A PEDAGOGIA DA TRANSMISSÃO E A SALA DE AULA INTERATIVA
Edméa Santos
Marco Silva
Tradicionalmente a sala de aula é identificada com o ritmo monótono e repetitivo
associado ao perfil de um aluno que permanece demasiado tempo inerte, olhando o quadro,
ouvindo récitas, copiando e prestando contas. Assim tem sido a prática milenar do falar-ditar
do professor e da professora.
Na maioria das salas de aula presenciais e também via internet prevalece o modelo
comunicacional centrado na récita do mestre, responsável pela produção e pela distribuição de
“conhecimentos”. Na educação via internet, os sites e os ambientes virtuais de aprendizagem
continuam estáticos, ainda centrados na transmissão de dados desprovidos de mecanismos de
interatividade, de criação coletiva, de aprendizagem construída.
Este texto faz a crítica da prática comunicacional que prevalece na sala de aula presencial
sem excluir a sala de aula online. Parte do entendimento de que vivemos a transição do modo
de comunicação massivo próprio da televisão e da sala de aula transmissora para o modo de
comunicação interativo próprio do computador conectado à Internet. E enfatiza a crítica da
comunicação como princípio da sala de aula interativa.
A partir da crítica ao modo de comunicação que prevalece na educação escolar e
universitária, sugere estratégias de organização e funcionamento da sala de aula presencial que
permitem redefinir a atuação dos professores e alunos como agentes do processo de comunicação
e de aprendizagem. Destaca também a importância da prática docente reflexiva como dispositivo
concreto para a formação continuada de professores.
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A PRÁTICA PEDAGÓGICA REFLEXIVA COMO DISPOSITIVO DE FORMAÇÃO
CONTINUADA E INTERATIVA
A pedagogia baseada na transmissão para memorização e repetição é o modelo de ensino
mais corriqueiro na maioria das escolas e universidades em todo o mundo. Muitos já questionaram
essa prática pedagógica, mas pouco se fez para modificá-la efetivamente. Doravante teremos mais
do que a força da crítica mais veemente já feita. Teremos a exigência cognitiva e comunicacional
das novas gerações que emergem com a “sociedade da informação” e com a “cibercultura”.
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
CIBERCULTURA
Conceito formulado por D. Bell para exprimir o novo
contexto sócio-econômico-tecnológico engendrado a
partir do início da década de 1980, cuja característica
geral não está mais na centralidade da produção fabril
ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada
como nova infra-estrutura básica, como novo modo
de produção. (Kumar, 1997). “Cada vez se produz
mais informação, cada vez são mais as pessoas cujo
trabalho é informar, cada vez são mais também as
pessoas que dependem da informação para trabalhar
e viver. A economia se assenta na informação. As
entidades financeiras, as bolsas, as empresas nacionais
e multinacionais dependem dos novos sistemas de
informação e progridem, ou não, à medida que os vão
absorvendo e desenvolvendo. A informação penetra a
sociedade como uma rede capilar e ao mesmo tempo
como infra-estrutura básica.” (Balsemão, 1994, p.
282.). O computador e a internet definem essa nova
ambiência informacional e dão o tom da nova lógica
comunicacional que toma o lugar da distribuição em
massa própria da fábrica e da mídia clássica até então
símbolos societários. Nesse contexto a produção para
a massa cede espaço à produção operacionalizada em
redes de interesses. A sociedade da informação é “em
rede” uma vez que “as mensagens não são apenas
segmentadas pelos mercados mediante estratégias do
emissor, mas são cada vez mais diversificadas pelos
usuários da mídia de acordo com seus interesses,
por intermédio da exploração das vantagens das
capacidades interativas”. (CASTELLS, 1999, p. 393
e 497).
O termo cyberspace aparece no romance Neuromancer
(1984), de Willian Gibson, para definir uma rede de
computadores futurista que as pessoas usam conectando
seus cérebros a ela. Cibercultura se constitui como
conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de
práticas, de atitudes, de modos de pensamento e
de valores, que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço, isto é, com o “novo meio
de comunicação que surge com a interconexão mundial
de computadores” que conhecemos como internet.
Para Lévy (1999, p. 32, 92 e 167) ciberespaço é “o
principal canal de comunicação e suporte de memória
da humanidade a partir do início do século 21”; “espaço
de comunicação aberto pela interconexão mundial dos
computadores e das memórias dos computadores”;
“novo espaço de comunicação, de sociabilidade,
de organização e de transação, mas também o novo
mercado da informação e do conhecimento” que “tende
a tornar-se a principal infra-estrutura de produção,
transação e gerenciamento econômicos”. Ciberespaço e
cibercultura significam rompimento paradigmático com
o reinado da mídia de massa baseada na transmissão.
Enquanto esta efetua a distribuição para o receptor
massificado, o ciberespaço, fundado na codificação
digital, permite ao indivíduo teleintrainterante a
comunicação personalizada, operativa e colaborativa em
rede hipertextual. A codificação digital em rede mundial
se chama internet. Aqui o site não deve ser assistido e
sim manipulado, pois pressupõe imersão e participaçãointervenção do indivíduo – experiência incomum na
mídia de massa (LEMOS, 2002 e 2003)
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Nesse contexto sociotécnico, os integrantes da chamada “geração digital” (TAPSCOTT, 1999)
estão cada vez menos passivos perante a mensagem fechada à intervenção, pois aprenderam com
o controle remoto da televisão, com o joystick do videogame e agora com o mouse do computador
conectado. Eles evitam acompanhar argumentos lineares que não permitem a sua interferência
e lidam facilmente com a diversidade de conexões de informação e de comunicação nas telas.
Modificam, produzem e partilham conteúdos. Essa atitude diante da mensagem é sua exigência
de uma nova sala de aula, seja na educação básica e na universidade, seja na educação presencial
e a distância.
Nesse contexto sociotécnico os professores e professoras estão cada vez mais compelidos à
utilização de novas tecnologias de informação e de comunicação, mas permanecem pouco atentos
à necessidade de modificar a sala de aula centrada na pedagogia da transmissão. Nem sempre as
soluções encontradas significam salto qualitativo em educação. Afinal, o essencial não é apenas a
tecnologia, mas novas estratégias pedagógicas capazes de comunicar e educar em nosso tempo.
Não é possível assumir a condição de educadores e educadoras utilizando práticas
unidirecionais centradas na autoria exclusiva da emissão sem prejuízo para a educação sintonizada
com o espírito do nosso tempo. As separações entre locutor e interlocutor, sujeito e objeto do
conhecimento, observador e observável, tempo e espaço precisam ser ressignificadas, pois vivemos
em um mundo de mudanças e crises diversas, seja nos modos e meios de produção de bens e
serviços, seja nos processos de formação e (re)construção de saberes e conhecimentos no contexto
da sociedade da informação e da cibercultura.
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Segundo Lévy: “Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências
adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional estarão obsoletas no fim de
sua carreira. (...) Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e produzir
conhecimentos”. (LÉVY, 1999, p.157).
Numa sociedade em constantes transformações, o conhecimento é cada vez mais volátil e
flexível. Como pode o professor mediar e articular a construção e (re)construção dos saberes se a
sua qualificação não acompanhar tais mudanças? De forma geral, os professores são formados pela
escola clássica (escola básica, ensino médio e universidade) e esporadicamente são “reciclados”
ou capacitados para executar ou pelo menos tentar executar modismos teóricos em suas salas de
aula, agindo pouco reflexivamente na sua prática pedagógica.
Nesse contexto, faz-se necessário repensarmos o papel da escola como um local de
educação significativa que possa não só acompanhar as mudanças societárias, mas, sobretudo,
compreender e transformar por intermédio dos sujeitos/atores e atrizes a sociedade na qual
estamos inseridos. Dessa forma, é que a formação do professor representa um passo significativo
para transformamos a escola em um ambiente significativo de construção de saberes e
conhecimentos úteis para a vida cotidiana.
A própria atividade docente deve ser incorporada ao processo formativo dos professores e
professoras. É preciso investir em práticas pedagógicas em que a autonomia e a reflexão sobre/
na ação sejam pressupostos básicos. Se o conhecimento contemporâneo é tão incerto, precisamos
formar professores e professoras capazes de gerir seus próprios saberes e fazeres pedagógicos.
Gerir seus próprios saberes e fazeres pedagógicos parte do pressuposto de que estes agentes
não são idiotas culturais. A experiência do dia a dia permite que os docentes criem etnométodos,
métodos próprios de comunicação e intervenções na realidade. Paradoxalmente, além da
capacidade de criar etnométodos, sofremos terríveis processos traumáticos que comprometem
nossa ação criadora (SANTOS, 2000).
Para Morin, “trata-se da famosa história dos passarinhos de Konrad Lorenz: o passarinho
sai do ovo, sua mãe passa ao lado do ovo e ele a segue. Para o passarinho, o primeiro ser que
passa perto do ovo de onde ele saiu é a sua mãe. (...). Isso é imprinting, marca original irreversível
que é impressa no cérebro. Na escola e na universidade, sofremos imprinting terríveis, sem que
possamos, então abandoná-los”. (MORIN, 1999, p.50).
Portanto, é necessário discutir a práticas pedagógicas a partir dessas referências.
Contemporaneamente sabemos que todo processo de construção de conhecimentos acontece na
e pela Cultura. Daí porque é fundamental criarmos ambientes desafiadores em que “imprintings”
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sejam neutralizados e que a virtualização, no sentido de constantes problematizações, seja o norte
e(ou) o sul das práticas pedagógicas. “Conhecer é negociar, trabalhar, discutir, debater-se com
o desconhecido que se reconstitui incessantemente, porque toda solução produz nova questão”.
(MORIN, 1999, p.104).
Precisamos construir uma pedagogia do devir, na qual professores e alunos possam dialogar
problematizando e atualizando as questões e os desafios do conhecimento. Como criar espaços
ricos de aprendizagem, com planejamentos fragmentados, desarticulados e descontextualizados?
Podemos mobilizar competências a partir da própria atividade docente cotidiana. O dispositivo
da Pedagogia de Projetos pode contribuir significativamente para o exercício de uma prática
pedagógica contextualizada com a formação continuada dos professores. Afinal, um dos princípios
dos projetos é a articulação da pesquisa com o ensino, dos saberes escolares com os saberes do
cotidiano e da cultura local e global em que professores e alunos estão inseridos e implicados. E
uma vez que ensinar é pesquisar, é preciso também atentar para a prática reflexiva no contexto
dos projetos de trabalho e aprendizagem (SANTOS, 2000).
A prática reflexiva é baseada nos pressupostos da ação/reflexão/ação. A “ação” inicial
corresponde a todo conjunto de crenças, valores e hipóteses que os professores já trazem do seu
cotidiano; saber este construído tanto pela/na prática docente quanto por seu itinerário humano,
pessoal e social. É importante valorizar as experiências docentes, pois só é possível refletir e
(re)criar novos conhecimentos, considerando a historicidade dos sujeitos. A não compreensão
e valorização do saber docente como processo constitui um dos equívocos tradicionais dos
programas de “reciclagem” e “capacitação” historicamente veiculados pelas políticas de formação
de professores.
Ademais, é preciso discutir o conhecimento-na-ação, pois este decorre de toda uma
experiência docente fundamentada por teorias científicas e espontâneas que são materializadas e
expressadas no exercício profissional por meio do “saber-fazer”. Obviamente, este conhecimento
ação (saber fazer) precisa ser refletido e consequentemente ressignificado, pois, como já citamos,
a atual sociedade, sobretudo a brasileira vem sofrendo transformações diversas. A escola e a
formação docente muitas vezes não acompanham, nem estão inseridos no contexto dessas
transformações. Daí a reflexão-na-ação permitirá que o professor aprenda e ressignifique sua
prática mediante análise de sua própria atividade profissional.
Para que o princípio da reflexão do trabalho docente possa acontecer de forma sistematizada,
podemos lançar mão do dispositivo da Pedagogia de Projetos. Por dispositivo entendemos todo
o conjunto de meios intelectuais e matérias que ajudem o docente pesquisador a conhecer o seu
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objeto de estudo. “A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos
conhecimentos escolares em relação a: 1) o tratamento da informação, e 2) a relação entre os
diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção
se seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes
disciplinares em conhecimento próprio”. (HERNÁNDEZ, 1998, p.61).
Portanto, precisamos mais do que nunca mudar esta realidade buscando o diálogo entre
os diversos saberes. É importante que o(a) professor(a), além de refletir-na-ação, possa também
refletir-sobre-a-ação; esta fase consiste numa análise realizada a posteriori sobre os processos
de ação (prática) permitindo repensar e construir novas estratégias para uma nova ação. Nesse
sentido, é fundamental adotar instrumentos de registro reflexivo como, por exemplo, os cadernos
de campo, diários de bordo. Os professores precisam a partir dos registros reflexivos produzir
textos que expressem suas articulações concretas entre o projeto aprendizagem desenvolvido com
os alunos, suas leituras, quadro teórico e saberes diversos advindos não só da prática docente
como também da sua história de vida na e com a docência.
Os processos de conhecimento-na-ação, reflexão-na-ação e reflexão-sobre-ação não são
estanques. Eles se completam na autoria e na autocrítica do professor e da professora de modo
a permitir sua atenção ao espírito do nosso tempo e ao posicionamento adequados às novas
demandas da “sociedade da informação”, da “cibercultura” e da “geração digital”.
A CULTURA DA TRANSMISSÃO PERDE TERRENO
Na sociedade da informação ou na cibercultura cresce a fragilização da escola e da
universidade no cumprimento de sua função social de formar cidadãos esclarecidos e senhores
do seu próprio destino e do destino coletivo. Uma explicação para essa fragilização é certamente
a sala de aula, que não estimula a participação colaborativa dos aprendizes na construção do
conhecimento. Em sala de aula permanece o mesmo modelo da mídia de massa: a distribuição de
pacotes prontos de informações que separa emissão e recepção. Quando o ensino está centrado
na emissão do professor e do livro, cabe ao aluno o lugar da recepção passiva que não exercita a
participação cidadã.
A cultura da transmissão perde terreno quando, culturalmente, emerge a valorização das
interações e da interatividade. Entretanto, a escola tradicional e a mídia clássica (rádio, cinema,
imprensa e tv) ainda se sustentam na cultura da transmissão que separa emissão e recepção.
(SILVA, 2012)
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MODALIDADE UNIDIRECIONAL
MODALIDADE INTERATIVA
MENSAGEM: fechada, imutável, linear, sequencial; de
autoria do emissor, que tem o controle do conteúdo e
da emissão.
MENSAGEM: viva, modificável, em mutação, na
medida em que responde às solicitações de quem opera
com ela.
EMISSOR: narrador que atrai o receptor (de maneira
mais ou menos sedutora e(ou) por imposição) para o seu
universo mental, seu imaginário, sua récita.
EMISSOR: proponente que disponibiliza uma rede
(não uma rota) e define um conjunto de territórios a
explorar; não oferece uma história a ouvir, mas um
conjunto intrincado de percursos abertos a navegações
e dispostos a interferências e modificações.
RECEPTOR: assimilador, ainda que não passivo; não
dispõe de autoria física (somente imaginal) para intervir
e modificar a mensagem.
RECEPTOR: “usuário”, manipula a mensagem como
autor, coautor, cocriador, verdadeiro conceptor.
Os gestores das mídias de massa mais atentos ao espírito do nosso tempo vão, gradativamente,
se dando conta de que é preciso encontrar alternativas à lógica da distribuição em massa e
procuram modificar seus programas incluindo estratégias que permitem alguma reciprocidade
com o público. O professor também pode atentar para a cultura comunicacional emergente e
modificar a ambiência de aprendizagem da sua sala de aula e educar em nosso tempo.
Muitos professores sabem que é preciso investir em relações de reciprocidade para construir
o conhecimento. Aprenderam isso pelo menos com o construtivismo que ganhou enorme adesão
em escolas de todo o mundo destacando o papel central das interações como fundamento da
aprendizagem. Entenderam que a aprendizagem é um processo de construção do discente que
elabora os saberes graças e pelas interações com outrem.
De fato, o construtivismo significa um salto qualitativo em educação. No entanto, muitas
vezes falta ao professor e à professora um tratamento adequado da comunicação de modo que
se permita efetivar as interações em lugar da transmissão e da memorização. Queremos dizer:
mesmo adepto do construtivismo, o professor e a professora podem permanecer apegados à
transmissão porque não desenvolveu uma atitude comunicacional que favoreça e promova as
interações e a aprendizagem.
É necessário desenvolver uma atitude comunicacional não apenas atenta para as interações,
mas que também as promova de modo criativo. Essa atitude supõe estratégias específicas
desenvolvidas a partir da percepção crítica de uma mudança paradigmática em nosso tempo:
a transição da tela da Tv para a tela do computador ou a emergência de uma nova cultura
das comunicações.
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A tela da Tv é um plano de irradiação com as duas dimensões altura e largura. A tela
do computador permite imersão. Além de altura e largura tem profundidade que permite ao
usuário interagir e não meramente assistir. Permite adentrar, operar, interagir. Com a pedagogia
da transmissão o professor está no mesmo paradigma da Tv. Ele é um transmissor iluminado que
edita e transmite os conteúdos de aprendizagem para o aluno receptor e sem luz. Este, por sua
vez, migra da tala da Tv para a tela do computador e da Internet buscando “interatividade”.
Mesmo situado na sala de aula presencial infopobre, o professor precisa atentar para o
nosso tempo digital, para o designer de games ou para o webdesigner: eles não apresentam
uma história para se ver, ouvir ou assistir, mas oferecem uma rede de conexões em territórios
abertos a navegações, interferências e modificações. O professor pode se dar conta dessa atitude
comunicacional e tomá-la como base de inspiração na construção de alternativas às práticas de
transmissão que predominam em sua docência.
PERSPECTIVAS PARA A SALA DE AULA INTERATIVA
Mesmo ganhando maturidade teórica e técnica com o desenvolvimento da Internet e dos
games, o significado do termo interatividade sofre sua banalização quando usado como “argumento
de venda” (SFEZ, 1994) em detrimento do prometido plus comunicacional.
Nesse caso, vale a pena atentar para o sentido depurado do termo que certamente vem da
arte “participacionista” da década de 1960, definida também como “obra aberta”. O “parangolé”
do artista plástico carioca Hélio Oiticica é um exemplo muito favorável à explicitação dos
fundamentos da interatividade. (SILVA, 2012)
O parangolé rompe com o modelo comunicacional baseado na transmissão. Ele é pura
proposição à participação ativa do “espectador” – termo que se torna inadequado, obsoleto. Tratase de participação sensório-corporal e semântica e não de participação mecânica. Oiticica quer a
intervenção física na obra de arte e não apenas contemplação imaginal separada da proposição.
O fruidor da arte é solicitado à “completação” dos significados propostos no parangolé. E as
proposições são abertas, o que significa convite à cocriação da obra. O indivíduo veste o parangolé
que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que
ele se movimenta correndo ou dançando. Oiticica o convida a participar do tempo da criação
de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção
do “participador”, que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua
imaginação, sua inteligência.
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Assim a obra requer “completação” e não simplesmente contemplação. Segundo Oiticica,
“o participador lhe empresta os significados correspondentes – algo é previsto pelo artista, mas as
significações emprestadas são possibilidades suscitadas pela obra não previstas, incluindo a nãoparticipação nas suas inúmeras possibilidades também”. (OITICICA, 1994, P. 70-83).
Essa concepção de arte (ou “antiarte”, como preferia Oiticica), inconcebível fora da
perspectiva da coautoria, tem algo a sugerir ao professor: mesmo estando adiante dos seus alunos
no que concerne a conhecimentos específicos, propõe a aprendizagem na mesma perspectiva da
coautoria que caracteriza o parangolé e a arte digital. O professor propõe o conhecimento. Não
o transmite. Não o oferece à distância para a recepção audiovisual ou “bancária” (sedentária,
passiva), como criticava o educador Paulo Freire.
Ele propõe o conhecimento aos estudantes, como o artista propõe sua obra potencial ao
público. Isso supõe, segundo Passarelli (1993), “modelar os domínios do conhecimento como
‘espaços conceituais’, onde os alunos podem construir seus próprios mapas e conduzir suas
explorações, considerando os conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada ao
processo de construção do conhecimento”. A participação do aprendiz se inscreve nos estados
potenciais do conhecimento arquitetados pelo professor de modo que evoluam em torno do núcleo
preconcebido com coerência e continuidade. Ele não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar
e prestar contas. Em outra postura comunicacional cria, modifica, constrói, aumenta e, assim,
torna-se co-autor. Exatamente como no parangolé, em vez de se ter obra acabada, têm-se apenas
seus elementos dispostos à manipulação.
O professor disponibiliza um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando
elementos são acionados pelos alunos. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais
e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se
aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos alunos. Uma pedagogia baseada nessa
disposição à co-autoria, à interatividade, requer a morte do professor narcisicamente investido
do poder. Expor sua opção crítica à intervenção, à modificação, requer humildade. Mas, diga-se
humildade e não fraqueza ou minimização da autoria, da vontade, da ousadia. Seja na sala de aula
equipada com computadores ligados à Internet, seja no ambiente de educação online, seja na sala
de aula infopobre, o professor percebe que o conhecimento não está mais centrado na emissão,
na transmissão.
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Leitura hipertextual
Na sociedade da informação e na cibercultura os atores da comunicação tendem à
interatividade e não mais a separação da emissão e recepção própria da mídia de massa. Para
posicionar-se nesse contexto e aí educar o professor e a professora precisará se dar conta do
hipertexto, isto é, do não sequencial, da montagem de conexões em rede que permite e uma
multiplicidade de recorrências entendidas como conectividade, diálogo e participação. Eles
precisarão se dar conta de que de meros disparadores de lições-padrão, deverão converter-se em
formulador de interrogações, coordenador de equipes de trabalhos, sistematizador de experiências.
Sala de aula interativa (modelo todos-todos)
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Assim se propõe o conhecimento à maneira do hipertexto. Assim se redimensiona a sua
autoria. Não mais a prevalência do falar-ditar, da distribuição de informação, mas a perspectiva
da proposição complexa do conhecimento à participação colaborativa dos participantes, dos atores
da comunicação e da aprendizagem.
O professor e a professora podem construir a sala de aula interativa inspirada no parangolé
de Oiticica modificando seus métodos de ensinar baseados na transmissão e memorização. Para
isso será preciso atentar para alguns princípios básicos (SILVA, 2012, 257-259):
1.Propiciar oportunidades de múltiplas experimentações e expressões
• Promover oportunidades de trabalho em grupos colaborativos.
• Desenvolver o cenário das atividades de aprendizagem de modo a possibilitar a
participação livre, o diálogo, a troca e a articulação de experiências.
• Utilizar recursos cênicos para despertar e manter o interesse e a motivação do grupo
envolvido.
• Favorecer a participação coletiva em debates presenciais e online.
• Garantir a exposição de argumentos e o questionamento das afirmações.
2.Disponibilizar uma montagem de conexões em rede que permite múltiplas
ocorrências
• Fazer uso de diferentes suportes e linguagens midiáticos (texto, som, vídeo, computador,
Internet) em mixagens e em multimídia, presenciais e online.
• Garantir um território de expressão e aprendizagem labiríntico com sinalizações
que ajudam o aprendiz a não se perder, mas que ao mesmo tempo não o impeça de
perder-se.
• Desenvolver, com a colaboração de profissionais específicos, um ambiente intuitivo,
funcional, de fácil navegação e que poderá ser aperfeiçoado na medida da atuação
dos aprendiz.
• Propor a aprendizagem e o conhecimento como espaços abertos à navegação,
colaboração e criação, possibilitar que o aprendiz conduza suas explorações.
3.Provocar situações de inquietação criadora
• Promover ocasiões que despertem a coragem do enfrentamento em público diante de
situações que provoquem reações individuais e grupais.
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• Encorajar esforços no sentido da troca entre todos os envolvidos, juntamente com a
definição conjunta de atitudes de respeito à diversidade e à solidariedade.
• Incentivar a participação dos estudantes na resolução de problemas apresentados, de
forma autônoma e cooperativa.
• Elaborar problemas que convoquem os estudantes a apresentar, defender e, se
necessário, reformular seus pontos de vista constantemente.
• Formular problemas voltados para o desenvolvimento de competências que possibilitem
ao aprendiz ressignificar ideias, conceitos e procedimentos.
4.Arquitetar colaborativamente percursos hipertextuais
• Articular o percurso da aprendizagem em caminhos diferentes, multidisciplinares e
transdisciplinares, em teias, em vários atalhos, reconectáveis a qualquer instante por
mecanismos de associação.
• Explorar as vantagens do hipertexto: disponibilizar os dados de conhecimento
exuberantemente conectados e em múltiplas camadas ligadas a pontos facilitam o
acesso e o cruzamento de informações e de participações.
• Implementar no roteiro do curso diferentes desenhos e múltiplas combinações de
linguagens e recursos educacionais retirados do universo cultural do estudante e
atento aos seus eixos de interesse.
5.Mobilizar a experiência do conhecimento
• Modelar os domínios do conhecimento como espaços conceituais onde os alunos
podem construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações, considerando os
conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada ao processo de
construção do conhecimento.
• Desenvolver atividades que propiciem não só a livre expressão, o confronto de ideias
e a colaboração entre os estudantes, mas que permitam também o aguçamento da
observação e da interpretação das atitudes dos atores envolvidos.
• Implementar situações de aprendizagem que considerem as experiências,
conhecimentos e expectativas que os estudantes já trazem consigo.
Para operar com esses cinco princípios em sala de aula, o professor e a professora deverão,
por sua vez, garantir pelo menos cinco atitudes comunicacionais bem específicas no planejamento
e na mediação das aulas, como:
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1. Oferecer
múltiplas informações (em imagens, sons, textos etc.) utilizando ou não
tecnologias digitais, mas sabendo que estas, utilizadas de modo interativo, potencializam
consideravelmente ações que resultam em conectividade, autoria e colaboração na
construção da comunicação e do conhecimento.
2.Ensejar (oferecer ocasião de...) e urdir (dispor entrelaçados os fios da teia, enredar)
múltiplos percursos para conexões e expressões com o que os discentes possam contar
no ato de manipular as informações e percorrer percursos arquitetados.
3.Estimular os discentes a contribuir com novas informações e a criar e oferecer mais e
melhores percursos, participando como coautores do processo.
4.Pressupor a participação-intervenção do discente no planejamento das aulas, sabendo
que participar é muito mais que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher
uma opção dada; participar é modificar, é interferir na mensagem.
5.Garantir a bidirecionalidade da emissão e recepção, sabendo que a comunicação é
produção conjunta da emissão e da recepção; o emissor é receptor em potencial e o
receptor é emissor em potencial; os dois polos codificam e decodificam.
6.Disponibilizar múltiplas redes articulatórias, sabendo que não se propõe uma mensagem
fechada, ao contrário, se oferecem informações em redes de conexões permitindo ao
receptor ampla liberdade de associações, de significações;
7.Engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e o conhecimento se constroem
entre alunos e professor como cocriação;
8.Suscitar a expressão e a confrontação das subjetividades, sabendo que a fala livre e
plural supõe lidar com as diferenças na construção da tolerância e da democracia.
No ambiente comunicacional assim definido, os princípios da sala de aula interativa são
linhas de sugestões que podem potencializar a autoria do professor, presencial e à distância. A
partir de agenciamentos de comunicação capazes de atender ao perfil da geração digital que emerge
com a sociedade da informação e a cibercultura, o professor e a professora podem promover uma
modificação paradigmática e qualitativa da sua docência e na pragmática da aprendizagem e,
assim, reinventar a sala de aula em nosso tempo.
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CONCLUSÃO
Interatividade tornou-se uma palavra em voga. Vende geladeira, programas esportivos na
TV e forno micro-ondas. Há uma crescente utilização do adjetivo “interativo” para qualificar tudo
(computador e derivados, brinquedos eletrônicos, sistema bancário online, shows, estratégias de
propaganda e marketing, programas de rádio e Tv etc.) que permita ao usuário-consumidorreceptor algum nível de participação, de troca de ações e de controle sobre acontecimentos. Há
uma indústria da interatividade em progresso acenando para um futuro interativo.
Para além desse cenário, podemos concluir que interatividade é a modalidade comunicacional
que ganha centralidade na cibercultura e a sociedade da informação. Podemos dizer que o conceito
exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente
complexo presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor possibilidades de
responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele. Grande salto qualitativo em relação ao
modo de comunicação de massa que prevaleceu até o final do século XX. O modo de comunicação
interativa ameaça a lógica unívoca da mídia de massa, oxalá como superação do constrangimento
da recepção passiva.
A despeito da banalização decorrente do seu uso mercadológico indiscriminado, o adjetivo
“interativo” qualifica oportunamente a modalidade comunicacional emergente a partir do último
quarto do século XX. Qualifica a nova relação entre emissão-mensagem-recepção, diferente
daquela que caracteriza o modelo unidirecional próprio da mídia de massa.
Para além da utilização como argumento de venda, a percepção mais profunda da
interatividade pode inspirar a busca de qualidade em educação. Não é apenas um novo modismo.
É a expressão da emissão e recepção como cocriação livre e plural. É um mais comunicacional
presente na mensagem que desbanca a lógica unívoca da transmissão de A para B. Em síntese,
significa superação do constrangimento da recepção passiva.
Na era digital emerge uma nova cultura das comunicações. Há uma modificação radical no
esquema clássico da informação baseado na ligação unidirecional emissor-mensagem-receptor:
o emissor não emite mais no sentido que se entende habitualmente uma mensagem fechada,
oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação do receptor; a mensagem não é
mais “emitida”, não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um
mundo aberto, modificável na medida em que responde às solicitações daquele que o consulta;
e o receptor não está mais em posição de recepção clássica, é convidado à livre criação, e a
mensagem ganha sentido sob sua intervenção.
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Entendida assim, interatividade é um conceito de comunicação e não de informática. A
interatividade é uma qualidade semiótica intrínseca das tecnologias informáticas que permitem
ao usuário operacionalizar recursos de conexão e de navegação em um campo de referências
multidirecionadas permitindo adentramento, manipulações e modificações. Todavia, o termo
pode ser empregado para significar a comunicação entre interlocutores humanos e entre humanos
e máquinas. Uma vez que o professor deve ser um comunicador, ele pode sintonizar-se com a
nova cultura comunicacional na sala de aula, seja ela infopobre ou inforrica, seja ela presencial
ou a distância.
REFERÊNCIAS
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A PEDAGOGIA DA TRANSMISSÃO E A SALA DE AULA INTERATIVA