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O Programa Ciências Sem Fronteiras no Contexto do SNG: O
Dever de Casa
Clóvis Pereira da Silva - UFPR
Causou-nos espanto o lançamento, por parte do Governo Federal via
CAPES, do Programa Especial de Mobilidade Internacional em Ciências,
Tecnologia e Inovação, conhecido por Ciências Sem Fronteiras, título que nos
faz lembrar o livro de Olli Lehto, Mathematics Without Border. A History of
the International Mathematical Union. New York: Springer, 1998. Os
signatários do Programa não foram originais nem no título.
O Programa Ciência sem Fronteiras foi lançado no dia 26 de julho de
2011. Ele busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da
ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do
intercâmbio de alunos de graduação e pós-graduação e da mobilidade
internacional. O projeto prevê a concessão de até 75 mil bolsas de estudos em
quatro anos, somadas todas as modalidades.
Gostaria de perguntar aos signatários do Programa por que o nome:
Ciências sem Fronteiras. Há fronteiras para as ciências atuais? Sabemos que
as fronteiras físicas existiram nos anos de 1930 da Alemanha nazista. Após a
derrocada daquele país nos de 1940 tal aberração deixou de existir.
A esse respeito sugerimos a leitura do livro de Olli Lehto acima citado e
dos artigos seguintes: Sauders Mac Lane, Mathematics at Göttingen under
the Nazis, in Notices of the AMS v. 42, nº 10, p. 1134-1138, 1995. Sanford L.
Segal, Mathematics and German Politics: The National Socialist
Experience, in Bol. Soc. Paran. Mat. 2ª série, v. 7, nº 1, p. 25 - 59, 1986.
Decorre daí, em nossa opinião, a escolha errada para o nome do Programa.
O Programa Ciências sem Fronteiras tem como objetivo promover, de
maneira acelerada, o desenvolvimento tecnológico e estimular os processos
de inovação no Brasil por meio da mobilidade internacional docente, discente
de graduação e pós-graduação, de pós-doutorandos e pesquisadores
brasileiros, estimulando a inserção das pesquisas feitas nas instituições
brasileiras às melhores experiências internacionais.
Causou-nos surpresa a inclusão no Programa de bolsas de estudos para
alunos de cursos de graduação pelo fato de que devemos em primeiro lugar
fazer o dever de casa. A propósito: no comprovante de rendimentos para o
pagamento do mês de novembro de 2011, a UFPR acrescentou o seguinte:
Importante que seus filhos façam o dever de casa.
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Voltemos ao Programa. Temos alertado a comunidade acadêmica
brasileira para o gravíssimo problema que corrói o Sistema Nacional de
Graduação – SNG, a má qualidade. Antes da inclusão de alunos de graduação
em um Programa dessa natureza, que em condições normais de temperatura e
pressão seria, em nossa opinião, uma medida salutar para o SNG, devemos
atacar e resolver de modo acelerado os problemas centrais que fazem com que
o modelo atual do SNG seja nonsense.
De acordo com o cronograma apresentado pelo Programa, a CAPES
ofertará até 2014 o total de 11.600 bolsas de graduação na modalidade
sanduiche no exterior. Enquanto isso, no país não são atacados e resolvidos
de modo acelerado os problemas centrais do SBE e, em particular do SNG.
Problemas que foram agravados com a adesão das IFES ao REUNI a partir
dos anos de 2007.
Sabemos que a má qualidade provocada pela escolha errada de
modelo para o atual SNG gera um efeito catastrófico para a nação. Assim, por
uma questão de lógica formal devemos, antes de nos lançarmos em
Programas dessa natureza com a inclusão de alunos de graduação, resolver o
dever de casa.
Em seu texto sobre o Programa em pauta, Luis Paulo V. Braga assim se
expressou: “... resume-se a uma oferta de diversas modalidades de bolsas no
Brasil e no exterior. Não deixou de causar perplexidade em alguns cursos de
pós-graduação no país, carentes de bolsas e das respectivas taxas de
bancada, pois será mais fácil para seus alunos buscar um curso no exterior do
que continuar no país, sem opção de bolsa...” Publicado in OBSUNI, de
04/08/2011.
Como efeito da desastrosa inclusão de alunos de graduação em um
programa dessa natureza, fato bizarro que nos confirma a má qualidade dos
atuais gestores dos negócios da educação escolar do país, já há em Curitiba,
pelo menos, uma Universidade privada ofertando, via emissoras de rádio, um
curso de graduação por preços módicos no qual o aluno fará três anos de
graduação na instituição e, um ano de graduação em uma Universidade inglesa
de 3ª classe que, aliás, não está no The World University Ranking 2011-2012,
elaborado por Times Higher Education, da Thomson Reuters. Com a promessa
de que o aluno incauto receberá dois diplomas de graduação. Um pela
Universidade brasileira e outro pela Universidade inglesa. E La nave va.
Senhores gestores dos negócios da educação escolar brasileira,
sabemos que seria em demasia propor para a atual administração federal, mas
assim mesmo propomos o seguinte.
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Usem a lógica formal. Antes de pensar em transferir a administração das
IFES do âmbito do MEC para o âmbito do MCTI, na tentativa de enganar a
parte culta e esclarecida da sociedade brasileira com a promessa de resolver
os problemas atuais que dizem respeito à qualidade em ensino, pesquisa e
extensão; antes de incluir em um Programa dessa natureza, denominado
erroneamente de Ciências sem Fronteiras, alunos de cursos de graduação,
devem atacar e resolver de modo célere os problemas que corroem o atual
modelo do Sistema Brasileiro de Graduação – SNG. Lembrem-se: façam antes
o dever de casa. E o façam de modo correto.
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