Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
TECENDO OLHAR(ES) SOBRE HOMOSSEXUALIDADE(S) NO ESPAÇO
ESCOLAR: BATENDO UM PAPO COM PROFESSORES/AS DE CIÊNCIAS E
BIOLOGIA
Sandro Prado Santos (Universidade Federal de Uberlândia - FACIP/UFU)
Agência financiadora: PROGRAD/PBG/UFU
Resumo
Este texto é proveniente do Programa de Bolsas de Graduação Diálogos em torno da
homofobia na escola: concepções, práticas e formação Docente junto a nove professores/as
de Ciências e Biologia de escolas públicas, e, investigou concepções de homossexualidade e
saberes utilizados para evocá-las aos/as alunos/as no âmbito escolar. O referencial teórico se
pautou em: Louro (2010); Dinis (2008); Filho (2009); Miskolci (2009); Mello; Grossi; Uziel
(2009); Junqueira (2007; 2009; 2010); Ferrari (2003). Nesta pesquisa, de natureza qualitativa,
utilizamos entrevistas semi-estruturadas. Os resultados apontam uma perspectiva patológica
da homossexualidade com o predomínio da heterossexualidade compulsória e da
heternormatividade como marco de controle e normalizações de corpos não heterossexuais.
Palavras-Chave: Homossexualidade; Educação Básica; Ciências Biológicas; Formação
Docente
Introdução
De acordo com Louro (2010, p.43-44), no espaço da educação escolar, “(...) haveria
apenas um modo adequado, legítimo, normal de masculinidade e de feminilidade e uma única
forma sadia e normal de sexualidade, a heterossexualidade; afastar-se desse padrão significa
buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excêntrico”.
Nesse contexto, a escola configura-se um lugar de opressão, ameaças, discriminação e
preconceitos, no qual existe um preocupante quadro de violências constantes a que estão
submetidos milhões de jovens e adultos homossexuais (JUNQUEIRA, 2010).
Tais denúncias têm sido apontadas por alunos/as, nos espaços das disciplinas do curso
de Ciências Biológicas: Educação, Saúde e Sexualidade, Metodologia de Ensino e Estágios
Supervisionados, que atuam em escolas de Educação Básica em Ituiutaba/MG, e, para além
disso, destacam dificuldades que têm no trato com questões referentes à sexualidade,
sobretudo a homossexualidade, e, ainda, do próprio contato com professores/as deste nível de
ensino em atividades extensionistas que também manifestam preocupações e dificuldades
com a temática (SANTOS; SPOSITO; DIAS, 2011; SANTOS; DIAS, 2012).
Estes apontamentos desdobram em várias solicitações de coordenação de escolas que
chegam ao Laboratório de Ensino de Ciências e Biologia da instituição, espaço em que
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atuamos como coordenador do Grupo de Estudos em Gênero e Sexualidade no Espaço
Escolar - GEGESEX (SANTOS; PAULA, 2012) e do subprojeto Biologia do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID (MIRANDA, et al, 2012) para que
ministremos minicursos com temáticas envolvendo tais questões.
Esses são espaços de
reflexão de ações de ensino, pesquisa e extensão na articulação com disciplinas pedagógicas
no âmbito do curso de Ciências Biológicas e com licenciandos/as de outros cursos da
instituição, pois percebemos que a apesar de a escola não ser o único espaço pelo qual tais
discussões perpassam e de não ser a disciplina Biologia a única voz autorizada a falar das
questões levantadas (SILVA; CICILLINI, 2010), o cotidiano escolar não deixa de lidar com o
corpo e com a sexualidade.
Considerando tal contexto e as necessidades de discussões em espaços formativos
dos/as professores/as em atuação e futuros/as docentes de Ciências e/ou Biologia, nossa área
de formação, que estarão no contexto escolar com alunos/as que podem ser percebidos/as
como homossexuais e, consequentemente, vulneráveis às práticas homofóbicas, realizamos
coletivamente com futuros/as professores/as dos cursos de Licenciatura da Faculdade de
Ciências Integradas do Pontal (FACIP/UFU) e docentes da Educação Básica de Ituiutaba/MG
um projeto Diálogos em torno da homofobia na escola: concepções, práticas e formação
docente submetido ao Edital Nº 001/2013 PROGRAD/DIREN - para o Programa Bolsas de
Graduação: Subprograma Aprimoramento Discente, que teve como objetivo desenvolver
ações de pesquisa, ensino e extensão acerca das homossexualidades e homofobia no espaço
escolar. Nesse trabalho desvelaremos e apresentaremos como esses/as professores/as
concebem a homossexualidade e quais saberes utilizam para enunciá-la nesse espaço.
Homossexualidades no espaço escolar
Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos
marcados por um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à
figura do “outro” todos/as aqueles/as que não se sintonizassem ao centro, materializado pela
cultura e pela existência do homem branco ocidental, heterossexual e de classe média
(JUNQUEIRA, 2009, grifo nosso). Aos/as que não se encaixam nesse padrão são reservadas
“as marcas da particularidade, da diversidade e da instabilidade” (LOURO, 2010, p.44).
Segundo Junqueira (2007, p. 62): "De formas sutis e variadas, a homofobia faz parte
de nossas rotinas diárias. Ela é consentida e ensinada nas nossas escolas. Aparece na hora da
chamada, nas brincadeiras e nas piadas".
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No final do século XIX e meados do século XX, a homossexualidade foi inventada
como patologia e crime, essa concepção naturalizante “que decorre a idéia segundo a qual nos
cromossomos e nos hormônios estariam pré-fixadas as essências masculinas e femininas que
marcariam o desejo sexual e o destino social dos homens e das mulheres” (FILHO, 2009. p.
99), isto é, nossas identidades sexuais e de gênero estão encerradas e controladas por bases
genéticas e hormonais. Nesse contexto, doutrinas médicas, psicológicas e religiosas sobre a
sexualidade humana são invocadas para “explicar” a homossexualidade em homens e
mulheres, fomentando as “pesquisas” determinadas a desvendar a causa específica da
homossexualidade – e desde já, anote-se, específica porque, no preconceito, os homossexuais
constituem uma “espécie à parte” (FILHO, 2009, p. 99).
Com a despatologização (1974) e descriminalização da homossexualidade, é visível o
predomínio da heteronormatividade como marco de controle e normalização da vida de gays e
lésbicas, não mais para que se “tornem heterossexuais”, mas com o objetivo de que vivam
como eles (MISKOLCI, 2009, p. 157). Dessa forma, Filho (2009, p. 118) alerta: "(...) quando
o preconceito crê como certo que a homossexualidade é um fenômeno a ser esclarecido em
sua causa especifica, devemos deslocar a questão sobre a sua pretendida causa para uma
outra: deve-se perguntar: por que e qual a origem do preconceito em torno da
homossexualidade?".
Tecendo as estratégias metodológicos
Para esta pesquisa de natureza qualitativa (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER,
2001) ,decidimos utilizar entrevistas individuais semi estruturadas com professores/as do
campo das Ciências Biológicas que trabalham em escolas da rede pública estadual e
municipal da cidade de Ituiutaba/MG. Entrevistamos nove professores/as que trabalham, em
média, há seis anos, atuando em escolas públicas de Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e
Ensino Médio, na área de Biologia, como também em cursinhos pré-vestibulares.
Os sujeitos da pesquisa encontram-se inseridos em práticas de significação – família,
escola, mídia, saúde, entre outras – que ensinam tipos de comportamentos, desejos, valores,
pensamentos, vestuários, inscrevendo a sexualidade nos corpos, ou seja, produzem modos de
subjetivação, posicionando sujeitos nos espaços, regulando suas projeções, desejos e
comportamentos na escola. As concepções e os saberes evocados pelos/as professores/as de
Ciências e/ou Biologia serão analisados a partir dos fundamentos da Análise de Conteúdo
(BARDIN, 2010) a luz do referencial teórico adotado na pesquisa.
Professor/a porque existem pessoas homossexuais?
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Os depoimentos que apresentaremos a seguir demonstram que falar de
homossexualidades é falar de sexualidades. Ou seja, “ela traz à tona como cada um constrói,
vivencia e entende seus desejos e se relaciona com os outros e com os desejos dos que estão à
sua volta, demonstrando que os efeitos dos discursos e das imagens são produzidos nos
corpos, nos comportamentos e nas relações sociais” (FERRARI, 2003, p. 102).
Esse mesmo autor destaca que com isso, o aluno classificado como homossexual
“acaba construindo, uma auto-imagem e um autoconceito, levando em consideração esses
sentidos e os regimes de verdade que se estabelecem a partir dos discursos” (p. 103).
Compreendemos então que discutir as homossexualidades com professores/as de
Ciências e Biologia é colocar em evidência uma rede de significados e de verdades que
constituem nossa cultura. Sendo assim, propomos que nós façamos um exercício do
pensamento, questionando nossos discursos e como esses agem na constituição dos sujeitos,
na manutenção da homofobia na escola ou em sua superação.
Historicamente, a prescrição da heterossexualidade como modelo social pode ser
dividida em dois períodos: um em que vigora a heterossexualidade compulsória pura e
simples e outro em que adentramos no domínio da heteronormatividade (MISKOLCI, 2009).
Entre o terço final do século XIX e meados do século seguinte, a homossexualidade
foi inventada como patologia e crime, e os saberes e práticas sociais normalizadores apelavam
para medidas de internação, prisão e tratamento psiquiátrico dos homo-orientados. Entretanto,
a perspectiva patológica sobrevive ainda em nossas escolas públicas:
“Eu sempre parto para o lado das Ciências mesmo. Eu digo que pode
ser uma anomalia genética, algum hormônio, falo que é uma doença.
(...). Pode ser da parte física e até emocional mesmo. Falo que é na parte
hormonal, genética ou quando vai haver a formação do indivíduo, que
as glândulas deles podem estar erradas dentro do corpo” (Professora B).
Como podemos notar a abordagem da homossexualidade da professora busca refúgio
na linguagem científica, ao lado dos temas de genética, disfunções hormonais, físicas e
emocionais, circunscrevendo a reflexão ao campo da doença ou patologia, e, subtraindo dos
corpos a contextualização social e cultural das experiências homoeróticas por eles vividos.
Nesse contexto, alguns professores têm buscado legitimar as identidades
homossexuais com base em discursos que afirmam seu caráter biológico:
“A homossexualidade já é um ato, a pessoa já nasce com esse gene, faz
parte da pessoa é uma questão dos hormônios, eu responderia isso. A
pessoa já nasce com aquele gene, que vai desencadear a parte hormonal,
que vai permitir que na puberdade, onde começa a o desejo sexual, que
vai começar a opção sexual, por isso, já é carregado para uma base
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genética mesmo. É por causa da formação gênica, os genes e os
hormônios que controlam tudo na pessoa! Então os hormônios sexuais
controlam essa preferência sexual” (Professora A).
É essa concepção naturalizante da homossexualidade “que decorre igualmente a idéia
segundo a qual nos cromossomos e nos hormônios estariam pré-fixadas as essências
masculinas e femininas que marcariam o desejo sexual e o destino social dos homens e das
mulheres” (FILHO, 2009. p. 99), isto é, nossas identidades sexuais e de gênero estão
encerradas e controladas por bases genéticas e hormonais.
O conselho Federal de Medicina desde 1973 deixou de reconhecê-la como doença,
antecipando-se à decisão de igual teor da Organização Mundial de Saúde que, em 1993,
“excluiu definitivamente a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Faz
poucos anos, portanto, que a comunidade médica brasileira passou a reconhecer publicamente
que a homossexualidade não deveria ser considerada doença, pois não constitui um transtorno
físico ou psiquiátrico” (MELLO; GROSSI; UZIEL, 2009, p.164-165).
No entanto, muitas pessoas ainda vêem na homossexualidade um distúrbio
psicológico, conforme vimos no discurso da professora B e no da professora G:
“Sempre respondo: existem distúrbios hormonais, psicológicos,
metabólicos, pessoas que sofreram agressões, e, existe uma anomalia,
existe formação do corpo que desencadeia o homossexualismo, por
exemplo, os órgãos, às vezes, não são tão ativos” (Professora G).
Essas concepções no imaginário social levaram o Conselho Federal de Psicologia, em
1999, a aprovar a Resolução nº 1, que prevê punição para os psicólogos que proponham
tratamentos para “cura” da homossexualidade ou que se posicionem, nos meios de comunicação de
massa, defendendo a eficácia de tratamentos psicoterápicos de qualquer ordem que objetivem a
“conversão” de homossexuais em heterossexuais (MELLO; GROSSI; UZIEL, 2009, p. 165).
Entretanto, “as supostas “determinações” da homossexualidade não são compreendidas
como determinações de uma escolha objetal normal e saudável (supostamente quando haveria uma
compreensão sem juízo de valor), mas, diferentemente, como “causa” de um “problema”, de um
“desvio” no âmbito da sexualidade dos indivíduos” (FILHO, 2009, p. 97).
Em geral, curiosas doutrinas (médicas, psicológicas, religiosas) sobre a sexualidade
humana são invocadas para “explicar” a homossexualidade. Como um produto dessa visão
“nascem as “pesquisas” determinadas a desvendar a causa específica da homossexualidade,
constituindo-se uma “espécie à parte” (FILHO, 2009, p. 99).
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Nesse contexto, os/as professores/as da pesquisa invocam uma série de invenções da
causa específica da homossexualidade, deixando entender que os indivíduos concernidos na
prática da homossexualidade – ditos homossexuais – têm qualquer coisa a menos (ou a mais)
que os outros (um gene), hormônios (...), são indivíduos que sofreram algum “desvio” ou
“suspensão” no chamado desenvolvimento psicossocial sexual normal (FILHO, 2009, p. 94):
“Explicaria que uma casa onde só tem mulheres, e um menino, este vai
sempre ser influenciado pelas atitudes das mulheres: as maquilagens, as
vaidades, então a criança vai ter como exemplo o comportamento
feminino. A mesma coisa acontece quando uma menina convive só com
homens, então, o meio ambiente vai influenciar” (Professora H).
Esse depoimento retrata que meninos em interação sociais com mulheres tornarão
homossexuais, ao mesmo tempo, que as meninas convivendo somente com homens,
reforçando que tais configurações sociais são desviantes e suspendem o desenvolvimento
psicossocial e sexual dessas crianças. Pensando em nossa sociedade contemporânea com
(re)arranjos familiares dissidentes dos padrões convencionais, seus/suas filhos/as serão
necessariamente homossexuais? E como lemos as famílias homoparentais? Filhos e filhas
com duas mães? Ou dois pais? Qual o tipo de família valorizado pela professora?
Destacamos que essa mesma professora relata que em suas aulas de Biologia discute
sobre “(...) adoção por casais homossexuais, como que a psicologia pode interferir nesse
processo” (Professora H). Restava à homossexualidade a condição de uma “tendência
adquirida” a ser explicada por “causas”, um “fenômeno” a ser esclarecido na história da
espécie e na vida dos indivíduos: causa hormonal, genética, causa neurogenética, causa
psicossocial? “As hipóteses são lançadas” (FILHO, 2009, p. 100).
Sustentaremos que a homossexualidade, em função de uma longa história de
colonização do preconceito é representada “como uma exceção ou como um desvio ou
inversão no quadro de uma pretendida normalidade heterossexual levou a que se buscasse a
causa específica que a produziria – e não importando que esta tenha sido pensada, variando as
épocas, como vício, pecado, crime, doença, perversão ou como um desvio no
desenvolvimento sexual” (FILHO, 2009, p. 94-95, destaque do autor).
Num ou noutro caso, estamos no reino das pretendidas causas “Ouvi palestras sobre
isso, psicólogos, como lidar com essa situação, entender de onde vem essa origem do
homossexualismo” (Professora G, destaque nosso). As teorias variam – entre teses
sustentadas por correntes das psicologias, passando por opiniões de biólogos – mas a
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conclusão é sempre a mesma: a homossexualidade seria um fato, na vida do indivíduo
afetado, que se tornaria possível explicar por alguma causa específica (FILHO, 2009, p. 96).
Esses discursos certamente nos ajudam a compreender a obsessiva preocupação
demonstrada por parte de alguns professores das áreas biológicas em localizar as “causas
naturais” (genéticas, hormonais, orgânicas, ambientais etc.) do desejo homoerótico, e, além
disso, a insistência na terminologia patologizante para designar prática sexual e afetiva nãoheterossexual, por meio dos vocábulos "homossexualismo".
O homossexual seria sempre “alguém que teria uma sexualidade a ser esclarecida,
investigada, por ele próprio e pelos outros, “pois não é porque ele quer ser”, uma vez que
não coincide em relação a uma pretensa normalidade sexual” (FILHO, 2009, p. 104).
“Eu diria que é uma disfunção hormonal nesses desejos, mas também do
alicerce de casa, o alicerce religioso, o convívio, isso não é porque ele
quer ser. Acredito que seja um trauma de alguma coisa (...) ai dá para
gente perceber um desvio na conduta " (Professora C).
No apontamento da professora C é evidente a naturalização da homossexualidade a
partir de disfunções hormonais e traumas (casa; religioso; convívio), e, acompanhado de um
apelo que o indivíduo não quer ser homossexual. Isso nos trouxe alguns incômodos: Esse
apelo não seria para que a sociedade aceite sua condição “traumática”? Isso não traz
invisibilidade dos direitos humanos de ser homossexual? Qual a origem do preconceito para
alguém não querer ser homossexual? Qual a origem da concepção de que ser homossexual é
vergonhoso? E por que sempre alguém precisa falar quem você é, e, quais as causalidades?
Na tentativa de se desviar do discurso moralista, que via a homossexualidade como
desvio de caráter (Professora C), falhas no processo educativo familiar (Professora C e H) ou
resultado de patologias hormonais (Professora B e G), enfatizaram cada vez mais a ideia de
que o sujeito nasce homossexual (Professora A e B), desculpabilizando-o do comportamento
homossexual, já que não seria uma questão de escolha, mas de determinação.
Segundo Dinis (2008) "tal justificativa tem impulsionado mesmo algumas pesquisas
biológicas que investem na procura dos genes que definem a orientação sexual" (p. 485). Tal
autor nos alerta que um dos "(...) riscos desta naturalização das orientações sexuais é que a
relação com a diferença fique apenas no plano das políticas de tolerância, um respeito aos
direitos do outro desde que o outro permaneça no seu eterno lugar de si mesmo" (p. 485).
Notamos que nos discursos dos/as professores/as está presente o estigma da
homossexualidade como prática cuja causa específica deve se desvendar (FILHO, 2009, p.
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96). Essa prática “transforma os homossexuais em indivíduos portadores de um enigma a
esclarecer (e, assim, objetos a dominar no trabalho da Ciência, das religiões, etc.). A
homossexualidade é um fenômeno estranho a ser esclarecido na vida dos indivíduos” (p. 96).
Os/as professores/as ao discursarem sobre a homossexualidade estão preocupados na busca
de sua compreensão ou buscar as respostas para a cura? “(...) não encontro argumentos para
ir, além disso, gostaria sim de ter argumentos que fossem mais afundo” (Professor F).
No entanto, assim como Junqueira (2009, p. 371) concordamos que “(...) para além da
discussão em torno das “reais causas” da homossexualidade (...) é necessário reter que há
razões éticas suficientemente sólidas para se exigir o devido reconhecimento da diversidade
sexual e de gênero, sem que seja necessário lançar mão de argumentos de ordem
naturalizante”.
Comungamos com Junqueira (2009), que não estamos questionando:
“(...) a legitimidade de cientistas se interrogarem acerca dos fenômenos e
procurarem oferecer respostas, novos modelos explicativos para a
homossexualidade. Lembro, porém que, no caso em questão, essa busca
produziu, até o momento, mais de setenta diferentes teorias sobre suas
causas, sem apresentar iguais esforços para se descobrir as da
heterossexualidade. Essa unidirecionalidade leva a pensar que estamos, mais
uma vez, em busca de sua cura e não de sua compreensão” (p. 372).
E se sabemos que, desde a metade do século XIX, a homossexualidade não é mais
tratada como “contrária à natureza”, – a não ser em certos tratados de medicina legal, artigos
de códigos penais ou discursos religiosos (FILHO, 2009, p. 95), permanece em alguns
professores que se trata de um “desvio de conduta” para cuja causa certos fatores devem ter
influído, tornando-se matéria da área de Biologia e assunto de especialistas da psicologia,
conforme ilustrado nos discursos dos sujeitos da pesquisa.
Comungamos com os tensionamentos de Filho (2009, p. 99) “Por que razão se procura
a gênese da homossexualidade e não se procura, na mesma medida, a gênese da
heterossexualidade? Por que todo um conjunto de estudos e tratados sobre a origem da
homossexualidade? A professora I apontou esse questionamento caso um aluno perguntasse
por que existem pessoas homossexuais: “a minha resposta é essa, porque existem
heterossexuais?”
É importante ressaltar que, no longo processo de colonização do imaginário
social, ganhou força uma concepção que corresponderia a uma naturalização
da sexualidade humana, cujo efeito mais destacado é ter criado a idéia na
qual a heterossexualidade seria inata (a natureza daria os exemplos em todas
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as espécies), sendo então natural e normal, e a homossexualidade seria uma
tendência adquirida, nem natural nem normal (p. 99).
A professora problematiza a construção social do caráter inato da heterossexualidade
que a torna sem razão de ser qualquer questão sobre sua origem. A atração sexual entre
homens e mulheres (heterossexual) seria natural, definida “biologicamente (seria
endocrinológica, inscrita no genoma etc.), com claros (e benéficos) impulsos voltados à
reprodução da espécie, impulsos estabelecidos na seleção natural. A heterossexualidade vista
como inata e inerente à biologia do ser sexual humano” (FILHO, 2009, p. 100).
A partir da segunda metade do século XX, com a despatologização (1974) e
descriminalização da homossexualidade, é visível o predomínio da heteronormatividade como
marco de controle e normalização da vida de gays e lésbicas, não mais para que se “tornem
heterossexuais”, mas com o objetivo de que vivam como eles (MISKOLCI, 2009, p. 157).
Reforçamos que mesmo com a despatologização da homossexualidade, essa
concepção coexiste, ainda na contemporaneamente, com a heterormatividade, conforme
ilustramos nos depoimentos dos sujeitos da pesquisa.
Desse modo, as figurações sociais em que localizamos as professoras entrevistadas são
marcadas pela forte presença de elementos religiosos e moralistas que corroboram a
heteronormatividade, tais como:
“(...) desde o início dos tempos, na bíblia está escrito que na cidade de
Sodoma e Gomorra, foi queimada viva porque, as mulheres ficavam em
casa com as crianças e os homens iam fazer a pregação e ficavam meses
fora de casa. Então eles começam a entender a partir daí, que o contato
entre os homens era natural, porque não tinha mulher por perto. Eles
falam que a cidade de Sodoma e Gomorra, foi queimada viva por causa
da prostituição dos homens” (Professora H).
No depoimento da professora H as ideias propostas pelo catolicismo tornam-se
importantes destacar que o preconceito tomou a forma da opinião religiosa que, “misturando
às crenças uma visão naturalista da heterossexualidade, sendo a natureza uma criação bíblica,
(...) tudo que esta fora contraria não apenas contraria a natureza, contraria igualmente a
vontade divina” (FILHO, 2009, p. 103).
Quando a professora utiliza a passagem bíblica para dialogar sobre a
homossexualidade com seus/suas alunos/as e menciona que a cidade “foi queimada viva por
causa da prostituição entre os homens”, de que modo está subjetivando os prazeres e
desejos entre dois homens? Essa afirmação não está disciplinando a relação entre dois
homens? Colocando-a no âmbito do risco ou da violência? O queimar não representaria o
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apagamento da vivência entre dois homens? Ou a invisibilidade desse modo de existência?
Nesse entendimento a homossexualidade é marcada pela citação bíblica “no campo dos
“pecados”, dos “atos impuros”, das “anomalias” ou das “depravações” (FILHO, 2009, p.
103). Outro disciplinamento como dispositivo posto, cultivado e propagado pela
heternormatividade no espaço escolar trata-se da autodisciplina da vivência da
homossexualidade, pois segundo a professora:
“Ser homossexual é um assunto forte, porque sai da normalidade, então
a pessoa que tem vontade, que é homossexual por algum motivo, ele vai
sofrer, e eu tento mostrar isso para ele, para ver se ele esta disposto a
vivenciar essa situação” (Professora G).
Isso nos aponta claramente que o sair da normalidade é o pré-requisito para o sujeito
tornar-se alvo de correções dessa vivência ilegítima que faz sofrer, e, por isso é preciso retirálo/as o quanto antes desse sofrimento. Observamos nessa fala que desconstruir essa restrição
da compreensão da homossexualidade, no entanto, enfrenta oposições morais e esbarra na
desvalorização de práticas sexuais e modos de vida que ultrapassam a lógica patriarcal.
Transparece, assim, uma impossibilidade de tratar direta e explicitamente do assunto,
denotando-se, de certo modo, uma abordagem preconceituosa, demonizadora e condenatória
(FONTES, 2009). Além disso, é preciso:
“Conversar muito com ela, para saber se era aquilo mesmo que ela
queria para a vida dela, ela era muito jovem. Porque se sua irmã é
casada, porque você partiu para esse lado?” (Professora B).
Por que nas duas interdições da professora B e G essas vivências não são lidas como
uma escolha saudável? Quais juízos de valores das duas professoras são acionados? Essas
professoras reservam a homossexualidade como uma vivência sob ameaça (CARRARA;
LACERDA, 2011), ou seja, um lugar social marcado pela experiência direta de humilhações
ou constante ameaça de vir a sofrê-las. Se o menino homossexual “(...) cria uma situação
difícil para a escolar por algum problema, implica alguma coisa, ai desencadeia o
bullying” (Professora G). Entretanto, se esse aluno encontrar-se “(...) dentro da normalidade,
o fato em si de ele ser homossexual, não tem problema nenhum”, mesmo porque, “(...)
eles ficam muito na deles, se eles se apaixonam não se expõem” (Professora G).
Sendo assim, nos perguntamos: O que é uma situação difícil e/ou problemática criada
por um aluno homossexual na escola? Por que tal situação “problemática” é naturalizada
como o surgimento de uma ameaça ao aluno? Essa ameaça seria uma estratégia de
disciplinamento, silenciamento, ou marginalização dos desejos do aluno não heterossexual? O
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que representa ser homossexual dentro da normalidade? É ficar sempre na deles? É não expor
seus desejos e/ou sentidos? E por que isso não traz ameaças e nenhum problema ao aluno?
Porque os outros alunos agem na certeza da impunidade? Seria importante insistir em
questionar a situação de privilégio em que se encontram as pessoas vistas como
heterossexuais nesse cenário (PRADO; JUNQUEIRA, 2011).
Considerações finais
Ao apresentarmos alguns argumentos para pensar os atravessamentos das
homossexualidades no espaço escolar, não desejamos indicar caminhos seguros para apagar
incêndios homofóbicos produzidos no cotidiano escolar, tão pouco gostaríamos de indicar
"receitas" sobre como trabalhar a temática no âmbito do ensino de Ciências e Biologia nas
escolas. O que esperamos fazer aqui é usar esse texto para provocá-los/as na tentativa de
promover pensamentos e questionamentos de como nossas concepções de homossexualidades
agem na constituição dos sujeitos, na (des)manutenação da homofobia na escola, como a
homofobia afeta todos/as nós? Aprimorando essas reflexões recorremos ao texto Fernandes
(2008) Precisamos discutir as homossexualidades nas escolas? para torná-las possíveis:
Como as minhas representações sobre as homossexualidades forma constituídas? Como a
forma que pensamos afeta a nós mesmos e aos outros? Como a forma que eu penso afeta os
homossexuais da comunidade escolar? Como esses discursos nos constituem, nos formam
nossos modos de pensar, de sentir e de agir?
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