MORDIDA DE BRODIE: UM RELATO CLÍNICO DE INTERCEPTAÇÃO E CORREÇÃO A mordida cruzada posterior é, globalmente, uma má oclusão de elevada prevalência (8% a 23%). Entretanto, na grande maioria das vezes, a inversão na relação vestíbulo-lingual dos dentes maxilares acontece por palatina. O cruzamento dentário por vestibular, foi descrito por Brodie em 1943 como um tipo de má oclusão em que o arco dentário mandibular é totalmente envolvido pelo arco maxilar, e esta condição desde então é conhecida como Síndrome de Brodie (Valencia, 2007). Na dentadura mista, a prevalência dessa síndrome é 1,1%, sendo considerada portanto uma má oclusão relativamente rara (Keski-Nisula et al., 2003). Por esta baixa prevalência, boa parte dos ortodontistas, durante a sua formação, não tem a oportunidade de vivenciar a terapia deste tipo de má oclusão. Diferentemente da mordida cruzada posterior lingual, que tem uma terapia bem conhecida e de relativa simplicidade, tratar uma “Mordida de Brodie” geralmente desafia até mesmo experientes profissionais. É bastante improvável que esta alteração oclusal tenha correção espontânea (Nojima et al., 2011). Efeitos adversos na função mastigatória (Inada et al., 2008) e no crescimento e desenvolvimento normal da mandíbula, podem causar deformidades como assimetrias faciais (Valencia, 2007) e retrognatismo mandibular (Nojima et al., 2011). O objetivo desse trabalho é apresentar o tratamento integral de uma paciente portadora de “Mordida de Brodie”. Figura 1. A,B,C. Fotografias extra-bucais iniciais. Padrão facial convexo. Figura 4. A,B. Modelos iniciais. Vista oclusal, maxila com dimensões transversais aumentadas e mandíbula com dimensões transversais diminuídas. C. Modelos inicias. Vista lateral com pequena inclinação para possibilitar a visualização da “Mordida de Brodie”. Figura 2. A,B,C. Fotografias intra-bucais iniciais. Padrão dentário Classe II e mordida cruzada posterior vestibular bilateral. Figura 3. A. Telerradiografia inicial. B. Traçado cefalométrico inicial. A paciente C.V.R.A, 7 anos, foi encaminhada pelo odontopediatra para uma avaliação da inversão na relação transversal entre os arcos dentários. Ao exame clínico observou-se um padrão dento facial de Classe II, uma mordida cruzada posterior vestibular bilateral, caracterizando uma “Mordida de Brodie” (Figura 1 e 2). A análise da telerradiografia lateral mostrou um padrão cefalométrico dentro dos limites de normalidade para a sua faixa etária(Figura 3). A análise dos modelos de estudo sugeriu uma maxila sobre-expandida, enquanto que a mandíbula era menor do que o esperado (Figura 4). Portanto a etiologia da mordida cruzada era de origem tanto maxilar quanto mandibular. Diante do diagnóstico, optou-se pela interceptação imediata, pois se tratava de uma situação clínica que não se auto-corrige e ainda tende a piorar com o tempo devido as extrusões dos dentes sem contato. Além disso, esta condição poderia comprometer a função e até mesmo o correto crescimento e desenvolvimento mandibular. Dessa forma, foi utilizado na interceptação um aparelho ortopédico funcional, tipo Frankel I, com o afastamento dos escudos laterais apropriados para os objetivos terapêuticos. Após o descruzamento inicial foi empregada uma placa lábio ativa no arco inferior para potencializar a expansão transversal mandibular, bem como controlar a tendência de recidiva (Figura 5). Anos mais tarde, quando a paciente se encontrava em estágio puberal de maturação (CS3 - CS4) foi realizada a fase corretiva, utilizando aparelhos fixos Straight-Wire e ativador mandibular tipo Herbst. A contenção dos resultados finais alcançados foi feita com placa prensada (maxila) e spring retainer (mandíbula). Com 5 anos de contenção os resultados iniciais se mantém estáveis (Figura 6). Figura 7.Radiografia transcraniana após 5 anos de fase de contenção. A) Lado direito boca fechada. B) Lado direito boca semi-aberta. C) Lado direito boca aberta. Figura 5. Fotografias extra-bucais após interceptação com aparelho Frankel I (A, B, C). Fotografias intraorais após fase interceptativa de tratamento. Padrão dentário Classe II, “Mordida de Brodie” corrigida. Paciente utilizando barra transpalatina e placa lábio ativa como contenção da correção das condições transversais tanto maxilares quanto mandibulares (D, E, F, G, H). Figura 6. A, B, C, D, E, H. Fotografias extra e intra-bucais após 5 anos de fase de contenção. Padrão facial e dentário Classe I obtido por meio de ativador tipo Herbst e aparelho fixo multi-bráquetes. Diante de uma Mordida de Brodie, o ortodontista precisa estabelecer um planejamento integral visando a interceptação da inversão do padrão oclusal transversal precocemente e o planejamento da correção de outras más oclusões associadas no momento apropriado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Valencia RM. Treatment of unilateral buccal crossbites in the primary, early mixed, and permanent dentitions: Case reports. J Clin Pediatr Dent 2007;31:216-220. 2. Keski-Nisula K, Lehto R, Lusa V, Keski-Nisula L, Varrela J. Ocurrence of malocclusion and need og orthodontic treatment in early mixed dentition. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2003; 124:631-638. 3. Nojima K, Takaku S, Murase C, Nishii Y, Sueishi K. A case report of bilateral brodie bite in early mixed dentition using bonded constriction quad-helix appliance. Bull Tokyo Dent Coll 2011;52(1):39-46. 4. Inada E, Saitoh I, Ishitanni N, Iwase Y, Yamasaki Y. Normalization of masticatory function of a scissors-bite child with primary dentition: A case report. J Craniomandib Pract 2008; 26:150-156.