Opinião
Quais dados devem ser patenteados?
E como fazê-lo?
Pesquisador discute a questão da propriedade intelectual no caso específico da
biologia molecular
Flávio Henrique da Silva*
Há alguns anos, quando um
pesquisador, após árdua pesquisa, descobria algo de novo
na área de Biologia Molecular
(ou em outras áreas), esperava
ansiosamente que seu trabalho tivesse o reconhecimento
científico adequado e fosse publicado em uma renomada
revista científica. Apesar deste
ainda ser o intuito de muitos
dos pesquisadores, o desenvolvimento cada vez mais surpreendente da Biologia Molecular, com a geração de uma
enorme quantidade de informações, trouxe à tona outra
questão: quais desses dados
devem ser publicados e quais
deles podem (ou devem) ser
alvos de patentes?
A questão é muito complexa
e precisará ser discutida por
muito tempo ainda. Porém,
quando o assunto é relacionado aos genes, responsáveis
dez|2002
Quando o assunto é
relacionado aos genes,
há o consenso (ou
quase) de que estes, de
forma pura e simples,
não podem ser
patenteados
por nossas características hereditárias, há o consenso (ou
quase) de que estes, de forma
pura e simples, não podem ser
patenteados. O que então patentear? Obviamente que não
as seqüências de DNA obtidas
em inúmeros projetos de seqüenciamento em larga escala,
ou nos chamados projetos Genoma, mas sim os processos a
elas atrelados. Isto parece razoável: a obtenção da simples
seqüência de um gene, ou seja,
de como se organizam os seus
componentes individuais, os
nucleotídeos, não dá o direito
a uma patente. Algo mais é
exigido, e isto inclui saber um
pouco da função do gene e
uma possível aplicação para
ele. Poderia este gene, ou seu
produto, a proteína, ser utilizado para curar uma doença
ou combater uma praga na
agricultura? Se assim o for,
talvez se aplique uma patente.
Mas como identificar quais
resultados são patenteáveis e
quais não são? Qual o caminho
a seguir após a obtenção dos
primeiros resultados promissores em uma pesquisa?
Essas dúvidas certamente são
mínimas em países desenvolvidos
como os EUA e o Japão, detentores
de enorme experiência em patentes. Porém, são dúvidas que ainda
persistem, principalmente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que não têm
tradição neste campo. No Brasil,
com o grande desenvolvimento
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Opinião
Valda Rocha
Flávio Henrique da Silva é professor do Departamento de
Genética e Evolução da Universidade Federal de São Carlos e
pesquisador responsável pelo Laboratório de Biologia Molecular
(LBM) da instituição, que participou dos projetos Genoma da
Cana-de-Açúcar e Genoma do Câncer e que também vem
desenvolvendo pesquisas relacionadas com a síndrome de Down
científico obtido nos últimos anos,
grande parte devida aos projetos
Genoma, tais questões estão
cercando os pesquisadores. A
competência na identificação de
genes e proteínas foi gerada, mas
com ela, surge a necessidade inerente de se estabelecer a melhor
maneira de proteger os dados
gerados. Pouquíssimos são os
colegas que não têm dúvidas
sobre como proceder para patentear um processo. Elas incluem
o que é patenteável, como proceder se patentes parecidas já
existem, como redigir uma patente, quais os trâmites a seguir,
quanto tempo levará e quanto
custará. Além disso, acredito que
Há uma lacuna entre a
geração de
conhecimento e a
geração do produto
outra dúvida ainda paira nas
mentes já ocupadas dos pesquisadores: como desfrutar de
uma possível patente obtida?
Obviamente, não é algo menos complexo que obter uma.
Tornar um processo viável e
comercializá-lo é certamente
tão difícil quanto obter uma
patente para tal. É neste sentido
que os pesquisadores precisam
de auxílio. Como diriam alguns
colegas, alguns pesquisadores
são excelentes para fazer pesquisa, mas a grande maioria está
muito distante de fazer com que
seus resultados sejam utilizados
na prática, ou seja, há uma enorme lacuna entre a geração de
conhecimento e a geração do
produto. Tentar fazer de um pesquisador, que se vangloria de um
resultado obtido, um empreendedor, parece difícil, ou pelo
menos, necessita de um grande
auxílio para tal. Neste sentido,
parece imprescindível a criação
de grupos de apoio que possam
auxiliá-los em todo o processo,
como o Nuplitec (Fapesp) e os
recentes seminários realizados
na UFSCar. Sem esse tipo de
apoio ao pesquisador, desde os
passos iniciais de todo o processo, parece-me impossível que
venhamos a ter algum dia números expressivos de patentes,
que não apenas reflitam a reconhecida competência científica que temos adquirido nos
últimos anos, mas que também
assegurem ao Brasil o direito à
proteção da descoberta.
dez|2002
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