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A experiência de criação de uma máscara-educação
Eduardo Silveira1
Resumo:
O presente texto é parte de uma intervenção artística realizada em setembro de 2011 no IFSC (Campus
Florianópolis) por um grupo de alunos e professores com os quais realizávamos um projeto de extensão.
A intervenção ocorreu durante dois eventos paralelos: a comemoração do aniversário do Campus e uma
atividade organizada pelo Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e
Tecnológica (SINASEFE). A intervenção baseou-se no trabalho de mascaramento urbano desenvolvido
pelo italiano Donato Sartori.
Ecoando o trabalho desenvolvido por Donato Sartori2, encontramo-nos em meio a máscaras!
Existem as que nos acompanham, outras estão em nós, algumas nos atravessam e há, ainda,
aquelas que nos são impostas. Dario Fo (2004, p.64), discutindo a máscara no teatro, enfatiza a
gestualidade imposta por ela: “a máscara impõe uma síntese do gesto, envolvendo a gestualidade
corporal na íntegra”. Assim, cada máscara exige um corpo, uma voz, uma característica própria
que a torne viva, forneça sentido para sua existência. A máscara vive na urgência da necessidade.
Uma máscara sem corpo e sem voz é morta, acomoda-se (SARTORI, 2008). Infelizmente a
maioria de nossas máscaras, são máscaras mortas. Elas deixaram de viver por perder seu corpo,
sua voz, sua urgência de vida, sua potência. Por outro lado, a maioria das máscaras que nos são
impostas ainda vive: uma vida degradada, automatizada por forças obscurecidas (discursos
molares, sistemas maquínicos do capitalismo mundial integrado (GUATTARI, 1985, p.211),
entre outras, muito sutis para serem percebidas), a qual chamarei de “quase não vida”. Mas ainda
assim, essas máscaras em “quase não vida” possuem um corpo, uma voz e uma necessidade que
não é a nossa necessidade, mas no embate daquilo que está “quase não vivo”, com aquilo que
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Ator, palhaço, doutorando em educação pela UFSC e Professor de Biologia do IFSC. ([email protected])
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Donato é um escultor e “mascareiro” italiano – herdeiro da tradição de confeccionar máscaras da Commedia
Dell`Arte. Além de confeccionar máscaras teatrais, ele se dedica a pesquisa de máscaras utilizadas em diferentes
grupos culturais e a promover intervenções urbanas em que cobre grandes áreas das cidades com finas teias acrílicas
(mascaramento urbano).
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está morto, o “quase não vivo” prevalece. Mesmo não sendo a vida que queremos ou a nossa
vida, são essas máscaras “quase não vivas” que nos são impostas.
A educação que vivemos é a máscara viva que queremos, ou seguimos vivendo uma máscara
“quase não viva” que não é a nossa? Como construir uma nova máscara viva que, sendo potente,
possa resistir, suplantar e superar as máscaras “quase não vivas” que não mais desejamos? Volto
a enfatizar, a máscara exige um corpo, uma voz e uma urgência de vida. Qual corpo, voz e
urgência podem fazer novamente a nossa máscara-educação, viver? Como sermos atravessados
por esta máscara e capturar dela, junto com corpo, voz e urgência, também uma nova política de
sentidos: transitórios, fugidios e em permanente escape e mudança?
Como seria esta máscara?3 Certamente não seria aquela que impõe um caminho, que fecha e
anula a possibilidade de encontro. Mas sim aquela que é confusa, mas que nesta confusão pode
encontrar caminhos, desvios, não na igualdade, mas na diferença. Na deriva, nas linhas de
cruzamento, nas teias, nas saídas inventivas e nas constantes experimentações. Enquanto máscara
exige experimentação, esforço no transitar e no risco permanente de perda. Risco positivo,
potente. Exige arrancar da existência a vida (ARTAUD, 1993). É esta máscara-educação que se
propõe pensar. Aquela que se tece na delicadeza, que mesmo transitória e efêmera, movimenta.
Cria zonas temporárias onde as utopias são possíveis (BEY, 2001), os encontros alegres
(ESPINOSA, 2009) e as criações poéticas e, por isso, não menos políticas.
A humanidade existe para viver e é nesta vida que a máscara-educação deve lambuzar-se. A vida
de forma alargada, não a vida tolhida, diminuída e que tende a apequenar-se. É um risco, sem
dúvida, mas a performance-vida que possibilita que a forma se torne informe e organize novas
formas, é arriscada, pois é a ação frente ao desconhecido, orientada apenas pelo desejo da
resistência, que elegantemente grita em uníssono “preferiria não”, como Bartleby de Herman
Melville (1853), um dos mais emblemáticos personagens da literatura universal que não resiste
pela violência, mas pela passividade viva que tem, nela mesma, toda a potência necessária para
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A proposta de máscara que realizamos, ocorreu sem ser planejada nem informada, justamente pelo desejo de criar
um espaço transitório entre os dois eventos que possibilitasse uma cartografia diferenciada no espaço do IFSC. Essa
cartografia promoveu, durante poucas horas, infinitos deslocamentos e posicionamentos no transitar pelos
corredores e espaços do Campus.
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resistir. Preferiria não viver esta máscara-educação que me é imposta. Preferiria não estar morto
neste confronto com uma vida que não é minha. Preferiria não.
Quando a vida parece inteiramente submetida aos desígnios do capitalismo global, a
resistência passa a ser expressa como luta para reapropriá-la: libertar corpos,
subjetividades, desejos e afetos, criar outras formas de vida, outras sinergias coletivas.
Michael Foucault apontou a indignidade de se falar pelos outros. indignidade maior é
viver pelos outros, traçar a vida alheia. É necessário reinventar a vida ao vivê-la,
transformando-a, experimentando suas inúmeras possibilidades. O inesperado, o que
não tem fim determinado, sugere que tudo pode acontecer (OLIVEIRA, 2008, p,72).
Figura 1. Mascaramento urbano concebido por Donato Sartori na Praça do Rossio em Lisboa em
01/06/2011
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Figura 2. Mascaramento urbano concebido no IFSC/ Campus Florianópolis em 21/09/2011
Referências
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1993.
BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. São Paulo: Conrad, 2001.
ESPINOSA, Benedictus. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
FO, Dario. Manual mínimo do ator. 4ª. Ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2004.
GUATTARI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. 2ed. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1985.
MELVILLE, Herman. Bartleby: o escriturário. São Paulo: Cosac & Naify, 2008.
OLIVEIRA. Lúcia Maciel Barbosa. Corpos que escapam: ação cultural como resistência. Rev.
Est. Uni. V.34, n.2, p.61-67, Sorocaba, SP, dez. 2008.
SARTORI, Donato. A máscara teatral na arte dos Sartori. Funarte, 2008.
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Imagens:
Figura 1. Teia suspensa sobre o Rossio, concebida por Donato Sartori. Abertura das festas de
Lisboa 2011 Disponível em: < http://josefigueirafotografia.blogspot.com.br/2011/06/teiasuspensa-sobre-o-rossio-concebida.html> Acesso: 30/04/2013.
Figura 2. Acervo próprio. Mascaramento urbano concebido no IFSC/ Campus Florianópolis.
Acervo Próprio.
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