POLÍTICAS ENERGÉTICAS: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O
PROÁLCOOL E PNPB
Josiane Maria Moura
Carlos Renato Theófhilo
Universidade Estadual de Montes Claros
Universidade Estadual de Montes Claros
[email protected]
[email protected]
GT: Economia Social e Desenvolvimento
1- Transição energética
As atuais crises energética, ambiental e financeira com o aumento relativamente
surpreendente, na sua velocidade e dimensão, do preço do petróleo, a mobilização política,
científica e social contra o aquecimento global, favorecem o reconhecimento mundial da
necessidade de se buscar o desenvolvimento de fontes de energia sustentáveis. Como afirma
Sachs (2007, p. 21) “A economia da energia fóssil assemelha-se à economia da droga: uma
abundância que arruína a saúde e conduz à morte [...]”.
Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre os pressupostos que sustentam esta
afirmação.
Percebe-se, no Brasil, o surgimento de políticas públicas de incentivo à produção de
biomassa, e paralelamente, o discurso de que o país dispõe de condições ótimas, em virtude
de sua posição geográfica, climática e tecnológica no que se refere à produção de energia a
partir de biocombustíveis. Assim, a capacidade de protagonizar positivamente a transição
energética, fazendo convergir inclusão social, mudança da matriz energética, redução da
emissão de carbono, redução das desigualdades regionais e promoção de crescimento
econômico é reclamada pelo Estado brasileiro que, por meio do Programa Nacional de
Produção e Uso do Biodiesel – PNPB pretende produzir energia renovável com base na
biomassa.
Já no plano internacional, promove-se o discurso de que “la agronergía o energía verde
es elogiada actualmente como uma solução de futuro”. (Houtart, 2009, p. 5), dada à
necessidade de reduzir o consumo de energia fóssil a fim de evitar mudanças deletérias e
irreversíveis causada pela emissão excessiva de gases produtores do efeito estufa.
Desse modo, a defesa de fontes enérgicas “limpas1” ganha fôlego em vários países.
Em função a dependência do sistema capitalista de energia em quantidade crescente, inclusive
pela incorporação ao mercado mundial de centenas de milhões de indivíduos em países
emergentes, especialmente a China, “la cuestión de la energia está em el centro de la
problemática especialmente em los países industrializados, tanto en relação a la producción,
como para la calefaccíon, la refrigeración y los transportes” (Houtart, 2009, p. 6).
Embora não se questione a legitimidade dos discursos acima se percebe que a política
nacional de substituição da matriz energética brasileira é fortemente influenciada por atores
globais.
Basta conpensar em la dependencia de los Estados Unidos con relación al
petróleo del Medio Oriente o de Venezuela. Em el primer caso, desembocó
en la guerra em Iraq y en Afganistán. En el segundo, lo que proponía el ex
presidente George W. Busch al presidente Lula, del Brasil, era associarlo al
etanol para soslayar al asunto, al ser ambos países, a comienzos del siglo
XXI, los mayores productores de la agroenergía (Houtart, 2009, p. 7).
Seguindo está mesma linha de raciocínio, Santos (2008, p. 244), descreve como os
interesses internacionais, agem sobre os locais. “os territórios nacionais se transformam num
espaço nacional da economia internacional [...] os Estados aparecem como servos das
corporações multinacionais”.
Nesse sentido, as duas políticas, aqui postas sob análise comparativa, refletem seus
respectivos contextos históricos, principalmente no que se refere ao modelo de
desenvolvimento próprio a cada uma, a saber: 1) o Programa Nacional de Álcool - Proálcool
de 1973, no nacional-desenvolvimentismo, (Arrighi, 1996); e 2) o Programa Nacional de
Produção e Uso de Biodiesel – PNPB, 2004, no desenvolvimento sustentável, (Sachs, 2004).
Espera-se, com a pesquisa, analisar, através da comparação, os contextos globais vigentes
nessas políticas e assim reforçar a premissa da influência internacional sobre as economias
nacionais/locais, em particular, sobre a políticas energéticas.
A principal contribuição desse trabalho encontra-se no tipo de abordagem proposta2,
ou seja, na comparação de políticas pública. Tem-se a intenção de aprender o que há de
inusitado na atual política energética, PNPB, e espera-se que os resultados alcançados por este
estudo, possam contribuir para um maior entendimento do fenômeno.
1
Limpa refere-se à condição da energia de não agredir o ambiente, como por exemplo, a energia solar, eólica,
hidráulica e biomassa moderna
2
Há vários estudos sobre Proálcool destaca-se as dissertações de Ruiz, 2006; Michellon, Santos, Rodrigues,
2008. Assim, como sobre os PNPB (Garcia, 2007), no entanto, não é de conhecimento estudo comparativo entre
os dois programas.
Assim, a comparação de ambas as políticas, nos pontos em que se aproximam e em
que se afastam, é o ponto norteador do presente estudo. Para que tal intento se efetive,
contudo, faz-se necessário alguma explanação quanto ao método comparativo na sociologia.
2- O método comparativo na sociologia
A metodologia comparativa possui conseqüências epistemológicas sobre o processo de
construção do conhecimento. Seu uso, enquanto perspectiva de análise do social reflete
diferentes posições a cerca das relações existentes entre as teorias gerais e as explicações
locais, os quadros conceituais e as técnicas de pesquisa, a formulação de hipóteses e suas
validações (Schneider e Schmitt, 1998).
Nesse sentido, pode-se afirmar que o método comparativo tem sido empregado
largamente no campo da sociologia. Principalmente, como instrumento de generalização,
explicação, comprovação e formulação de hipóteses. Assim, ainda que de maneira
diferenciada, o método comparativo foi utilizado pelos clássicos da sociologia como recurso
teórico metodológico, designadamente: Comte (1798-1857), Durkheim (1858-1917) e Weber
(1864-1920). Nesse sentido, apresenta-se aqui, de forma resumida, o objeto de estudo e a
metodologia utilizada por cada um deles em seus estudos, com o objetivo de elucidar o uso e
a importância do método comparativo.
2.1- O método comparativo em Comte
De acordo com o precursor da sociologia, Comte, a física social nasce da necessidade
de produzir uma “marcha progressiva do espírito humano”. De compreender a crise moral, o
profundo sentimento de anarquia e desordem, frente aos acontecimentos políticos,
econômicos e sociais da nascente industrialização. Nesse sentido, a física social não tem a
pretensão de ser crítica, nem retrógrada, mas orgânica, de impelir a sociedade ao progresso e à
ordem (Comte, 1973, p. 9).
A física social enfrentou três grandes problemas metodológicos, (Schneider e Schmitt,
1998), a saber: a) como realizar experimentos com os fenômenos sociais; b) como determinar
o estatuto teórico; e por último, c) como adequar o método dos fenômenos naturais à física
social.
Comte tenta solucionar tais questões reconhecendo que a obtenção de noções
absolutas pela descrição empírica dos fenômenos sociais é inviável, defende que os mesmos
devem ser observados segundo o método dedutivo e a filiação histórica.
no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de
obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do
universo, a conhecer as causas dos fenômenos, para preocupar-se
unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da
observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão
e de similitude (Comte, 1973, p. 10).
Assim, o método proposto por Comte não pretende analisar as causas dos fenômenos
sociais, mas avaliar com exatidão as circunstância de produção dos mesmos e vinculá-los,
mediante relações invariáveis de sucessão e de similitude.
Notoriamente, o método comparativo consiste em confrontar todo e qualquer
fenômeno a leis universais invariáveis. E a partir dos postulados universais, retirar leis gerais,
estando a prever os resultados de fenômenos semelhantes ou de natureza análoga que
aconteceram em espaços e tempos anteriores (Schneider e Schmitt, 998).
Comte acreditava que as leis gerais dos fenômenos sociais podiam ser descobertas
pelo uso da comparação encadeada de forma racional e organizada. Assim, argumenta que a
comparação deve ocorrer em diferentes níveis.
o primeiro procedimento envolveria o contraste entre as partes constitutivas
de uma sociedade e a identificação de diferenças simples [...] O segundo
passo refere-se à comparação entre sociedades humana em diferentes
épocas, como, por exemplo, entre modernos e primitivos. Em terceiro, a
exemplo da Biologia, a Sociologia deveria construir classificações
envolvendo diferentes raças, gêneros, etnias e famílias, para melhor
comparar [...] e, finalmente, a comparação histórica dos diversos estados
consecutivos da humanidade, através do método da filiação gradual onde se
comparam todos os organismos da hierarquia. (Schneider e Schmitt, 1998,
p. 9).
A principal crítica ao método comtiano é que as comparações servem para classificar
as sociedades segundo grau de desenvolvimento, segundo um evolucionismo esquemático e
simplificador. E a rotular o diferente como inferior e incivilizado.
Em síntese, o método positivo proposto por Comte utiliza-se dos paradigmas do
método das ciências naturais: observação dos fenômenos, descrição das regularidades e
estabelecimento de leis gerais, para desenvolver leis úteis para o desenvolvimento social.
2.2- O método comparativo de Durkheim
O método comparativo tem centralidade nos estudos de Durkheim. Segundo ele, “a
sociologia comparada não é um ramo particular da sociologia; é a própria sociologia, na
medida em que deixa de ser puramente descritiva e ambiciona explicar os fatos sociais”
(Durkheim, 1973, p. 458). Isso se explica pelo fato de ser pela análise comparativa que se
apresentam as soluções para alguns dos problemas fundamentais das ciências sociais, em
especial, o conflito entre a complexidade e a generalidade da pesquisa social, (Schneider e
Schmitt, 1998:9).
O método comparativo foi eleito, por esse autor, o método da sociologia em função da
impossibilidade, inviabilidade de se realizar experimentos em laboratório com os fatos
sociais.
a sociologia só se pode servir de um único processo experimental, que ela
esteja numa situação de sensível inferioridade em relação às outras ciências.
Com efeito, este inconveniente é compensado pela riqueza das variações
que se oferecem espontaneamente às comparações do sociólogo e das quais
não se encontra nenhum exemplo nos outros reinos da natureza (Durkheim,
1973, p. 456)
Durkheim acredita que a sociologia tem o papel de garantir a ordem na sociedade
através do estabelecimento de uma ordem científica. Assim, o seu objeto de estudo são os
fatos sociais, “que devem ser tratados como coisas”, que têm como principais características:
a exterioridade ao indivíduo, a coercitividade, o alheamento à vontade individual e a
generalidade. (Durkheim, 1973, p. 396).
Para Durkheim os fatos sociais devem ser compreendidos a partir de suas causas e não
de suas conseqüências. Essa afirmação implica que o que interessa saber é o que causa
determinado fato social, e não as conseqüências para entender as causas. “É natural que se
procure a causa de um fenômeno antes de tentar determinar os seus efeitos”. (Durkheim,
1973, p. 437).
Nesse sentido, é pela comparação entre fatos sociais que se determina o que é
fundamental, estando a estabelecer a causa principal a partir da qual derivam efeitos e
conseqüências diversas e que, portanto, merece ser investigada. No entanto, Durkheim
esclarece que não existe o modo único se de proceder na realização das comparações, é o tipo
de objeto que irá definir a estratégia comparativa.
diferentes maneiras de compor estas séries. Casos em que os termos podem
ser extraídos de uma única sociedade. Casos em que é necessário extraí-los
de sociedades diferentes, mas da mesma espécie. Casos em que é preciso
comparar espécies diferentes. Por que é este o caso mais geral. A sociologia
comparada é a sociologia propriamente dita. Precauções a tomar para evitar
certos erros no decurso destas comparações (Durkheim, 1973, p. 453).
Durkheim (1973, p. 459) chama a atenção para possibilidade de erros ao realizar as
análises comparativas de se “falsificar os resultados”. Situação que ocorre quando os
sociólogos utilizam o método comparativo para comparar simplesmente a trajetória final de
uma sociedade com aquilo que se produz no seu início. Desconsiderando o intermédio, seu
desenvolvimento linear. Assim, pode-se incorrer no erro de considerar “regular e necessário
do progresso aquilo que é, efetivamente, o efeito de outra causa”.
Em suma, Durkheim emprega distintos instrumentos analíticos, como estudo de
causas, tipos sociais e espécies sociais na operacionalização de uma estratégia de comparação
sistemática.
2.3- O método comparativo de Weber
O método comparativo tem papel secundário, ainda que construtivo, nas analises de
Weber. Não tem importância como elemento de abstração, mas como elemento racional de
controle (Schneider e Schmitt, 1998).
A sociologia é para (Weber, 2001, p. 400) a ciência que pretende entender pela
interpretação a ação social para desta maneira explicá-la causalmente no seu desenvolvimento
e nos seus efeitos, observando suas regularidades que se expressam na forma de usos,
costumes ou situações de interesse.
Ação social pode ser definida como as condutas humanas, ou seja, as ações, omissões,
permissões das pessoas; as atitudes humanas dotadas de significado subjetivo dado por quem
as executam (Weber, 2001). Quando direcionadas por costumes, afetos e paixões tendem a ser
imprevisíveis. Por outro lado, pode-se supor que, quanto mais planejadas e racionais, as ações
sociais, mais elas se tornam previsíveis e de fácil compreensão.
O objeto da sociologia é, na perspectiva weberiana, a ação social. Para compreender a
ação social, Weber (2001) constrói um modelo de desenvolvimento da conduta racional, “tipo
puro ou ideal”. “Em termos de metodologia, temos que fazer muitas vezes uma escolha entre
termos obscuros ou termos claros, sendo que estes últimos são termos irreais e “ideal-típicos”.
Nessa situação, temos que dar a preferência em nome do procedimento científico” (Weber,
2001, p. 415).
As ações sociais são classificadas em quatro tipos, designadamente: “a ação racional
com relação a fins; a ação racional com relação a valores; a ação tradicional e a ação afetiva”
(Weber, 2001, p. 417).
A utilização do método comparativo ocorre nesse momento, onde o sociólogo irá
estabelecer analogias e diferenças entre o tipo ideal e a ação social concreta, praticada.
a) pensada realmente na ação particular (na consideração histórica); b)
pensada como sendo uma média e de modo aproximativo (na consideração
sociológica de massa); c) construída cientificamente (pelo procedimento
“típico-ideal”) para a elaboração do tipo ideal de um fenômeno freqüente.
Tais construções típico-ideais são, por exemplo, os conceitos e as leis da
teoria econômica pura. Elas explicam como se desenvolveria uma forma
especial do comportamento humano se fosse orientado com todo o rigor
tendo em mente o fim, sem a presença de perturbações alguma por parte de
erros e afetos, e se fosse unicamente orientada e de modo unívoco num fim
(o econômico) (Weber, 2001, p. 404).
3. Operacionalização do método comparativo na pesquisa
Segundo Marc Bloch apud Schneider e Schmitt (1998) o método comparativo nas
ciências sociais consiste em buscar explicar a realidade através das semelhanças e das
diferenças existentes no meio social. Nesse sentido, a comparação poderá ser estabelecida
entre sociedades sincrônicas ou assincrônicas. Defende a existência de dois momentos
distintos no uso do método: momento analógico, relacionado à identificação das similitudes
entre os fenômenos, e um segundo momento, o contrativo, no qual se trabalha as diferenças
entre os fenômenos analisados. Sendo que o momento analógico antecede a análise dos
contrastes
Franco (2004) apresenta um interessante estudo comparativo intitulado “Quando nós
somos o outro: Questões teórico-metodológicas sobre os estudos comparados” onde
metodologicamente inicia a comparação pela diferenças.
Já, a presente pesquisa, contextualizará os programas e seus regulamentos e
imediatamente procurará identificar as singularidades e diferenças entre ambos. Procura-se
explorar a capacidade comparativa para fazer surgir novas questões, pois, acredita-se que,
somente serão colocadas quando confrontadas caso a caso, uma vez que, desnaturalizará o
fenômeno.
O ponto-chave eleito enquanto variáveis de controle para tornar possível e legítima a
comparação proposta é: 1- Proálcool, 2- PNPB. Assim posto, parte-se para o exercício da
comparação.
4- Aplicação do método comparativo as políticas energéticas
4.1- Proálcool
O mercado do petróleo na década de 70 enfrentou forte crise de oferta, tendo, como
conseqüência a elevação do preço do barril a patamares altíssimos, praticamente
quadruplicando em apenas três meses. Vários países, neste contexto, passam a fazer uso de
medidas emergenciais para diminuir a dependência dessa matriz energética, destaca-se a
redução no consumo de petróleo e, paralelamente, estudos de fontes energéticas alternativas.
Em 1975, o Brasil lança o “Programa Nacional de Álcool”- Proálcool, através do
decreto n° 76.593 e, mais adiante, cria o Conselho Nacional do Álcool (CNAL) e a Comissão
Executiva Nacional do Álcool (CENAL) que visa de amenizar os efeitos da crise na economia
brasileira e diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, que naquele período
correspondiam a 80% da demanda nacional.
Michellon, Santos e Rodrigues (2008) descrevem os objetivos do Proálcool: 1)
diminuir a dependência externa de combustível; 2) economizar divisas; 3) interiorizar o
desenvolvimento; 3) evoluir a tecnologia nacional; 4) proporcionar o crescimento nacional da
produção de bens de capital, e 5) gerar emprego e renda.
É salutar analisar criticamente esses objetivos, uma vez que refletem as bases do
ideário nacional-desenvolvimentista deste período. Nesse sentido, Arrighi (1996, p. 334),
presta uma importante contribuição:
Combinada com a explosão de salários anterior, a exploração dos preços de
petróleo forçou as empresas do Primeiro Mundo a competirem, com
intensidade ainda maior do que já vinham fazendo, pela oferta de mão-deobra e energia do Terceiro Mundo, bem como pelo poder aquisitivo que ia
escoando gota a gota para alguns países do Terceiro Mundo, sob a forma de
preços reais mais elevados do petróleo cru e de outras matérias-primas
Infere-se que o processo de desenvolvimento brasileiro decorre da mudança na
configuração espacial dos processos de acumulação do capital. Ou seja, houve um
deslocamento de capital dos países e regiões de alta renda para os de baixa renda. Esse fluxo
financeiro possibilita ao governo brasileiro subsidiar e financiar o Programa Brasileiro de
Álcool. Conforme descreve Ruiz (2006, p. 2):
incentivo a produção de álcool de qualquer insumo, através do aumento da
oferta de matérias-primas, visando o aumento da produção agrícola, bem
como a ampliação, modernização e instalação de novas unidades produtoras
e armazenadoras [...] O governo investiu no programa 7 bilhões de dólares
em subsídios, pesquisas entre outros. A Petrobrás ficou com a
responsabilidade de compra de toda a produção, transporte, armazenamento,
distribuição e a mistura do álcool a gasolina.
Em 1978, a produção de álcool destaca-se no cenário mundial, o Brasil começa a exportar
álcool para os Estados Unidos e Japão. Concomitantemente, a Petrobrás aumenta a sua produção
de Petróleo. Esses são sinais de uma autonomia que o país estava a adquirir frente à importação de
Petróleo. Outros importantes fatos ocorreram, em 1979, conforme descreve Michellon, Santos,
Rodrigues (2008, p. 5):
1) tornou o uso de carro a álcool prioritário na sua frota; 2) fixou em 20% a
mistura de álcool a gasolina; 3) ampliou a revenda de álcool hidratado com
preço estipulado em no máximo de 65% do preço da gasolina; 4) redução de
alíquotas de Imposto sobre Produto Industrializado – IPI e Taxa Rodoviária
Única (atual IPVA) para veículos movidos a álcool; 5) isenção de IPI para
táxis a álcool; e 6) melhora nos preços dos produtos, com redução na
paridade de 60 kg de açúcar por 44 litros de álcool, para 60 kg de açúcar por
38 litros de álcool, tornando mais compensador a produção de álcool
Já em 1985, o governo comemora o balanço do Proálcool. Conforme Ruiz (2006), “mais
de 1 milhão de empregos diretos e indiretos e com uma safra de onze bilhões de litros. Os
benefícios não param por aí, tanto os carros movido a álcool hidratado como os com a mistura
gasolina com álcool anidro, presenteiam o meio ambiente com menos poluição”. Neste
período, a produção anual de carros a álcool estava em 63% da produção total de carros no
país.
A crise do Proálcool ocorre no final de 1986, quando o preço do petróleo estabiliza e o
preço do açúcar sofre alta no mercado internacional. Paralelamente a isso, o subsídio estatal
ao Programa declina. Arrighi (1996, p. 335) faz um interessante comentário desse momento:
o endurecimento das políticas monetárias norte-americanas reduziu
drasticamente a demanda de suprimentos oriundos do Terceiro Mundo.
Como resultado, entre 1980 e 1988, os preços reais das exportações de
produtos do Sul declinaram uns 40%, e os preços do petróleo, cerca de
50%... Os pagamentos latino-americanos de juros da dívida, por exemplo,
subiram de menos de 1/3 de falência de facto, daí decorrente, selou a
inversão da sorte dos países do Terceiro Mundo nos mercados financeiros
mundiais
4.2- PNPB
Assim como o Proálcool, o PNPB tem sua origem em um contexto de crise mundial,
onde o preço do barril de petróleo atingiu a US$ 90. No entanto, há uma nova crise, a
ambiental, cujas principais conseqüências são: aquecimento global, efeito estufa, elevação da
temperatura da terra em função do alto nível de liberação de dióxido de carbono (CO2), entre
outros gases.
Nesse sentido, percebe-se um consenso dos líderes mundiais sobre a gravidade,
amplitude e urgência da questão, assim é iniciado movimento no sentido de diminuir a
emissão de gases na atmosfera e buscar alternativa renováveis menos poluidora que o
petróleo. A conferência de Copenhague (COP -15) é um importante sinalizador da
mobilização mundial. A 15ª Conferência das partes aconteceu em dezembro de 2009, em
Copenhagem, Dinamarca. O encontro é considerado o mais importante da história recente dos
acordos multilaterais ambientais, pois tem por objetivo estabelecer o tratado que substituirá o
protocolo de Quioto, vigente de 2008 a 2012 (Portal ODM, 2009).
O Brasil, neste contexto, destaca-se emergindo para o centro das discussões em virtude
de suas características geográficas – sol, território agricultável, florestas tropicais, água -,
capacidade industrial, mercado interno e tecnologia, especialmente no que se refere à
produção de energia a partir de fontes renováveis. Nesse sentido, a questão é produzir energia,
sem degradar o meio ambiente e gerar desenvolvimento. Sachs (2004) explica como isso é
possível:
O conceito de desenvolvimento sustentável acrescenta outra dimensão – a
sustentabilidade ambiental – à dimensão ambiental - à dimensão da
sustentabilidade social. Ela é baseada no duplo imperativo ético de
solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica
com as gerações futuras [...] impele ainda a buscar soluções triplamente
vencedoras, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de
elevadas externalidades negativas tanto sociais quanto ambientais
É, pois, em 2004, que o Brasil lança “Programa Nacional de Produção e Uso de
Biodiesel” (PNPB), através da lei 11.097/2005, a qual definiu objetivos, linhas de
financiamento, tecnologia, arranjo institucional do biodiesel e ainda define biodiesel como:
“combustível derivado de biomassa renovável para o uso em motores a combustão interna
com ignição por compressão ou, conforme regulamento para outro tipo de geração de energia,
que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil” ( Brasil, 2005).
A lei cria a obrigatoriedade da mistura de 2% de biodiesel ao óleo diesel
comercializado (B2) em qualquer parte do território nacional, a partir de 2008 (porcentagem
prevista para ser estendida para 5% em 2013. Recentemente, este percentual foi antecipado
para janeiro de 2010).
Comparando os dois instrumentos legais, o decreto n° 76.593 e a lei 11.097/2005,
percebe-se que em ambos há similaridade: a pretensão de substituir a matriz energética do
petróleo. Para isso os legisladores criaram instrumentos de coerção e de incentivo à produção e ao
consumo dos bicombustíveis.
A principal divergência entre o Proálcol e o Biodiesel diz respeito à forte conotação social
do segundo, pois apesar do primeiro mencionar a geração de emprego e renda, observa-se que os
subsídios e financiamento públicos ficavam restritos aos empresários, usineiros e latifundiários
que em geral praticam a monocultura. E, no outro extremo, prevalecem as relações precárias de
trabalho. Já no biodiesel o governo continua subsidiando o programa, no entanto, a legislação
contempla o Selo “Combustível Social” que é o conjunto de medidas específicas que visa
estimular a inclusão social da agricultura familiar, na cadeia produtiva do biodiesel:
Promover a inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF,
por meio de um mínimo a ser adquirido do segmento e de contratos que
especifiquem as condições comerciais que garantam renda e prazos
compatíveis com a atividade, conforme requisitos a serem estabelecidos
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, e assegurar assistência e
capacitação técnica aos agricultores familiares (BRASIL, 2005).
O selo Combustível Social é concedido aos produtores de biodiesel que cumprem com
as condições mencionadas acima. Nesse sentido, o objetivo principal do selo é promover a
inclusão social através de geração de emprego e renda, especialmente no campo, para a
agricultura familiar, na produção de matérias-primas oleaginosas, reduzido assim as
disparidades regionais, estando a possibilitar o desenvolvimento das regiões mais carentes do
país como o norte, o nordeste e o semi-árido brasileiro. Busca-se, então, padrões sustentáveis
de desenvolvimento que, segundo, Sachs (2004), deve ser promovido através do equilíbrio e
sintonia entre cinco diferentes dimensões: social, ambiental, territorial, econômico e político.
5. À guisa de conclusão
A questão principal que foi colocada ao iniciar este trabalho foi: como fazer um estudo
comparativo empírico, por meio de uma vasta leitura, inclusive fazendo uso da análise
comparativa, de como os clássicos procederam em suas abordagens teóricas metodológicas.
Franco (2004) e Durkhein (1973) dão significativa contribuição ao afirmarem que não existe
um modo único de proceder com as comparações, que a escolha dependerá do objeto e do
interesse do pesquisador:
Não existe apenas uma, mas diversas lógicas de construção do objeto científico.
Cada objeto de estudo requer uma lógica própria, capaz de levar à compreensão da
dinâmica interna do fenômeno, de sua especificidade, de suas relações econômicas,
sociais, políticas, culturais. A escolha de uma lógica de construção do objeto
depende também de uma visão de mundo e de sociedade. Assim, todas as pesquisas
são “interessadas” do ponto de vista das praticas e das estratégias políticas a que
serve (Francos, 2004, p. 218).
Portanto, tomar os dois momentos históricos em uma análise comparativa propicia
generalização, embora esta deva ser feita sempre com prudência na sociologia, já que não se
trata apenas de um momento em que o Estado adéqua suas ações institucionais ao
desenvolvimento pretendido ou buscado. Dessa forma, é caminho para estudos futuros, pois a
presente comparação priorizou a análise de políticas nacionais/locais.
Quanto ao método comparativo, verificou-se que a compressão das políticas brasileira
de desenvolvimento só pode ser realizada através da comparação global, da compreensão da
globalização, pois, como afirma Franco (2000), “a América Latina aparece articulada ao
desenvolvimento do capitalismo internacional e é parte do processo de acumulação do
capitalista mundial. É o desenvolvimento dessa dinâmica que permite compreender o presente
e os problemas postos pela globalização, econômica, financeira e cultural”.
Nesse sentido, na transição energética, os lugares (SANTOS, 2002) do sistema-mundo
(re)definem sua funcionalidade no interior de uma Divisão Internacional de Trabalho,
impondo e possibilitando novas geopolíticas, novos papéis e relações sociais. Na lógica
predominante da manutenção do modelo de produção e consumo baseado em valores de troca,
onde os países do “Norte” exportam “entropias” (ALTVATER, 1995), custos socioambientais
(externalidades), para países periféricos, do “Sul”, como um tipo de imperialismo ambiental.
Quanto à comparação propriamente dita, é possível aferir que ambas as políticas têm
algumas similaridades: contexto de surgimento – crise, marco regulatório forte - legislação,
participação ativa do estado – subsídio no financiamento, amplo respaldo em pesquisa e
tecnologia. Quanto a aspectos divergentes: “preocupação” com a questão social e ambiental.
No entanto, isso vem reforçar a afirmação de que as políticas brasileiras refletem os contextos
globais.
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um estudo comparativo entre o pro-alcool e pnpb