as novas tecnologias podem ser
coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de
desenvolvimento do milênio da onu?
María José de Rezende
maría josé de rezende
professora pesquisadora da universidade estadual de londrina
(brasil). doutora em sociologia pela universidade de são paulo
direção postal: rua pio xii, 335 apto. 1104
86020 914 – londrina, paraná (brasil)
[email protected]
investigación y desarrollo vol. 15, n° 2 (2007) - issn 0121-3261
288
resumen
Quedó demostrado que el Informe del Desenvolvimiento Humano - IDH/2001 presenta datos que revelan las muchas formas de
exclusión a que están sometidos millares de individuos en diversos
continentes; sin embargo, la adopción de una perspectiva extremamente optimista acerca de la posibilidad de utilizar las nuevas
tecnologías en favor del bienestar social se mostró frágil por no detenerse en los obstáculos –de democratización del acceso a esas nuevas tecnologías– constituidos por la creciente concentración de la
riqueza y del poder, por un lado, y por la expansión de las desigualdades, por otro.
p a l a b r a s c l a v e s:
Nuevas tecnologías, desenvolvimiento humano,
pobreza.
resumo
Demonstrou-se que o Relatório do Desenvolvimento Humano levanta dados reveladores das muitas faces das exclusões
a que estão submetidos milhares de indivíduos em diversos continentes, todavia, a adoção de uma perspectiva extremamente otimista acerca da possibilidade de direcionar as novas tecnologias em
favor do bem-estar social revelou-se frágil por não se ater aos empecilhos –de democratização do acesso às novas tecnologias– que
estão assentados na crescente concentração de riqueza e de poder, de
um lado, e na expansão das desigualdades, de outro.
RDH/2001
pal avr as-chaves:
Novas tecnologias, desenvolvimento humano,
pobreza.
abstract
It was demonstrated that the Human Development Report - HDR/2001
shows data that reveal the several faces of exclusion to which millions of
individuals in different continents are submitted. However, the adoption
of an extremely positive perspective about the possibility of guiding new
technologies in aid of the social welfare was considered fragile for not considering the impediments –of the democratization of acess to new tecnologies–
which are placed in the increasing concentration of wealth and power on one
side, and in the expansion inequalities, on the other.
key words:
New tecnologies, human development, poverty.
fecha de recepción: oc tubre 22 de 2007
fecha de aceptación: noviembre 27 de 2007
289
María José de Rezende
introdução
A
s metas socioeconômicas denominadas Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram propostas pelas Nações Unidas e
subscritas pelos Estados-membros desta comunidade internacional
em setembro de 2000. Tendo como base diversas conferências e
encontros de cúpula que ocorreram na década de 1990, os ODMs
visavam encontrar formas de ação para enfrentar os problemas
mundiais que tendiam a ganhar proeminência no limiar do século
XXI. O documento intitulado Nós, os povos, o papel das Nações Unidas
no século XXI (2000), preparado pelo secretário-geral Kofi Annan,
já expressava os pontos principais que estariam presentes na
Declaração do Milênio (2001).
Esta última traz no seu bojo os valores e princípios (liberdade,
igualdade, solidariedade, tolerância e responsabilidade comum) que
deveriam orientar os compromissos assumidos por todos os chefes
de Estado e de Governo subscritores daquela carta de intenções
que deveria desdobrar-se em ações nos anos subseqüentes. Entre
os vários itens da Declaração do Milênio estão aqueles que foram
sistematizados na forma dos ODMs. Os itens terceiro, quarto e sexto
da declaração, cujos teores versam sobre erradicação da pobreza,
proteção do meio ambiente, proteção dos grupos vulneráveis e
desenvolvimento foram a base principal para a definição das metas
socioeconômicas postas pela onu.
São oito os objetivos principais1; em cada um deles há meta (s)
estabelecida (s) para ser(em) alcançada(s) dentro de alguns anos.
São eles: 1) erradicar a pobreza extrema e a fome (metas: reduzir
à metade, entre 1990 e 2015, a proporção de pessoas com renda
inferior a 1 dolar/dia e a proporção de pessoas que sofrem de fome),
2) atingir o ensino básico universal (meta: garantir que meninos e
meninas concluam o ensino fundamental), 3) promover a igualdade
1 Dentro dos princípios gerais a ONU/PNUD considera que todos os oito objetivos
e suas 18 metas têm igual importância (O PAPEL do PNUD e os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio apud Boletim Diário do PNUD, 2005: 2).
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
entre os sexos e a autonomia das mulheres (meta: eliminar a
disparidade entre os sexos no ensino fundamental e médio, num
primeiro momento, e em todos os níveis até 2015), 4) reduzir
a mortalidade infantil (meta: diminuir em 2/3 a mortalidade de
crianças menores de cinco anos), 5) melhorar a saúde materna
(meta: reduzir em 75% as taxas de mortes maternas), 6) combater
o HIV/aids, a malária, a tuberculose, entre outras doenças (meta:
deter e reduzir a propagação destas e de outras doenças), 7) Garantir sustentabilidade ambiental (meta: inserir os princípios de
desenvolvimento sustentável nas políticas públicas e inverter a
perda de recursos ambientais), 8) estabelecer uma parceria mundial
para o desenvolvimento (metas: desenvolver um sistema comercial
e financeiro aberto com regras e mecanismos que garantam a
previsibilidade e a não-discriminação das nações pobres, atender
as necessidades especiais dos países menos desenvolvidos para
que exportem seus produtos sem sofrer perdas tarifárias, atender
as necessidades especiais dos países sem acesso ao mar, tornar as
dívidas dos países em desenvolvimento sustentáveis a longo prazo,
etc.) (UMA VISÃO a partir da América Latina e do Caribe apud Folha
Informativa ODM, PNUD/CEPAL, 2005) (Rezende, 2007: 173-4).
Os ODMs são, conforme visto acima, um conjunto de metas que os diversos países subscritores se comprometeram a se
empenhar na sua efetivação. É, na verdade, uma carta tanto de
intenções quanto de compromissos que possui um teor pragmático
porquanto se estabeleceram ações e procedimentos para tornar
tais objetivos, de fato, alcançáveis, na melhor das hipóteses, até
2015 em alguns casos e, até 2030 em outros. O PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) está incumbido de
gerenciar, implementar e administrar as ações que visam efetivar
tais metas.
Sob a responsabilidade do pnud, os rdhs (Relatórios do
Desenvolvimento Humano), da década de 2000, são uma excelente
fonte de pesquisa acerca da efetivação dos ODMs. São documentos
extensos, com dados fartos e análises minuciosas sobre os avanços, os
impasses, os conflitos, as dificuldades e as possibilidades de vingar
ou não os compromissos assumidos no âmbito da Assembléia Geral
da onu, do ano 2000.
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María José de Rezende
Neste artigo, serão analisados alguns aspectos do rdh/2001
no que se refere às discussões sobre o modo como as novas tecnologias
(da comunicação, da informação e da biotecnologia) são apresentadas
como aplicáveis na redução da pobreza e da miserabilidade. Mark
Malloch Brown, administrador do pnud, afirma: “Ignorar os progressos tecnológicos na medicina, agricultura e informação poderá
significar a perda de oportunidades para transformar a vida das
pessoas mais pobres” (Brown, 2001: 1).
Destacar-se-á que o rdh/2001 apresenta uma discussão excessivamente generalista quanto a possibilidades de converter os
avanços tecnológicos em melhorias sociais para todos e não somente
para alguns. Não há uma precisão sobre os desafios que teriam de
ser enfrentados para vencer as exclusões, em relação ao acesso às
novas tecnologias, em contextos sociais, econômicos, culturais e
políticos tão distintos como são as várias regiões do mundo.
Há uma tentativa, por parte do relatório, de passar uma visão
extremamente otimista das novas tecnologias e de seus efeitos sobre
a redução da pobreza. As transformações tecnológicas atuais (tais
como: chip de computador para armazenamento de informações,
internet, engenharia genética, entre outras) são apontadas como
capazes de democratizar a informação, a participação, o conhecimento, as oportunidades de emprego, o acesso a novos medicamentos e a novas formas de cultivar a terra. Discutidos assim, em termos
gerais, tais processos tecnológicos são apresentados como dotados
de grande capacidade de habilitação das pessoas mais pobres e
excluídas para alcançar um melhor nível de bem-estar. Contudo,
verifica-se que o rdh/2001 não situa suficientemente o debate no
modo como o processo de expansão tecnológica se assenta numa
ultraconcentração de riqueza e de poder que nega, inteiramente, os
propósitos postos pelas Nações Unidas.
Além dos fatores gerais que governam uma globalização
financeira e tecnológica concentradora de poder e riqueza numa escala exorbitante (Furtado, 2001; Bauman, 1999; Bourdieu, 2001),
há também os fatores internos de cada país que impedem, em
maior ou em menor escala, um desenvolvimento humano passível
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
de habilitar os indivíduos para participar da distribuição da renda
nacional (Furtado, 1999).
A profundidade da exclusão social em vigor em várias partes do mundo (América Latina, África, Ásia e Oceania) dificulta
inteiramente o endosso das teses do rdh/2001 no que diz respeito
ao otimismo acerca dos efeitos das novas tecnologias na geração de
melhorias sociais para as populações mais pobres, na redução da
miserabilidade e do não-acesso a informações, a medicamentos e a
vacinas essenciais. O próprio relatório demonstra que, em algumas
partes da África, as crianças não têm acesso sequer a vacinas contra sarampo, difteria e pólio. Não têm acesso nem mesmo ao
soro caseiro. Não se deve esquecer que o rdh/2001 expõe dados
importantíssimos sobre a condição de exclusão dos mais pobres
no mundo hoje. No entanto, ao insistir que são extremamente favoráveis para a humanidade, como um todo, as novas tecnologias,
acaba-se deixando de apreender os elementos –a concentração de
rendas, a expansão das desigualdades– negadores, tanto no plano
geral da globalização quanto no plano específico de cada país, da
possibilidade de colocar os avanços tecnológicos a serviço do bemestar social.
1. novas tecnologias, antigos problemas: os objetivos
de desenvolvimento do milênio trazendo à tona
dificuldades de raízes profundas
Barrington Moore Junior (1974: 60), numa obra intitulada Reflexões sobre as causas da miséria humana e sobre certos propósitos para
eliminá-las, levantava uma questão, em meados do século XX,
que no início do século XXI está sendo posta com grande ênfase
pelo relatório do desenvolvimento humano da onu, de 2001. Ele
perguntava: “Pode a tecnologia (...) eliminar a escassez e ‘resolver’
nossos problemas?” A resposta por ele construída tem o mérito de
lidar com as dificuldades objetivas e subjetivas acerca dessa promessa posta para a humanidade desde os primórdios do processo
de expansão tecnológica. Tem o demérito, porém, de beber alguns
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elementos na fonte malthusiana2, ao tentar resolver a questão que
ele próprio colocava.
Moore Júnior insistia, entre muitas outras coisas, que o
desenvolvimento técnico não tinha como garantir saúde, energia
física, dieta, habitação adequada, conforto, comodidade, liberação
das tarefas enfadonhas, repetitivas e alienantes num contexto de
superpopulação. Ao seu ver havia dois processos simultâneos, um
seria o aumento populacional intensivo e o outro a exacerbação de
um desejo de consumo altamente destrutivo para a humanidade.
Isso porque este impulso consumista é uma contribuição ímpar
para a expansão da miséria, da pobreza e da exclusão (Moore Jr.,
1974).
Note-se que discussões como essas estavam presentes de
forma enfática na agenda pública em meados do século passado.
Vários intelectuais tomaram parte dela (Castro, 1961; 1959; 2001;
Myrdal, 1960; 1967; Bastide; 1958; Sorokin, 1975; Vogt, 1951).
Entre eles, estavam técnicos das Nações Unidas como Josué de Castro
(Presidente da fao/onu) e Gunnar Myrdal3 (economista graduado
da onu) que participaram, defendendo posturas distintas4, nos
debates acerca das medidas que deveriam ser adotadas para reverter
a pobreza e a miserabilidade do mundo.
2 Referente aos escritos de Thomas Robert Malthus (1766-1834) que insistiam na tese da
superpopulação como fator principal da escassez e da fome no mundo (1996; 1996a).
3 Os estudos de Myrdal sobre a pobreza no sul da Ásia geraram enormes polêmicas. Ele
fazia uma discussão sobre a pobreza e o subdesenvolvimento centrada na idéia de que
a não-mudança de tais condições derivava de atitudes e de instituições inadequadas
cultural e politicamente. Ver sobre isto: (Goldthorpe, 1977: 221-228).
4 Josué de Castro, como um anti-malthusiano extremado que era, refutava inteiramente
a idéia de controle da natalidade como forma de resolver a fome e a miserabilidade no
mundo; ele denunciava que essas teses eram oriundas de uma naturalização da pobreza.
Gunnar Myrdal, influenciado por Malthus, tentava abordar o tema do controle de
natalidade em suas conferências públicas, mas enfrentava enormes resistências. “Quando
o planejamento familiar chegou ao comitê econômico da ONU em 1962, o assunto fora
retirado de pauta quatro vezes e, então, recolocado em uma sessão noturna” (Therborn,
2006: 398).
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
É interessante notar que o rdh/2001 tenta responder às
dúvidas sobre as possibilidades ou não da inovação tecnológica
trazer ganhos reais para uma parte expressiva da população dos
países pobres. Tal questionamento vem de muito longe e tem-se
acirrado nos últimos anos com a globalização em curso, cujo processo
de concentração da riqueza assenta-se tanto no aprofundamento
tecnológico quanto no controle absoluto (por meio de leis de
patentes) dos resultados das pesquisas que levam a novos processos
de produção, novos produtos, novos capitais de inteligência, novos
mercados, etc..
O Relatório do Desenvolvimento Humano, de 2001, esforçava-se para responder aos manifestantes que, durante reunião do
G8 (grupo formado pelos países mais ricos) no ano anterior, questionavam a expansão tecnológica e os benefícios que ela poderia
realmente trazer para as populações pobres do mundo. O documento
era também uma resposta àqueles que viam o investimento
tecnológico como prioridade de países ricos, na maioria das vezes,
despreocupados com a miserabilidade crescente no mundo, hoje.
E, de que forma, o relatório tentava convencer a todos (lideranças governamentais e empresariais, lideranças dos movimentos
antiglobalização e da sociedade civil de modo geral) que a efetivação
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio dependia dos
progressos tecnológicos em várias áreas? O documento insistia que
as novas tecnologias que estavam transformando a medicina5 e a
agricultura, por exemplo, poderiam transformar a vida das pessoas
mais pobres.
As tecnologias da informação e das comunicações (tic) também
podem ter um impacto importante no desenvolvimento, porque
podem: contribuir para superar os obstáculos do isolamento
social, econômico e geográfico; aumentar o acesso à informação e
5 “O desenvolvimento de vacinas contra o HIV, malária, tuberculose, assim como para
doenças menos conhecidas, como a doença do sono e a cegueira dos rios, também poderiam
salvar todos os anos a vida de milhões de pessoas nos países em desenvolvimento” (AS
NOVAS tecnologias são fundamentais para reduzir a pobreza mundial, 2001: 1).
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à educação; e possibilitar que as pessoas pobres participem num
número maior de decisões que afetam as suas vidas. Ao avaliar
o potencial das TICs, o relatório (rdh/2001) salienta as novas
oportunidades para ampliar as formas de ação política (como a
campanha mundial por e-mail que ajudou a derrubar o Presidente
Estrada, das Filipinas em janeiro); redes de saúde (como na Gâmbia
e Nepal); aprendizagem à distância (como na Turquia); e criação
de empregos (como na Costa Rica, África do Sul e Índia). Sakiko
Fukuda-Parr (2001:3), a principal autora do relatório, diz que
isto é apenas o começo: “as TIC são verdadeiramente um avanço
tecnológico para a democracia e a expansão do conhecimento em
benefício das pessoas pobres’’ (as novas tecnologias são fundamentais para reduzir a pobreza, 2001: 3).
Assinale-se que com relação a algumas áreas consideradas
prioritárias para o avanço dos ODMs, o RDH/2001 considerava de
enorme valor os impactos e os efeitos advindos das novas tecnologias.
Havia possibilidade da educação ser favorecida pela rede mundial de
computadores, a qual poderia democratizar o acesso dos indivíduos
aos conteúdos de informação e de conhecimento nas áreas mais
distantes do planeta6. As novas tecnologias são apresentadas como
formas de facilitar e de ampliar o acesso a um conhecimento que
deveria ser posto a serviço das pessoas mais desprovidas de recursos
de informação.
O RDH/2001 enfatiza que a expansão da democracia no século
XXI passa pela criação de meios de acesso às tecnologias de informação
que estavam sendo geradas nos últimos tempos. Mas como
transformar um processo de expansão tecnológico extremamente
6 Note-se que o RDH/2001 joga um peso enorme na educação como forma de habilitar
as pessoas, até mesmo as mais pobres, para os trabalhos oriundos das novas tecnologias.
Tal suposição tem suscitado um debate contundente entre alguns cientistas sociais.
Gosta Esping-Andersen afirma que a democratização das habilidades é sumamente
complexa. Ele diz: “Os promotores mais simplórios da ‘terceira via’ acreditam que a
população, por intermédio da educação, pode ser adaptada à economia de mercado e que
o problema social desaparecerá. Essa é uma falácia perigosa. A educação, o treinamento
e o aprendizado vitalício podem não ser o bastante” (Esping-Andersen, 2007: 194).
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
restritivo em algo extensivo para aqueles que não podem adquirir,
em razão dos custos elevados, as TICs? O relatório aqui analisado é,
às vezes, dúbio em relação ao modo de resolver o problema do acesso
dos pobres às tecnologias de ponta. Há momentos, no relatório, em
que se tem a impressão de que os técnicos da onu consideram o
setor público como aquele que deveria investir pesadamente em
investigações e pesquisas que favorecessem a criação de tecnologias
acessíveis a todos indistintamente. Somente assim os mais pobres
seriam beneficiados com os avanços tecnológicos alcançados.
O que é que é novo e diferente na tecnologia da informação e da
comunicação como meio de erradicação da pobreza, no século 21?
Primeiro, é um fator comum a quase todas as atividades humanas:
tem um potencial de utilização numa quase infinita gama de
localizações e objetivos. Segundo, as tecnologias de informação
e comunicação quebram barreiras ao desenvolvimento humano,
pelo menos de três formas que não eram possíveis anteriormente:
Quebrar barreiras ao conhecimento (...); quebrar barreiras à
participação (...) e quebrar barreiras à oportunidade econômica
(RDH/2001a – Transformações tecnológicas atuais: 35-6).
A acessibilidade, dizia o RDH/2001, deve ser impulsionada,
principalmente, pelas ações do setor público em áreas chaves para
que as TICs possam ser incorporadas ao cotidiano de todos os indivíduos e não somente aos mais abastados. A difusão das novas tecnologias entre os mais pobres depende da expansão de uma outra
tecnologia que se expandiu através de redes desde 1831: a energia
elétrica, a qual muitas pessoas ao redor do mundo ainda não têm
acesso.
As tecnologias mais antigas têm, também, de atingir os pobres
do mundo. A eletricidade, com utilização difundida desde a invenção da lâmpada elétrica, na década de 1870, não está ainda
acessível a cerca de 2 milhões de pessoas, um terço da população
mundial. Dois milhões de pessoas também não têm acesso a
medicamentos essenciais de baixo custo, como a penicilina, que
foram maioritariamente desenvolvidos décadas atrás (AS NOVAS
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tecnologias são fundamentais para reduzir a pobreza mundial,
2001: 3)
Investimentos para conseguir novas vacinas, novos medicamentos para doenças tropicais e novas formas de potencializar a
produção agrícola aparecem, às vezes, como algo que deveria ser
resultado de investimento público capaz de beneficiar as populações
mais pobres. Contudo, no decorrer do relatório, essa tese de fortalecimento do investimento público em novas tecnologias vai
perdendo força. Ganha terreno muito maior a tese de que “não
é necessário que todos os países estejam na vanguarda do avanço
tecnológico. Pois na era das redes, cada país necessita contar com
capacidade para compreender as tecnologias mundiais e adaptá-las
às necessidades locais” (rdh, 2001: 5).
Os governantes dos países ricos e dos países pobres deveriam,
então, realizar esforços conjuntos para dotar todos os indivíduos de
capacidade para utilizar as novas tecnologias geradas pelos países
que controlam a expansão tecnológica. Deve-se perguntar: Isso
possibilitaria redesenhar o mapa do acesso tecnológico no mundo?
Permitiria em que sentido? A posição defendida no relatório acaba
enaltecendo a dependência tecnológica. Se há a necessidade, no
mundo globalizado, de os países pobres conformarem-se ao padrão
de desenvolvimento tecnológico em vigor e o máximo que se pode
fazer é estabelecer laços de colaboração científica entre vários países
do mundo, numa espécie de rede com vínculos também horizontais
e não somente verticais de produção e de difusão das tecnologias
criadas, permanece inalterada a perpetuação do subdesenvolvimento.
Conforme afirma Celso Furtado (2002), aquele último
(...) resulta de uma certa forma de inserção no comércio internacional. Uma economia subdesenvolvida é criada pelas relações
internacionais de dependência. Isto porque a economia subdesenvolvida sempre teve um desequilíbrio estrutural. (...) A economia
subdesenvolvida é uma economia que depende do exterior para
se renovar, para diversificar a sua demanda. (...) A dependência
tecnológica cria o subdesenvolvimento e, conseqüentemente, uma
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
dependência cultural, uma vez que a diversificação da demanda,
que é progresso técnico, vem do exterior (Furtado, 2002: 18).
A indagação central suscitada pelo RDH/2001 pode ser sintetizada da seguinte maneira: É possível, nas condições atuais de
globalização tecnológica e financeira, colocar a expansão das TICs
em favor do desenvolvimento humano? Os técnicos da ONU vão
argumentar que sim; porém, dizem eles, será necessário formular
políticas públicas capazes de dar essa direção às novas tecnologias.
Cabe indagar: A exclusão promovida por essas últimas pode mesmo ser revertida através de ações governamentais? Não estaria a
dificuldade das TICs servirem ao desenvolvimento humano ligada
a um processo de concentração extrema do poder econômico e do
poder político? Não seria a dependência tecnológica, que caracteriza o próprio subdesenvolvimento, um fator que atrofia as possibilidades de por as novas tecnologias a serviço dos povos mais pobres do mundo?
A concentração tecnológica exorbitante, que ganhou uma
feição mais acabada com o processo de globalização atual, não
seria ela, por si mesma, um fator que impossibilita qualquer democratização do acesso aos benefícios gerados pelas novas tecnologias?
É óbvio que sim, pois a concentração de riqueza e de poder, hoje,
se assenta justamente nas formas de controle de capitais de inteligência e de patentes. Os processos de controle têm agido de modo
implacável em relação a qualquer tentativa de alguns governantes,
por exemplo, de quebrar patentes em favor do acesso dos mais
pobres a medicamentos essenciais.
O que se tem em vista é descobrir o caminho da criatividade
com respeito aos fins, lançando mão dos recursos da tecnologia
moderna, na medida em que isso é compatível com a preservação
da autonomia na definição dos valores substantivos. Em outras
palavras: como efetivamente desenvolver-se a partir de um nível
relativamente baixo de acumulação, tendo em conta as malformações sociais incentivadas pela divisão internacional do trabalho
e os constrangimentos impostos pela mundialização dos mercados?
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Como ter acesso à tecnologia moderna sem deslizar em formas de
dependência que limitam a autonomia de decisão e frustram o
objetivo de homogeneização social? (Furtado, 2001: 50).
Basta atentar para o grau de controle que possui o poder
global sobre a economia e a política institucional. Tal poder assentase “no controle da tecnologia, da informação e do capital financeiro”
(Furtado, 2001, p.39) sobre o desenvolvimento tecnológico para
ter uma idéia da enorme dificuldade de colocar as novas tecnologias
em favor do desenvolvimento humano e da democratização da
educação, da informação, do conhecimento e do saber. Veja o que
diz o RDH/2001:
Em 1998, os países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) gastaram 520.000 milhões
de dólares em investigação e desenvolvimento, importe superior
ao produto econômico combinado dos 88 países mais pobres do
mundo. Nos países membros da OCDE, que possuem 19% dos
habitantes do mundo, se outorgou, em 1998, 99% das 347 000
novas patentes emitidas nesse ano. E nesses países, mais de 60%
das atividades de investigação e desenvolvimento são realizadas
hoje pelo setor privado, de modo que a investigação no setor
público vai assumindo um papel correlativamente menor. (...)
Dos 1223 novos medicamentos comercializados em todo mundo
entre 1975 e 1996, somente 13 se destinaram ao tratamento das
enfermidades tropicais; e somente quatro foram resultado direto de
investigações efetuadas pela indústrias farmacêuticas. A situação é
muito similar quanto a investigação sobre agricultura e energia
(RDH/2001. Panorama geral: 3).
Celso Furtado (1920-2004), em seus diversos textos (2001;
1999; 1999a; 2002), demonstrou que os empecilhos que se foram
acumulando no caminho da efetivação de um desenvolvimento
social acabaram se exacerbando com o processo de globalização que
tem concentrado poder e riqueza numa escala exorbitante (Furtado,
2002). As múltiplas formas de desigualdades (sociais, políticas,
regionais, educacionais) têm-se estruturado através da negação da
viabilidade de qualquer desenvolvimento social. E algo que não
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cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
se deve esquecer, segundo ele, é que está em vigor um “mundo
dominado por empresas transnacionais que tiram partido dessas
desigualdades” (Furtado, 2002: 42).
Desenvolvimento social e democracia são faces de uma mesma moeda, diz ele. Não obstante, a crescente concentração de
riqueza e de poder, no mundo globalizado, tem sido a negação
tanto daquele primeiro quanto daquela segunda. Sem discutir
demoradamente a lógica da globalização tecnológica e financeira
que nega absolutamente a possibilidade de efetivação de políticas
inclusivas em vista de seu caráter assentado no aprofundamento
das desigualdades, o rdh da onu, de 2001, alardeia que é, sim,
possível que as novas políticas tecnológicas estimulem o progresso
na efetivação das metas do milênio (rdh, 2001: 1) e, portanto, da
democratização de vários aspectos da vida social, tais como: acesso
a uma educação pautada na inclusão digital, acesso a medicamentos
oriundos de novas pesquisas, acesso à informação e ao conhecimento
naquelas áreas que podem favorecer o desenvolvimento de processos
de participação e de intervenção nos processos decisórios, entre
outros.
A possibilidade de distribuição e de uso racional dos recursos
técnicos e naturais no mundo foi discutida profundamente ao longo
do século XX [Moore Júnior (1974); Mannheim (1967); Castro
(2001)]. Aquele primeiro afirmava
uma distribuição e uso racional dos recursos do mundo (...) implica uma autoridade central em escala mundial. A tecnologia de
computadores, se fosse permitida progredir, poderia algum dia
facilitar as enormes dificuldades técnicas que ainda persistissem.
Contudo, (...) podemos detectar a possibilidade de uma ditadura
mundial altamente autoritária (Moore Júnior, 1974: 67).
Tal perspectiva não foi a única a ocupar um lugar de destaque
nesse debate sobre a (im)possibilidade de distribuir recursos oriundos
do desenvolvimento tecnológico em andamento. Mannheim entrou
nesse debate defendendo a implementação de uma sociedade planificada e democrática, a qual estaria voltada para a distribuição da
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riqueza social proveniente dos processos técnicos que tendiam
a se expandir após a Segunda Guerra Mundial. Josué de Castro
(1961), presidente da fao/onu, na década de 1950, advogava que
a refutação de todo e qualquer processo de concentração de poder e
de riqueza deveria estar na base da busca, mesmo que isso parecesse
impossível, de uma economia não fundada numa racionalidade
ocidental obsessivamente voltada para a exaltação da idéia de que
a economia é simplesmente um jogo no qual o mais forte ganha e
o mais fraco perece.
Verifica-se nos relatórios da onu, da década de 2000, sobre o
desenvolvimento humano, que é evidente a dificuldade de discutir
a democracia no mundo, hoje, sem se levar em conta a distribuição
de recursos. Sabendo-se que a expansão tecnológica é que comanda
atualmente a concentração de riqueza e de poder, faz-se necessário
pensar as disparidades entre as nações ricas e as nações pobres, além
das disparidades dentro, principalmente, dessas segundas, no que
tange à distribuição dos recursos oriundos da expansão tecnológica
em curso.
A análise da situação mundial revela, segundo o relatório,
que nem mesmo a energia elétrica, que teve suas redes estabelecidas
desde 1831, atingiu a todos. Ela não está disponível para 1/3 dos
habitantes do planeta. Outra questão abordada pelo relatório
de 2001 é o não-acesso de milhões de pessoas a medicamentos
(penicilina) e vacinas (difteria, tétano, pólio e sarampo) essenciais.
Considera-se sobremodo importante que a discussão sobre
desenvolvimento humano e democracia se enlace a questões como
essas de acesso a recursos tecnológicos que garantam melhores
condições de sobrevivência para os indivíduos de todas as partes
do mundo. No entanto, há no relatório a defesa da proteção da
propriedade intelectual que vai ao encontro absoluto dos interesses
que governam o processo de globalização em curso: a lei das
patentes. Há uma passagem do texto do RDH/2001 no qual é
dito que há, em alguns casos, “falta de proteção da propriedade
intelectual” (RDH/2001. Panorama geral: 3), e isso desanima os
investidores privados.
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
O documento analisado neste artigo se propõe a fazer uma
discussão de grande importância para pensar a configuração das
relações de poder no mundo, hoje, mas acaba por reforçar o modo
de operar das empresas transnacionais que enfeixam em suas mãos
a possibilidade, através das rígidas leis das patentes, de concentrar
riqueza e poder de modo exorbitante. Mesmo que as discussões
toquem em questões essenciais, existe a dificuldade de enfrentar
muitos elementos perpetuadores das disparidades de acesso às
novas tecnologias. A estas desigualdades o RDH/2001 parece querer
combater.
Tudo indica o prosseguimento do avanço das empresas transnacionais, graças à crescente concentração do poder financeiro e
aos acordos no âmbito do GATT7 (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio) sobre patentes e controle da atividade intelectual, o que
contribui para aumentar o fosso existente entre países desenvolvidos
e subdesenvolvidos. Com o avanço da internacionalização dos
circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos, debilitam-se os
sistemas econômicos nacionais. As atividades estatais tendem a
circunscrever-se às áreas sociais e culturais. Os países marcados
por acentuada heterogeneidade cultural e/ou econômica serão submetidos a crescentes pressões desarticuladoras. A contrapartida da
internacionalização avassaladora é o afrouxamento dos vínculos
de solidariedade histórica que unem, no quadro de certas nacionalidades, populações marcadas por acentuadas disparidades de
nível de vida. (...) A esfera econômica será crescentemente dominada pelas empresas internacionalizadas, as quais balizarão o
espaço a ser ocupado por atividades de âmbito local e/ou informais. A importância relativa destas últimas definirá o grau de
subdesenvolvimento de cada região: áreas desenvolvidas e subdesenvolvidas estarão assim estruturalmente integradas numa
compartimentação do espaço político que cristaliza as desigualdades sociais (Furtado, 1992: 57-8).
7 GATT – General Agreement on Tariffs and Trade.
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María José de Rezende
As questões levantadas por Celso Furtado são suficientemente
claras acerca da estruturação das relações de poder perpetuadoras das
múltiplas disparidades que tornam impossível a democratização
do acesso a recursos gerados pelo processo de expansão tecnológica
em andamento. O RDH/2001 traça todo um mapa dos avanços
tecnológicos e da sua inacessibilidade pelas populações mais pobres
do mundo. No entanto, ao invés de problematizarem-se as raízes
econômicas e políticas desse não-acesso, acaba-se por difundir a
idéia de que o fundamental é a criação, por parte dos países pobres,
de condições de aproveitamento da tecnologia. Assim sendo, o
relatório advoga a necessidade de investimentos na educação para
a geração de atitudes capazes de possibilitar o entendimento e a
utilização das tecnologias disponíveis.
E, por que o relatório considera suficiente este tipo de
acessibilidade via adaptação às condições tecnológicas em expansão?
Ele justifica que diferentemente da era industrial quando havia
uma organização vertical entre os países desenvolvidos e nãodesenvolvidos, hoje, estão em ascensão as redes que se estruturam
em torno de vínculos horizontais em que cada organização se
centra em espaços competitivos. Essas novas redes atravessam
continentes e tem pontos de convergência (...). Muitos países em
desenvolvimento já estão aproveitando essas redes, com substanciais
benefícios para o desenvolvimento humano. Por exemplo, os
novos medicamentos antipalúdicos criados na Tailândia e Vietnam
se basearam tanto em investigações internacionais como em
estabelecimentos locais (RDH/2001. Panorama geral: 5).
Nesse relatório de 2001, as Nações Unidas, através do pnud,
endossam a tese de que estaria havendo, na era atual, uma reestruturação das relações de domínio econômico e político a partir de
uma reorganização do processo de produção tecnológica fundada
em redes8. Por isso a discussão sobre a necessidade da investigação
8 No RDH/2001 aparece como indicador de uma maior democratização da expansão
tecnológica a produção de artigos científicos em colaboração entre vários pesquisadores
de diversas regiões do mundo. Isto atestaria a expansão das redes.
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
científica expandir a colaboração entre diversos países e diversas
instituições. Mas deve-se perguntar o seguinte: As redes de expansão tecnológica e científica significam ou não uma redefinição profunda do modo como se estruturam as disparidades entre os países
desenvolvidos e subdesenvolvidos?
Assinale-se que o RDH/2001 parece interessado em atestar
que não tem mais sentido a idéia de dependência tecnológica.
As redes seriam o desmantelamento desta última? Na verdade, o
relatório tenta fazer crer que sim. Todavia, se as redes favorecem
muito mais a adequação de todos às condições técnicas vigentes e
se quem controla estas últimas são alguns pólos desenvolvidos, é
óbvio que a dependência tecnológica persiste. Veja-se o que dizem
duas passagens do respectivo documento:
Não é mais necessário que todos os países estejam na
vanguarda do avanço tecnológico mundial. Mas na era das redes,
cada país necessita contar com capacidade para compreender as
tecnologias mundiais e adaptá-las as necessidades locais (RDH/2001.
Panorama geral: 5).
Aproveitar o potencial destas novas tecnologias dependerá da sua
adaptação às condições dos países em desenvolvimento, sobretudo
dos utilizadores mais pobres. E muita coisa dependerá de inovações
– tecnológicas, institucionais e empresariais –para criar aparelhos
de baixo custo e de fácil utilização e para estabelecer o acesso a
partir de centros públicos ou de mercados com produtos a preços
acessíveis (RDH/2001a– Transformações tecnológicas atuais: 33).
Ao explicar as mudanças sociais oriundas das novas tecnologias
no que diz respeito à adaptação, os autores do relatório, acima
mencionado, aproximam-se das denominadas teorias da adaptação
(Parsons, 1969) que afirmam que os sistemas sociais tendem a
adaptar-se continuamente. A globalização tecnológica seria, enquanto totalidade, um sistema social, o que deve ser entendido
como um “conjunto inter-relacionado de processos sociais” (Cohen,
1976: 207) tendentes a se auto-reproduzir continuamente. Há no
trecho, acima citado, a convicção de que é necessário que todos os
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María José de Rezende
países (ricos e pobres) busquem meios de compatibilizar os diversos
interesses, desejos, necessidades e objetivos através das redes que
estariam tornando funcional o avanço tecnológico produzido em
regiões diversas do mundo.
A interação entre os países ricos, que detêm a maior parte dos
recursos tecnológicos, e os países pobres poderia dar-se através tanto
da cooperação para produção de novas tecnologias como por meio
de formas de adaptação destas últimas às necessidades locais. Este
tipo de postura que está presente no RDH/2001 é uma retomada,
não importa que com várias modificações, em razão da própria
conjuntura atual, das teses que defendiam que as mudanças sociais
eram, na verdade, “processos de adaptação mútua dos sistemas
sociais. Dessa maneira, pode-se explicar as mudanças na economia
como adaptações a outras economias” (Cohen, 1976: 208).
As discussões sobre o progresso tecnológico atual e sua
possível relação com o desenvolvimento humano acaba assumindo
a argumentação originária de Herbert Spencer (1972) de que, se o
mundo é competitivo e gerido por organizações complexas, faz-se
necessário tornar-se, tanto individualmente quanto coletivamente
eficiente e capaz de sobreviver dentro dessa lógica. Isso seria válido
para indivíduos, grupos e países. O RDH/2001 diz “(...) as inversões
em tecnologia são iguais as inversões em educação, [podendo] dotar
as pessoas de melhores instrumentos, de modo que sejam mais
produtivas e mais prósperas” (rdh, 2001. Panorama geral: 1).
De certa maneira, o documento do pnud/onu aqui analisado
se aproxima, em alguns aspectos, da teoria da adaptação na sua
vertente elaborada por Wilbert Moore (1963), o qual
sugere que as teorias de mudança social deveriam visar à localização dos pontos de maior tensão nos sistemas sociais e identificálos como locais de mudança social. [Essa teoria] repousa na
pressuposição de que um dos processos necessários dos sistemas
sociais é a diminuição da tensão e que tais processos podem ocorrer
através da mudança. O controle da tensão pode ser chamado de
processo de adaptação de um determinado sistema ou parte de
[um] sistema a outro (Cohen, 1976: 210).
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
Note-se que está contida no RDH/2001, que trata da relação
entre novas tecnologias e desenvolvimento humano, essa idéia
acerca da necessidade de atacar as tensões oriundas das disparidades
(entre nações, grupos e indivíduos) potencializadas pelo acesso
desigual às novas tecnologias. Assim, é preciso encontrar meios
de possibilitar que mesmo os segmentos mais pobres do mundo
possam aproveitar eficazmente os frutos do progresso técnico. Fica
claro no relatório que as tensões sociais em franca expansão na
atualidade poderiam ser amenizadas com a inovação tecnológica
posta em favor do melhoramento da capacidade humana.
Muitos produtos –variantes de plantas resistentes a secas para
agricultores que habitam em climas incertos, vacinas para doenças
infecciosas, fontes de energia limpa para cozinhar, acesso à internet
para informação e comunicação– melhoram diretamente a saúde,
nutrição, conhecimento e nível de vida das pessoas, aumentando
sua capacidade de participar mais ativamente na vida social,
econômica e política de uma comunidade. (...) A inovação tecnológica é um meio para atingir o desenvolvimento humano, através
do seu impacto no crescimento econômico através dos ganhos de
produtividade que gera (RDH/2001a –Transformações tecnológicas
atuais– criação da era das redes: 28).
É evidente, no RDH/2001a, que os técnicos que prepararam
esse documento possuem a perspectiva de que as mudanças são
essencialmente adaptativas. Resta às Nações Unidas, aos diversos
organismos internacionais, aos governantes e às lideranças políticas
promover meios de adaptação a curto, a médio e a longo prazo. O
capítulo II do referido relatório afirma:
Os países em desenvolvimento que podem criar as infra-estruturas
necessárias, podem participar em novos modelos de intermediação
de negócios mundiais, como o outsourcing de processos empresariais
e integração na cadeia de valor. À medida que aumenta a base
de utilizadores, que os custos diminuem e que as tecnologias são
adaptadas às necessidades locais, o potencial das tecnologias de
informação e comunicação nos países em desenvolvimento só será
limitado pela imaginação humana e a vontade política (RDH/2001a
– Transformações tecnológicas atuais: 37).
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Celso Furtado, no texto A reconstrução do Brasil (1999) afirma
que o grande problema na conjuntura atual é reorientar a ação das
empresas transnacionais no
sentido de dar prioridade ao mercado nacional e à criação de
empregos. Favorecer as tecnologias de ponta pode ser racional se
o objetivo estratégico é abrir espaços no mercado externo. Mas,
se o objetivo principal é alcançar bem-estar, não tem fundamento
investir em técnicas intensivas de capital e poupadoras de mãode-obra, como se vem fazendo atualmente no Brasil (Furtado,
1999:13).
Há um alerta do economista Celso Furtado sobre a possibilidade ou não de enfrentar os problemas estruturais agravados pelo
processo de globalização financeira e tecnológica em curso. Segundo
o seu raciocínio, se o objetivo é ampliar o bem-estar da população,
conforme sugerem os relatórios das Nações Unidas, fica claro que
não basta a adaptação da expansão tecnológica às necessidades
locais. Isso seria tornar permanente uma dependência tecnológica
que tem sido a característica principal do subdesenvolvimento9.
No caso do Brasil
o desenvolvimento industrial após 1950 não fundou um processo
de criação, no empresário local, de uma mentalidade voltada para
a iniciativa de produção tecnológica. Este último, em vista de ter
tido a seu alcance a tecnologia importada, passou a ver a tecnologia
como um item que se adquire no supermercado e não como algo
no qual se investe para potencialização e consolidação industrial
(Furtado, 1997: 60-1).
A educação e a capacitação, como criadoras de indivíduos
com atitudes mais adaptadas às novas tecnologias, por si sós não
resolveriam os problemas do país, conforme quer fazer crer o
9 Sobre as dificuldades dos ODMs atacar as raízes dos problemas que intencionam resolver,
ver: (Puerto Sanz & Munõz, 2005; Collado, 2007).
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
RDH/2001.
As condições de dependência técnica, pelo contrário,
tenderiam a aprofundar o subdesenvolvimento e não a superá-lo. Nas
ciências sociais foi, ao longo do século XX, recorrente, nos estudos
da mudança social, a problematização das teses da adaptação, da
assimilação e da criação de atitudes favoráveis aos processos técnico-industriais. Houve cientistas (Doob, 1960; Rogers10, 1995;
Ogionwo, 1978; McClelland, 1961) que se empenharam na elaboração de estudos sobre os aspectos psicológicos da mudança. Suas
discussões procuravam demonstrar que “a mudança da sociedade
implica as pessoas mudarem seus hábitos” (Goldthorpe, 1977:
303).
As sugestões dos técnicos que produziram o RDH/2001
comungam dessas posições ao insistirem na necessidade de expandir as novas tecnologias com vistas a criar nos indivíduos mais
pobres uma dada atitude, ou seja, uma disponibilidade para a
adequação às mudanças em andamento no mundo atual11. A
separação entre o tradicional e o moderno acaba, mesmo que de
forma extremamente diluída, estando presente nesta defesa da
adaptação e da assimilação. Não se presencia, evidentemente, no
documento analisado, uma visão desqualificadora de pessoas e de
países pobres, bem como não se vê abertamente uma postura que
condene estes últimos à imutabilidade. Se não é possível aos países
subdesenvolvidos tornar-se vanguarda no processo tecnológico em
andamento, que eles saibam interagir, de preferência em sistema
de rede, e adequar-se aos novos tempos. Isso se aplica também às
suas populações, conforme se observa na discussão intitulada Pôr o
10 “Rogers define a inovação em termos de uma idéia percebida como nova pelo indivíduo.
A difusão é o processo através do qual uma idéia nova dissemina-se a partir de uma fonte
– sua invenção original por um indivíduo criativo – até sua adoção por quem a usará. A
adoção implica uma decisão de continuar com o pleno uso da idéia, diferentemente da
decisão de apenas experimentá-la” (Goldthorpe, 1977: 307).
11 O capítulo 4 do Relatório do Desenvolvimento Humano/2001, intitulado Estratégias
nacionais para estimular a criatividade humana, discute enfaticamente a necessidade de
um programa estruturado para ampliar as atitudes (individuais, grupais e nacionais)
favoráveis à adaptação às novas tecnologias (RDH/2001b: 79-93).
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avanço tecnológico a serviço do desenvolvimento humano, a qual faz parte
do Relatório do Desenvolvimento Humano, de 2001.
A transferência e a difusão da tecnologia não são fáceis. Os países em
desenvolvimento não podem simplesmente importar e aplicar os
conhecimentos do exterior através da aquisição de equipamentos,
sementes e comprimidos. Nem todos os países têm a capacidade
de desenvolver tecnologias de ponta, mas todos os países precisam
ter a capacidade interna de identificar os benefícios potenciais da
tecnologia e de adaptar as novas tecnologias às suas necessidades
e limitações (RDH/2001a – Transformações tecnológicas atuais:
37).
Pode-se dizer, então, que o documento acima mencionado
aproxima-se, sob vários aspectos, das discussões acerca da difusão
da inovação por meio do aprendizado e do conhecimento das novas
tecnologias em expansão. Assim, até mesmo os países que não
podem produzir aquelas últimas devem, através de seus governantes,
implementar políticas públicas que favoreçam a difusão tecnológica.
Logo, os indivíduos mais pobres devem, por isso, ser motivados a se
interessar pelos novos processos de informação, de aprendizagem,
de produção, de trabalho, de conhecimento etc.
A difusão desigual das tecnologias de informação e comunicação
–a desigualdade digital– tem chamado a atenção dos líderes
mundiais. Reduzir esta desigualdade é atualmente um objetivo
mundial. Mas difusão desigual da tecnologia não é novidade12. Há
muito tempo que existem enormes diferenças entre países. Como
resultado, os 200 e poucos países do mundo enfrentam o desafio
do desenvolvimento humano na era das redes, começando de
pontos de partida muito diferentes (RDH/2001a – Transformações
tecnológicas atuais: 38).
12 “Como se poderia esperar, a utilização de novas e velhas tecnologias é desigual – uma
função obvia do rendimento, entre outros fatores. O que é surpreendente é a rápida
difusão de novas tecnologias nalguns países e as tendências diversas entre eles” (RDH/
2001a – Transformações tecnológicas atuais: 39).
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as novas tecnologias podem ser coadjuvantes no processo de
cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
É possível até mesmo dizer que os técnicos, que elaboraram
o RDH/2001, no que tange à defesa do progresso tecnológico,
bebem em fontes como a de David McClelland (1961) que fazia
uma defesa de “motivação pela realização”, a qual significa uma
espécie de treinamento das pessoas para que melhorem os seus
desempenhos, suas formações, seus conhecimentos, suas produções.
“(...) A mudança tecnológica aumenta significativamente a importância que cada país deve dar ao investimento na educação e
nas qualificações da sua população” (RDH/2001b – Estratégias
nacionais para estimular a criatividade humana: 79). Há uma aposta
decidida numa revolução tecnológica atual que, baseada nas redes
e na mundialização, estaria mudando a forma como se “cria e se
difunde a tecnologia” (RDH/2001. Panorama geral: 6). Não se deve
esquecer, porém, que o modo de assimilação de novas tecnologias,
através de atitudes fundadas na mentalidade, prevalecente nos
países periféricos, de que tecnologia é algo que se consome, mas não
algo em cuja criação se investe, poderá potencializar as dificuldades
sociais e econômicas das populações mais pobres cujo bem-estar é
quase nulo.
O subdesenvolvimento é fruto de um desequilíbrio na assimilação
das novas tecnologias produzidas pelo capitalismo industrial, o
que favorece as inovações que incidem diretamente sobre o estilo
de vida. Essa proclividade à absorção de inovações nos padrões de
consumo tem como contrapartida o atraso na absorção de técnicas
produtivas mais eficazes. É que os dois métodos de penetração de
modernas técnicas se apóiam no mesmo vetor, que é a acumulação.
Nas economias desenvolvidas existe um paralelismo entre a
acumulação nas forças produtivas e diretamente nos objetos
de consumo. O crescimento de uma requer o avanço da outra.
É a desarticulação entre esses dois processos que configura o
subdesenvolvimento (Furtado, 1992: 41-2).
2. Considerações finais
Observe-se que são extremamente complexas as questões postas
pelo desenvolvimento tecnológico na atualidade no que tange à
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possibilidade de reverter a larga tendência concentracionista de
renda e de poder nas mãos somente de alguns indivíduos, grupos
e países. O Relatório do Desenvolvimento Humano, de 2001, tenta
convencer a todos de que há uma nova revolução tecnológica em
andamento, baseada em redes que possibilitam maiores ganhos aos
países periféricos e dependentes de tecnologias externas.
O RDH/2001 aposta também na emergência de investimentos
capazes de incluir os mais pobres nesse processo através da aplicação
de políticas que favoreçam o desenvolvimento de atitudes avançadas,
ou seja, de disponibilidade para agir de forma mais adaptada
e mais adequada às condições tecnológicas atuais. Há, então, na
atualidade, exigências que devem ser cumpridas a todo custo para
que ocorra um processo de capacitação dos indivíduos, das diversas
regiões do mundo, para lidar com os desafios tecnológicos postos a
todos, argumenta o documento analisado neste artigo. As políticas
nacionais devem estar voltadas para a democratização do acesso de
todos às novas demandas advindas de um mundo globalizado e
enlaçado por redes de expansão de novas tecnologias.
A proposta de assimilação e de adaptação insistentemente
feita no RDH/2001 tende a reforçar a dependência tecnológica que
tem sido a causa do subdesenvolvimento. A prevalência de empresas
transnacionais no controle do processo tecnológico que possibilita
a orientação do investimento e da acumulação de riqueza e de
poder está mantida intacta nas propostas das Nações Unidas neste
relatório, especificamente. As relações de cooperação entre países
ricos e países pobres, no que diz respeito à expansão científica e
tecnológica, continuam a reforçar o papel dos centros de poder e
de decisão.
É visível a tendência, no RDH/2001, de indicar a necessidade
de expandir nos indivíduos uma atitude avançada em relação aos
progressos tecnológicos. O que isso significa? A necessidade de
incentivar uma educação primária, secundária e terciária voltada
para criar nos indivíduos disponibilidade para enfrentar os desafios
postos por um mundo que tende a se assentar cada vez mais na
competição baseada na capacitação técnica e especializada. No
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cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
entanto, a aquisição de conhecimento e de atitudes avançadas
depende de ações tanto de empresas privadas quanto de políticas
públicas que devem estar voltadas para o favorecimento da
capacitação profissional e técnica, afirma o referido relatório.
As políticas nacionais são apontadas como essenciais para
combater a visão de que o mercado resolve, por si mesmo, os problemas gerados pela expansão tecnológica. Portanto, os governos
necessitam estabelecer amplas estratégias tecnológicas, em aliança
com outros interessados diretos. Os governos não deveriam tratar
de ‘selecionar ganhadores’, favorecendo certos setores ou empresas,
mas podem determinar quais são as esferas em que a coordenação
é beneficiosa (RDH/2001. Panorama geral: 6).
Em vez de preocupar-se tanto com um conhecimento que
assimile adequadamente as novas tecnologias, seria muito mais
importante enfatizar a necessidade de investir pesadamente na
geração de um quadro técnico, nos países não-desenvolvidos, capaz de formar agentes atuantes no processo de geração de novas
tecnologias. Se a preocupação do RDH/2001 é com o fortalecimento
de redes favorecedoras dos países que não fazem parte dos centros
de poder que estruturam e comandam a globalização financeira e
tecnológica, é, então, necessário defender o aperfeiçoamento do
fator humano que vá além da adequação e da assimilação das tecnologias geradas por aqueles países que comandam e controlam
os investimentos e os ganhos provenientes da mundialização em
curso.
Os problemas postos pelo Relatório do Desenvolvimento
Humano, de 2001 –no que diz respeito ao direcionamento da expansão tecnológica, entendida esta como mais um fator no processo
de geração do bem-estar da população me geral– são políticos e
não somente econômicos. No caso de países como o Brasil, qual é
a possibilidade dos indivíduos mais pobres ser beneficiados pelo
avanço tecnológico em curso? Celso Furtado afirma que “para
participar da distribuição da renda social, é necessário estar habilitado por títulos de propriedade e/ou pela inserção qualificada no
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sistema produtivo. O que está bloqueado em certas sociedades é o
processo de habilitação” (Furtado, 1999: 11).
Obviamente, o RDH/2001 tem o mérito de trazer à tona a
necessidade de gerar esse desbloqueio. No entanto, muitas vezes fica
evidenciado que ele persegue esse objetivo sugerindo a conciliação
da lógica do mercado com políticas públicas capazes de compensar as
falhas detectáveis no jogo que se estabelece nesse mesmo mercado13.
Nos países subdesenvolvidos, em que há uma ingente pobreza, os
problemas estruturais que geram os bloqueios da habilitação para
se inserir no sistema produtivo “não encontram solução por meio
dos mecanismos do mercado” (Furtado, 1999: 11). O RDH/2001
reconhece isso, porém, ratifica, em muitos momentos, uma lógica
perpetuadora das disparidades sociais. Os indivíduos mais pobres,
nos países subdesenvolvidos, não serão habilitados para participar
da distribuição da renda nacional, se persistir uma adequação e
uma assimilação que enlaçam somente uma parte da sociedade nos
benefícios originados das novas tecnologias. Essa lógica da exclusão
tende a se perpetuar em países onde há enormes atrasos nos
investimentos no fator humano, atraso que se traduz em extremas
disparidades entre salários de especialistas e do operário comum.
O salário de um engenheiro de produção no Brasil rivaliza com
o de países desenvolvidos de média renda e é três vezes mais alto
que o do México, cuja renda per capita é similar à nossa. Enquanto
isso, o salário do trabalhador não especializado se nivela com os
mais baixos da América Latina. O índice de desenvolvimento do
fator humano das Nações Unidas, que inclui referências sociais
ao lado das necessidades econômicas, apresenta o Brasil como
um caso de claro atraso no desenvolvimento social no que tange
à renda per capta. Deduz-se desses dados que o Brasil acumulou
13 “A globalização impulsionou o progresso tecnológico através da concorrência e dos
incentivos dos mercados globais e dos recursos financeiros e científicos mundiais. E o
mercado mundial assenta sobre a tecnologia, com a tecnologia como fator principal de
concorrência de mercado” (RDH/2001a – Transformações tecnológicas atuais – criação
da era das redes: 31).
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cumprimento dos objetivos de desenvolvimento do milênio da onu?
historicamente um considerável atraso em investimento no fator
humano, ou seja, na promoção do bem-estar da massa da população.
A miséria de grande parte do povo brasileiro é a contrapartida do
hiperconsumo, que é o traço dominante de uma pequena minoria
(Furtado, 1999: 11-2). ID
&
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