Aposentadoria de cigarra
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24/03/2015 - 05:00
Aposentadoria de cigarra
Por Sérgio Tauhata
No universo das fábulas, uma das mais conhecidas mostra, em seu desfecho, a previdente formiga no conforto de sua casa,
vivendo da comida poupada durante os tempos de bonança, enquanto a pródiga cigarra, que gastou tudo sem pensar no
futuro, fica entregue à própria sorte em pleno inverno. No mundo real, entretanto, essa história pode ter outros finais. As
cigarras nacionais são um exemplo. Um estudo divulgado em março pelo professor de finanças do Insper, Ricardo Brito,
em conjunto com o economista Paulo Minari, baseado na dissertação de mestrado de Minari, mostra que 95% dos
brasileiros assalariados que contribuem para o INSS conseguiriam manter o padrão de consumo ao se aposentar, mesmo
sem qualquer esforço de poupança.
Mas a surpreendente conclusão, no entanto, está longe de ser uma boa notícia. Embora a maior parte dos trabalhadores
mesmo gastando tudo o que recebe ao longo da vida teria condições de manter o nível de consumo na aposentadoria, isso
significa, na prática, que o brasileiro, em geral, ganha pouco. "Infelizmente essas informações retratam como o poder
aquisitivo médio no país é baixo", afirma Evandro Oliveira, líder de previdência da Towers Watson no Brasil.
Os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), referentes a 2010, corroboram esse cenário. Segundo a instituição,
94,74% dos brasileiros ocupados ganham até cinco salários mínimos. Esse
patamar, em valores atuais, alcança R$ 3.940, ou seja, está abaixo do teto de
benefício do INSS, de R$ 4.663, que representa seis salários mínimos.
A concentração de renda em patamares muito baixos chega a quase três
quartos: 73% da população ocupada ganha até três salários mínimos. No
universo das famílias, de acordo com o IBGE, dados atualizados em 2012
mostram que 91,2% das residências têm renda familiar per capita de até cinco salários mínimos.
O "milagre" da aposentadoria sem poupança, porém, parte da premissa, conforme o estudo do Insper, de que os indivíduos
tenham contribuído para o INSS durante os prazos mínimos para a aposentadoria por tempo de serviço, de 35 anos para
homens e de 30 anos no caso das mulheres, e se aposentem aos 65 anos e 60 anos, respectivamente, que são as faixas para
o requerimento do benefício por idade. Dentro do sistema previdenciário oficial brasileiro, a combinação dessas duas
variáveis asseguraria uma taxa de reposição, ou seja, percentual do benefício do INSS em relação ao rendimento bruto,
próxima ou até acima de 100%.
Os próprios autores reconhecem, entretanto, que essas condições ideais para o trabalhador se retirar estão longe da maior
parte das situações reais. Isso porque o valor recebido depende do chamado fator previdenciário, que considera os valores
e o tempo de contribuição, assim como a expectativa de vida após a aposentadoria do segurado. Com isso, quem requerer o
benefício com menos de 35 anos de recolhimento ou idade menor que os 65 anos, no caso dos homens, e de 60 anos para
as mulheres terá uma taxa de reposição pior.
A combinação de tempo de serviço e idade, reforça o artigo de Brito e Minari, pode elevar a taxa de reposição para até
mesmo acima de 1, como é o caso de um trabalhador com 65 anos e 43 de contribuição, que teria em 2013 um fator de
1,353. Isso significa que, se seu salário na ativa for menor que o teto do INSS, o indivíduo receberia mais como aposentado
do que antes de parar de trabalhar. Além disso, ponderam os autores, acima de 65 anos, quem não é isento de Imposto de
Renda usufrui um desconto na base da renda tributável, que pode fazer baixar a alíquota incidente.
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A pesquisa do Insper simulou as relações entre renda e poder de consumo de vários arranjos familiares e para quatro
faixas de rendas mensais: de R$ 2.983, que corresponde à renda domiciliar média do país; R$ 13.560, valor para uma
família de classe média; R$ 25.000, que corresponde a 20 salários mínimos; e R$ 40.000, patamar no qual está inserido
menos de 1% da população.
Conforme o estudo, o atual teto de benefício do INSS abrange o vencimento integral de quase 90% da população
assalariada brasileira. Desse modo, se o trabalhador dentro desse grupo observar as exigências de tempo de contribuição e
idade poderia conseguir cobertura total.
Além disso, os trabalhadores com carteira assinada ainda contam com um reforço financeiro extra na hora de sair do
mercado de trabalho: o FGTS. "Para famílias com renda inferior a 20 salários mínimos, considerando que tenham
contribuído por mais de 35 anos para o INSS, o saldo do FGTS e o benefício mensal seriam suficientes para manutenção do
consumo", conclui a pesquisa.
Conforme Brito, autor do estudo, o FGTS funciona como uma poupança forçada, que se acumula ao longo da vida
profissional. "No caso do FGTS, sem nenhum esforço todos nós estamos poupando 8% ao ano. O americano, por outro
lado, só percebe que tem de poupar quando já é tarde. Esse é um aspecto curioso e talvez positivo do sistema brasileiro",
afirma o pesquisador.
Dados do IBGE indicam que 95% dos brasileiros ocupados ganham menos que o teto de benefício
proporcionado pelo INSS
As simulações ainda levam em conta as mudanças na composição das famílias ao longo das décadas e o impacto dessas
alterações na renda per capita. No caso de uma configuração domiciliar típica, de um casal com dois filhos em que os dois
cônjuges trabalham, por exemplo, de acordo com a pesquisa, poderia ocorrer um aumento do valor por cabeça no período
próximo da aposentadoria dos pais, uma vez que os filhos tendem a ter seus próprios salários e a se emancipar
financeiramente. "Com isso, na verdade, se o casal mantém o valor dos rendimentos ao se aposentar, vai conseguir quase
dobrar seu poder de consumo em um primeiro momento ao deixar de bancar o custo dos dependentes", explica.
Dentro dessa mesma premissa, um casal sem filhos ou uma pessoa solteira, em tese, não teria alteração na renda per capita
até a aposentadoria. As simulações mostram ainda que quanto maior a renda maior a necessidade de poupança para
manter o poder de consumo na aposentadoria. As famílias com renda acima do teto do INSS têm de poupar sob o risco de
ver uma forte queda em seu padrão de vida. "Naturalmente vou ter uma perda de poder aquisitivo se ganho acima do teto
da previdência oficial e não acumulei nenhuma reserva", afirma Mauro Machado, consultor da Mercer.
"O público-alvo que tem necessidade de buscar uma complementação para a aposentadoria é aquele chamado de classe
média alta, com remuneração por volta dos R$ 10 mil [per capita]", pondera Oliveira, da Towers Watson. O estudo do
Insper mostra que, na situação de um casal sem filhos (ver tabela), em que os dois trabalham e têm juntos renda mensal
de R$ 25 mil, o patrimônio acumulado teria de ser, no mínimo, 2,1 vezes a renda bruta anual para que não houvesse um
recuo no nível de consumo.
Nos cálculos de Brito e Minari, no topo da exigência de poupança estariam os solteiros com renda acima de R$ 40 mil por
mês. Esses indivíduos teriam de acumular um patrimônio de mais de cinco vezes sua renda bruta anual até o momento da
aposentadoria.
Embora as conclusões das simulações sejam surpreendentes, algumas premissas adotadas pela pesquisa são contestadas
por outros especialistas. Na visão de Marcus Marinho, gerente de produtos da Mongeral Aegon, mesmo coberta pelo INSS
a baixa renda deveria ter plano de poupança porque muitas demandas, como às ligadas à saúde, mudam com a idade.
"Pode ser cômodo se meu salário está dentro do teto do INSS, mas as pessoas desconsideram que vão enfrentar novos
problemas ao envelhecer. Por exemplo, como o sistema de saúde pública é deficiente o aposentado deveria estar preparado
para um aumento de custos nessa área", afirma Marinho. Na avaliação de Machado, da Mercer, independentemente da
faixa de renda, é preciso se planejar para ter qualidade de vida na terceira idade. "Um plano de assistência médica é o
grande gerador de despesas no futuro para o indivíduo. A sua poupança e seu planejamento para a aposentadoria vão
salvar sua vida no futuro", argumenta o consultor.
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Outra premissa do estudo questionada pelos especialistas refere-se à emancipação de dependentes. Conforme Marinho, da
Mongeral Aegon, uma situação cada vez mais frequente nos arranjos familiares é a de os aposentados continuarem a
sustentar filhos e, eventualmente, os netos. De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio do IBGE
(PNAD), de 2011, 63% dos brasileiros acima de 60 anos são chefes de família. O percentual alcançava 60% há 20 anos,
segundo o censo de 1991.
Conforme o professor Ricardo Brito, um ponto-chave das simulações foi identificar o baixo incentivo à poupança no Brasil.
"Ao garantir taxas de reposição altas [para a baixa renda], o INSS impede que a perspectiva de rendimentos decrescentes
com a idade opere como incentivo para a poupança durante a fase ativa. Também observamos que, apesar do fator
previdenciário, faltam incentivos para que os trabalhadores adiem suas aposentadorias após os 65 anos de idade, bem
como os mais pobres têm incentivos para se aposentar mais cedo, por tempo de contribuição", conclui o estudo. Para Brito,
a pequena taxa de poupança do país é resultado desse cenário de concentração na baixa renda. Assim, o incentivo à
acumulação de reservas só ocorreria com um aumento da renda.
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