cor /r aça 0,298 Escolar idade Menos que o 2º grau 2º grau completo ou + < 0,001 Tipo histológico Carc. Epidermóide 0,075 Estadiamento < 0,001 A tabela 6.3 apresenta os modelos de regressão logística. Na análise univariada, tal como já detectado nas tabelas 6.2 e figura 6.1, o ano do diagnóstico e a raça não exercem influência na escolha do tratamento contendo radioterapia.
47 No modelo multivariado (1), a escolaridade perde sua significância estatística. Após a exclusão das variáveis sem associação no modelo multivariado final (2), nota­se que somente o estágio, o tipo histológico e a idade prosseguem associadas à indicação da radioterapia. Nesta análise, foram detectadas interações multiplicativas entre a idade com o estágio e idade com o tipo histológico. Tabela 6.3 ­ Modelos de Regressão Logística para a indicação radioterápica considerando a idade, raça, escolaridade, tipo histológico e estadiamento. Mulheres com diagnóstico de câncer de colo uterino entre 1999 e 2004 matriculadas no INCA Modelos logísticos Car acterísticas univar iados Modelo logístico Modelo logístico multivar iado 1 multivar iado 2 (final) OR Ano do diagnóstico p­valor 0,98 0,488 OR aj * 1,04 < 0,001 Idade p­valor OR aj * p­valor 0,325 < 0,001 < 0,001 Até 54 anos 1 55 a 64 anos 2,49 < 0,001 1,93 1 < 0,001 1,94 1 < 0,001 65 anos ou mais 4,38 < 0,001 3,99 < 0,001 4,03 < 0,001 0,92 0,298 0,87 0,314 Cor /r aça Branca Não branca 1 1 Escolar idade Menos que o 2º grau 2º grau completo ou + 1,84 1 1,09 0,684 1 0,076 Tipo histológico Carcinoma Epidermóide < 0,001 1 0,009 0,012 1 1 Adenocarcinoma 0,80 0,072 1,58 0,015 1,53 0,021 Outros 0,73 0,126 2,00 0,035 1,98 0,037 < 0,001 Estadiamento Estádio I EstádiosII ou III Estádio IV 1 < 0,001 < 0,001 1 1 252,61 < 0,001 254,70 < 0,001 253,91 < 0,001 14,84 < 0,001 14,68 < 0,001 14,68 < 0,001 *ORaj = Odds Ratioajustado Nota: Detectadas no modelo multivariado 2 (final) interações estatisticamente significativas do estádio com a idade e com o tipo histológico
48 Com base no modelo logístico final, é possível a construção de um modelo preditivo para a indicação de radioterapia nos subgrupos formado pela combinação das três variáveis destacadas (estágio, idade e tipo histológico), considerando também as interações detectadas. A tabela 6.4 ilustra a probabilidade esperada de receber radioterapia para os subgrupos de pacientes, criados a partir das variáveis que foram consideradas importantes na análise anterior. A proporção esperada variou de 22,5% naquelas com carcinoma epidermóide, estágio I, abaixo dos 55 anos até 100% naquelas com doença localmente avançada e mais de 65 anos. Tabela 6.4 ­ Probabilidades estimadas de indicação radioterápica a partir de um modelo logístico, considerando a coorte de pacientes com tumor invasor de colo uterino tratadas no INCA entre 1999 e 2004 E stádio Tipo histológico Idade I Carcinoma Epidermóide Adenocarcinoma Outros II ou III IV Até 54 22,3% (n=576) 98,8% (n=1180) 94,6% (n=79) 55 a 64 39,1% (n=101) 99,4% (n=431) 87,6% (n=25) 65 anos ou + 59,8% (n=79) 100% (n=418) 80,7% (n=19) Até 54 34,8% (n=112) 98,2% (n=137) 91,7% (n=5) 55 a 64 54,6% (n=16) 99,1% (n=53) 81,5% (n=6) 65 anos ou + 73,6% (n=18) 100% (n=56) 72,4% (n=9) Até 54 49,2% (n=32) 97,9% (n=43) 41,0% (n=4) 55 a 64 68,5% (n=4) 99,0% (n=10) 21,7% (n=1) 65 anos ou + 83,5% (n=3) 100% (n=21) 14,2% (n=1)
49 6.4 Discussão Considera­se, por consenso de experts, que cerca de 50 a 60% dos pacientes com diagnóstico de câncer virão a utilizar radioterapia em alguma fase de sua doença 20 . Um estudo canadense concluiu que, para câncer de colo uterino, a taxa de utilização de radioterapia como modalidade terapêutica inicial deveria variar entre 61,1% e 65,7% 21 . Neste estudo, o uso preferencial da radioterapia em mulheres com adenocarcinoma e com carcinoma adenoescamoso (maioria do grupo histológico “outros tipos”) em relação ao carcinoma epidermóide ocorreu, provavelmente, pelo pior prognóstico relatado para esses tipos histológicos. Há um maior risco de recidiva local e disseminação nodal pélvica pós­ operatória nestes casos, e por conta disso a radioterapia é empregada de forma adjuvante ou como tratamento radical (ou em associação com a quimioterapia), sem cirurgia. Nos casos de câncer do colo uterino, a idade avançada está associada a taxas de complicações operatórias maiores. Ao mesmo tempo, a menor expectativa de vida dos idosos diminui o risco de surgimento de complicações tardias da irradiação. Certamente esses dados foram considerados ao se indicar a irradiação com maior freqüência nestas faixas etárias. Entretanto, a detecção de interação multiplicativa entre idade e estágio significa que a utilização da radioterapia em mulheres mais idosas, por estágio específico, é maior do que se esperaria pela associação conjunta das duas variáveis (a indicação não é homogênea nos estratos de idade). O mesmo ocorre com relação ao tipo histológico. É possível que a impressão prognóstica da equipe médica seja fortemente influenciada pela coexistência destas situações, aumentando acima do esperado o uso da radioterapia. Dentre os problemas apontados pelo Ministério da Saúde para o tratamento do câncer de colo uterino no Brasil, encontra­se a dificuldade de acesso da população afetada a centros capacitados para realizarem tratamento avançado com quimioterapia e radioterapia (CACON)
50 17 .Uma questão que se impõe, considerando o INCA como referência nacional e também responsável pelo planejamento estratégico do controle do colo uterino no país, é se nessa população, o uso tão freqüente da radioterapia poderia ser reduzido. Apesar da elevada taxa de utilização de radioterapia no centro brasileiro (79,8%) em relação à recomendação internacional 21 , há detalhes imprescindíveis para a interpretação correta. Nos casos matriculados no INCA, a distribuição de estágios é marcantemente diferente em relação à de um país desenvolvido 7, 8, 21 principalmente por conta do predomínio de casos localmente avançados (68,31% dos casos deste hospital contra 32,1% no Canadá) 21 , nos quais o uso da radioterapia é imprescindível 9 . A resposta à questão anterior é que a indicação de radioterapia em pacientes com câncer de colo uterino no INCA não parece estar tecnicamente incorreta, e a atual taxa só poderá ser reduzida se houver diagnósticos mais precoces, em que a utilização dessa modalidade terapêutica é menos importante. Por outro lado, esses resultados apontam a importância da radioterapia como modalidade terapêutica para o tumor de colo uterino no contexto do Brasil, onde parte substancial dos diagnósticos também se dá de forma muito tardia. Esse conjunto de informações, referentes a esse importante centro nacional, pode auxiliar no planejamento estratégico e na estimativa de recursos que permitam o atendimento de milhares de mulheres brasileiras afetadas, de uma forma otimizada e ágil. De qualquer forma, esta análise reforça o importante papel assumido pelas campanhas e programas preventivos, no sentido de reduzir a morbidade relacionada ao tratamento, o custo financeiro e principalmente a mortalidade específica associada a esta doença.
51 6.5 Referências Bibliográficas 1 Parkin DM, Whelan SL, Ferlay J, Teppo L, Thomas DB, editors. Cancer incidence in five continents. Lyon (France): IARC; 2002. 2 US Department of Health and Human Services: A review of cervical cancer screening intervention research: implications for public health programs and future research. Prev Med 1998;27:13–31. 3 Sung, HY, Kearney, KA, Miller, M, et al. Papanicolaou smear history and diagnosis of invasive cervical carcinoma among members of a large prepaid health plan. Cancer 2000; 88:2283­88. 4 Ministério da Saúde,2005. Estimativa 2006: Incidência de câncer no Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. 5 Hagen B, Skjeldestad FE, Halvorsen T, et al. Primary treatment of cervical carcinoma. Acta Obstet Gyn Scan 2000;79:1093–9. 6 Amy Downinga, Jasmina Stefoski Mikeljevic, Bob Haward, David Forman. Variation in the treatment of cervical cancer patients and the effect of consultant workload on survival: A population­based study. Eur J Cancer 43 (2007) 363 –370 7 Denton AS, Bond SJ, Matthews S, Bentzen SM, Maher EJ.National audit of the management and outcome of carcinoma of the cervix treated with radiotherapy in 1993. Clin Oncol 2000;12:347–53. 8 Committee on Practice Bulletins­Gynecology. Diagnosis and treatment of cervical carcinomas, number 35, May 2002. Obstet Gynecol 2002; 99:855. 9 National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Clinical Practice Guidelines in Oncology disponível em www.nccn.org/professionals/physician_gls/default.asp 10 John A Green, John M Kirwan, Jayne F Tierney et al. Survival and recurrence after concomitant chemotherapy and radiotherapy for cancer of the uterine cervix: a systematic review and meta­analysis .THE LANCET 2001, 358:781­786. 11 Rose PG, Bundy BN, Watkins EB, et al: Concurrent cisplatin­based radiotherapy and chemotherapy for locally advanced cervical cancer. N Engl J Med 340:1144­1153, 1999. 12 Keys HM, Bundy BN, Stehman FB, et al: Cisplatin, radiation and adjuvant hysterectomy compared with radiation and adjuvant hysterectomy for bulky stage IB cervical carcinoma. N Engl J Med 340:1154­1161, 1999. 13 Whitney CW, Sause W, Bundy BN, et al: Randomized comparison of fluorouracil plus cisplatin versus hydroxyurea as an adjunct to radiation therapy in stage IIB­IVA carcinoma of the cervix with negative para­aortic lymph nodes: A Gynecologic Oncology Group and Southwest Oncology Group Study. J Clin Oncol 17:1339­1348, 1999.
52 14 Morris M, Eifel PJ, Lu J, et al: Pelvic radiation with concurrent chemotherapy compared with pelvic and para­aortic radiation for high­risk cervical cancer. N Engl J Med 340:1137­ 1143, 1999. 15 Peters WA, Liu PY, Barrett RJ, et al: Concurrent chemotherapy and pelvic radiation therapy compared with pelvic radiation therapy alone as adjuvant therapy after radical surgery in high­risk early­stage cancer of the cervix. J Clin Oncol 18:1606­1613, 2000. 16 Ministério da Saúde, INCA. Assistência Oncológica: Relatório Anual 2001. Disponível em http://www.inca.gov.br/inca/relatorios/rel_2001/assistenciaparte1.pdf 17 Ministério da Saúde, 2002, Prevenção do Câncer do Colo do Útero­Manual Técnico Brasília. 18 Registro Hospitalar do Hospital do Câncer 2, INCA. Dados internos, período de 1999 a 2004 (no prelo). 19 Shepperd JH. Staging announcement: FIGO staging of gynecologic cancers; cervical and vulva. Int J GynecolCancer 1995;5:319. 20 Intersociety Council for Radiation Oncology, Radiation oncology in integrated cancer management. Report to the Director of the National Cancer Institute, American College of Radiology, Washington, DC (1991). 21 Nawaid Usmani et al. An evidence­based estimate of the appropriate rate of utilization of radiotherapy for cancer of the cervix Int J Rad Oncol Bio Phys, 2005, 63; (1): 812­27
53 7 ARTIGO III ANÁLISE DA SOBREVIDA DE MULHERES COM CÂNCER DE COLO UTERINO INVASOR EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA BRASILEIRO NA COORTE DIAGNOSTICADA ENTRE 1999 E 2004.
54 7.1 Introdução O câncer de colo uterino é uma das principais neoplasias em todo o mundo, sendo a sexta em incidência e a terceira maior causa de morte em mulheres 1 . A maioria dos casos (80%) ocorre em países em desenvolvimento. As principais regiões afetadas são a África, América Latina e Caribe, sendo relativamente infreqüente na Europa, Israel e nos EUA 2 . No Brasil, corresponde à segunda causa de morte por neoplasias na população feminina. As estimativas do Ministério da Saúde apontam para o ano de 2006 cerca de 19.260 novos casos, com 5.110 óbitos 3 . O estadiamento FIGO 4 (International Federation of Gynecology and Obstetrician) é o principal fator prognóstico nesta doença, estando diretamente associado com o risco de recorrência e a sobrevida global. Ele avalia o tamanho do tumor primário, a extensão local e a invasão de estruturas adjacentes, bem como a presença de lesões à distância. Vários outros fatores também são relatados como prognósticos, mas não são contemplados pela FIGO, como a idade, a raça, o nível sócio­econômico e o tipo histopatológico do tumor 5, 6 . Há uma clara relação entre a extensão da doença ao diagnóstico (estadiamento) e a mortalidade associada, e neste ponto, portanto, se configura a base para os programas de rastreamento 7 . A efetividade do rastreamento populacional permite o diagnóstico de uma grande proporção de casos como doença pré­invasora ou nos estágios iniciais, minimizando de forma importante a morbidade associada e aumentando satisfatoriamente a sobrevida global dos casos invasores 8, 9 . O Instituto Nacional de Câncer (INCA) representa uma referência nacional em termos de política de saúde e controle do câncer. Do ponto de vista assistencial, representa um centro de referência e recebe uma grande demanda da região metropolitana e também do interior do estado Rio de Janeiro. Somente no ano de 2003, enquanto a estimativa era de 896 casos para a capital, totalizando 2010 casos no estado 10 , 597 pacientes foram matriculadas com este
55 diagnóstico no instituto. Este estudo retrospectivo teve como objetivo analisar a sobrevida global nas pacientes com o diagnóstico de câncer de colo uterino que foram matriculadas no INCA entre 1999 e 2004. Além disso, também foram analisadas as associações do tempo de sobrevida com o estágio, idade, tipo histológico e escolaridade. 7.2 Materiais e Métodos Os dados foram obtidos do Registro Hospitalar do INCA. Foram pesquisados todos os casos de tumor primário do colo uterino matriculados e diagnosticados entre 1999 e 2004. Esse período correspondeu ao momento a partir do qual o instituto selecionou uma única unidade hospitalar para atender a todos os seus casos ginecológicos. Foram estudadas as seguintes variáveis: (1) ano do diagnóstico, (2) idade, (3) estadiamento, (4) padrão histopatológico, (5) grau de instrução e (6) raça. A idade foi dicotomizada em dois grupos (< 65 e 65 anos ou mais). O estadiamento utilizado foi o FIGO 4 , variando de I a IV. Ordenou­se a classificação histopatológica encontrada em (1) carcinoma epidermóide, (2) adenocarcinoma e (3) demais tipos. O nível de instrução foi dividido em (a) mulheres com 2º. Grau completo ou nível superior e (b) mulheres com instrução máxima abaixo do 2º. Grau. Já a raça foi dividida em branca e não­ branca. Para a estimativa da sobrevida, foram considerados como falha todos os óbitos encontrados no período. Os demais casos foram censurados na data da última visita ao hospital, sendo a última em novembro de 2006. As fontes de pesquisa dos óbitos foram o próprio Registro Hospitalar e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Os dados foram analisados pelo método de Kaplan­Meier para determinar o tempo de sobrevida geral e por estrato para cada variável estudada, sendo utilizado o teste Log­Rank para a comparabilidade entre as funções de sobrevida.
56 Para o estudo da associação do tempo de sobrevida (variável dependente) com as variáveis acima citadas (ano do diagnóstico, estadiamento, tipo histológico, idade, raça e escolaridade), utilizou­se o modelo de riscos proporcionais de Cox. A taxa de letalidade por estágio foi calculada baseada no número de óbitos por pessoa­tempo (densidade de incidência). 7.3 RESULTADOS Foram encontrados 3.509 casos, dos quais 68 foram excluídos por falta de informações vitais para a análise. O tempo de seguimento máximo foi de 94,0 meses, com mediana de 28,1 meses. Do total, 18,1% dos casos tinham mais de 65 anos de idade (tabela 7.1). Houve um discreto predomínio de mulheres de raça branca (55,5%) e daquelas com baixo nível de instrução (apenas 9,4% tinham o ensino médio completo). O tipo histológico predominante foi o Carcinoma Epidermóide (84,5%). A presença de doença localmente avançada (estágios II e III) foi encontrada em 68,3% do total da coorte. A maior parte dos casos foi acompanhada por dois anos ou mais (80,7%), sendo registrados 1.499 óbitos ou 50,11% dos casos. Os óbitos foram mais freqüentes nos dois primeiros anos de seguimento (71,2%) e naquelas com estágios II e III (juntos corresponderam a 84,9% do total de mortes).
57 Tabela 7.1 ­ Características clínico­epidemiológicas e óbitos encontrados na coorte de 3.341 pacientes com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Óbito Total Idade Até 64 anos 65 anos ou mais Cor /r aça Branca Não branca Escolar idade Menos que o 2º grau 2º grau completo ou + Tipo histológico Carcinoma Epidermóide Adenocarcinoma Adenoescamoso + outros Estadiamento Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV Tempo de óbito ou seguimento Até 2 anos 2 a 4 anos 4 anos ou mais Sim (n=1499) Não (n=1492) n % n % n % 2817 623 81,9 18,1 1207 292 80,5 19,5 1610 331 82,9 17,1 1909 1530 55,5 44,5 815 684 54,4 45,6 1094 846 56,4 43,6 3114 323 90,6 9,4 1401 98 93,5 6,5 1713 225 88,4 11,6 2908 414 119 84,5 12,0 3,5 1290 159 50 86,1 10,6 3,3 1618 255 69 83,3 13,1 3,6 942 1133 1217 149 27,4 32,9 35,4 4,3 90 469 803 137 6,0 31,3 53,6 9,1 852 664 414 12 43,9 34,2 21,3 0,6 1467 1131 840 42,7 32,9 24,4 1066 349 83 71,2 23,3 5,5 401 782 757 20,7 40,3 39,0 . A tabela 7.2 analisa a distribuição das características clínico­epidemiológicas nos diferentes estágios. Com relação à escolaridade, há uma distribuição significativamente maior de pacientes com o segundo grau completo ou superior nos estágios I e II (p<0,001), apesar desses indivíduos representarem uma pequena minoria na coorte. Com relação à raça, apesar de uma discreta maioria de pacientes brancas, não houve diferenças estatisticamente significativas na distribuição de casos por estágio (p= 0,168). Já o carcinoma epidermóide foi mais freqüente no estágio III, enquanto os tipos histológicos Adenocarcinoma e Adenoescamoso (mais outros) foram mais vistos em estágios iniciais (p<0,001).
58 Tabela 7.2 ­ Distribuição por estágio das características clínico­epidemiológicas de 3.341 casos de câncer de colo uterino diagnosticados no INCA entre 1999 e 2004 T otal N Idade Até 64 anos 65 anos ou mais Cor /r aça Branca Não­branca Escolar idade Menos que o 2º grau 2º grau completo ou + Tipo histológico Carcinoma Epidermóide Adenocarcinoma Adenoescamoso + outros % Estadiamento I II n % n % III n % IV n % P­valor do teste X2 2817 81,9 842 89,4 905 623 18,1 100 10,6 228 79,9 950 20,1 266 78,1 120 80,5 21,9 29 19,5 < 0,001 1909 55,5 535 56,9 647 1530 44,5 406 43,1 486 57,1 644 42,9 572 53,0 83 47,0 66 0,168 55,7 44,3 3114 90,6 811 86,3 1012 89,4 1154 94,9 137 91,9 323 9,4 129 13,7 120 10,6 62 5,1 12 8,1 2908 84,5 757 80,4 944 83,3 1084 89,1 123 82,6 414 12,0 146 15,5 146 12,9 102 8,4 20 13,4 119 3,5 3,8 2,5 6 4,0 39 4,1 43 31 < 0,001 < 0,001 A figura 7.1 ilustra as curvas de Kaplan­Meier, revelando que as funções de sobrevida sofrem influência estatisticamente significativa do estadiamento, da escolaridade, da idade, raça e do tipo histológico. A sobrevida mediana para a coorte como um todo foi de 53,4 meses (IC 95% 47,65 a 59,20 meses, fig.7.1.A). A análise indica que houve uma diferença significativa da sobrevida mediana entre as duas faixas etárias consideradas (62,6 vs 41,3 meses que favoreceu as mais jovens, p= 0,016, fig.7.1.B). De forma menos clara, as mulheres consideradas não­brancas apresentaram melhor sobrevida em relação às brancas, (56,43 vs 49,46 meses, p=0,04, fig.7.1.C). Com relação aos tipos histológicos (fig.7.1.D), o carcinoma epidermóide apresentou pior sobrevida em relação aos demais, de forma estatisticamente significativa, mas com as curvas bastante semelhantes (p=0,012). Quanto à escolaridade (fig.7.1.E), as que
59 obtiveram conclusão do ensino médio, ou mais, demonstraram importante superioridade em termos de sobrevida, e a mediana ainda não havia sido alcançada para o referido sub­grupo (grupo com escolaridade inferior 49,9 meses, p < 0,001). Finalmente, também houve uma clara relação entre o estágio ao diagnóstico e a sobrevida (fig.7.1.F), sendo melhor para aquelas em estágio I (mediana não alcançada), com piora progressiva nos demais estágios (respectivamente 65,6 meses, 21,7 meses e 10,4 meses para os estágios II, III e IV ­ p<0,001). Apesar dos resultados obtidos na análise das Curvas de Kaplan­Meier, a análise multivariada baseada no modelo de Cox aponta que somente o estadiamento mantém significado estatístico (p< 0,001), conforme tabela 7.3. Todas as demais variáveis consideradas na análise univariada perderam sua significância. Neste modelo, cada variável é ajustada simultaneamente e reciprocamente pelas outras variáveis apresentadas.
60 Figura 7.1 ­ Curvas de Kaplan­Meier para sobrevida em mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA entre 1999 e 2004 de acordo com a idade, raça, escolaridade, tipo histológico e estadiamento Sobrevida Global Idade B Log –rank<0,016* A Tipo Histológico Raça Log –rank<0,04* C D Log –rank<0,012* Estadiamento Escolaridade Log –rank<0,001* E *Log­Rank estimado pelo Mantel­Cox. Log –rank<0,001* F
61 Tabela 7.3 ­ Modelos de Cox para mortalidade considerando a coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Car acter ísticas Idade Até 64 anos 65 anos ou mais Cor/r aça Branca Não branca Escolar idade Menos que o 2º grau 2º grau completo ou + Tipo histológico Carcinoma Epidermóide Adenocarcinoma Adenoescamoso + outros Estadiamento Estádio 1 Estádio 2 Estádio 3 Estádio 4 *HRaj = Hazard Ratioajustado
Modelos de Cox univar iados Modelo de Cox multivar iado 1 HR HR aj* p­valor p­valor 1 1,17 0,016 1 0,95 0,399 1 1,11 0,040 1 1,09 0,107 1 0,65 1 0,79 0,87 1 4,90 11,44 28,96 <0,001 0,012 0,004 0,354 <0,001 <0,001 <0,001 <0,001 1 0,86 1 0,96 0,97 1 4,90 11,33 28,91 0,172 0,881 0,637 0,836 <0,001 <0,001 <0,001 62 Tabela 7.4 ­ Taxa de letalidade ajustada por estágio considerando os casos de câncer de colo uterino invasor matriculados no INCA e diagnosticados entre 1999 e 2004 Estadiamento Óbitos Mulheres­ano Taxa (IC 95%) (1000 mulheres­ano) Tempo mediano (em anos) I 90 3232,5 27,8 (22,6 ­ 34,2) ... II 469 3444,5 136,2 (124,4 ­ 149,1) 5,4 III 803 2518,2 318,9 (297,6 ­ 341,7) 1,8 IV 137 182,8 749,6 (634,0 ­ 886,2) 0,9 Total 1499 9377,8 159,8 (151,9 ­ 168,1) 4,5 A taxa de letalidade ilustrada na tabela 7.4 confirma os achados anteriores. Há um gradiente entre a mortalidade e o estágio clínico, variando de 27,8 por 1000 casos­ano até 749,6 por 1000 casos­ano em mulheres para os casos com estágios I e IV, respectivamente, o que confirma a gravidade prognóstica do diagnóstico tardio. 7.4 Discussão Há poucos relatos em relação à sobrevida na neoplasia de colo uterino em mulheres brasileiras. Dados referentes a um Centro de Referência no Paraná, com 2.396 casos (1990­ 1994) apontaram sobrevida em 5 anos de 53,6% 11 . Outro estudo, conduzido no Hospital AC Camargo (São Paulo), apontou sobrevida global em 5 anos de 66,5% (com uma sobrevida surpreendentemente alta para os casos avançados) 12 . Nos EUA, a sobrevida global em 5 anos para mulheres acometidas é de 72% (Cancer and Facts Figure, 1992­1999, ACS) 13 . No Reino Unido, dados populacionais indicam sobrevida de 62,5% (Cancer Survival, National Statistics, 1996­1999) 14 e na Austrália, de 58%(1992­1997, Australia´s Health 2004) 15 .
63 Regiões em desenvolvimento parecem apresentar sobrevida menor, e há grande variação de acordo com a área analisada. Dados referentes à ilha de Cuba indicam sobrevida de 53,5% (1988­1989), mas algumas cidades da Ásia apresentam resultados inferiores: Bombaim, Índia, registrou 46,5% (1983­86), Qidong, China (1982­91), 37,5% e Rizal (Filipinas), 24,6% 16 . Os resultados da análise atual, apesar de não necessariamente refletirem a realidade nacional, são fortemente representativos da região em que se situa o centro de referência (Hosptial do Câncer 2). Considerando a coorte como um todo (figura 7.1.A), encontra­se uma sobrevida global em 5 anos de 48%. Se o resultado encontrado for comparado com o de áreas desenvolvidas, essa medida única aponta um desfecho menos favorável, mas condizente com um país em desenvolvimento 2 . Vários estudos têm demonstrado que o baixo nível sócio­econômico está associado com um prognóstico negativo no câncer do colo uterino 17, 18, 19 . Neste estudo, utilizando o nível de instrução como um proxy da avaliação sócio­econômica, é possível destacar dois pontos importantes: (1) o subgrupo de mulheres com nível de instrução mais elevado constitui uma pequena minoria (9,4%) nesta análise; e (2) para essas mulheres há uma redução no risco de óbito de 35% em relação àquelas com nível educacional inferior, apesar desta diferença ter diminuído para 14% e se tornado estaticamente não­significativa na análise multivariada. Uma possível explicação para essa associação é que as mulheres mais instruídas procuram mais freqüentemente a rede de saúde e estão mais conscientes do papel das medidas preventivas, e são detectadas numa fase mais precoce onde o sucesso terapêutico é maior. No entanto, o estádio está ajustado na análise multivariada e a diferença, apesar de sem significância, persiste. Dados de registros hospitalares do Japão apontam que a idade avançada está associada com uma pior sobrevida, mesmo após o ajuste por estágios, sendo esses resultados
64 relacionados com o rastreamento mais efetivo nas idades inferiores a 45 anos 20 . Outros estudos reforçam essa conclusão, mas supõem que fatores biológicos adversos possam causar um curso mais agressivo 21 . Entretanto, o estudo do SEER norte­americano (Survillience Epidemiology and End Results) que avaliou a fatalidade por câncer de colo uterino nas diversas faixas etárias, não foi capaz de encontrar nenhuma diferença significativa quando ajustado por outras causas de morte e pela expectativa de vida 22 . No estudo atual, embora na análise univariada a idade avançada também estivesse associada a um pior prognóstico (HR 1,17), esta associação desapareceu na análise multivariada. É provável que a alta prevalência de estágios localmente avançados neste grupo etário tenha contribuído para o resultado pior na análise univariada. Há uma tendência a referir­se aos tipos histológicos adenocarcinoma e carcinoma adenoescamoso como apresentando prognóstico pior em relação ao carcinoma epidermóide 23, 24 . Nessa população analisada, não foi possível encontrar essa associação em análise multivariada. Uma das explicações plausíveis para esse fato é a pequena quantidade de pacientes encontrada com esses subtipos, que foram mais expressivos nos estágios iniciais. Outro fator possivelmente associado é a tendência de se utilizar tratamentos mais agressivos nestes casos (como o uso da radioterapia adjuvante), que podem aumentar a sobrevida. No entanto, os motivos não estão totalmente claros, e não se pode afastar a presença de confundimento residual. Em relação ao SEER americano 23 , observa­se que as mulheres de raça branca são diagnosticadas em estágios mais precoces e apresentam prognóstico mais favorável em relação às de raça negra (HR­ 1,35), e se atribui essa diferença principalmente às disparidades no acesso ao sistema de saúde e às diferentes modalidades terapêuticas empregadas 19, 22 . Na coorte do INCA não foi possível encontrarmos, na análise multivariada, nenhuma diferença estatisticamente significativa entre mulheres brancas e não­brancas, portadoras de câncer de
65 colo uterino, com relação à sobrevida. Esse fato está provavelmente ligado ao acesso comum à rede de saúde e, conseqüentemente, à indistinção na escolha de métodos terapêuticos baseado neste critério, reforçando a conclusão de que a raça, quando ajustada para as demais covariáveis, não tem implicância prognóstica. Com relação à presença de maior número de casos entre pacientes brancas do que não­ brancas, vale à pena ressaltar que a população do Estado do Rio de Janeiro, de acordo com a PNAD 2003 25 , possui uma maioria de mulheres brancas (61,4%), o que em parte pode justificar essas diferenças. Os dados apresentados apontam que o estadiamento é o principal fator prognóstico na população envolvida. Apesar da influência da idade e do grau de instrução na análise univariada, seus efeitos desaparecem na análise subseqüente, reforçando o papel independente desta variável. Esse resultado é compatível com as informações disponíveis na literatura, apontando o estadiamento como o principal fator prognóstico no câncer de colo uterino 22 .A importância se torna mais aparente quando avaliamos a taxa de fatalidade em cada estágio. Com relação à qualidade do atendimento oferecido no INCA, apesar da baixa sobrevida global em 5 anos para o grupo como um todo, outros elementos devem ser considerados. Conforme a figura 7.1.E, as sobrevidas globais foram de 85%, 51% e 24% para os estágios I, II e III, valores são semelhantes aos encontrados nos EUA e UK 13, 14 . Com o pior prognóstico em estágios mais avançados, a grande diferença notada na sobrevida média global é a desproporção de casos em estágios mais avançados no INCA, o que faz com que seja inferior a de outros centros localizados em países desenvolvidos. Por fim, é adequado discutir eventuais limitações desta análise, considerando o modelo retrospectivo e o uso de dados secundários. É improvável que um viés relacionado às perdas seletivas tenha afetado os resultados, dado que grande parte da população foi seguida por dois anos ou mais. Da mesma forma, sabendo­se que praticamente 70% dos casos foram
66 localmente avançados, não se espera influência importante de um viés de antecipação. Com relação à qualidade dos dados obtidos, o registro hospitalar do INCA possui uma equipe treinada que monitora ativamente os prontuários do hospital e, caso necessário, estão aptos para busca ativa de informações, o que reduz as chances de perda de informações importantes sobre o seguimento. Os resultados obtidos apontam a realidade de um dos principais centros de referência em tratamento de câncer ginecológico no Brasil, que ao mesmo tempo é responsável pelas rotinas terapêuticas adotadas em todo o sistema público no país. Além disso, fornece dados sobre o prognóstico do câncer cervical na região metropolitana do Rio de Janeiro. Baseado nesses achados é importante que se reforce as campanhas e os programas preventivos para o controle satisfatório dessa patologia 26 , para que se alcance um patamar na sobrevida global semelhante aos países desenvolvidos.
67 7.5 Referência Bibliográfica 1 Parkin DM et al. Cancer incidence in five continents. Scientific Publications; no. 155. Lyon, IARC; 2002. 2 Ferlay J et al. GLOBOCAN 2002. Cancer Incidence, Mortality and Prevalence Worldwide. Lyon, IARC, 2004 . 3 Ministério da Saúde. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil. Rio de Janeiro, Secretaria Nacional de Assistência à Saúde, Instituto Nacional de Câncer, 2007. 4 American Joint Committee on Cancer. Manual for staging of cancer: cervix uteri. 3rd ed. Philadelphia, Lippincott, 1998. 5 Kim SH, Kim SC, Choi BI, et al. Uterine cervical carcinoma:evaluation of pelvic lymph node metastasis with MR imaging. Radiology 1994;190:807–11. 6 Shepperd JH. Staging announcement: FIGO staging of gynecologic cancers; cervical and vulva. Int J Gynecol. Cancer 1995;5:319­25. 7 International Agency for Research on Cancer. IARC confirms efficacy of cervix cancer screening for women 25­65 in reducing mortality. Disponível em http://www.iarc.fr/ ENG/Press_Releases/archives/ pr151a.html. Acessado em 25 de março de 2007. 8 Eddy, DM. Screening for cervical cancer. Ann Intern Med 1990; (113):214­22. 9 Peto, J, Gilham, C, Fletcher, O, Matthews, FE. The cervical cancer epidemic that screening has prevented in the UK. Lancet 2004; (364:249­58 10 Ministério da Saúde. Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil. Rio de Janeiro, Secretaria Nacional de Assistência à Saúde, Instituto Nacional de Câncer, 2002. 11 Liga Paranaenses de Combate ao Câncer.Relatório Epidemiológico : RHC 2000 a 2004. Curitiba, Hospital Erasto Gaertner, 2007. 12 Coelho F et al. Análise de sobrevida de uma amostra de 2 mil casos de câncer tratados no Hospital A. C. Camargo de 1980 a 1987. Acta Oncol Bras 1993;13(3):8­16 13 Cancer facts and figures. Atlanta, American Cancer Society, 1999. 14 Cancer Statistics in United of Kington. Acessado em http:// info. Cancerresearchuk. org/cancerstats/types/cervix/survival/ . Acessado em 15 de fevereiro de 2007. 15 Cancer survival in Australia 1992­1997: geographic categories and socioeconomic status. Sidnei , AIHW & Australasian Association of Cancer Registries, 2000. 16 Parkin, D et al. Global Cancer Statistics. CA ­ A Cancer Journal for Clinicians,1999; 49(1):33­64.
68 17 S.J. Newmann and E.O. Garner, Social inequities along the cervical cancer continuum: a structured review, Cancer Causes Control 2005; 16: 63–70. 18 Greenwald, E. et al. Explaining reduced cancer survival among the disadvantaged. The Milbank Quartely, 1996;74:215–38. 19 Coker A, Du X, Fang S, Eggleston K. Socioeconomic status and cervical cancer survival among older women: findings from the SEER­Medicare linked data cohorts.Gynecol Oncol. 2006 102(2):278­84. 20 Kodama S, Kanasaa K, Homma S, Tanaka K. Age as a prognostic factor in patients with squamous cell carcinoma of uterine cervix. Cancer 1991; 68: 2481­85 21 Meanwell CA, Kelly KA, Wilson S, et al. Young age as a prognostic factor in cervical cancer: analysis of population based data from 10022 cases. Br Med J 1988; 296:386–391. 22 C.L. Kosary, FIGO stage, histology, histologic grade, age and race as prognostic factors in determining survival for cancers of the female gynecological system: an analysis of 1973–87 SEER cases of cancers of the endometrium, cervix, ovary, vulva and vagina,Semin.Surg.Oncol.,1994;10:31­46. 23 Anton­Culver H, Bloss JD, Bringman D, Lee­Feldstein A, DiSaia P, Manetta A. Comparison of adenocarcinoma and squamous cell carcinoma of the uterine cervix: a population­based epidemiologic study. Am J Obstet Gynecol 1992;166:1507–14. 24 Sasieni P, Adams J. Changing rates of adenocarcinoma and adenosquamous carcinoma of the cervix in England. Lancet 2001;357:1490–3. 25 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Ministério do Planejamento.Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ , acessado em 01 de junho de 2007. 26 Lynge, Elsebeth et al. What happens when organization of cervical cancer screening is delayed or stopped? Journal of Medical Screening, 2006; 13 (1), 41­46.
69 8 ARTIGO IV O EFEITO DA ADIÇÃO DA QUIMIOTERAPIA AO TRATAMENTO RADIOTERÁPICO EM MULHERES COM CÂNCER DE COLO UTERINO NO RIO DE JANEIRO.
70 8.1 Introdução Até o final da década passada, havia muita discussão se a adição de quimioterapia ao tratamento radioterápico em mulheres com câncer de colo uterino seria capaz de aumentar a sobrevida global 1 . Até então, as únicas modalidades habitualmente utilizadas no tratamento curativo desta neoplasia eram a cirurgia e a radioterapia (utilizadas isoladamente ou de forma combinada) 2 . Vários estudos do início da década de 90, incluindo um originário no Instituto Nacional do Câncer do Brasil 3 , procuraram combinar essas modalidades com a quimioterapia (em caráter neoadjuvante ou concomitante), mas os resultados foram negativos 4, 5 . Em 1999, um alerta do NCI (National Cancer Insitute) norte­americano chamou a atenção para a publicação de cinco ensaios randomizados que adicionaram quimioterapia à base de cisplatina ao tratamento radioterápico, de forma concomitante 6, 7, 8, 9, 10 . Para os casos com estadiamento FIGO (International Federation of Gynecology Oncology) entre IB2 e IVA, houve um impacto favorável para o braço com a combinação, gerando um aumento da sobrevida global em torno de 30%. Apesar da aceitação desses resultados pelas principais sociedades médicas e da recomendação desta conduta nos principais guidelines existentes 11 , algumas questões permaneceram em aberto com relação à efetividade da combinação terapêutica fora dos ensaios controlados, principalmente após os resultados negativos de um sexto estudo, conduzido no Canadá 12 . Uma das principais questões levantadas é que o estadiamento nestes estudos foi confirmado por procedimentos cirúrgicos invasivos e exames de imagens não contemplados pela FIGO (que não são realizados na prática clínica), o que poderia predispor ao surgimento de uma sub­população beneficiada que não seria passível de caracterização na prática assistencial 13 . No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) é responsável pelo atendimento de grande parte dos tumores ginecológicos diagnosticados na região metropolitana do Rio de
71 Janeiro, além de representar uma referência nacional em termos de política de saúde e controle do câncer 14 . Neste estudo foi realizada uma análise retrospectiva objetivando­se determinar o impacto da adição da quimioterapia ao uso habitual da irradiação (sob condições não controladas e dentro da prática clínica habitual) na sobrevida global de mulheres com câncer de colo uterino, que foram diagnosticadas e acompanhadas no INCA. O objetivo secundário foi caracterizar esses dois grupos (um tratado com radioterapia exclusiva e o outro com a combinação com a quimioterapia) a partir de variáveis clínico­epidemiológicas disponíveis. 7.2 Materiais e Métodos Os dados foram obtidos do Registro Hospitalar do INCA. Foram selecionados todos os casos de tumores primários do colo uterino, matriculados e diagnosticados entre 1999 e 2004, que receberam como tratamento inicial a radioterapia, de forma exclusiva ou combinada à quimioterapia. Para reduzir eventuais confundimentos, todos os casos que receberam cirurgia ou outra forma de tratamento, além daquelas descritas acima, foram excluídos. O período selecionado para a análise correspondeu ao momento a partir do qual o INCA destacou uma única unidade hospitalar para atender a todos os seus casos ginecológicos, o que permitiu uma melhor padronização das condutas e consequentemente uma menor variabilidade nas formas de administração dos tratamentos considerados. Coincidentemente, o ano de 1999 corresponde ao ano do informe do NCI e também ao momento em que as entidades internacionais de referência apoiaram a mudança na abordagem terapêutica. Foram consideradas as seguintes variáveis disponíveis: (1) idade, (2) ano do diagnóstico, (3) grau de instrução, (4) raça, (5) tipo histopatológico, (6) estadiamento do tumor, (7) tipo de tratamento inicialmente oferecido e (8) tempo para o início do tratamento.
72 O estadiamento utilizado foi o FIGO 15 , variando de I a IV. A idade ao diagnóstico foi categorizada em <30 anos, 30­54 anos, 55­64 anos e mais de 65 anos. Já a raça e a classificação histopatológica foram dicotomizadas em branca e não­branca e carcinoma epidermóide versus outros tipos, respectivamente. O tipo de tratamento, que é a variável dependente, foi divido em dois grupos: radioterapia exclusiva e combinação de quimioterapia e radioterapia. Uma das limitações para essas considerações é que o banco estudado permite avaliar quais são as modalidades de tratamento executadas, mas quando há mais de uma forma aplicada, não é possível afirmar se o uso se dá de forma seqüencial ou combinada. Foi assumido que os tratamentos descritos como irradiação mais quimioterapia foram feitos de forma concomitante. Para a análise de sobrevida, foram considerados como falha todos os óbitos registrados (data do óbito). Todos os demais casos foram censurados na data da última visita ao hospital, sendo a última censura em novembro de 2006. Foram calculadas as funções de sobrevida para os dois grupos de tratamento utilizando o método de Kaplan­Meier. O teste Log­rank foi empregado para comparação das funções de sobrevida de cada grupo terapêutico. O escore de propensão foi utilizado para avaliar o efeito das variáveis independentes (estágio, idade, tipo histológico e nível de instrução) sobre o desfecho. Para tanto, essas covariáveis foram balanceadas entre os dois grupos, através da estimativa (propensão) de cada caso ser arrolado em um ou outro grupo de tratamento, dado o seu perfil de covariáveis. De acordo com as estimativas obtidas, foram criadas 5 subclasses (quintis) homogêneas em relação à probabilidade de receber o tratamento, permitindo comparabilidade entre os grupos estudados e minimizando o confundimento. O modelo de Cox foi utilizado para a comparabilidade da variável tempo (para censura ou óbito) em cada subclasse proveniente do escore de propensão, entre os grupos de
73 tratamento. A taxa de letalidade foi calculada baseada no número de óbitos por pessoa­tempo (densidade de incidência) em cada grupo de tratamento. O teste qui­quadrado foi utilizado para calcular o significado estatístico das diferenças clínico­epidemiológicas entre os dois grupos de tratamento. 8.3 Resultados No total foram selecionados 2.584 casos, dos quais 46 foram excluídos por falta de datas importantes para análise. A tabela 8.1 ilustra a distribuição das variáveis disponíveis de acordo com o tipo de tratamento empregado. Considerando todo o período, o tratamento combinado foi utilizado em 24,3% da coorte (617 casos), e houve uma tendência estatisticamente significativa (p<0,001) de aumento do uso ao longo dos anos, principalmente após 2002. Também se observou uma tendência significativa (p<0,001) de se utilizar o tratamento combinado nas mulheres mais jovens, formando um gradiente inverso com o aumento da faixa etária. Nesse mesmo sentido, houve uma tendência (p<0,001) a utilizá­la nos estágios mais iniciais, com apenas 11,6% daquelas com estágio IV recebendo o tratamento combinado. Houve também um gradiente (p<0,001) entre o uso da quimioterapia e o nível de instrução, sendo maior naquelas com 2º. Grau completo ou mais (38,8% deste subgrupo). O tipo histológico, numa menor intensidade, parece ter também influenciado a escolha do tratamento, sendo a combinação mais freqüente naquelas com carcinoma não­epidermóide (23,4% vs 30%, p=0,008). Por outro lado, uma proporção maior de mulheres no grupo da combinação iniciou o tratamento nos primeiros seis meses após o diagnóstico (58,8% vs 48,7%, p<0,001). Raça não apresentou associação estatisticamente significativa com tipo de tratamento oferecido (p=0,598).
74 Tabela 8.1 ­ Características Clínico­Epidemiológicas dos Grupos de tratamento com radioterapia exclusiva e com a adição da quimioterapia. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Tr atamento com r adioter apia Total Com a quimioterapia Exclusiva Idade Até 29 anos 30 a 54 anos 55 a 64 anos 65 anos ou mais Cor /r aça Branca Não branca Escolar idade Analfabeta 1º grau incompleto 1º grau completo 2º grau completo ou + Tipo hist ológico Carcinoma Epidermóide Outros Estadiament o Estádio I Estádio II Estádio III Estádio IV Ano do diagnóstico 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Tempo par a início do tratamento Até 30 dias do diagnóstico 31 a 90 dias 91 a 180 dias 181 dias ou + *Teste c 2 para tendência ** 57 em estágio IB
P­valor do n % n % n % teste c 2 76 1399 532 531 100,0 100,0 100,0 100,0 36 1008 423 454 47,4 72,1 79,5 85,5 40 391 109 77 52,6 27,9 20,5 14,5 < 0,001* 1378 1159 100,0 100,0 1048 871 76,1 75,2 330 288 23,9 24,8 0,598 522 1282 536 196 100,0 100,0 100,0 100,0 441 957 400 120 84,5 74,6 74,6 61,2 81 325 136 76 15,5 25,4 25,4 38,8 < 0,001* 2189 350 100,0 100,0 1676 245 76,6 70,0 513 105 23,4 30,0 0,008 159 1064 1187 129 100,0 100,0 100,0 100,0 101 775 931 114 63,5 72,8 78,4 88,4 58** 289 256 15 36,5 27,2 21,6 11,6 < 0,001* 393 456 433 445 424 388 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 368 419 417 401 234 82 93,6 91,9 96,3 90,1 55,2 21,1 25 37 16 44 190 306 6,4 8,1 3,7 9,9 44,8 78,9 < 0,001* 131 1170 920 318 100,0 100,0 100,0 100,0 112 825 736 248 5,8 42,9 38,3 13,0 19 345 184 70 3,0 55,8 29,8 11,4 < 0,001 75 A figura 8.1 apresenta as curvas de sobrevida para os dois grupos, apontando um benefício estatisticamente significativo para a combinação de quimio e radioterapia (teste log­ rank ­ p<0,001), com uma sobrevida mediana superior (40,83 vs 28,23 meses). Sobrevi da Acumul ada Figura 8.1 ­ Curvas de Kaplan­Meier não­ajustadas para os grupos de tratamento com radioterapia exclusiva e com a adição da quimioterapia. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 R.+ Q.
R.+ Q. Censura R. Excl. R. Excl. Censura Teste log­r ank p<0,001 Na tabela 8.2, são mostradas as proporções de tratamento combinado de acordo com os quintis do escore de propensão. Os escores variaram de 0,0005 até 0,9947, expressando a probabilidade de receber quimioterapia. 76 Tabela 8.2 ­ Subclasses baseadas nos quintis do escore de propensão derivados da probabilidade de receberem o tratamento de radioterapia com ou sem adição de quimioterapia ao esquema. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino invasor matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004 Quintis dos Pr opensão n % Tr atamento com r adioter apia + Exclusiva quimioter apia n % n % 1 = 0,0005 a 0,0250 506 100,0 499 98,6 7 1,4 2 = 0,0251 a 0,0565 507 100,0 489 96,4 18 3,6 3 = 0,0566 a 0,1376 507 100,0 468 92,3 39 7,7 4 = 0,1377 a 0,5088 507 100,0 345 68,0 162 32,0 5 = 0,5089 a 0,9947 506 100,0 115 22,7 391 77,3 escor es de Total 5 missing Na tabela 8.3, observando o Hazard Ratio construído a partir do modelo de Cox, percebe­se que os casos que receberam a combinação tiveram sobrevida maior (HR 0,69 para a combinação, p< 0,001), o que praticamente não se alterou na análise multivariada (HR 0,72). Tabela 8.3­ Modelos de Cox para sobrevida em pacientes com câncer de colo de útero invasor. Coorte de mulheres com câncer de colo uterino matriculadas no INCA e diagnosticadas entre 1999 e 2004. Car acter ísticas Tratamento Radioterapia exclusiva Radioterapia + quimioterapia Quintis do escor e de pr opensão *HRaj = Hazard Ratioajustado pelo escore de propensão
Modelos de C ox univar iados Modelo de Cox multivar iado HR p­valor HR aj* p­valor 1 0,69 < 0,001 1 0,72 < 0,001 0,003 0,866 77 A tabela 8.4 avalia a taxa de letalidade ajustada entre os dois grupos de tratamento. Observa­se que a letalidade é significativamente maior nas pacientes que receberam exclusivamente radioterapia (231 vs 181 / 1000 mulheres / ano). Tabela 8.4­Taxa de Letalidade em mulheres com câncer de colo uterino considerando os grupos tratados com radioterapia exclusiva e combinação. Tr atamento Óbitos Radioterapia exclusiva Radioterapia quimioterapia Total + Mulher es­ ano Taxa (IC95% ) por 1000 mulher es­ano Sobr evida mediana (em anos) 1140 4937 231 (218 ­ 245) 2,4 253 1400 181 (160 ­ 204) 3,4 1393 6337 220 (209 ­ 232) 2,6 8.4 Discussão Este estudo representa a realidade de um centro de referência localizado numa região de incidência relativamente alta de câncer invasor de colo uterino 16 . Houve tempo relativamente longo entre o alerta do NCI (além das publicações internacionais relacionadas) e a adoção definitiva do tratamento combinado como o método terapêutico de escolha neste centro (quatro anos), provavelmente pelas dificuldades técnicas em adicionar a quimioterapia ao tratamento padrão. Apesar da maior complexidade do procedimento, surpreendentemente o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento se tornou menor no grupo da combinação em relação ao da radioterapia exclusiva. É possível que isso se deva a melhora da capacidade de atendimento nos anos seguintes às mudanças administrativas (a partir de 1999 o Hospital do Câncer 2 passou a receber efetivamente todos os casos de câncer ginecológico encaminhados ao INCA). Ainda assim, as médias de tempo foram altas para ambos os grupos, com apenas 5,15% dos casos iniciando o tratamento nos primeiros 30 dias.
78 Corroborando os resultados obtidos em outros estudos 6, 7, 8, 9, 10 , a adição da quimioterapia também se mostrou benéfica nesta coorte, aumentando a sobrevida global em 41,7%, com a sobrevida mediana passando de 2,4 anos para 3,4 anos (tabela 4.4). Esses resultados, que a princípio parecem baixos, devem ser considerados em função da coorte ter sido constituída, predominantemente, por casos localmente avançados (88,7% em estágios II ou III), onde o prognóstico é comparativamente pior. Em se tratando de um estudo não randomizado, deve­se atentar para os potenciais vieses que eventualmente influenciam nos resultados (como por exemplo, a seleção de pacientes para os grupos de tratamento e as possíveis perdas seletivas). Além disso, é importante realçar as limitações da análise dos nossos dados, provenientes de fontes secundárias. Conseqüentemente, informações mais aprofundadas como a duração da irradiação externa, o intervalo entre a radioterapia e o início da braquiterapia, subtipos histológicos e comorbidades associadas não estavam disponíveis. O aumento da sobrevida poderia estar relacionado com a preferência do tratamento combinado para os casos com performance melhor, o que geraria a falsa impressão do benefício terapêutico e ganho de sobrevida. Por outro lado, a escassez do uso da combinação nos primeiros anos do estudo contrasta com a utilização ampla no período final e, na prática, cria um modelo de estudo do tipo antes e depois. Esse fato permite com que a condição clínica de ambos os grupos de tratamento seja menos heterogênea. O surgimento de outras modalidades concorrentes, uma melhor estrutura de suporte ou diferenças evolutivas nas características da própria população poderiam também influenciar os resultados obtidos. Neste aspecto, deve­se observar que o período englobado pelo estudo foi curto para qualquer mudança significativa da população (seis anos). A estrutura disponibilizada para o atendimento e as medidas de suporte adotadas rotineiramente no hospital não sofreram modificações após 1998 (embora o tempo para iniciar o tratamento
79 tenha diminuído nos últimos anos). A técnica de braquiterapia no instituto foi modificada no final da década passada e a alta taxa de dose, com I 192 , substituiu completamente o tratamento com a braquiterapia de baixa taxa a partir de 2001. O uso da alta taxa de dose está associado a resultados equivalentes a braquiterapia de baixa taxa, e não há estudos que apontem superioridade de uma sobre a outra (a vantagem está no tempo mais curto para o tratamento e a menor exposição do profissional de saúde à irradiação) 17, 18 . Feitas as ressalvas, os resultados são muitos semelhantes aos da literatura, consubstanciada nos trabalhos prospectivos randomizados. Recentemente um estudo de base populacional canadense, também retrospectivo, obteve resultados comparáveis 19 . Ao que se sabe até esse momento, este é o único estudo observacional realizado num centro brasileiro analisando o impacto da quimioterapia em associação com radioterapia no tumor de colo uterino. Esses resultados reforçam a idéia que a adição da quimioterapia está de fato associada ao ganho de sobrevida, mesmo com todas as dificuldades geradas em termos de custo financeiro da maior complexidade do protocolo.
80 8.6 Referências Bibliográficas 1 Cervical Cancer. NIH Consensus Statement 1996;14(1):1­38 2 Committee on Practice Bulletins­Gynecology. Diagnosis and treatment of cervical carcinomas. Obstet Gynecol 2002; 99(35):855. 3 Souhami L et al. A randomized trial of chemotherapy followed by pelvic radiation therapy in stage IIIB carcinoma of the cervix. Int J Radiat Oncol Biol Phys 1991; 9:970. 4 Sardi J et al. Neoadjuvant chemotherapy in locally advanced carcinoma of the cervix uteri. Gynecol Oncol 1990; 38:486. 5 Kumar L et al. Chemotherapy followed by radiotherapy versus radiotherapy alone in locally advanced cervical cancer: a randomized study. Gynecol Oncol 1994; 54:307. 6 Keys H al: Cisplatin, radiation and adjuvant hysterectomy compared with radiation and adjuvant hysterectomy for bulky stage IB cervical carcinoma. N Engl J Med , 1999; 340:1154­1161. 7 Rose PG et al: Concurrent cisplatin­based radiotherapy and chemotherapy for locally advanced cervical cancer. N Engl J Med, 1999; 340:1144­1153. 8 Whitney CW et al: Randomized comparison of fluorouracil plus cisplatin versus hydroxyurea as an adjunct to radiation therapy in stage IIB­IVA carcinoma of the cervix with negative para­aortic lymph nodes: A Gynecologic Oncology Group and Southwest Oncology Group Study. J Clin Oncol, 1999 17:1339­1348. 9 Morris M, Eifel PJ, Lu J: Pelvic radiation with concurrent chemotherapy compared with pelvic and para­aortic radiation for high­risk cervical cancer. N Engl J Med 1999; 340:1137­ 1143. 10 Peters WA, et al: Concurrent chemotherapy and pelvic radiation therapy compared with pelvic radiation therapy alone as adjuvant therapy after radical surgery in high­risk early­stage cancer of the cervix. J Clin Oncol 2000 18:1606­13. 11 National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Clinical Practice Guidelines in Oncology disponível em www.nccn.org/professionals/physician_gls/default.asp. Acessado em 15 de junho de 2007. 12 Pearcey, R, Brundage, M, Drouin, P, Jeffrey, J. Phase III Trial Comparing Radical Radiotherapy With and Without Cisplatin Chemotherapy in Patients With Advanced Squamous Cell Cancer of the Cervix. J Clin Oncol 2002; 20:966­75. 13 Rose et al.Combined­Modality Therapy of Locally Advanced Cervical Cancer. J Clin Oncol.2003; 21: 211s­217s
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82 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS O câncer de colo uterino é um grande problema de saúde pública mundial. Esta dissertação foi focada nas pacientes com esta neoplasia tratadas no Instituto Nacional de Câncer, que representa o centro de referência nacional para as políticas públicas voltadas para essa patologia. É possível concluir que a proporção de casos invasores atendidos neste centro, em comparação aos resultados encontrados em países como EUA e Canadá é relativamente alto (71,7% de todos os casos). De forma preocupante, a presença de estágios localmente avançados ainda é muito freqüente (68,4% dos casos invasores), o que pode estar relacionado com o fato de uma parcela significativa das mulheres naquela região não participar dos programas de rastreamento de forma rotineira e/ou não conseguirem ser absorvida para início de tratamento em tempo hábil. Apesar de não ser o principal fator associado com o prognóstico, nota­se que essa coorte apresenta um baixo nível de instrução, especialmente nas mais idosas, mesmo quando se executa as correções por faixa etária para a população residente no estado do Rio de Janeiro (PNAD 2003). Foi possível verificar que a utilização da radioterapia nesse centro é o principal método terapêutico utilizado, e mesmo considerando somente o tratamento inicialmente oferecido, quase 80% receberam irradiação. Esse fato se dá principalmente pelo diagnóstico tardio, onde a cirurgia se torna ineficaz e o prognóstico mais reservado. Finalmente a baixa sobrevida em 5 anos nesta coorte (48%) é explicada principalmente pela distribuição pelos estágios encontrados. Confirmando a literatura internacional, a adição da quimio ao esquema de radioterapia, nesta população, também esteve associada com ganho de sobrevida global (HR
83 0,72 após análise multivariada), mesmo considerando o aumento do tempo de espera para o início do tratamento. Não seria possível a partir deste estudo avaliar se o rastreamento populacional tem se tornado menos efetivo nos últimos anos, exclusivamente por conta da tendência de aumento proporcional dos casos invasores no INCA no período estudado. Mas se faz necessário novamente se realçar a grande importância desse método no sentido de reduzir incidência e a mortalidade desta neoplasia. As medidas de prevenção primária e secundária podem ter um grande impacto na redução da demanda para a rede oncológica pública de alta complexidade, que opera com dificuldades e é incapaz, do ponto de vista financeiro, de acompanhar os avanços tecnológicos e incorporar novas alternativas terapêuticas, como anticorpos monoclonais, novos quimioterápicos e drogas multi­alvos, que se tornam altamente difundidas e utilizadas em centros internacionais.
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