A força do dólar
De repente, o dólar ganha força. Aprecia-se contra quase todas as moedas do mundo,
sem discriminação de localização, tamanho ou grau de desenvolvimento. Pode parecer
aleatório; às vezes movimentos rápidos de câmbio não têm o “fio terra” nos
fundamentos econômicos. Mas, nesse caso, há uma razão fundamental para o
movimento: os EUA parecem sair da estagnação econômica (pós-crise do Lehman)
antes do resto do mundo. A economia brasileira terá de navegar por essa nova fase da
economia mundial, que ainda está no início.
Economias que crescem mais tendem a apreciar mais também. Em parte, porque a taxa
de juros começa a subir, antecipando uma normalização das políticas de estímulos
adotadas durante a estagnação. A lógica é se a recuperação está a caminho, já em
breve serão retirados os estímulos excepcionais, incluindo os juros anormalmente
baixos. Os fluxos de capital mudam de direção, buscando não somente retornos
maiores vindos dos juros mais elevados, mas também do crescimento maior. Com os
influxos, vem a apreciação do câmbio.
Os EUA crescem a uma taxa em torno de 2%, e as perspectivas são de que o
crescimento acelere para 2,5% no ano que vem. O desemprego está caindo e deve
alcançar a taxa de 6,5%, marco para o Federal Reserve (Fed, o banco central norteamericano) avaliar subir os juros mais rapidamente que o esperado. As últimas
comunicações do Fed sugerem que o mais tardar em setembro (vários membros do
comitê de política monetária – FOMC, na sigla em inglês – sugerem antes) serão
retirados gradualmente os estímulos monetários atuais. O setor privado nos EUA está
com força para crescer mais depois que as empresas e, agora, as famílias reduziram
seu endividamento. Os sinais são claros, o crédito voltou a fluir, os preços das casas
tornaram a subir. O que ainda deve limitar o crescimento são os ajustes – via aumento
de imposto ou redução de gastos – para reduzir o endividamento público, que deve se
prolongar por exigir decisões políticas complicadas.
O contraste é grande com a Europa. A zona do euro permanece em recessão com
queda do PIB de 0,22% no primeiro trimestre, e espera-se outra queda de 0,10% no
segundo trimestre. Tudo indica que será o segundo ano de crescimento negativo na
região. O Banco Central Europeu (BCE) continua preocupado e sinalizou que se a
situação piorar pode considerar definir taxas de juros negativas nos depósitos que
recebe dos bancos. Riscos ainda existem, os ajustes ainda não estão concluídos nos
países periféricos da Europa, e nem iniciados na França, próximo foco de atenção dos
mercados.
A política monetária no Japão está indo na contramão da americana. Os estímulos
monetários estão sendo aumentados de forma acelerada, se implementados como
divulgados serão maiores. A consequência desse contraste entre as políticas é uma
depreciação forte do yen em relação ao dólar.
Os emergentes eram o último bastião do crescimento. Após uma recuperação rápida
pós-Lehman Brothers, as economias sustentaram taxas elevadas de crescimento nos
últimos anos. Mas a desaceleração está agora se espalhando, como se fosse uma
reação defasada, em câmera lenta, à estagnação das economias maduras. A China
desacelera para um crescimento perto de 7,5%, de quase 12% no seu auge. O resto da
Ásia emergente está indo no mesmo caminho. As economias emergentes do Leste
Europeu já desaceleraram há mais tempo, em função da crise europeia dos últimos
anos. Na América Latina diversas economias resistiram bem à desaceleração global
(Chile e Peru, por exemplo), mas mostram sinais de desaceleração.
É nesse ambiente econômico de recessão na Europa e desaceleração nos emergentes
que a economia americana destoa com perspectivas de crescimento maior e queda
mais rápida no desemprego. Isso faz com que as moedas e os juros no mundo
equilibrem-se de forma a permitir que a recuperação americana seja transmitida para o
resto do mundo (com mais depreciação e menos juros).
Como os outros países vão reagir à força do dólar? Muitos devem permitir que suas
moedas depreciem, assim como deixaram que apreciassem no caso inverso (EUA mais
fraco e o resto do mundo, principalmente os emergentes, mais forte). A princípio uma
depreciação das outras moedas em um ambiente de fraco crescimento é bem-vinda,
desde que a inflação não seja um problema também (não é, na grande maioria dos
casos).
Muitas vezes a tentação é focar no palpável, definir um valor ideal para a taxa de
câmbio, tarefa que sempre parece mais ao alcance do que possível. Bastaria escolher o
valor correto para o câmbio para resolver várias mazelas da economia. Mas o câmbio
responde ele mesmo a outros fatores. Há razões fundamentais que movem a economia
e seus preços (i.e, taxa de câmbio) como produtividade, educação, inovação e um
conjunto de instituições que geram estabilidade e incentivos para o investimento (e a
postergação do consumo), assim como para a busca incessante da eficiência. Na
ausência de mudanças nos fundamentos, os governos têm pouco controle sobre o
câmbio no longo prazo.
No curto prazo (e mesmo no médio prazo), movimentos excessivos de mercado
justificam intervenções no câmbio, principalmente quando a percepção é de ausência
de relação com os fundamentos da economia. Mas, no caso atual, a força do dólar
parece bem calcada, desde que a economia americana de fato continue recuperandose mais rapidamente do que o resto do mundo.
No Brasil, a inflação mais elevada (e perto da banda superior da meta) é uma
consideração adicional que torna mais complexa a avaliação de política, podendo
inclusive justificar uma intervenção maior no câmbio no curto prazo, enquanto se
aguardam possíveis mudanças nas políticas macroprudenciais (retirada de IOF?) e o
efeito do aumento recente de juros na inflação. A economia brasileira terá de navegar
por mais essa fase da economia mundial.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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