PROFISSIONALIZAÇÃO DO PROFESSOR NA CONTEMPORANEIDADE
Jennyane de Vasconcelos Ramos1
INTRODUÇÃO
Sabemos que na atualidade o profissional docente vem enfrentando uma crescente perda da
autonomia, seguida de um processo de precarização do ensino e, por sua vez, do adoecimento
dos professores.
O presente estudo trata de que perspectivas tem o professor nos dias atuais em se tratando da
sua profissionalização, o que exatamente influencia na sua práxis, e como este profissional
poderia estar melhorando o que é inerente ao fato de ser professor. Como suporte teórico
temos Fidalgo (2000), Hypólito (1997), Kuenzer e Caldas (2007), Oliveira (2003), Ramalho;
Nuñez e Gauthier (2003), entre outros.
Metodologicamente, optamos pela abordagem de pesquisa descritiva exploratória. Esclarecese que a pesquisa realizada teve como objeto a III Conferência Municipal de Educação de
Teresina, com o tema Educação, Qualidade e Sustentabilidade, e o subtema
Profissionalização do professor na contemporaneidade, que nos remete ao tema deste
trabalho em questão: As principais perspectivas docentes: formação profissional do
professor atual.
DESENVOLVIMENTO
Para iniciarmos a questão da profissionalização docente, precisamos saber o que queremos
dizer ao utilizarmos o termo “profissionalizar”. De acordo com Fidalgo e Machado (2000), a
profissionalização “possui uma dimensão cognitiva, ligada a um corpo de saberes específicos
e apenas acessível ao grupo profissional [...] dimensões normativa e valorativa, que definem o
papel social e hierárquico da profissão no conjunto da sociedade.” (FIDALGO; MACHADO,
2000, p. 262).
Partindo desse pressuposto, podemos afirmar que a profissionalização docente seria o próprio
desenvolvimento da profissão de professor, com cada uma de suas facetas e características
próprias, envolvendo inúmeras dimensões complexas e muitos específicas à condução do
processo de ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva, para que o professor possa ser
considerado um profissional docente, ele precisa estar a par de suas atribuições e funções,
assumindo assim seu papel como protagonista de seu processo de formação docente.
Contudo, nem sempre apenas saber o que faz um professor é suficiente para dar autenticidade
a ação docente. Muito menos é o suficiente para tornar essa ação eficiente e eficaz no alcance
de seus objetivos educativos. O que ocorre é que o sistema em que está inserido o professor
muitas vezes impõe determinados comportamentos, limitando assim sua autonomia docente.
E nesse contexto, vale lembrar que, mesmo com esta imposição de limites, ainda há certa
autonomia do docente na sala de aula na adaptação dos métodos e técnicas, na introdução de
novos materiais, nas atividades extracurriculares, na adequação do ensino para determinada
clientela.
1
Pedagoga e Bacharel em Fonoaudiologia. Especialista em Docência do Ensino Superior e Supervisão Escolar.
Email: [email protected]
Por menor que seja, essa autonomia é garantida porque o trabalho docente é realizado por
seres humanos, em contato com outros seres humanos; nada é robotizado e cada um tem a
liberdade de impor seu “toque especial” ao lidar com a docência. (HYPOLITO 1997).
Desse modo, sendo contingente, o processo de profissionalização do professor depende
diretamente da vontade individual e de seu nível de envolvimento com o trabalho que irá
realizar como professor. Refletindo sobre isso, buscaremos a seguir descrever alguns fatores
que interferem de forma significativa na profissionalização docente e nas opções que o
professor fará no que se refere a qualidade desse processo de profissionalização.
Como já foi explicitado anteriormente, existem fatores que podem modificar a ação docente,
de maneira positiva ou negativa, dependendo de que polo esteja localizado. O primeiro destes
fatores seria a necessidade de reconhecimento social. Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003)
enfatizam a necessidade do professor possuir o seu espaço e de ser reconhecido socialmente.
Na sociedade, o professor, hoje, é visto ou como um falso ou um coitado, por falta de
reconhecimento social [...]. Então, ninguém apóia a busca de solução para o professor. [...]
(Maria Carmen, professora)
Um outro fator de grande relevância na profissionalização docente atual seria a precarização
das condições de trabalho e de formação. Kruenzer e Caldas (2007) definem condições de
trabalho como “o conjunto de recursos que possibilita uma melhor realização do trabalho
educativo, e que envolve tanto a infraestrutura das escolas, os materiais didáticos disponíveis,
quanto os serviços de apoio aos educadores e à escola.” (KRUENZER; CALDAS, 2007, p.
10). Ou seja, se este conjunto de recursos disponíveis à realização do trabalho educativo
estiverem defasados, o resultado não será satisfatório. E aqui não falamos apenas de
infraestrutura e material.
O próprio profissional docente precisa estar habilitado para estar exercendo a função para o
qual é designado, o que muitas vezes não acontece. Há inúmeros casos de profissionais que
estão autorizados, mas não são habilitados para lecionar determinada disciplina, isso somado
à falta de apoio pedagógico adequado, produz um sentimento de isolamento no professor,
como deixam claro Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003):
[...] o professor vai para lecionar Artes, mas ele é completamente leigo: “eu estou
aqui, porque estas aulas me foram passadas, eu estou sendo aproveitado, porque sou
excedente”. Então esse pessoal está completamente “cru”, perdido! [...] E aí você
trabalha “meioque a toque de caixa”, meio sozinho. (MARIA CARMEN,
professora).
Outro fator que merece ser destacado é o fator tempo/ritmo de trabalho/espaço do profissional
docente. Vivemos uma época em que o imediatismo impera e a praticidade é tudo. Precisamos
fazer mais, trazer maiores resultados no mesmo tempo que gastávamos antes para um
resultado inferior ou então num tempo ainda menor, quanto mais conseguirmos em menor
tempo, mais qualificados somos. Isso pode comprometer gravemente a qualidade do trabalho
docente e gera dificuldades para o professor.
Apesar de reconhecer que além dos conteúdos propostos para o ensino existem inúmeras
habilidades a serem desenvolvidas no aluno e importantes valores a serem construídos, como
fazer isso se o ritmo de trabalho não permite que disponhamos de tempo para essa
construção? O professor atualmente lida com uma enorme carga horária de trabalho, numa
maior quantidade de dias letivos no ano, férias muito reduzidas e dezenas de reuniões, muitas
vezes improdutivas. Os dias parecem mais curtos e as horas são insuficientes.
Além disso, Oliveira (2003) acrescenta que, na atualidade, há um somatório de funções que
não dizem respeito à docência que são imputadas ao professor:
[...] como de psicólogo, assistente social, agente público, dentre outras. Tais
exigências contribuem para um sentimento de desprofissionalização, de perda da
identidade profissional, da constatação de que ensinar às vezes não é o mais
importante. (OLIVEIRA, 2003, p. 33)
Finalmente, ressaltamos um dos fatores mais discutidos na atualidade: a falta de uma
remuneração digna. Que profissional docente nunca reclamou acerca dos salários? O que
ocorre é que a falta de um salário digno tende a tornar o trabalho desvalorizado, tanto por
quem o realiza como por quem o reconhece e descreve. De acordo com Kruenzer e Caldas
(2007), os baixos salários, além de promoverem este sentimento de precariedade e
desprofissionalização, interferem sobre as condições de trabalho, ocasionando “um
sentimento de iniquidade salarial, percebido pelos professores como a incompatibilidade entre
o salário recebido e o trabalho realizado.” (KRUENZER; CALDAS, 2007, p.11).
Em contrapartida, existem infinitas realizações promovidas pela docência. E o papel do
professor na contemporaneidade não é mais apenas aquele de preparar os indivíduos para o
mercado de trabalho, e, sim, de formar cidadãos conscientes e críticos, agentes de mudança
social. O professor detém certas características próprias em sua formação e uma identidade
única. Ser professor nos leva a um aparente paradoxo, onde de um lado estão os professores
que amam a docência e que estão satisfeitos com o trabalho que escolheram, e, de outro,
professores insatisfeitos com as condições precárias que existem nas condições de trabalho
em todos os aspectos anteriormente discutidos.
Esse último grupo quase sempre tem comportamentos robotizados e repetem os conteúdos dia
após dia nas salas de aula. E sobre isso Lamarca (1995) faz uma crítica muito séria quando diz
que o professor hoje se reduz a ser animador de grupo de trabalho.
Mas essa não deve ser nossa perspectiva. De acordo com as Diretrizes Político Pedagógicas
para a Formação de Professores, o professor qualificado seria:
Aquele que sabe buscar o conhecimento, recorrendo às diversas fontes de
informação disponíveis, que domina o uso de modernas técnicas de ensino e de
orientação da aprendizagem e que conhece e utiliza os diferentes recursos
tecnológicos disponíveis (MINAS GERAIS, 1994C, p. 18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de parecer que tudo mudou, os professores devem reconhecer que são “sujeitos do
conhecimento e possuem saberes específicos do seu ofício” e que a sala de aula é um espaço
de “aplicação de saberes produzidos por outros, mas também um espaço de produção, de
transformação, de mobilização de saberes que lhes são próprios”. (TARDIFF, 2002, p. 121).
Como disse Oliveira (2003), “a formação docente passa a ter um caráter profissional e
prescritivo realizada mediante conhecimentos produzidos por especialistas, por meio da
observação e da teorização da prática escolar.” (OLIVEIRA, 2003, p. 30-31). Portanto, se o
professor, em nome de um exacerbado cuidado de não perder seu profissionalismo deixar de
amar o que faz, corre o risco de perder a essência que caracteriza o seu ofício.
Não podemos nos esquecer que, sem negar seu caráter profissional, a postura do professor
deve ser permeada de afetividade e que manter um extremo distanciamento entre professor e
aluno seria negar a natureza do próprio ofício.
Podemos concluir, portanto, que existe uma urgente necessidade de reconstruir a consciência
do profissional, enquanto docente, como formador de consciências críticas. É preciso
recuperar na classe docente o sentimento de classe – sentimento de importância real para a
sociedade, através do reconhecimento social da profissão docente.
REFERÊNCIAS
FIDALGO, Fernando S. R.; MACHADO, Lucília R. de S. (editores). Dicionário da
Educação Profissional. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação,
2000.
HYPOLITO, Álvaro M. Trabalho Docente e Profissionalização: Sonho Prometido ou sonho
Negado? In: HYPOLITO, Álvaro M. Trabalho docente, classe social e relações de gênero.
Campinas: Papirus, 1997.
KRUENZER, Acácia Z.; CALDAS, Andréa do R. Trabalho docente: comprometimento e
desistência. Anais... IV SIMPOSIO TRABALHO E EDUCAÇÃO. Gramsci, Política e
Educação. Ago, 2007.
LAMARCA, G. Quanto se puede gastar en educacion? Revista de La Cepal, n. 56, p. 163178, Ago. 1995.
MINAS GERAIS. Diretrizes para a Formação de Professores da Rede Pública em Minas
Gerais. Centro de Formação de Professores. SEE-MG, Set. 1994.
OLIVEIRA, Dalila A. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho
docente. In: OLIVEIRA, Dalila A. (org). Reformas educacionais na América Latina e os
trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
RAMALHO, Betânia L.; NUÑEZ, Isauro B.; GAUTHIER, Clement. Formar o professor
profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre: Sulina, 2003.
TARDIFF, Maurice. Os professores enquanto sujeitos do conhecimento: subjetividade,
prática e saberes no magistério. In. CANDAU, Vera M. (org.) Didática, currículo e saberes
escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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