DIREITO PENAL GERAL
PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS
TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
A Teoria da Imputação Objetiva foi inicialmente desenvolvida, dentro do Direito Civil, por Karl
Larenz, em 1927, inspirado no pensamento do filósofo alemão Hegel (1770-1831), visando delimitar
os limites entre os acontecimentos acidentais e os dominados pela vontade do agente. Na esfera
penal, Richard M. Honig, em 1930, foi o primeiro a apresentar um ensaio sobre a causalidade e
imputação objetiva, sustentando que a causalidade só é relevante quando previsível e dominável
pela vontade humana. Modernamente, Claus Roxin, a partir de 1962, retomou os estudos da
aludida teoria publicando o trabalho Contrariedade ao dever e resultado nos delitos culposos. Em
1970, Roxin publicou a obra Reflexões sobre a problemática da imputação em direito penal.
Vimos que, de acordo com o procedimento hipotético de eliminação de Thyrén, a conduta só
é causa do resultado, quando, suprimindo-a mentalmente, este não teria ocorrido como ocorreu.
Ressaltamos também que o regressus ad infinitum, que esse método de eliminação poderia gerar, é
contido pela causalidade psíquica (dolo e culpa). Assim, o dolo e a culpa restringem a incidência do
nexo causal entre a conduta e o resultado, colorindo a causalidade física de um conteúdo jurídico.
A Teoria da Imputação Objetiva, a nosso ver, tem o mérito de ser um novo filtro ao liame
entre a conduta e o resultado. Assim, de acordo com essa teoria, não basta, para que se reconheça
o nexo causal, o primeiro filtro da causalidade física, apurada pelo critério de eliminação hipotética,
nem o segundo filtro consubstanciado no dolo ou culpa; urge ainda que o agente, com sua conduta,
tenha criado, para o bem jurídico, um risco acima do permitido. A verificação do nexo causal, após
passar pelos filtros da eliminação hipotética e da causalidade psíquica, depende ainda de a conduta
do agente ter incrementado um risco para o bem jurídico. Exemplo: “A” induz o tio a passear no
bosque, num dia de chuva, na esperança de que um raio o atinja. Na hipótese de o raio atingí-lo, o
agente responde por homicídio? Pela teoria da conditio sine qua non, o agente causou o resultado,
pois, suprimindo mentalmente a sua conduta, a morte não teria ocorrido. E, como agiu com dolo,
responderia por homicídio doloso. A teoria da imputação objetiva exclui o nexo causal, impedindo a
responsabilidade penal do agente, porque o risco por ele criado não é contrário ao Direito.
1º filtro: teoria da conditio sine qua non;
2º filtro: causalidade psíquica (dolo e culpa);
3º filtro: teoria da imputação objetiva.
A doutrina divide a imputação objetiva em duas escolas. A Escola de Munique, liderada por
Roxin, e a Escola de Bonn, de Jakobs. O pensamento de Roxin vem conquistando maior número de
adeptos.
Grosso modo, a imputação objetiva, na visão de Roxin, depende de três requisitos:
a) de a conduta criar para o bem jurídico um risco socialmente inadequado, isto é, acima do
permitido;
b) de se atribuir a ocorrência do resultado a esse perigo criado pela conduta.
c) que o resultado esteja compreendido no âmbito de alcance do tipo.
A tipificação dos crimes materiais depende desses três requisitos. Quanto aos crimes formais
e de mera conduta, para se caracterizarem, basta o primeiro requisito, dispensando-se os dois
últimos, porquanto são destituídos de resultado naturalístico
A Teoria da Imputação Objetiva visa restringir a incidência do nexo causal e não propriamente
imputar a conduta típica ao agente. Trata-se, conforme já salientamos, de mais uma limitação à
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questão da causalidade, através de critérios normativos que se coadunam com a própria função do
Direito Penal, que deve limitar-se a reprimir as ações que criam para o bem jurídico um risco
desaprovado, que evolui para a produção de um resultado que poderia ser evitado.
Discute-se, na doutrina, se a teoria da imputação objetiva deve ser aplicada, tão-somente, aos
crimes materiais (de conduta e resultado), ou se também deve ser estendida aos delitos formais e
de mera conduta. Inicialmente, a aludida teoria era aplicada tão-somente aos crimes de resultado
naturalístico, mas atualmente há uma tendência a estendê-la a todos os delitos, sejam eles
materiais, formais, de mera conduta, culposos, dolosos, comissivos ou omissivos.
Quanto à natureza jurídica da imputação objetiva, também há divergência. Para uns é causa
de exclusão da tipicidade; para outros, exclui a antijuridicidade. A meu ver, quanto aos crimes
materiais, de perigo concreto e omissivo impróprio. A nosso ver, a matéria está situada no tema do
nexo causal. Assim, quando não há imputação objetiva exclui-se o nexo causal, de modo que a
conduta passa a ser atípica. Referentemente aos delitos formais, de mera conduta e omissivos
próprios, a teoria da imputação objetiva situa-se no plano da conduta, de modo que sem imputação
objetiva não há conduta.
De acordo com a aludida teoria, exclui-se a imputação nas seguintes hipóteses:





se o agente tiver diminuído o risco para o bem jurídico;
se o agente não tiver aumentado o risco para o bem jurídico;
se o risco era permitido;
se esse risco não se materializar no resultado típico;
se o resultado, na forma como ocorrido, não se incluir no âmbito de alcance do tipo.
Em primeiro lugar, não se deve imputar o resultado ao agente que realizou a conduta com o
intuito de diminuir o risco para o bem jurídico. Com efeito, seria incoerente vislumbrar a presença
do injusto na conduta realizada para proteger o bem jurídico. Como esclarece Juarez Tavares,
embora o agente tenha provocado uma lesão ou um perigo de lesão ao bem jurídico, não lhe será
imputado tal resultado de dano ou de perigo, se a sua conduta consistiu numa alteração do
processo causal em marcha, de modo a tornar menor essa lesão ou menor a possibilidade de
ocorrência do perigo. Por exemplo, “A” afasta com um forte empurrão o revólver de “B”, fazendo
com que atinja o ombro de “C”, mas impedindo que alcançasse sua cabeça. Embora o empurrão de
“A” seja causal para a lesão no ombro de “C”, não lhe será imputada tal lesão porque, com sua
conduta, “A”, na verdade, diminuiu o risco de uma lesão maior do bem jurídico, que seria a morte
de “C”. Como adverte Roxin, a justificativa para a adoção desse critério reside em que, ao agir para
minorar as consequências de um ato em si lesivo, o agente atuou no sentido da finalidade de
proteção da norma e não contra ela. Outro exemplo consiste na intervenção cirúrgica para salvar a
vida do doente, causando-lhe um mal menor. Deve ainda ser lembrada a hipótese de o agente
empurrar um deficiente físico, causando-lhe lesões corporais, evitando, porém, que ele seja
atropelado por um carro. Note-se que, nos exemplos ministrados, não há propriamente estado de
necessidade, tendo em vista que esta excludente pressupõe dois bens jurídicos em conflito,
devendo um ser sacrificado para preservar o outro. O estado de necessidade, que exclui apenas a
antijuridicidade, ocorre quando a ação de diminuição de risco refere-se a bens jurídicos de
titularidades diferentes. No caso de a ação diminuidora do risco atingir bem jurídico pertencente à
mesma pessoa, a hipótese é de exclusão da tipicidade, nos moldes da teoria da imputação objetiva.
Por outro lado, haverá imputação objetiva quando o agente, interferindo no processo causal em
marcha, inaugura um novo processo causal, não para diminuir o risco, mas para a realização de
outro resultado, igualmente criminoso, mas menos lesivo para a vítima. Exemplo: “A”, sabendo que
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“B” iria ser atacado por “C”, que planejava matá-lo, agride “B”, antes que ele alcance o local da
emboscada. Note-se que a intenção de “A” não foi diminuir o risco, mas causar outro resultado
menor, agindo com intenção criminosa, razão pela qual responde pelo delito. Assim, cumpre não
confundir a conduta que visa a diminuição do risco, cuja finalidade é lícita, com a conduta que visa a
troca do risco por outro igualmente criminoso. Nessa última hipótese, o agente responde pelo
delito.
Em segundo lugar, também não haverá imputação objetiva quando o agente, embora não
tenha diminuído o risco para o bem jurídico, não o tenha aumentado. O aumento do risco só pode
ser atribuído ao agente que tenha a capacidade de domínio do processo causal. Cumpre também
esclarecer que, para aferição do aumento do risco, urge que o agente tenha realizado uma conduta
relevante e desaprovada pela ordem jurídica. Com efeito, não será típica uma conduta que se
encontra dentro da normalidade social. Assim, o sobrinho que manda seu tio para uma viagem de
avião, na esperança de que este caia, não responde pela morte decorrente da queda casual do
avião, não obstante o dolo de matar. Observe-se que estava absolutamente fora do seu domínio a
ocorrência do resultado, que, por isso, deve ser atribuído ao acaso. Se, porém, o agente tiver
ciência de que no avião estará um terrorista, que irá explodi-lo, responderá por homicídio, na
condição de partícipe.
Em terceiro lugar, não haverá imputação objetiva quando o agente atuar dentro dos limites
do risco permitido. Entende-se por risco permitido aqueles perigos que resultam de condutas social
e juridicamente toleradas, relacionados às atividades exigidas pela vida social. Exemplos:
construções de edifícios, funcionamento de fábricas, tráfegos rodoviário, ferroviário e aéreo,
funcionamento de hospitais etc. Nessas situações, não se pode imputar o resultado ao agente, que
observou as regras inerentes a essa atividade. Assim, o dono de uma fábrica, que fornece protetor
auricular aos operários, não responde criminalmente pelas lesões auditivas advindas dos ruídos
excessivos das máquinas. A nosso ver, para solucionar o problema não há necessidade de invocar a
teoria da imputação objetiva, porque a hipótese é de exclusão da culpa. Com efeito, nas atividades
perigosas, mas socialmente aceitas, a culpa só se configura quando o agente ultrapassa os limites
do risco permitido.
Em quarto lugar, não há imputação objetiva quando o risco incrementado pelo agente não
gerar a produção do resultado típico. Exemplo: “A” e “B” combinam um roubo. “A” permanece fora
da residência da vítima, vigiando o local. “B” penetra na residência, rouba a vítima e ainda
aproveita para estuprá-la. “A” não responderá pelo estupro, porque o desvio causal inesperado foi
provocado por “B”. Ora, a nosso ver, o problema é resolvido no filtro da causalidade psíquica
(ausência de dolo), não havendo necessidade de se invocar a teoria da imputação objetiva. É óbvio
que “A” não responderá pelo resultado, pois não agiu com dolo à medida que desconhecia por
completo o propósito de “B” em relação ao estupro. Da mesma forma, exclui-se a imputação
objetiva, quando o resultado teria ocorrido ainda que o agente tivesse agido conforme o direito.
Exemplo: “A”, dirigindo em excesso de velocidade, atropela “B”, causando-lhe a morte. Apura-se
que “B” atirou-se na frente do veículo, visando o suicídio. Apura-se também que a morte ocorreria
ainda que “A” estivesse dirigindo na velocidade adequada. Outro exemplo: O farmacêutico fornece
ao paciente um remédio vencido. Este vem a morrer, em razão da ingestão do medicamento.
Apura-se que a morte ocorreria da mesma forma, ainda que o remédio fosse válido. Nesses dois
exemplos, o agente não responde pelo resultado, porque o risco incrementado não foi a causa do
evento. Ora, nesses exemplos, também não há necessidade de se valer da teoria da imputação
objetiva, porque o agente não procedeu com dolo nem culpa, resolvendo-se o problema no filtro da
causalidade psíquica.
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Em quinto lugar, não haverá imputação objetiva se o resultado, na forma como ocorrido, não
se incluir no alcance do tipo. Assim, exclui-se do alcance do tipo o resultado que é produzido: a) em
razão do perigo assumido voluntariamente pela vítima; b) em razão de uma conduta realizada por
um agente que estava obrigado a enfrentar o perigo.
Com efeito, exclui-se a imputação objetiva nos casos em que o agente contribui para que a
vítima realize conscientemente uma conduta perigosa para si mesma. A imputação do resultado ao
agente violaria a liberdade da vítima, que tem o direito de fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. De
acordo com o princípio da auto-responsabilidade, o resultado decorrente de uma ação livre e
inteiramente responsável de alguém não pode ser imputado àquele que tenha fomentado
anteriormente a realização dessa conduta. Argumenta-se que a imputação violaria a liberdade
pessoal. Vejamos alguns exemplos, hauridos do ensinamento de Juarez Tavares:
Exemplo 1: “A” aconselha “B” a dedicar-se ao alpinismo e a escalar a Cordilheira dos Andes.
Por ser “B” ainda inexperiente neste esporte, acaba caindo e morrendo, durante a escalada. De
acordo com a teoria da imputação objetiva, “A” não deve responder pelo resultado, porque a mera
instigação à prática de alpinismo insere-se dentro dos limites do risco permitido, à medida que o
Estado permite o alpinismo, de modo que não pode ser proibido o mero conselho à prática deste
esporte. Trata-se de uma situação de auto-risco, assumida pela própria vítima, que o direito não
pode coibir, porque representaria uma interferência à liberdade pessoal. Convém, porém,
esclarecer que, se “B” jamais tivesse recebido instruções de alpinismo, “A” responderia pelo
resultado, a título de dolo ou culpa, conforme a hipótese, pois a sua conduta representou um
aumento do risco para a vida de “B”.
Exemplo 2: “A” convida “B” a participar de uma corrida noturna (pega) de automóveis. “B”
acaba morrendo, em razão da colisão de seu automóvel contra um caminhão. Os adeptos da teoria
da imputação objetiva sustentam que “A” não deve responder pelo homicídio, embora reconheçam
que a sua ação tenha incrementado o risco de acidente. Argumentam que a legislação brasileira
não prevê como crime nem o suicídio, nem o autoperigo. Quanto ao suicídio, o Código Penal pune
apenas as ações de instigar, induzir e prestar auxílio. No caso, “A” não pode responder pelo delito
de participação e suicídio, porque “B” não tinha a intenção de morrer, de modo que não há falar-se
em suicídio. No que toca ao autoperigo, ensina Juarez Tavares, o Código não prevê a incriminação
dos partícipes. Argumenta-se ainda que, se a lei não incrimina a participação dolosa no autoperigo,
não poderá incriminar a participação nos resultados eventualmente decorrentes dessa ação de
autoperigo. Discordamos dessa solução. A nosso ver, “A” deve responder por homicídio culposo,
porque a sua conduta deu causa à morte de “B”.
Exemplo 3: “A” convida “B” a participar, juntamente com outros, de uma sessão de consumo
de drogas. Como “B” havia tomado, anteriormente, algumas doses de uísque, sem o conhecimento
de “A”, tão logo absorve por aspiração os primeiros miligramas de cocaína sofre uma parada
cardíaca e morre. Note-se que “A” deve responder como partícipe do crime previsto no art. 28 da
Lei nº 11.343/2006. Todavia, não se lhe deve atribuir o resultado morte, porque não agiu com
animus necandi. Quanto ao delito de homicídio culposo, também não se lhe deve imputar, porque,
de acordo com o princípio da auto-responsabilidade, o tipo penal não abrange as condutas que
incrementam o risco, quando este é assumido voluntária e integralmente pela vítima, que acaba
sofrendo as consequências danosas, mediante sua própria conduta descuidada. Ora, a nosso ver,
“A” não teve culpa na morte, de modo que, para a solução, não há necessidade da teoria da
imputação objetiva, filtrando-se a sua responsabilidade na causalidade psíquica.
Como se pode perceber, a teoria da imputação objetiva exclui a responsabilidade do agente
na hipótese de o resultado ocorrer exclusivamente em razão do risco assumido pela própria vítima
(princípio da auto-responsabilidade), deixando de fora da órbita de atuação do Direito Penal o
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processo causal anterior e produtor do perigo.
Anote-se, porém, que haverá imputação objetiva quando a vítima instiga outra pessoa a
realizar uma conduta contrária ao dever. Em tal situação, o instigado responde pelo resultado, se
este advier de sua própria falha. Tomemos os seguintes exemplos, hauridos mais uma vez do
ensinamento de Juarez Tavares:
Exemplo 4: “A” insiste com “B”, para que este dirija mais depressa, apesar de estar chovendo
e a pista escorregadia. Embora relute a princípio, “B” acaba cedendo aos insistentes apelos de “A”,
vindo a derrapar e a produzir lesões neste. Assim, se a derrapagem foi causada por uma distração
do motorista “B”, este responde pela lesão causada, porque a vítima “A” não assumiu o risco de um
resultado danoso.
Exemplo 5: “A”, como passageiro de um veículo, não aceita colocar o cinto de segurança; em
consequência disso, numa freada um pouco mais intensa do veículo, golpeia a cabeça no párabrisas, sofrendo uma grave lesão na cabeça. Em tal situação, o motorista não responde pelo
resultado, porque a norma que impõe o uso de cinto de segurança só deve ser levada em conta no
âmbito administrativo. Com efeito, a exigência do uso do cinto de segurança se baseia no princípio
empírico da probabilidade e não da certeza de que seu desatendimento conduzirá a resultados
perigosos ou danosos. Estes resultados ocorrem, normalmente, em razão da velocidade imprimida,
e não propriamente da falta do cinto de segurança. No caso, o motorista não falhou, pois imprimia
uma velocidade normal, razão pela qual a ele não poderá ser imputada a lesão sofrida pelo
passageiro, sobretudo porque este assumiu a responsabilidade de tal evento.
Por outro lado, exclui-se a imputação objetiva nos casos em que o agente realiza uma
conduta perigosa, mas sobre ela interfere outra conduta de um agente que estava obrigado a
enfrentar o perigo. Com efeito, a conduta perigosa deixa de ser causa do resultado na hipótese de
este ser produzido por uma nova conduta realizada pela pessoa que tinha o dever jurídico de
impedir o resultado. Assim, o agente obrigado a enfrentar o perigo assume a responsabilidade de
tornar inócua a fonte do perigo. Juarez Tavares cita os seguintes exemplos:
Exemplo 1: O motorista “A” dirige um caminhão à noite, por uma estrada movimentada, com
as lanternas traseiras apagadas, sendo por isso detido num posto da Polícia Rodoviária. Como “A”
se dispõe a reparar imediatamente o defeito, para seguir viagem, o policial “B” resolve acompanhálo com o carro-patrulha até a oficina mais próxima, seguindo atrás do caminhão, com as luzes de
advertência acesas; durante o percurso, recebe “B” um chamado do Posto Policial e abandona “A”
à sua própria sorte. Em consequência da falta de visibilidade acarretada pelo fato de o caminhão
trafegar sem as luzes, “C” choca-se contra a sua carroceria, vindo a morrer no local. De acordo com
a teoria da imputação objetiva, o motorista “A” não responde pelo resultado, salvo se, tendo
conhecimento de que o policial se afastara, continuou assim mesmo a viagem. Ora, a nosso ver, “A”
não teve culpa, pois acreditava que o policial “B” estava a lhe acompanhar, de modo que, para
solucionar o problema, não há necessidade da teoria da imputação objetiva.
Exemplo 2: “A” esquece o ferro de passar roupas ligado, ocasionando um incêndio em seu
apartamento. Durante os trabalhos de apagar as chamas, um dos bombeiros é gravemente ferido
pela queda de um lustre no local. Em tal situação, “A” não responde pelo resultado, porque o
bombeiro tem obrigação de apagar as chamas, sendo inerente à profissão a assunção dos
resultados decorrentes do exercício de sua atividade.
Exemplo 3: “A” fere “B” na perna, sendo este último transportado ao hospital; lá, o médico
“C”, erroneamente, entende que lhe deve amputar a perna, porque seria o único meio de evitar
uma septicemia. No caso, não se pode imputar o resultado a “A”. Este responderá apenas por lesão
leve (art. 129). Apenas o médico responderá pelo resultado mais grave.
Cumpre também analisar os cursos causais hipotéticos. Opera-se o curso causal hipotético,
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segundo Luís Gabos Alvares, quando o resultado, fruto da conduta do agente, aconteceria mesmo
se este não tivesse agido, pois outro o provocaria em seu lugar. Na Alemanha, concluiu-se que não
se pode excluir a imputação pelo simples fato de que o autor substituto teria também realizado o
resultado. Assim, aquele que furta determinada coisa não se exime da responsabilidade,
demonstrando que o furto ocorreria de qualquer jeito por outra pessoa. Com efeito, a norma
proibitiva continua vigente e com eficácia, nas circunstâncias, não se justificando a impunidade
porque o bem jurídico protegido estaria em perigo de qualquer forma. Anote-se, porém, que o
assunto não é pacífico entre os adeptos da teoria da imputação objetiva, pois uns proclamam a
exclusão da responsabilidade causal, outros ainda sustentam que cada caso deve ser analisado
individualmente. Outros exemplos polêmicos ainda podem ser mencionados: a) o fabricante de
pincéis deixa de desinfetar os pêlos dos pincéis, provocando a morte de diversos trabalhadores,
que se infectaram com a doença. Apura-se, porém, que a desinfetação não teria eliminado o bacilo
que causou o resultado, de modo que este teria ocorrido da mesma forma; b) o farmacêutico,
diante da insistência da mãe da criança, ministra-lhe um medicamento, causando-lhe a morte.
Apura-se que se o médico tivesse sido consultado teria receitado esse mesmo medicamento, de
modo que a morte ocorreria da mesma forma; c) o agente, segundos antes de o carrasco executar a
pena de morte, antecipa-se e aciona o gatilho do revólver, determinando a morte do condenado.
Na Alemanha, em todos esses casos, prevalece a tese da responsabilidade penal, porque o agente
realizou uma conduta proibida pelo ordenamento jurídico, aumentando o risco já existente.
Finalmente, como se pode perceber, a teoria da imputação objetiva, conquanto útil à
resolução de certos problemas, ainda não está completamente madura, encontrando-se em
desenvolvimento, sendo, pois, um pouco prematuro para abraçá-la na íntegra. Trata-se, sem
dúvida, de uma teoria que visa atingir o fim do Direito Penal, de garantir expectativas normativas,
excluindo a tipicidade das condutas socialmente adequadas, que não criam um risco acima do
permitido. Tem o mérito de excluir do âmbito de incidência do Direito Penal o resquício de
causalidade material, que a causalidade psíquica não conseguiu eliminar. Aludida teoria visa limitar
a responsabilidade penal, complementando a teoria da conditio sine que non, que, por sua vez, já
era limitada pela causalidade psíquica (dolo e culpa). Com efeito, para que haja imputação objetiva,
não basta a mera relação de causalidade física ou psíquica, urge ainda que o agente tenha realizado
um risco proibido pela norma. Se o direito não proíbe certa conduta, nada justifica a sua
incriminação, na medida em que não constitui um risco de lesão ao bem jurídico.
RESUMO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
De acordo com a teoria da imputação objetiva, o agente só responderá criminalmente
quando realizar uma conduta criadora de risco acima do permitido, exigindo-se, ainda, nos delitos
materiais, que este risco tenha sido a causa do resultado, e, por fim, que o resultado esteja
compreendido no âmbito de abrangência do tipo penal.
São, pois, requisitos dessa teoria:
 que a conduta tenha criado um risco socialmente inadequado, isto é, acima do permitido;
 que este risco tenha sido a causa do resultado;
 abrangência do resultado pelo tipo penal.
Esses três requisitos são exigidos para os delitos materiais, ao passo que, nos delitos formais e
de mera conduta, bastam o primeiro requisito, tendo em vista a ausência de resultado naturalístico.
Passemos à análise desses requisitos.
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O primeiro, criação pela conduta de um risco acima do permitido, torna evidente que o
direito não pode incriminar uma conduta juridicamente permitida. Se, por exemplo, o sobrinho
instiga o tio a ir pescar na barranca de um rio, na esperança de que este venha a cair e morrer, nao
há falar-se em delito, uma vez que a conduta inicial de instigar alguém a ir pescar é lícita, não
obstante a má-intenção do agente. Quando a conduta em si é lícita não se pode transmudá-la em
ilícita simplesmente porque o agente encontra-se motivado por uma intenção criminosa, pois,
conforme ja diziam os romanos, ninguém sofre pena pelo simples pensamento.
O segundo requisito, liame entre o perigo e o resultado, consiste na exigência da constatação
de que a conduta socialmente inadequada produziu, de fato, o resultado criminoso. No exemplo do
farmacêutico, que fornece um remédio vencido ao paciente que lhe apresenta uma receita médica,
constata-se, inegavelmente, a prática de uma conduta criadora de risco acima do permitido. Ao
apurar-se, porém, que a morte do paciente ocorreu em razão do remédio, e não pelo fato deste
estar vencido, força convir que o farmacêutico não tem qualquer responsabilidade pelo evento
lesivo, respondendo, tão somente, pela venda proibida e não pelo homicídio.
O terceiro requisito é o que exige a abrangência do resultado pelo tipo penal. De acordo com
a teoria da imputação objetiva, estão excluídos do âmbito de abrangência do tipo penal dois
resultados, a saber:
a) O resultado advindo de perigo assumido voluntariamente pela vítima. Este asunto que, na
doutrina, é conhecido como auto-colocação da vítima em risco, é o que tem suscitado as maiores
polêmicas. Não há, por exemplo, que se imputar o delito de homicício ao médico do clube de
futebol que, diante das insistências do jogador cardiáco, que queria a qualquer custo jogar, o
liberou para o jogo, concorrendo, no plano físico da causalidade, para a sua morte, decorrente de
infarto fulminante, durante a partida de futebol. Outro exemplo: o alpinista experiente que induz o
alpinista inexperiênte a escalar a Cordilheira dos Andes, não responde pela eventual morte deste. O
fundamento para que o fato seja atípico nessas situações baseia-se no princípio da reserva legal.
Com efeito, à medida que o Código Penal, no art. 122, incrimina a participação em suicídio, que é
uma hipótese em que o resultado é assumido voluntariamente pela vítima, não há falar-se em
delito noutras hipóteses similares, tendo em vista o silêncio da lei e a vedação da analogia “in
malam partem”. De fato, fora da hipótese do art. 122 do CP, não há lei incriminando o induzimento,
instigação ou auxílio ao perigo à vida ou a saúde assumido voluntariamente por alguém. E também
não há falar-se na incidência do art. 132 do CP, cuja incidência se restringe à exposição de perigos
não assumidos voluntariamente pela vítima.
b) O resultado oriundo de fluxo causal desencadeado por uma conduta perigosa, mas cuja
ocorrência principal se deve a outra conduta sucessiva, emanada de pessoa que tinha o dever
jurídico de impedí-lo.Nesse caso, a segunda conduta, porque advinda de alguém que tinha o dever
jurídico específico de impedir o resultado, tem o condão de excluir do primeiro agente a
responsabilidade criminosa pelo evento lesivo. No exemplo em que “A” fere levemente “B” na
perna direita e esta posteriormente vem a ser amputada erroneamente pelo médico que atendeu a
vítima, não se pode, de acordo com a teoria da imputação objetiva, imputar o resultado maior, isto
é, a perda do membro inferior direito a “A”, mas apenas ao médico, apesar de a conduta deste
último integrar a mesma linha de desdobramento físico da conduta iniciada pelo agente, já que
ambas as condutas atingiram a perna direita da vítima. Note-se que o § 1o do art. 13 do CP quando
exclui o resultado do âmbito da responsabilidade do agente pelo advento de causa superveniente
relativamente independente que produz, por si só, o resultado, refere-se a uma nova causa que não
se encontra na mesma linha de desdobramento físico iniciada pela conduta do agente (exemplo:
“A” fere “B” na perna direita e o médico, por erro, amputa a perna esquerda). Portanto, a hipótese
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versada pela teoria da imputação objetiva não se confunde com o § 1 o do art. 13 do CP, porquanto
versa sobre uma situação em que a causa superveniente encontra-se na mesma linha de perigo
desencadeada pela conduta do agente, eliminando-se, no entanto, a responsabilidade do primeiro
agente pelo fato de esta nova causa emanar de pessoa que tinha o dever jurídico específico de
impedir o resultado. A meu ver, este ponto de vista pode ser acolhido no direito brasileiro,
aplicando-se por analogia “in bonam partem” o § 1º do art. 13 do CP, imputando-se ao agente
apenas os atos anteriores ao resultado.
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PERGUNTAS:
1) A que visava inicialmente delimitar a Teoria da Imputação Objetiva desenvolvida dentro do
Direito Civil?
2) No Direito Penal como se colocou inicialmente a questão da imputabilidade objetiva e a
causalidade?
3) Qual o mérito dessa teoria no que tange à relação conduta e resultado?
4) Como se traduz esse “filtro” ao lado da causalidade física e da causalidade psíquica? Cite um
exemplo?
5) Quais os dois requisitos na visão da Escola de Roxin?
6) A Teoria da Imputação Objetiva preocupa-se com a conduta típica ou com o nexo de
causalidade?
7) Onde entra a questão do risco na Teoria da Imputação Objetiva?
8) A Teoria da Imputação Objetiva aplica-se somente aos delitos materiais ou também aos formais,
de mera conduta e até aos culposos?
9) Qual é a natureza jurídica da imputação objetiva?
10) Em que hipóteses, de acordo com a Teoria da Imputação Objetiva, se exclui a imputação?
11) Por que se exclui a imputação nos casos de o agente haver diminuído o risco para o bem
jurídico?
12) E se houver troca de risco, como fica a questão?
13) Como se explica a não imputação nos casos de não aumento de risco para o bem jurídico?
14) Qual o critério para a aferição do aumento do risco?
15) O que significa atuar dentro dos limites do risco permitido?
16) E o que se entende por risco permitido?
17) Por que não há imputação objetiva quando o risco incrementado pelo agente não gerar a
produção do resultado típico? Dê um exemplo.
18) Nesse último caso o “filtro da causalidade psíquica” já não teria resolvido a questão? Por quê?
19) Quando é que o resultado não se inclui no alcance do tipo, excluindo a imputação objetiva? Cite
exemplos.
20) O que é curso causal hipotético?
21) É pacífico esse entendimento? Por quê?
22) Qual o mérito que se pode atribuir à Teoria da Imputação Objetiva?
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LEI DE INTRODUÇÃO