UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Faculdade de Veterinária
Departamento de Patologia Clínica Veterinária
Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121)
http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica
Relatório de Caso Clínico
IDENTIFICAÇÃO
Caso: 2010/2/12 Procedência: HCV-UFRGS
Espécie: canina
Raça: SRD
Idade: 2 anos
Alunos(as): Débora Zaro, Elisa Rocha, Juliane Paz
Residentes/Plantonistas:
Médico(a) Veterinário(a) responsável: Ana Cristina Araujo
No da ficha original: 63764
Sexo: fêmea
Peso: 8 kg
Ano/semestre: 2010/2
ANAMNESE
No dia 25 de outubro de 2010, foi encontrada uma cadela de porte médio abandonada na Faculdade de
Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O animal não tinha histórico.
EXAME CLÍNICO
A cadela estava ativa, magra, com temperatura retal de 38,5º C (38 – 39º C), coração e pulmões dentro das
normalidades, frequência cardíaca de 125 bpm (90 – 140 bpm), frequência respiratória de 22 rpm (10 – 30
rpm). O animal apresentava sinais de escabiose (alopecias e eritema nos cotovelos, orelhas e pernas). Na
vulva, apresentava um aumento de volume irregular semelhante a Tumor Venéreo Transmissível (TVT),
miíase e sangramento.
EXAMES COMPLEMENTARES
- Suabe da vulva para exame citológico confirmando a suspeita de TVT (Fig. 1).
- Raspado de pele para exame parasitológico. O exame não confirmou a suspeita clínica de escabiose.
- Ecografia abdominal onde não se observou a presença de piometra.
URINÁLISE
Método de coleta: cateterização Obs.: Presença de gotículas de gordura no sedimento
Exame físico
cor
consistência
odor
aspecto
densidade específica (1,015-1,045)
amarelo
fluida
n.d.
turvo
1,022
esverdeado
Exame químico
pH (5,5-7,5)
corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue
nitritos
7,5
Sedimento urinário (no médio de elementos por campo de 400 x)
Células epiteliais: 3 Tipo: escamosas
Hemácias: < 5
Cilindros:
Tipo:
Leucócitos: 0
Outros:
Tipo:
Bacteriúria: ausente
n.d.: não determinado
BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA
Tipo de amostra: plasma
Proteínas totais: 60,0 g/L (54-71)
Albumina:
g/L (26-33)
Globulinas:
g/L (27-44)
BT:
mg/dL (0,1-0,5)
BL:
mg/dL (0,01-0,49)
BC:
mg/dL (0,06-0,12)
Anticoagulante: EDTA
Glicose:
mg/dL (65-118)
Colesterol total:
mg/dL (135-270)
Uréia:
mg/dL (21-60)
Creatinina: 0,4 mg/dL (0,5-1,5)
Cálcio:
mg/dL (9,0-11,3)
Fósforo:
mg/dL (2,6-6,2)
BT: bilirrubina total
Hemólise da amostra: ausente
ALP:
U/L (0-156)
ALT: 15 U/L (0-102)
CPK:
U/L (0-125)
:
(
)
:
(
)
:
(
)
BL: bilirrubina livre (indireta)
BC: bilirrubina conjugada (direta)
Caso clínico 2010/2/12
HEMOGRAMA
Leucócitos
Quantidade: 19.100/L (6.000-17.000)
Tipo
Quantidade/L
Mielócitos
0 (0)
Metamielócitos
0 (0)
Bastonados
0 (0-300)
Segmentados
14.707 (3.000-11.500)
Basófilos
191 (0)
Eosinófilos
1.337 (100-1.250)
Monócitos
1.719 (150-1.350)
Linfócitos
1.146 (1.000-4.800)
(0)
Plasmócitos
Morfologia:
Obs: presença de monócitos ativados
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%
0 (0)
0 (0)
0 (0-3)
77 (60-77)
1 (0)
7 (2-10)
9 (3-10)
6 (12-30)
(0)
Eritrócitos
Quantidade: 6,14 milhões/L (5,5-8,5)
Hematócrito: 35,0 % (37-55)
Hemoglobina: 10,5 g/dL (12-18)
VCM (Vol. Corpuscular Médio): 57 fL (60-77)
CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 30,0 % (32-36)
Morfologia: Hipocromasia (2+), policromasia
(1+), anisocitose (1+)
Plaquetas
Quantidade: 487.000/L
Observações:
(200.000-500.000)
TRATAMENTO E EVOLUÇÃO
Tratamento:
- Ivermectina 0,5 mL SC uma vez por semana durante 4 semanas, foi usada pra o tratamento da escabiose
- Sulfato de Vincristina 0,7 mg/m² a cada 7 dias durante 6 semanas, foi usada como medicamento
antineoplásico
- Enrofloxacina (antimicrobiano) 50 mg, 1 comprimido SID durante 10 dias
- Capstar 11,4 mg 1 comprimido dose única, foi usado como larvicida no tratamento da miíase
- Limpeza da vulva
Evolução:
O animal foi submetido a seis sessões de quimioterapia nos dias: 26 de outubro, 4, 19 e 25 de novembro, 2
e 9 de dezembro. Não se sabe exatamente a data em que a vincristina foi aplicada duas vezes na mesma
semana, pois não houve registro. Na segunda sessão de quimioterapia, a lesão na vulva já havia diminuído
cerca de 50% (Fig. 2). Após a quinta aplicação, foi solicitado outro exame citológico onde não foram
encontradas células tumorais (Fig. 3). O animal recuperou-se completamente, foi castrado e submetido a
uma vulvoplastia.
A tabela abaixo apresenta a evolução dos exames durante o tratamento do TVT:
Caso clínico 2010/2/12
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NECRÓPSIA (e histopatologia)
Patologista responsável:
DISCUSSÃO
Urinálise: Não foram observadas alterações de significância clínica. A coloração amarelo esverdeada da
urina pode ser devido a alimentação com corante. A utilização de vaselina na cateterização pode ter
contribuído para a presença de gotículas de gordura no sedimento.
Bioquímica sanguínea: A ALT e a creatinina foram requeridos apenas para excluir outros problemas que
poderiam existir concomitantemente ao tumor, hepático e renal respectivamente. Alguns autores relatam
que a vincristina pode causar atrofia muscular [1, 2], o que poderia ser visualizado por uma diminuição da
creatinina.
Hemograma: O animal apresentava uma leve anemia microcítica hipocrômica. A anemia é um achado
comum em cães portadores de TVT, podendo ser associada à contínua secreção serosanguinolenta do
tumor, ou ainda a más condições do animal como presença de ectoparasitas, nutrição deficiente e
verminose concomitante [3].
O CHCM esteve abaixo da normalidade provavelmente devido à característica do TVT, que altera a
concentração de hemoglobina, produzindo hipocromasia [4]. O VCM abaixo da normalidade e a anisocitose
podem ser consequência da anemia por deficiência de ferro [5]. No primeiro hemograma, o animal
apresentava eosinofilia e monocitose que podem ser explicadas pela presença de ectoparasitas e
endoparasitas. A leucocitose com consequente neutrofilia ocorreu provavelmente devido a infecções
bacterianas secundárias na lesão vulvar – que podem ter sido causadas pela miíase - ou à inflamação
causada pelo tumor [5]. Segundo estudos, o tratamento com vincristina pode causar leucopenia – com
conseqüente neutropenia - e eosinopenia [1, 3, 4], o que foi observado no dia 9 de novembro quando o
animal recebeu duas doses do medicamento na mesma semana. No dia 17 de novembro, ocorreu uma
leucocitose bem acentuada, o que levou a desconfiança de infecção uterina (piometra). Entretanto, a
ecografia abdominal descartou essa suspeita, levando-se a supor que esse aumento de leucócitos tenha sido
uma resposta exacerbada a abrupta diminuição anterior. A trombocitopenia é bastante relatada em casos de
TVT [2,3,4], porém neste caso, o animal apresentou número normal de plaquetas. O achado hematológico
de equinócitos pode ser conseqüência de neoplasia, da quimioterapia ou por um excesso de EDTA [5].
Comentários: O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma neoplasia contagiosa transmitida com maior
frequência durante o coito. Acredita-se que seja causado pela transferência de células de um cão afetado
para um cão sadio. Entretanto, a etiologia do tumor ainda não está bem elucidada. O tumor é
primariamente localizado nos órgãos genitais. Todavia, o comportamento social dos cães, como o hábito de
lamber e cheirar, contribui para o aparecimento do tumor em áreas não-genitais, como cavidade nasal,
olhos e cavidade oral. Metástases não são comuns nesse tipo de neoplasia [6]. Atualmente o tratamento de
escolha consiste em quimioterapia. Nesse caso, foi usada uma associação da vincristina com a ivermectina.
A principal função da ivermectina é no tratamento da escabiose. Entretanto, já foi descrito que a ivermectina
quando associada a vincristina pode também reduzir a resistência dos tumores [4]. Além de reduzir o
número de sessões de quimioterapia, reduzindo assim os custos do tratamento.
CONCLUSÕES
O animal apresentava sarna sarcópitca, miíase e tumor venéreo transmissível. A associação da ivermectina e
da vincristina pode ter potencializado a regressão do tumor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BOOTH, N. H.; McDONALD, L. E.; JONES, L. M. Farmacologia e terapêutica em veterinária. 6. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
2. ANDRADE, S. F. et al. Comparação entre dois protocolos de tratamento do tumor venéreo
transmissível em cães. Clínica Veterinária, São Paulo, n. 82, p. 56-61, setembro/outubro 2009.
3. APTEKMANN, K. P. et al. Avaliação comparativa da hemopoiese e do perfil seroproteico de cães
portadores de tumor venéreo transmissível de ocorrência natural e induzido através de
transplantes alogênicos. Veterinária Notícias, Uberlândia, v. 11, n. 1, p.25-34, 2005.
4. LITTER, M. Compendio de farmacologia. 2. ed. Buenos Aires: El Ateneo, 1973.
5. THRALL, M. A. et al. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. 1. ed. São Paulo: Roca, 2006.
6. ROSENTHAL, R. C. Segredos em oncologia veterinária. Porto Alegre: ArtMed, 2004.
Caso clínico 2010/2/12
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FIGURAS
Figura 1. Exame citológico do suabe da vulva apresentando Figura 2. Aspecto do tumor em fase de regressão. Aparência
célula tumoral. A célula apresenta-se arredondada e com a
da vulva com TVT após duas semanas de tratamento.
relação núcleo:citoplasma diminuída. (aumento 400x, coloração
Panótico).
Figura 3. Exame citológico do suabe da vulva apresentando
células normais da mucosa. O exame foi feito após cinco
semanas de tratamento (aumento de 100x, coloração Panótico).
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