Água com gás inflamável
06 de julho de 2013
FERNANDO REINACH - O Estado de São Paulo
Desde o início do boom da exploração do gás de xisto
(shale gas) nos EUA, os ambientalistas se preocupavam
com o risco de contaminação dos reservatórios de água.
Agora, os primeiros estudos científicos demonstraram que a
contaminação de fato ocorre, mas ainda não se sabe a
extensão do problema.
Existem diversos tipos de rochas que contêm grandes
quantidades de gás combustível acumulado em pequenas
frestas. Como o gás está preso no interior das frestas, ele
não pode ser extraído simplesmente fazendo um poço
vertical, como os utilizados para extrair petróleo. Mas, nos
últimos anos, foi aperfeiçoada uma tecnologia capaz de
extrair este combustível de maneira fácil e barata.
Primeiro, se faz um furo vertical até a profundidade do
reservatório. Depois, o equipamento de perfuração é
reorientado de modo que o furo continua na direção
horizontal por longas distâncias (até 3 km), aumentando a
área de contato do furo com a rocha porosa que contém o
gás. O passo seguinte consiste em injetar água com
produtos químicos no furo e submeter este líquido a
grandes variações de pressão. A água com os produtos
químicos provoca rachaduras na rocha, que permitem o
vazamento do gás para dentro do furo. As rachaduras
também podem ser provocadas utilizando explosivos
detonados na ponta do furo. Este processo é chamado de
"fracking", pois provoca rachaduras em grandes extensões
da rocha que contém o gás. São por essas rachaduras que
o gás escapa, é coletado, e chega à superfície. Até 2012,
haviam sido feitos mais de 2,5 milhões de furos dessa
natureza para coletar gás em antigos campos de petróleo.
É essa tecnologia que permitiu o grande aumento na
produção de gás nos EUA e promete tornar o país
independente da importação de petróleo nas próximas
décadas.
O problema é que as rochas que contêm o gás estão por
baixo das camadas de rocha onde se acumula a água que
bebemos, os chamados aquíferos. O risco é que, da mesma
maneira que essas rachaduras permitem a migração do gás
combustível para o interior do furo, elas permitam o
vazamento do gás para dentro dos reservatórios de água,
contaminando a água potável presente no subsolo.
O estudo foi feito na formação de Marcellus, na Pensilvânia,
EUA. Foram analisadas amostras da água de 141 poços
utilizados para a produção de água potável em seis
municípios da região. A distância de cada poço de água até
o local mais próximo onde havia extração de gás por meio
do método de "fracking" também foi medida. Os resultados
mostram que 84% dos poços estão contaminados. A
quantidade de metano, etano e propano presente na água
dos poços aumenta quanto mais próximo o poço estiver do
local onde está sendo extraído o gás. Nos poços localizados
a menos de 1 km dos locais de extração, os níveis de
metano são 6 vezes maiores que o normal. Os níveis de
etano são 23 vezes maiores e propano foi detectado em 6
desses poços. Em 23 dos poços analisados a quantidade de
metano estava acima do nível considerado perigoso pelo
governo americano.
Os cientistas tentaram correlacionar a presença desses
gases com outros fatores, como o local do poços (vale ou
montanha), proximidade de antigos poços de petróleo, e
outras características geológicas. Nenhuma dessas
correlações foi positiva. O único fato que correlaciona
positivamente com a contaminação é a presença de furos
para a produção de gás por "fracking". Finalmente,
analisando a presença de carbono 13 nas moléculas dos
gases coletados na água dos poços, os cientistas
demonstraram que os gases vieram das rochas que contêm
petróleo e não foram produzidos por microrganismos no
interior dos poços.
O estudo demonstra de maneira irrefutável que, ao menos
nessa região, a extração de gás de xisto está contaminando
as reservas de água. Não se sabe ainda como ocorre a
contaminação. Ela pode estar ocorrendo na parte vertical
do furo, por causa de vazamentos nos tubos, ou, na pior
das hipóteses, pode ser por causa do próprio processo de
"fracking", como temem muitos ambientalistas.
Ao longo dos próximos anos será possível saber se a
contaminação ficará restrita aos poços próximos dos furos
ou se espalhará por todo o aquífero, contaminando as três
grandes reservas de água da região. Falta também
investigar se esses problemas podem ser controlados,
melhorando a tecnologia de extração de gás. De qualquer
modo, os primeiros estudos são no mínimo preocupantes.
É impressionante a pequena quantidade de estudos que
tentam mapear os riscos ambientais desse tipo de
exploração. A sensação que fiquei ao ler parte desses
estudos é que ainda não é possível ter certeza se a
exploração de gás de xisto vai se tornar uma atividade
segura ou um grande desastre ambiental. Parece que a
humanidade decidiu pular na piscina da riqueza e, só agora,
depois que partiu do trampolim, resolveu olhar se a piscina
tem água.
* FERNANDO REINACH É BIOLOGO.
MAIS INFORMAÇÕES: INCREASED STRAY GAS ABUNDANCE
IN A SUBSET OF DRINKING WATER WELLS NEAR
MARCELLUS SHALE GAS EXTRACTION. PROC. NAT ACAD.
SCI. USA DOI/10.1073/PNAS.1221635110 2013.
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