PPGCOM ESPM – ESPM – SÃO PAULO – COMUNICON 2013 (10 e 11 de outubro 2013).
Possíveis cenários dentro de 5 anos: A Função do Jornalista que Hoje Atua em
Redações de Mídia Impressa1.
Felipe Arruda Mortara2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar parte da dissertação de Mestrado conduzida pelo autor e
intitulada “A Carreira do Jornalista Dentro de um Grande Grupo de Comunicação Impressa: o Caso do
Estadão”. Por meio da construção de cenários, se buscará compreender quais podem ser as atribuições e
responsabilidades que farão parte do cotidiano de trabalho de um profissional do jornalismo impresso no
Brasil e em quais contextos de estrutura organizacional e de demanda por conteúdo ele possivelmente
exercerá sua atividade dentro de cinco anos. Para isso, procuraremos nos aprofundar através de um ensaio
teórico sobre as prospecções das tensões que permeiam a relação entre jornalistas e empresas. A
compreensão do histórico das relações anteriores entre operários da informação (jornalistas) e empresários da
comunicação (grandes grupos de mídia), juntamente com as relações de consumo como cultura social,
somada a um entendimento do contexto em que vivemos atualmente, reunirá elementos e hipóteses que
sinalizem por quais caminhos demanda e oferta de informação podem seguir. Paralelamente se traçará um
panorama das transformações na carreira do jornalista. E a partir destas elucidações, elaboraremos possíveis
cenários de tarefas e ambientes em que os profissionais do jornalismo atuarão.
Palavras-chave: jornalismo; carreira; mercado; trabalho; comunicação
Introdução
Parte da dissertação de Mestrado conduzida pelo autor e intitulada “A Carreira do Jornalista
Dentro de um Grande Grupo de Comunicação Impressa: o Caso do Estadão”, o presente artigo tem
como objetivo compreender quais podem ser as atribuições e responsabilidades que farão parte do
cotidiano de trabalho um profissional do jornalismo impresso no Brasil e em quais contextos de
estrutura organizacional e de demanda por conteúdo ele possivelmente exercerá sua atividade
dentro de cinco anos. Para isso, utilizando a teoria da construção de cenários (HEIJDEN, 2008),
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Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo, Trabalho e Espacialidades, do 3º Encontro de
GTs - Comunicon, realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2013.
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Mestrando em Administração – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Email: [email protected].
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procuraremos nos aprofundar através de um ensaio teórico sobre as prospecções das tensões que
permeiam a relação entre jornalistas e empresas.
Com o advento da internet e de outras tecnologias que possibilitaram o acesso mais veloz à
informação, questiona-se cada vez mais a importância, os modos de fazer, a relevância e os custos
de um jornal diário impresso. Sem dúvidas, a imprensa escrita vive tempos incertos e tem sua
existência ou permanência frequentemente questionada. Numa era de informação abundante, onde
as redes sociais ocupam um espaço não antes previsto, e no qual muita informação tem sido
oferecida gratuitamente e a granel, é impossível pensar no futuro da informação de qualidade sem
pensar nos profissionais responsáveis por apurá-la, filtrá-la e disseminá-la.
É justamente neste ponto que o artigo justifica-se academicamente tanto no campo da
Comunicação quanto no da Administração e da Gestão de Carreiras e do Trabalho, uma vez que o
capital humano (BECKER, 1964) configura-se como ponto chave da discussão. Considerando-o
como o conjunto das “ações que influenciam o rendimento monetário e psíquico futuro através do
aumento dos recursos nas pessoas” e posteriormente “toda gama de condutas e emoções humanas
que agregariam valor social para o sujeito e, simultaneamente, poderio econômico para as
corporações, incluindo diferentes disposições ou estados motivacionais positivos, como a
autoconfiança e o otimismo (LUTHANS et al., 2007). Acrescente-se a relevância de pensar o
profissional operário da informação em uma abordagem de carreiras sem fronteiras (ARTHUR,
1999), onde o jornalista deve saber aprender, ser adaptável e flexível às novas transformações do
mercado e às novas oportunidades de trabalho que possam surgir. Sobre como este profissional
poderá encaminhar as suas carreiras, é necessário que se considere a abordagem de carreira
proteana (HALL, 1996), especialmente suas primeiras premissas: mudanças frequentes,
autoinvenção e autodireção.
Por outro lado, o tema justifica-se socialmente, uma vez que os jornais – um dos mais
importantes e influentes meios de informação – observam suas vendas caírem e, por consequência
seu prestígio e abrangência públicos. Além disso, tem sua eficácia como meio de comunicação
sendo questionada por anunciantes, que cada vez mais têm optado por estratégias publicitárias
online, por meio de redes sociais e outros canais. Situação esta provocada pelo desinteresse cada
vez maior por parte do público leitor – em especial dos jovens – que desde cedo foram introduzidos
às plataformas digitais e fazem delas sua principal fonte de informação. Números de vendas,
assinaturas e de faturamento, além do facilmente observável encalhe nas bancas, evidenciam que o
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hábito de ler jornal impresso está em franco declínio. Assim, estão comprometidos o poder e todas
as convicções anteriores de importância e relevância dos jornais, tradicionalmente acostumados a
editar informação e, de certa forma, ditar a opinião pública. Antes soberanos em pautar os assuntos
do dia ou da semana, atualmente têm repercutido fatos que vêm à tona antes na internet, muito mais
do que norteado discussões.
Tanto os grupos editoriais responsáveis por jornais e revistas como os próprios jornalistas
parecem ainda não ter aprendido a ler os novos – ou seriam atuais? – horizontes. A convergência
tecnológica (JENKINS, 2008) constitui fato iminente e representa a transição em curso na maneira
de se informar. No entanto, esta transformação impacta diretamente a forma como se relacionam
empresários de comunicação e jornalistas e, principalmente, a forma como o jornalismo é feito. As
tarefas já não são as mesmas, ao jornalista não basta apenas escrever, ele deve filmar, editar, gravar,
entrar ao vivo em rádios, fotografar com a câmera do smartphone, e rapidamente atualizar portais
de internet. A dinâmica foi claramente alterada. Dado isso, é evidente que os jornalistas,
especialmente os de veículos impressos, vivem um momento de incerteza nas redações – uma vez
que têm sido constantes as notícias de demissões em massa em grandes corporações de mídia no
Brasil e no mundo.
Tendo em vista mudanças tão consideráveis e a incompreensão sobre as direções a serem
tomadas tanto pelas organizações como pelos profissionais que nela trabalham e que dela
dependem, é pertinente traçar possíveis cenários para os próximos anos, tanto para as empresas
como para jornalistas que já atuam no mercado e ainda aqueles que ainda estão em formação ou que
pretendem cursar faculdade de Jornalismo. Trata-se de interpretar os sinais das recentes e constantes
transformações para traçar possíveis horizontes neste campo.
As Transformações nas Organizações de Comunicação e o Impacto na Carreira dos
Jornalistas
Sempre que uma nova tecnologia surge e se consolida, vem acompanhada da pergunta: o
que será das antecessoras? Assim acontece na indústria automobilística, na indústria farmacêutica, e
até mesmo na indústria bélica. Com o jornalismo não é diferente. O mercado dos grandes grupos de
comunicação foi, ao longo da história, adaptando-se ao surgimento de novas plataformas de
transmissão de informação, estas, fruto de evolução tecnológica pura e simples, mas também de
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transformações nos contextos econômico-sociais. Cada vez que um novo meio prospera, especulase sobre o fim dos veículos então tradicionais até mesmo como um sinal de progresso de evolução,
seguindo o culto ao novo (BRIGGS; BURKE, 2005).
No início do século 20, a principal força do jornalismo, talvez por ser a única até então, era
o impresso. Reinou forte até os anos 1930 quando o rádio se firmou como um meio ágil e que
trouxe o fantástico advento de transmitir ao vivo: podia-se acompanhar a notícia – ou pelo menos o
seu relato – em tempo real. A novidade não era apenas o novo aparelho que começava a entrar na
casas brasileiras, mas uma nova relação com a informação, com os comunicadores, com o mundo.
Ao mesmo tempo em que a tecnologia aproximou o mundo e todas as suas possibilidades das
pessoas, também forçou as organizações a encontrarem um novo modelo de negócio. Os jornais
continuaram existindo, produzindo conteúdo, investigando e pautando os principais assuntos em
discussão.
Com o surgimento da televisão não foi diferente. Pelo valor alto da nova tecnologia, aos
poucos o acesso foi passando dos lares mais abastados para camadas mais populares da população.
Muito se especulou sobre o fim do rádio como ferramenta eficaz, mas o que se vê, mais de 60 após
a introdução dos televisores no Brasil, é que o rádio – e a indústria que gira em torno dele – não
apenas não extinguiu-se como encontrou um nicho de mercado para perpetuar-se. Um bom exemplo
é que, com o aumento da venda de veículos, especialmente nas grandes cidades, as pessoas
passaram a permanecer por mais tempo no trânsito e para estas o rádio oferece exatamente o tipo de
informação que precisam. As redações de rádio foram se adaptando, percebendo oportunidades e
organizando seus funcionários para atuarem e prepararem conteúdos prioritários para serem
veiculados nos horários de maior audiência – as chamadas horas do rush matinal e vespertina.
Paralelamente, a televisão seguiu seu caminho ao ficar mais e mais acessível com o passar
dos anos para as várias camadas da população – é mais que conhecido o fato de qualquer confim
brasileiro com energia elétrica possuir ao menos um televisor. Oferecendo entretenimento entre
seus telejornais, a ‘telinha’ cativou o brasileiro e se tornou o mais massificado meio de informação
do país. No entanto, para garantir sua lucratividade com o mercado anunciante, criou ao mesmo
tempo uma extrema dependência de manter seus índices de audiência em patamares altíssimos,
quanto uma necessidade de prender a atenção do público a qualquer custo. Surgem aqui
questionamentos éticos (que serão abordados mais adiante) quanto ao seus conteúdos e modos de
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consegui-los, bem como indícios de como a organização passa a lidar com este novo mercado e
com seus funcionários.
Nos últimos 20 anos a utilização dos computadores pessoais tanto no ambiente residencial
quanto no de trabalho multiplicou-se exponencialmente e com ele o uso da internet. A rede mundial
de computadores pode ser definida, sem exageros, como a mudança crucial – e de risco, por que
não? – para os veículos de comunicação que surgiram antes. E assim como estes, a internet aos
poucos aprimorou-se, e continua se desenvolvendo, e ganhando um papel que continua em mutação.
Outra polêmica diz respeito ao futuro imediato dos jornais. Há quem defenda que
eles carecem de seletividade das pautas e profundidade no tratamento delas. Essa
visão é coerente com o movimento que se faz para viabilizar bom jornalismo na
internet e na TV, cabendo ao jornal aprofundar a apuração e a análise dos temas
abordados. O jornal deixaria de ser o lugar de encontro de temas relevantes e
espectro amplo de interesses, passando a agendar os temas de interesse mais
específicos de seus públicos-alvo. (FIGARO; GROHMANN, 2013)
O debate se intensifica à medida em que é constatada a constante queda de tiragem, vendas e
assinaturas de jornais impressos no Brasil e no mundo. Sem falar no mercado anunciante com
diversas empresas focadas nos jovens alterando as estratégias de comunicação ao perceberem que o
público que nasceu com a tecnologia ao redor sem nunca ter precisado apropriar-se dela, não tem o
hábito de ler jornal. E não apenas não possui o hábito de manusear papel, como procura informação
de outra forma e dá credibilidade a outras fontes que não mais os jornais, até alguns anos soberanos
na apuração e disseminação de informação. Blogs, portais alternativos e outros canais ganham
força.
Apesar da infinidade de informação disponível na internet, ainda há muitas dúvidas quanto à
sua qualidade e quanto à capacidade do usuário de filtrar o que consome e fazer uso produtivo da
ferramenta no sentido de informar-se. No entanto, as amplitudes e os potenciais da rede hoje são
muito mais claros do que há dez anos, por exemplo. O acesso já não é feito apenas por meio de
computadores ou notebooks, mas através de tablets e smartphones que cabem na palma da mão e
acompanham todos no bolso ou na bolsa.
Como estes aparelhos possuem câmeras com resolução e recursos cada vez maiores (como
zoom, edição, filtros) e acesso à rede por wi-fi ou 3G, vídeos e fotos são commodities produzidas a
granel e compartilhadas nas redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram. Porém, estes
recursos geraram nos últimos tempos outro fenômeno de relevância significativa para a
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problemática: qualquer pessoa com um aparelho destes nas mãos tornou-se um produtor de
conteúdo, uma testemunha ocular e comprobatória da história.
Chegamos a um ponto crítico: a convergência tecnológica (JENKINS, 2008). Com todos os
meios interligados e ao mesmo tempo com o consumidor podendo tornar-se também produtor de
conteúdo, as relações de consumo e oferta de informação transformam-se drasticamente. A situação
atual implica uma participação muito mais ativa e direta dos consumidores, obrigando as grandes
indústrias a mudarem suas estratégias numa direcção que converge para as necessidades atuais dos
indivíduos. A convergência surge assim através do fluir de conteúdos por várias plataformas. As
tecnologias assumem nesta perspectiva um papel de sistema de entrega (que pode mudar de
configuração, mas tem um significado funcional), e os meios assumem-se como sistemas culturais
num sentido mais abrangente. Sendo assim, o processo de convergência é complexo e em constante
mutação, uma vez que está dependente da relação entre tecnologia e cultura. A tecnologia assume
desta maneira um papel secundário, sendo que a mudança cultural é que irá ditar os seus conteúdos
(JENKINS, 2008).
Não obstante, delineia-se um horizonte confuso, onde as organizações do segmento de
comunicação percebem seu antigo modus operandi não sendo mais eficiente, mas devem se impor
para manterem-se lucrativas e ao mesmo tempo fiéis à prática de um jornalismo de boa qualidade e
atrás sempre da tão falada imparcialidade. A multiplicação dos meios de informação pode ajudar a
compreender o declínio das vendas de jornais impressos, no entanto não explica como a maior parte
destes experientes produtores de notícias não conseguiram realizar de forma eficiente, se não sua
transição total para o online, pelo menos sua adaptação para as demandas de rapidez que as novas
mídias – e a televisão também – impuseram.
No entanto, as grandes organizações de mídia observam fraturas mais profundas no diálogo
com a sociedade contemporânea que não se expressam simplesmente pelo declínio de jornais
vendidos. As grandes manifestações populares que tomaram as ruas de centenas de cidades do país
no mês de junho de 2013 comprovaram que a forma tradicional de informar já não é mais a única e,
mais que isso, que é perigosa e enviesada.
Além do poder de mobilização pelas redes sociais, os eventos de junho mostraram às
direções dos grandes jornais e televisões – em especial à TV Globo – que estas não estavam
retratando a verdade dos fatos. O que é gravíssimo e sintomático de uma crise de possíveis
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interesses políticos ocultos que prejudicam o público. Não demorou muito para que se percebesse
que os usuários das próprias redes sociais e grupos de jornalistas surgidos nelas, como o Mídia
Ninja, traziam um outro olhar das ruas com capacidade para informar – apesar dos vieses – com
menos cortes que o da imprensa tradicional. No entanto, ainda há muito o que se observar e
compreender dos fenômenos midiáticos de junho, o que requer pesquisa e tempo para que os
próprios acontecimentos sejam interpretados.
A queda de circulação acarreta numa significativa baixa de faturamento, que por sua vez se
reflete nas redações cada vez mais enxutas. Ao longo de um período de 5 a 7 anos, que coincide
com o do aumento dos portais de internet e com a explosão da internet móvel, as editorias foram
esvaziadas e cada vez menos repórteres têm a obrigação de realizar os trabalhos. Se por um lado é
certo que a diminuição no faturamento gerou um emagrecimento no número de paginas dos
periódicos, por outro constata-se que todo o resto – que diga-se de passagem, não é pouco – ficou a
cargo de um número muito pequeno, muitas vezes unitário, de jornalistas.
Não bastasse a redução abrupta da quantidade de vagas disponíveis no mercado (apenas em
2013 mais de mil jornalistas foram demitidos de grandes corporações de comunicação no Brasil) e a
incessante procura pela profissão (Jornalismo continua sendo um dos seis cursos com maior
concorrência no vestibular da Fuvest), constata-se que as condições e perspectivas não são propícias
para escolher nem exercer a profissão. Outro fator crucial para isso é que, com a desculpa da
convergência e a situação inegável da falta de vagas, as grande corporações exigem cada vez mais
tarefas do jornalista, que outrora tinha como se não única, mas principal obrigação, apurar e
escrever seu texto com excelência. Hoje suas atribuições e pré-requisitos são muitos – e não
necessariamente têm a ver com texto – como veremos a seguir.
As Transformações na Carreira do Jornalista
É inegável a relevância e importância dos meios de comunicação para que uma democracia
consolidada e, de fato, autêntica, aconteça. Através de sua abrangência, a grande imprensa procura
dar um panorama dos fatos noticioso a fim de transmiti-los à população e garantir o acesso à
informação. Sua importância e poder de atuação são tão abrangentes e impactantes que muitos se
referem a ela como o ‘Quarto Poder’ (GUARESCHI, 2007).
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Com efeito, esta indústria cultural (MCQUAIL, 2003) possui um status mais importante nas
decisões a serem tomadas no País do que a maior parte das outras indústrias. No entanto, é
imprescindível observarmos também que a sua responsabilidade é maior, à medida que lhe compete
ter credibilidade e ser formadora de opinião. Por outro lado, cabe ressaltar que, assim como em todo
capitalismo, se trata de uma indústria que engloba empresas de comunicação que visam lucros para
seus acionistas (SENNETT, 2006).
Tendo em vista o paradoxo da procura de mais valia com a obrigação de bem informar, e de
almejar a tão debatida imparcialidade, os dilemas da indústria cultural se espalham para seus
funcionários. Os profissionais da comunicação que trabalham em grandes grupos que detém o poder
de comunicar no Brasil enfrentam questionamentos que vão além da própria prática comunicativa
(LIMA; FIGARO, 2009).
Ao pertencer a uma engrenagem que busca simultaneamente informar e gerar dividendos,
este profissional também se encontra numa encruzilhada que diz respeito à própria carreira, à
realidade do mercado e às convicções e valores pelos quais se guiou até ali. Desde a escolha do
curso até a percepção de que ao mesmo tempo em que tem, por exemplo, voz e liberdade para
descobrir – e delatar – um escândalo de Estado, também pode ser considerado mais uma
engrenagem para uma empresa lucrar. Reside aqui um dilema moral que se contrapõe com a
necessidade sobreviver e, ao mesmo tempo exercer uma função que acredita ser útil para a
sociedade.
Com a proposta de aumentar lucros e reduzir custos, e empurradas pela pressão das novas
tecnologias, muitas empresas de comunicação passaram a enxugar suas redações e a concentrar
tarefas em uma equipe reduzida. Devido a isso, nos últimos anos, temos visto em portais, revistas e
até em veículos impressos, profissionais que são – ao mesmo tempo – responsáveis por escrever,
filmar, fotografar, editar e subir notícias, fazer coberturas de evento online e ao vivo. Enfim, tarefas
não faltam e este novo profissional multimídia, obviamente, não acumula os salários de seus antigos
colegas (LARA, 2009). Em breve não se saberá mais o que é uma função e outra, tamanha a
unificação dos meios (JENKINS, 2008) e ao jornalista será dado apenas o conjunto de tarefas a
executar, sem distinção, o que aumenta os temores em relação a procurar uma qualificação
adequada e a traçar um projeto de carreira.
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Em um mercado que concentra poucas grandes empresas como o de comunicação no Brasil,
as oportunidades de emprego formal para jornalistas são altamente centralizadas em uma dezena de
organizações, pertencentes a tal ou menor quantidade de famílias e acionistas. A modernização das
empresas globais de todos os segmentos também impactou a maneira como os grupos de mídia
gerenciam seus funcionários – passou-se a falar em gestão de pessoas e não mais de recursos
humanos (DUTRA, 2010), procurando dar uma conotação mais, com o perdão da repetição,
humana ao gerenciamento dos funcionários. Na linguagem, nas comunicações internas
eventualmente são adotadas expressões que fazem referência ao capital humano (BECKER, 1993)
da empresa, com terminologias como “empatia”, “humor”, “inventividade” e “coragem”. Porém,
um pouco pela ausência de preocupação autêntica com o jornalista e igualmente pelo senso crítico
mais aguçado que a média dos profissionais, a função destes departamentos dentro das redações
parece ser meramente alegórica e apenas compreensível quando da demissão – também chamada
eufemisticamente de “desligamento”.
Não obstante, se olharmos para outras carreiras, como a de administradores de empresas ou
de engenheiros, observamos relações que tendem a ser mais duradouras entre patrões e empregados,
assim como remunerações progressivas, planos de carreira e bonificações generosas. De outro lado,
na comunicação, pode-se supor que temos um padrão de vínculos curtos, jornadas intensas e baixos
salários? Se sim, cabe entender as razões – tanto do lado do profissional que oferece sua mão de
obra – quanto do empregador. Um possível motivo para essa ausência de consideração verdadeira e
remuneração justa perante as capacidades dos jornalistas pode ser simplesmente o imenso número
de recém-formados nas centenas de cursos de graduação existentes pelo país ávidos para entrar no
mercado e, como se diz popularmente, mostrar serviço.
Se entendermos o termo ‘projeto de carreira’ por um plano com começo, meio e fim, só é
possível levá-lo a cabo – como planejado – se há certa estabilidade no terreno a ser percorrido. Caso
haja interesse de um profissional da comunicação de percorrer um caminho duradouro dentro de
uma mesma empresa de comunicação, é necessário que também haja por parte desta empresa a
intenção de cultivar e aprimorar as habilidades deste funcionário continuamente para que ele lhe
seja cada vez mais produtivo e adequado às funções que se espera dele.
Entretanto, basta observar os currículos de alguns respeitados comunicadores para notar a
grande quantidade de empregadores que assinaram suas carteiras de trabalho. É certo que um
currículo repleto de breves passagens por empresas de renome também rende certo status, indica
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experiência em várias casas, sob várias chefias e linhas editoriais, muitas vezes atuando até em
meios distintos como rádio, internet, impresso e TV. Vale ressaltar aqui que muita experiência, ao
menos no setor do profissional de comunicação, não é sinônimo de altos salários (FIGARO;
GROHMMAN, 2013).
No que tange as maneiras como este profissional poderá encaminhar as suas carreiras, é
necessário que se considere a abordagem de carreira proteana (HALL, 1996), especialmente suas
primeiras premissas: mudanças frequentes, autoinvenção e autodireção. O que guia esse tipo de
carreira são as necessidades pessoais e o sucesso psicológico. Para isso considera duas formas de
contrato psicológico: relacional, com vínculo mútuo, de confiança e de longo prazo entre indivíduo
e organização. E transacional, baseado em trocas utilitárias de benefícios e contribuições de curto
prazo (HALL, 1996).
O grande desafio para os profissionais do setor é conquistar um contrato tradicional
de trabalho (registro em carteira). Muitas funções desapareceram com a introdução
do computador. Na redação, seja texto seja arte, restou um número muito menor de
profissionais e o trabalho que era função de outros perfis profissionais foi
incorporado pela máquina ou assimilado pelas atuais funções. O trabalho na
empresa de comunicação tem o ritmo da circulação do Mercado financeiro
internacional. É o ritmo do sistema da economia de mercado. Esta é a lógica, este é
o ritmo. Todo o mais vem em decorrência, inclusive o jornalismo em tempo real.
(FIGARO; GROHMANN, 2013)
Neste tipo de relação pode-se ressaltar uma prática extremamente comum no campo do
jornalismo: o trabalho freelance ou como pessoa jurídica – o popular PJ. A atual precarização do
trabalho, com o jornalista se tornando empresa e vendendo seu trabalho – isento de benefícios
trabalhistas e outros encargos para a grande empresa jornalística. Apesar de ainda haver casos de
carreiras direcionadas a um crescimento dentro das empresas de mídia, a tendência é que os
jornalistas não consigam se planejar e manter sua carreira dentro de uma única instituição
empregadora. Cabe procurar os benefícios deste cenário para o próprio jornalista.
Podemos analisá-lo, por exemplo, sob a teoria das carreiras sem fronteiras, aquelas que
transcendem barreiras organizacionais, e que surgiram como contraponto às teorias tradicionais,
levando em conta fatores de flexibilidade e de independência entre a pessoa e a empresa
(ARTHUR, 1994). O profissional – neste caso, o jornalista – deve saber aprender, ser adaptável e
flexível às novas transformações do mercado e às novas oportunidades de trabalho que possam
surgir. Sua carreira transcende as fronteiras de uma única organização e ele deve continuamente
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dirigir sua própria carreira, o que pode ser facilitado por meio de uma maior rede de
relacionamentos.
Um parênteses para a necessidade de versatilidade e flexibilidade para se manter no
mercado que se impõe às organizações as leva a também procurar sua identidade como
organizações sem fronteiras. Resta saber se as próprias organizações reunirão fôlego e disposição
para se colocar em mercados que a permitam experimentar e aprender continuamente,
recombinando conhecimento local, qualificações e tecnologia.
Também se faz necessário avaliar dentro da hierarquia das carreiras tradicionais da
comunicação se é possível se pensar numa forma de harmonizar habilidades e aptidões, já que
muitos profissionais que são bons repórteres, por exemplo, não obtêm sucesso em cargos de chefia
– e vice-versa. A competência, que alguns autores designam como o conjunto de qualificações que
a pessoa tem para executar um trabalho com nível superior de desempenho (DUTRA; HIPÓLITO;
SILVA, 2000), merece ser analisada como ferramenta e coração da atividade do profissional de
comunicação.
Esteja o jornalista em qualquer uma das funções de uma redação citadas no parágrafo
anterior, no atual contexto se exigirá dele cada vez mais uma postura autônoma – que seja um
empreendedor de si mesmo. Por empreendedor entenda-se um funcionário dinâmico, criativo sem
desrespeitar as tradições da empresa, que arrisque-se, mas sem colocar a organização em risco e que
seja pró-ativo sem desrespeitar a hierarquia (TREVISAN, AMORIM, MORGADO, 2011). Postura
e terminologia em linha com o que acontece na maior parte das empresas de qualquer mercado
busca-se líderes, ainda que não tenham equipes para liderar.
Já o intraempreendedorismo define-se como o ato de um indivíduo ou uma equipe tomarem
iniciativas, motivados pelo desejo de correr riscos calculados, agindo para criar oportunidades de
negócios que atendam às necessidade de crescimento e de melhoria contínua na organização
(PINCHOT, 1989). Pode-se aqui inferir que para isso as organizações podem lançar mão de
artifícios do culto da performance (AUBERT, 2006), que evoca uma alusão à devoção e competição
esportivas, numa ânsia incessante de sempre fazer mais e melhor. O desejo de ser mais – desafiando
e superando, sem trégua, os próprios limites – cativa o imaginário contemporâneo, mobilizando
energias psíquicas, anseios narcísicos de reconhecimento e fantasias de onipotência (FREIRE
FILHO, 2011).
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O que as organizações procuram no fundo são intraempreendedores com jeitão de
empreendedores. Aparentemente a ideia das organizações é ter em seu quadro funcionários que,
além de executar todas as incontáveis tarefas que cada vez mais deles se esperará, sejam capazes de
interpretar o volume de trabalho como rendimento e aprendizado, o multi-tasking como
versatilidade e a baixa remuneração como status temporário. Procrastinar o reconhecimento, adiar
um salario justo e exercer sem questionar um expediente muito além do que deveria.
Considerações finais
A compreensão do histórico das relações anteriores entre operários da informação
(jornalistas) e empresários da comunicação (grandes grupos de mídia), juntamente com as relações
de consumo como cultura social, somada a um entendimento do contexto em que vivemos
atualmente, reúne elementos suficientes para pensar que um panorama das transformações na
carreira do jornalista e, consequentemente, favorece a reflexão sobre possíveis cenários de tarefas e
ambientes em que os profissionais do jornalismo atuarão.
Em um contexto de mudanças tecnológicas em que empresas de comunicação e seus atores
tentam redefinir a cada dia seu novo papel, buscamos entender como – e se – é possível que um
profissional de comunicação estabeleça uma gestão coerente e linear de sua própria carreira. Ainda
que neste trabalho tenhamos centrado nossos esforços em um ensaio teórico, a continuação natural
do mesmo será a realização de um estudo empírico. Buscaremos analisar em que medida o
jornalista exerce sua atividade por paixão à profissão, e quais os paradoxos de sua escolha ao se
perceber como parte de uma engrenagem da indústria cultural e não mais como ator social com ação
política, idealizado muitas vezes quando da escolha da carreira e do curso superior.
A fim de tratar do tema através da abordagem por cenários, cabe definir estes como
resultados de combinações de incertezas com elementos pré-determinados, considerando múltiplos
futuros que nos dão diferentes imagens de causa e efeito. Inicialmente é preciso aceitar as incertezas
e a realidade de ter que decidir com elas (HEIJDEN, 2009). Com isso, pensar cenários não
pressupõe um exercício de previsão ou “futurologia” e sim a análise contumaz da combinação de
um conjunto de variáveis. Ainda que incerto, permite pensar o presente a partir do que pode vir a
ser.
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Referências bibliográficas
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BECKER, G. S. Human Capital: a theoretical and empirical analysis, with special reference to
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