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PARA UM ESTUDO SEMÂNTICO ARGUMENTATIVO DE UM
ACÓRDÃO
Cláudia Lopes Nascimento Saito
SUMÁRIO
Introdução; 1.Discurso Jurídico; 2.Análise dos Operadores Argumentativos;
Conclusão;.Bibliografia .
RESUMO
O presente artigo tem como proposta a aplicação dos princípios teóricos da
Semântica Argumentativa, na análise de um texto jurídico, em que se tratou de descrever
algumas formas pelas quais a argumentatividade se manifesta neste tipo de discurso.
Palavras-Chaves:
Discurso
jurídico;
semântica
argumentativa;
operadores
argumentativos.
RESUMO
El artículo presente tiene como propuesta la aplicación de los principios teóricos de
la Semántica Argumentativa, en el análisis de un texto jurídico, en el que se trató de describir
algunas formas por las cuales la argumentatividad se manifiesta en este tipo de discurso.
INTRODUÇÃO
O homem é um ser que vive em sociedade e está constantemente se relacionando
com seus semelhantes, por causas e com finalidades as mais variadas. A forma mais eficazque
possui para interagir no meio social é a língua. É através do seu discurso que o homem age
sobre o mundo e atua sobre os demais para obter deles as mais variadas reações ou
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comportamentos. Assim, a neutralidade da linguagem, cada vez mais, configura-se em um
mito. Desde os primórdios, o homem faz uso da linguagem não apenas para comunicar-se ou
informar, mas, e talvez, principalmente, para agir e persuadir. Assim, para atingir seus
objetivos, o homem argumenta através da língua. Argumentar constitui, pois, “o ato
lingüístico é fundamental”.
A argumentatividade estando inscrita na língua faz-se presente em qualquer discurso.
Entretanto, em determinados tipos mais do que em outros, é o caso do discurso jurídico, em
que ela é preponderante, tendo em vista seus objetivos de persuasão, não só do juiz, que era o
destinatário do discurso, segundo a Retórica antiga, mas também dos membros de umas
sociedades governadas pelas mesmas leis.
Uma questão é clara quanto ao discurso jurídico, quer se trate de elaboração, de
interpretação ou aplicação do direito: trata-se de um discurso argumentado, organizado tendo
em vista um propósito e negociando esse propósito diante de uma audiência particular ou
geral, à luz de valores que lhe são pretextos para fundamentar enunciados normativos. É um
discurso constituído de estratégias, tornando a aparência de lógico, tendo em vista induzir ou
regular o julgamento coletivo sobre uma situação ou um objeto.
A atuação da lógica jurídica, que trata da coerência do sistema legal e da correção
dos raciocínios jurídicos que intervêm na elaboração, na interpretação e na aplicação do
direito, não pode ser deixado de lado, na configuração do discurso jurídico, embora o
raciocínio jurídico não se reduza a simples aplicação das normas, organizando seu desenrolar
desde as premissas até uma conclusão. Não podemos nos esquecer que o jurista raciocina
tanto sobre fatos como sobre normas e utiliza não apenas raciocínios dedutivos, mas também
faz uso de raciocínios não dedutivos, como analógicos, indutivos. Uma questão importante
que se coloca é, pois, saber de que critérios o jurista se utilizará para a adequação, que todo
julgamento impõe, entre os fatos sobre os quais ele deve se pronunciar e aqueles que o direito
define através de sua nomenclatura.
Tanto as habilidades para leitura e compreensão de textos, como a correta utilização
da linguagem exigem a articulação de estratégias de produção, recepção de textos que
proporcionem aos operadores do mundo jurídico ferramenta indispensável para a condução
lógica do raciocínio e o domínio da argumentação.
Dos concluintes do curso de Direito, espera-se a capacidade de pesquisa e utilização
da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do direito, mas também,
aliados à capacidade de reflexão crítica, o raciocínio lógico, argumentativo e persuasivo.
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Na tentativa de contribuir para uma melhor compreensão e produção de discurso
jurídico, por parte dos estudantes do curso de Direito, futuros operadores jurídicos que nos
propusemos, neste trabalho, a estabelecer uma ponte de ligação entre o Direito e a Lingüística,
mediada pelo enfoque da Semântica Argumentativa visando analisar os recursos lingüísticos
da argumentação, focalizando os operadores argumentativos, os quais insertos na própria
língua, na sua gramática, assumem a orientação do discurso.
1. A RETÓRICA E O DISCURSO JURÍDICO
No Capítulo III de sua Arte retórica, Aristóteles afirma que existiu três gêneros de
retórica: o deliberativo, o judiciário e o epidítico.
No gênero deliberativo, aconselha-se ou desaconselha-se sobre uma questão de
interesse particular ou público. O judiciário comporta a acusação e a defesa. O demonstrativo
abrange o elogio e a censura. Essa tripartição do discurso foi elaborada tendo -se em vista os
três tipos possíveis de auditório.
O discurso judiciário, realizado originariamente na oralidade, referia-se àqueles
discursos levados a efeito por um acusador e por um defensor, diante de um juiz que,
avaliando os fatos passados, deveria se manifestar quanto ao justo ou o injusto. Tratava-se,
pois, de discursos realizados nos tribunais.
É provavelmente nesse sentido, que Serverim e Bruxelles (1979), utilizam a
expressão “prática-jurídica” para designar o conjunto de análises efetuadas sobre o direito
pelos juristas, opondo-a à “prática judiciária”, aquela dos tribunais.
Segundo Orlandi (1983), a tipologia que distingue os discursos como o jurídico, o
político, o religioso, o jornalístico, entre outros, é uma tipologia consensual, que parte de
distinções apriorísticas, dadas segundo critérios estabelecidos quer pela sociologia quer pela
teoria do conhecimento. Esta espécie de tipologia faz referências à existência prévia das
instituições. A distinção pode ser também estabelecida entre os domínios do saber, surgindo
daí o discurso filosófico, científico, poético, etc.
2. ANÁLISE DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS
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Uma vez que este trabalho tem como proposta o estudo prático dos recursos
lingüísticos da argumentação, nosso empenho é voltado à apreciação dos operadores
argumentativos, os quais insertos na própria língua, na sua gramática, assumem a orientação
argumentativa do discurso. Tal direcionamento, a que não é imune a qualquer discurso,
assinala sua inafastável intencionalidade. O texto jurídico é declaradamente argumentativo e
intencional.
No início de um acórdão, apresenta-se um resumo de seu inteiro teor denominado
ementa. Dela constam os principais aspectos do julgamento envolvido, com ênfase na
fundamentação legal aplicada no caso. Quem lê a ementa consegue ter a visão de todo o
acórdão, pois nela se inclui a síntese das principais partes deste.
Lembramos, ainda, que os acórdãos geralmente apresentam a estrutura básica do
silogismo: um relatório (premissa maior), a fundamentação legal (premissa menor) e a decisão
(conclusão). A elaboração do acórdão, paralelamente, traz o desenvolvimento do seu texto nos
moldes da estrutura clássica: proposição argumentação – conclusão. É tal disposição
verificável na peça que selecionamos para a análise que passamos a realizar.
Para desenvolver o trabalho analítico, elegemos um Acórdão da lavra da 2ª Câmara
de Direito Privado do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que se encontra publicado no
suplemento de Jurisprudência do Boletim nº 1981, da Associação dos Advogados de São
Paulo – AASP, em 11/12/96, nas páginas 393 a 395 (em anexo).
Tal peça é o documento principal da 2ª instância, numa Ação de Indenização por
Danos Materiais e Morais proposta por usuária de certo plano de saúde. Em razão de não
havido o correto diagnóstico de sua doença e tampouco o adequado tratamento médicohospitalar, após longo tempo sem obter melhora em seu quadro, viu-se a cidadã no
constrangimento de procurar os serviços de outro profissional, o qual diagnosticou a sua real
doença, procedendo sua cirurgia e devolvendo-lhe sua saúde.
Depois, ajuizou-se a ação indenizatória visando a ver ressarcidos os danos materiais e
morais que sofreu daquele plano de saúde. A sentença julgou procedente sua pretensão e
arbitrou em trinta salários mínimos o valor a lhe ser pago pela Ré.
Ambas as partes inconformaram -se com referido decisorium. Houve concomitância
de Apelações: a Autora almejando a reforma da sentença para ver majorado o quantum da
condenação. A Ré, de sua vez, buscando sua exclusão do pólo passivo do processo e, no
mérito, pugnando pela integral improcedência do feito, paralelamente, havia interposto um
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agravo retido, com o fito de ver contraditada uma testemunha apresentada pela outra parte e,
assim, o insucesso da Autora.
Ao fim de sua apreciação, a turma de desembargadores deu provimento isto é,
reconheceu legítimo o pedido da Autora, modificando o valor da indenização de 30 (trinta)
para 200 (duzentos) salários mínimos. A apelação da Ré não obteve o sucesso que pretendeu,
pois – repelidas todas as alegações que apresentou – foi sua plenamente improvida.
É oportuno, ainda, registrar que o princípio legal, que embasou toda a pretensão da
Autora, mesmo que não mencionado no corpo do acórdão, é o artigo 159 do Código Civil
Brasileiro que diz:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
Nos trinta e um parágrafos que compõem o texto forense que adotamos para nossa
análise, podemos registrar a ocorrência de diversos recursos lingüísticos da argumentação,
como passamos a ver, seguindo os itens por sua ordem de ocorrência no texto.
a) § 8 – Se assim não fora, não merecia vingar (...)
Presente aqui uma relação interfrásica de significativo valor argumentativo.
Observemos que no parágrafo anterior se diz que as razões (processualmente, a peça se
encaminha a apelação) chegaram intempestivamente, o que impediu a apreciação do agravo
retido pelo Tribunal. O elemento gramatical presente aqui é a coordenação entre orações,
que resulta na declaração de que a prova que a Ré prentedera produzir: que era o testemunho
do profissional que fez a cirurgia na Autora, mesmo constando dos autos em tempo hábil, de
fato para nada serviria. Paralelamente à oportunidade da Ré lembrar-se do brocardo latino
dormientibus non socurrit jus (o direito não socorre os que dormem), serve o recorte colhido
do acórdão para ressaltar como a cuidadosa seleção de palavras tem o condão de se constituir
em forte argumento para demonstração do real estado do caso sub judice.
b) § 8 – (...) nem mesmo serviu de base para o acolhimento da ação – este operador
argumentativo é apresentado numa relação de exclusão, de negação. No contexto em que
aparece, atua como um marcador de exclusão, cujo objetivo é retirar da pretensão Ré toda e
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qualquer força que eventualmente pretendesse suscitar para sua defesa mediante o testemunho
que pretendera constituir como prova.
c) § 11 – (...) Quer ela, por isso ressarcir-se das despesas que teve (...)
Esse operador sintático-argumentativo apresenta-se a partir de uma inferência. Nos
parágrafos precedentes, há narrativa dos atos e fatos que culminaram com o ajuizamento da
ação, a qual acabou sendo remetida ao tribunal. Assim, a expressão visa a sustentar que a
pretensão da Autora (receber indenização) não é sem motivo, mas há segura fundamentação
(a inadequada prestação de serviços pela Ré). Seu valor argumentativo está no suporte prévio
que se dá ao que se está propondo. Podemos notar, ainda, que a expressão pode ser também
tomada para alcançar uma finalidade justificativa: a pretensão da Requerente não é de caráter
monetarista, mas tem como base os danos que lhe foram impostos pela Ré.
d) § 12 – Por primeiro, indiscutível a legitimação ad causam
Por primeiro é um recurso lingüístico que marca a formulação de um raciocínio
argumentativo por meio de enumeração. O enunciador abre a seqüência de elementos de
convencimento que apresentará, e – desde logo, ao inaugurar a contagem, deixa claro que, de
fato, a situação processual da Autora é perfeita. Tal enumeração serve para que o enunciador
antes de tudo já trate da legalidade das partes no recurso. Há uma evocação valorativa na
enumeração trazida ao texto, por via de recurso ora salientado. Isto reforça o ponto de partida
favorável à Autora.
e) § 12 – Por primeiro, indiscutível a legitimação ad causam
Indiscutível, por sua vez, marca a presença da modalidade como instrumento
argumentativo. Na proporção que o julgador registra como indiscutível a situação jurídica de
qualquer ponto o processo, ainda que isso possa vir a ser contestado posteriormente junto a
superior instância, não há de negar que o mesmo constrói uma estratégia discursiva bem
urdida no texto. Esta não só denota a segurança com que o julgador da causa desenvolve seu
parecer, ao ponto de afirmar, veladamente, que não seria necessário e, talvez, possível discutir
tal tema, e – paulatinamente – ouvir -se tal classificação: indiscutível (que é um juízo de
valor). A ocorrência desse operador tem papel objetivo no texto. Ao afirmar que, quanto à
legitimidade, não há o que discutir está o texto mostrando a modalização do seu discurso.
Com efeito, indiscutível é termo de significativo peso, pois que revela,
principalmente que a intenção do seu usuário é fechar a discussão em torno da proposição que
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é apresentada. É possível constatar a presença sub-reptícia de um discurso por autoridade,
mas tal nuance discursiva será estudada em ponto adiante.
Este operador ocorre no texto para indicar a prioridade e relevância do argumento
que está sendo introduzindo em relação aos que o seguirão. Sim, ao estabelecer logo que há a
legitimação passiva ad causam, o texto estabelece que é a Ré e não outrem, quem deve figurar
como responsável no processo ajuizado pela Autora.
Ora, este requisito é essencial ao prosseguimento do feito, pois só existe o
procedimento (processo) quando a tríade Autor-Réu-Juiz se constitui.
Assim, temos que a enumeração dos argumentos organiza o texto, de tal modo que
por primeiro revela-se muito útil no texto do Acórdão. Em outros termos, já que de início
verificam-se suficientes as condições legais para que o tribunal aprecie o mais que nos autos
há, grande passo já se deu para caminhar em acerto.
f) § 13 – (...) quando, infrutiferamente, pretendeu a denunciação (...)
Neste ponto, verificamos o uso de advérbio atitudinal para atribuir à ação da Ré um
valor retórico, mediante outra modalização. A pretensão do enunciador é dar à atitude daquela
agente um caráter negativo, ou – no mínimo – de ineficácia. Isso fica mais evidente na
proporção que todo o julgamento vai ter, ao final, convergência para esse aspecto: não há
amparo às reivindicações da Ré, daí porque sua conduta seria, em qualquer caso, inóqua.
g) § 13 – (...) Isto, aliás, ficou expressamente admitido, na contestação (...)
O recurso aplicado nesta fase é o da preterição. O argumento que se introduz é
secundário, pois, aliás, dá a entender que o que se passará a enunciar é como uma lembrança
a mais, que não faria maior diferença se omitida. No entanto, pode ser aplicado como um
eficaz instrumento argumentativo, se o enunciador reservar – no arsenal de argumentos – um
mais forte para usá-lo no momento mais adequado com o fator preparatório gramatical em
apreço. A possibilidade de não ser visto como argumento de maior peso é um aspecto que
pode trazer favorecimento à estratégia discursiva adotada e, principalmente, para o alcance da
meta.
h) § - Sem sentido, portanto, a invocação de normas próprias de contrato (...)
Nos dois parágrafos precedentes, o enunciador torna evidente ser desnecessária
qualquer discussão em torno da legitimidade passiva da empresa-Ré. Em outras palavras, a
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entidade de plano de saúde não encontra guarida para a sua pretensão de eximir-se da
responsabilidade assumida, desde a assinatura do contrato com a cliente, ora Autora. Notemos
a informação do acórdão de que na contestação, isto é, na defesa escrita apresentada pela Ré,
esta pretendeu chamar ao processo a empresa A.A.M. por meio do instrumento processual
denominado denunciação à lide. Este instituto tem como finalidade precípua o possibilitar a
qualquer que se veja como Réu a denúncia, o chamamento, enfim, a inclusão de outrem a
quem o denunciar atribui a responsabilidade, ou parte desta, no processo. Dele tentou se
socorrer a empresa-Ré.
Esta digressão visa a demonstrar a propriedade com que o relator do acórdão recorreu
ao termo em apreço: portanto. Visto que, de forma exclusiva, à Ré competia o responder
pelos danos causados à cliente, então – de fato – ficou sem sentido a invocação de normas
contratuais ou qualquer outra tentativa de sua parte.
Com efeito, todo o arrazoado previamente apresentado pelo acórdão é ato
preparatório para a conclusão trazida na frase destacada neste ponto. A conjunção
coordenativa, portanto , cuja ocorrência sempre se refere a determinado conteúdo que se
tenha acabado de firmar ou afirmar, é a marca argumentativa desta porção do acórdão,
utilizada num encadeamento conclusivo.
i) § 14 Sem sentido, portanto, a invocação de normas próprias do contrato de
seguro, porquanto, aqui, se cuida de típica prestação de serviços médicohospitalares, respondendo a empresa-Ré pelos atos (...)
O operador argumentativo em destaque tem conotação e finalidade bem diversa do
anterior. Desta feita, o enunciador afirma algo (em suma, que a pretensão da Ré não tem
sentido) e, para introduzir o que podemos chamar de tipificação do caso, o texto introduz o
termo porquanto, o qual equivale a outras expressões como já que, uma vez que, porque.
Seu efeito argumentativo é importante para o discurso, notadamente no direito
jurídico.
A relação que tal conectivo traz ao discurso é a da causalidade. Na proporção em que
se diz que a pretensão da empresa-Ré é natimorta, tal operador já se propõe a dar explicação
justificada da afirmação que procedeu à mesma. Tendo ancorado seu raciocínio naquela
afirmação acerca do pretendido pela Ré, a aplicação do termo porquanto abre margem a que
toda um esclarecimento seja feito no parágrafo seguinte a explicação, a qual deixa patente ter
a empresa-Ré total responsabilidade pela preposição de terceiros que efetuou.
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j) § 15 – Pouco importa que a assistência médico-hospitalar (...)
O aparente desprezo por determinado fato, geralmente contrário ao que propõe o
enunciador, é um recurso retórico, com utilidade reconhecida no âmbito da argumentação.
Verifica-se neste excerto a figura de construção denominada inversão, dando mais vigor e
mais energia à frase.
No caso, portanto, o objetivo do texto é frisar a irrelevância de que a Ré apresentou
como elemento a ser considerado em seu favor.
k) § - (...) Inequívoca a relação de preposição
Verifica-se aqui o uso de expressão carregada de intencionalidade, pela qual o
enunciador pretende qualificar o vínculo entre a Ré e a empresa que atendeu à Autora. Ao
dizer que a relação entre aquelas é inequívoca, o texto está afirmado indiretamente que a
empresa nada pode fugir à sua responsabilidade perante sua cliente direta, a Autora.
l)§ 20 – Logo, se a ré falhou no cumprimento de suas obrigações (...)
Trata-se de termo destinado a abrir um encandeamento de natureza conclusiva. Na
lógica, o termo assinala a conclusão na estrutura do silogismo simples, de que á exemplo o
que apresentamos:
Todo cidadão é igual perante a lei. (premissa maior)
Sou um cidadão (premissa menor)
Logo, sou igual perante a Lei (conclusão)
Embora seja expressão própria do raciocínio lógico, não ocorre exclusivamente, visto
que é possível verificá-la não raro na linguagem de pessoas de nível sócio-cultural mais
elevado e, notadamente, nos usuários de norma culta.
Sua presença nesse ponto do texto assinala abertura de uma unidade de conclusão, a
qual teve como preparo toda a argumentação procedente, sobretudo pelo relato do laudo
pericial, que – tecnicamente – desnudou a fragilidade das pretensões da Ré, o que fez da
atribuição de sua responsabilidade de indenizar a vítima inafastável. Daí porque a presença do
Logo, marca a conclusão que vem em segui (Se falhou. (…) deve indenizar), corolário de todo
a construção feita até ali.
m) § 20 (...) se a ré falhou no cumprimento de suas obrigações (...), deve indenizar a
título de perdas e danos (...)
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Embora não presente de forma literal, a ferramenta argumentativa apresentada pelo
enunciador é o binômio SE/ENTÃO, que – de fato – estabelece um raciocínio do tipo
CAUSA/CONSEQÜÊNCIA. É o raciocínio hipotético a serviço da argumentação, em que
também se mostra a idéia de condicionalidade.
Conquanto o primeiro excerto se inicie com a conjunção condicional típica se, não
cremos que realmente o enunciador esteja pondo em dúvida a prática anti-jurídica por parte da
Ré. O conjunto probatório dos autos, devidamente registrado, que inclui até mesmo um laudo
pericial está nas mãos dos desembargadores quando da produção do acórdão. Daí que o
raciocínio não se dá por cogitação. A manobra discursiva consiste em levar o enunciatário a
refletir os fatos e, assim, ser convencido da situação real, aderindo à decisão que o tribunal
dará afinal.
Noutros termos, o texto, à luz de todo o seu contexto, está afirmando que a
responsabilidade da Ré decorre de sua conduta irregular. É a vigência de dispositivo legal
contido no artigo 159 do nosso Código Civil, já transcrito.
n) § 21 – Aliás, afora vaga a referência de que a autora (...) nada induz que isso
tivesse sido a causa (...)
A argumentação nesta porção de texto se apresenta pelo conectivo aliás, o qual cria,
ao enunciatário, a impressão de que o argumento que se está introduzindo é sem importância.
Todavia, embora não seja o caso aqui, pode ser considerado como um recurso estratégico da
argumentação, já que atua pelo que se denomina mecanismo de preterição. O argumento é
introduzido como se fosse irrevelante, já que os apresentados anteriormente é o que teriam
importância para a enunciação.
Por outro lado, ao concluir no raciocínio o termo nada, necessário se faz juntar o
termo aliás àquele para melhor compreender a pretensão do enunciador. Nessa recomposição,
temos: Aliás (...) nada induz que isso tivesse sido a causa (...) que é um uma afirmação
significativa para o acórdão, visto que – mais uma vez – restringe a possibilidade da Ré ver
realizadas as suas pretensões, as quais foram veiculadas mediante o recurso apresentado ao
tribunal.
o) § 20 – (...) atitude da autora, ao desesperada, ir em busca da assistência de um
médico particular.
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A argumentação neste ponto se dá pela modalização. O termo desesperada ressalta a
condição em que a Autora se viu, em decorrência da falta da devida assistência pela Ré, o que
reforça a importância que o enunciador atribui à conduta Ré, que culminará com sua perda da
ação.
p) § - Em suma, consoante a boa doutrina lembrada na sentença (...)
A presença do conectivo ora destacado visa a iniciar a conclusão do acórdão. Ao
utilizar em suma, pretende o enunciador sintetizar, na frase que proferirá em seguida, uma
série de argumentos já apresentados. De um ponto de vista argumentativo, a classe de
elementos em que em suma se insere apresenta o interesse em assegurar coerência ao final. A
forma dessa construção textual coloca os enunciados anteriores como coorientados em relação
àqueles que devem servir de conclusão.
q) § 23 – A propósito o quanto bastara à configuração autônoma do dano moral
(...)
Este conectivo tem a função de introduzir o argumento que, embora não essencial à
composição do texto, ainda assim dele faz parte, sendo oportuno mencioná-lo. É a introdução
de um argumento, ao qual – aparentemente – só se faz referência de passagem, mas que, de
fato, tem o intuito de corroborar todo o ataque que se constrói para demonstrar a
improcedência do almejado pela Ré. A propósito è expressão que sempre traz informação ou
elemento que o enunciador dá a entender fazê-lo apenas porque o momento do discurso, como
do diálogo, fez propicio tal inserção.
r) § 23 – (...) o quanto bastaria (...) não se poderia (...), o confirmaria (...).
Os usos do futuro do pretérito denotam aqui certa estratégia discursiva. Conquanto
esse tempo verbal sempre sugira uma forma polida de falar e escrever, não podemos deixar de
ver que o mesmo sempre traz o comentário, a opinião do enunciador embutida. Koch diz, que
o futuro do pretérito é um tempo comentador, já que, por meio de uma metáfora temporal
(1996;41;186;205) emite um opinião. Embora sugira apenas possibilidade, de fato o
enunciador está fazendo afirmações.
Podemos, ainda, constatar a ocorrência da forma verbal perifrásica (modal) no uso da
expressão poderia negar (poder + infinitivo), com fim argumentativo também.
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s) § 23 – (...) o grande sofrimento psicológico (...), a desagradabilíssima situação
(...) aos frustados cuidados (...) a terrível sensação (...) inexistente câncer uterino (...) um
equivocado diagnóstico (...) seu precipitado envio à clinica (...)
A abundância de adjetivos aqui verificada tem o intuito de ressaltar o dano causado à
Autora e, paralelamente, a conduta ilícita, ainda que não intencional, da Ré. Adjetivo a
adjetivo, palavra a palavra, o enunciador vai golpeando com talhadeira da linguagem a
pretensão da Ré, fazendo ruir o falatório do seu recurso e dando corpo ao recurso da Autora.
É a busca da harmonia entre os recursos lingüísticos, em argumentação no texto
forense.
t) § 24 – Irrecusável, de resto, a concessão de indenização por dano moral puro.
Mais uma conclusiva. É fundamental, já que marca a decisão a que se chegou: a
indenização por dano moral puro... É o corolário do que foi apresentado nos parágrafos
anteriores do acórdão.
u) § 28 – Daí o improvimento do apelo da ré
Semelhantemente, temos outro conectivo que tem por fim fazer a junção entre o
arrazoado até esse ponto do texto apresentado e a decisão do tribunal, a essa altura, inevitável:
o improvimento do apelo da Ré vale dizer, a denegação do pedido no recurso pela parte que,
por todo o exposto, deveria mesmo assumir o ônus de sua conduta danosa ao direito alheio.
v) § 29 – Já o recurso da autora esta a merecer acolhimento
É o posto do caso anterior. Aqui vemos o advérbio já sendo aplicado como um
elemento de comparação. Se melhor não se reservou à Ré, o mesmo não se pode dizer da
Autora. É recurso argumentativo, também, na proporção que, do cotejo dos quadros de
referência da Autora e da Ré, resta evidente ser a decisão dos tribunos coerentes com o
raciocínio desenvolvido.
x) § 31 – Levando -se em conta os critérios usuais de estimação, em especial (...).
aumenta-se a indenização para 200 (duzentos) salários mínimos (...)
O enunciador enumera vários fatores nos quais baseará sua decisão, o que é o fecho
do acórdão.
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Não se trata de mero cumprimento da lei, tomada objetivamente. De outro modo, ao
ser relacionado o grau de culpa (grave) dos prepostos da Ré, a intensidade do sofrimento
espiritual por que deve ser passado a Autora (com exaustiva e inútil bateria de exames,
incluindo um que é tomado por humilhante, a sensação de portar um câncer uterino), aliados à
alta capacidade econômica da Ré, tudo isso encadeado convergiu na reforma da Sentença pelo
tribunal. Elevou-se a indenização da Autora a valor mais condizentes com seu padecimento.
É a argumentação do tipo causa/efeito que visa a deixar bem fundamentada a decisão
de majorar a quantia a ser paga pela parte sucumbente à sua ex adversa.
CONCLUSÃO
Ao fim deste trabalho, tendo em vista os objetivos propostos desde seu início,
podemos dizer que os recursos lingüísticos constituem-se em ferramentas indispensáveis ao
discurso jurídico, com excelência quando no âmbito da argumentação.
BIBLIOGRAFIA
GREIMAS, A. J. Semiótica e ciências sociais. São Paulo: Cultrix, 1981.
GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto – Série Princípios. São Paulo: Editora Ática,
1997.
KOCH, Ingedore. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1996.
ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. São Paulo: Editora da Unicamp, 1988.
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