Homossexualidade
O evento foi o que mais chamou a atenção na mídia essa semana foi a Parada Gay. Não só pelas cores e
alegria dos participantes, mas porque suscita uma série de assuntos e perguntas acerca da
homossexualidade. Muita gente, em contato com o assunto, nas capas de revistas e nas manchetes de
jornais, televisivos, impressos ou eletrônicos, tem aguçadas suas dúvidas e curiosidades. A vida sexual
das pessoas, geralmente restrita à intimidade, fica em foco e a gente recebe muitas perguntas. Dada a
natureza controversa e complexa do assunto, muitos profissionais se omitem, mas não creio que seja
essa a atitude correta. Mas, se omitem por uma boa razão: como disse, a complexidade do assunto. Não
dá para reduzir a homossexualidade a uma coisa só e tratar do assunto assim. Como é muito difícil
tratar da heterossexualidade como uma única coisa. Esse é o primeiro ponto: o ser humano até nisso é
complexo. Enquanto muitas outras espécies de animais simples têm a sua vida sexual reduzida a um
reflexo hormonal e neurológico, restrito a mecanismos bioquímicos, a vida sexual humana é ampla e
variada, como é todo o comportamento humano. Entendam: variedade é a principal característica da
espécie humana. Inclusive, já disse o poeta, somos muitos. Uma só pessoa, na verdade, é uma grande
variedade de maneiras de ser e papeis em sua vida. Podemos nos moldar, variar, fazer diferente, buscar
outras maneiras... e sobreviver. Outros animais, de comportamento mais rígido, já desapareceram. E
como disse, a vida sexual é assim também. A posição atual até é que não há nem homossexualidade e
heterossexualidade e bissexualidade, mas sim tantas sexualidades como pessoas. Quer dizer, cada
pessoa tem uma forma específica de gozar e sua vida sexual, fruto de sua história de vida. E isso não é
anormal. A posição oficial da Organização Mundial de Saúde, hoje, é a de que homossexualidade e
bissexualidade não são diagnósticos, quer dizer, não são transtornos, mas, junto com a
heterossexualidade, são modalidades da vida sexual humana. Todos os diagnósticos, todos os
transtornos da conduta sexual tanto podem ser atribuídos a bi-homo ou heteressexuais. O que existe é a
chamada “egodistonia”. Quer dizer, a pessoa teria conflitos com sua orientação sexual. Seria o
homossexual que não se aceita. Ou o bissexual ou mesmo o heterossexual. Obviamente, por pressões
sociais, quase não se encontra um heterossexual egodistônico. Que tem uma orientação sexual com a
qual se sente bem, seria “egosintônico”, estaria em “sintonia” com sua sexualidade.
Nem todos têm o mesmo gosto para quadros, para música, para comida, para esportes... e isso não é
uma questão de decisão: nossa educação e nossa história de vida nos fez gostar mais de uma coisa do
que de outra. E também nossa personalidade, nossa maneira de ser, nos aproximam mais de um tipo de
música do que de outro, por exemplo. Assim é com a sexualidade. Alguns são mais românticos, outros
gostam mais de aventuras... Importante: não é uma questão de escolha, de “opção”, como dizem. As
pessoas são feitas como são, pela conjunção de sua natureza e de sua história de vida. A arte é estar em
sintonia com isso e viver e levar nossa vida para um estilo que nos faça bem e que seja construtivo e
saudável.
Mas, a homossexualidade, assim como a heterossexualidade, terão também variantes complicadas,
conflituosas e poderão espelhar transtornos mais profundos. Quer dizer, também como tudo em nossa
vida, nossa sexualidade pode servir como canal de expressão de nossos conflitos e problemáticas. Não
é porque há, por exemplo, o estupro, a violência sexual de um homem para com uma mulher, que a
heterossexualidade toda é doentia. Do mesmo modo, o leitor poderá fazer uma lista de comportamentos
homossexuais que são expressão de sexualidades transtornadas, mas nesse caso, não é a
homossexualidade em si que está em foco e sim ela está servindo para canal de expressão de uma
problemática mais profunda da pessoa. Por outro lado, gostaria de frisar que a tempo atrás, a Psicologia
e a Psiquiatria eram chamadas para dar diagnóstico de “doença mental” naqueles comportamentos que
não agradavam à sociedade. Assim, a mulher com forte desejo sexual era chamada de “ninfomaníaca”.
Assim, a sociedade pode não gostar, mas a ciência hoje não se presta a esse serviço e não atribui
diagnóstico algum ao homossexual ou ao bissexual. Mas, a homofobia, a rejeição violenta dos
homossexuais que se vê em muitos setores da nossa sociedade e até em crimes, sim, pode ser
diagnosticada: provavelmente se trata de homossexuais que por serem profundamente egodistônicos
tratam mal ao homossexual, quer dizer, no fundo, são homossexuais que não se aceitam de modo
algum e acabam violentos com os homossexuais por se sentirem profundamente incomodados com
seus próprios impulsos homossexuais. É esse tipo de atitude que faz com que as pessoas se organizem
em grupos e promovam passeatas como a que vimos na Parada Gay. Talvez pareça exagerada, mas
exagerada mesmo é a falta de aceitação e violência de nossa sociedade. Do mesmo modo como
tratamos muito mal, em tempos passados, as mães solteiras ou as mulheres separadas.
João Paulo Correia Lima
Psicólogo clínico – Diretor Científico da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática
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