ISSN 1679-2483
REVISTA
Volume VIII — n. 1/2009
Brazilian Journal of Labour Studies
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DIRETORIA
Presidente
1º Vice-Presidente
2º Vice-Presidente
1º Secretário
2º Secretário
1º Tesoureiro
2º Tesoureiro
José Dari Krein
Roberto Alves de Lima
Cláudia Sá Malbouisson
Rosana Aparecida Ribeiro
Roberto Veras
Amilton Moretto
José Marçal Jackson Filho
CONSELHO FISCAL
Sonia Rocha
Ivan Targino
Elson L. Silva Pires
IETS
UFPB
UNESP
UNICAMP
UFPE
UFBA
UFU
UFCG-PB
UNICAMP
FUNDACENTRO-RJ
SUPLÊNCIA DO CONSELHO FISCAL
Raquel Rigotto
Darcile Gomes
Francisco Alves
UFCE
Fundação Joaquim Nabuco
UFSCAR
EDITORES DA REVISTA ABET
Professora Maria Cristina Cacciamali
Professora Rosana Ribeiro
GRUPO DE CONSULTA E APOIO
Marcia Leite (UNICAMP)
Paulo Fontes (CPDOC/FGV)
Silvia Araújo (UFPR)
José Celso Cardoso (IPEA)
Alexandre Barbosa (CEBRAP)
Francisco Oliveira Filho (DIEESE)
Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: R. P. TIEZZI
Capa: FABIO GIGLIO
Impressão: HR GRÁFICA E EDITORA
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LTr 4146.2
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Dezembro, 2009
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Agradecemos a colaboração dos pareceristas abaixo, que contribuíram para que o
número 1, volume VIII, ano 2009 da Revista ABET, fosse publicado:
Aldacy Coutinho — UFPR
Amilton Moretto — IE-UNICAMP
Andréia Galvão — IFCH-UNICAMP
Angela F. Jorge — IBGE
Anita Kon — PUC-SP
Ariovaldo Santos — UEL
Cândida Costa — UFMA
Cássio Calvete — DIEESE-PUC-RS
Cláudia Sá Malbouisson — UFBA
Darcilene Gomes — FUNDAJ
Edilson José Graciolli — UFU
Fernando T. Silva — IFCH-UNICAMP
Francisco Alves — UFSCAR
Fred Katz — UFPE
Hildete Pereira — UFF
José Marçal Jackson Filho — FUNDACENTRO
Lauro Mattei — UFSC
Lena Lavinas — UFRJ
Liana Carleial — UFPR
Marcelo Proni — IE-UNICAMP
Márcia Leite — FE-UNICAMP
Marco Aurélio Santana — UFRJ
Otávio V. Balsadi — EMPRAPA
Paula Montagner — ENAP
Raquel Rigotto — UFCE
Roberto Alves de Lima — UFPE
Roberto Veras — UFCG
Rosana Ribeiro — UFU
Sílvia Araújo — UFPR
Sonia Rocha — IETS
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SUMÁRIO
PREVIDÊNCIA SOCIAL E POBREZA NA ZONA RURAL DO NORDESTE BRASILEIRO (1991-2000) ............................................................................................................................................... 7
Social Security and Poverty in the Rural Zone of the Brazilian Northeast
(1991 - 2000)
Rosa Kato; Ivan Targino
FATORES ORGANIZACIONAIS QUE INFLUENCIAM NOS NÍVEIS DE ESTRESSE DE TRABALHADORES DE SAÚDE ........................................................................................................................... 24
Organization Factors which Influence in the Health Workers Stress Level
Flávio Renato Barros da Guarda; Amanda Karen de Santana Borges
REVELANDO COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS E GERENCIAIS: UM ESTUDO COMPARATIVO
NO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES ............................................................................................ 37
Disclosing Organizational and Managerial Competences: a Comparative
Study on Telecommunications Sector
Talita Ribeiro da Luz
UMA AVALIAÇÃO DO FATOR TRABALHO E DOS RENDIMENTOS NO SISTEMA DE CONTAS
NACIONAIS DO BRASIL .................................................................................................................. 57
The Assessment of Labor and Incomes on New Series of Brazilian National
Account
João Hallak Neto; Luciene Rodrigues Kozovits; Roberto Luís Olinto Ramos; Sandra
Rosa Pereira
A HIPÓTESE CROWDING EM UM ESTUDO SOBRE DISCRIMINAÇÃO E COMPOSIÇÃO RACIAL
E MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO .................................................................................... 72
The Crowding Hypothesis in a Study on Discrimination and Racial
Composition in the Brazilian Labour Market
Paulo R. A. Loureiro; Francisco Galrão Carneiro; Adolfo Sachsida
SINDICALISMO PRAGMÁTICO DOS BANCÁRIOS DO SÉCULO XXI .................................................. 88
Syndicalism Active Bank Clerk of the Century XXI
Ivan Jairo Junckes
POBREZA: REFLEXÕES ACERCA DO FENÔMENO ............................................................................ 111
Poverty: Reflections on the Phenomenon
Adir Valdemar Garcia; Paulo Sergio Tumolo
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QUEM SÃO E PARA ONDE VÃO OS MIGRANTES NO BRASIL? O PERFIL DO MIGRANTE
INTERNO BRASILEIRO .................................................................................................................. 125
Who are they and where go Migrant in Brazil? The Profile of the Brazilian
Internal Migrant
Wellington Ribeiro Justo; Raul da Mota Silveira Neto
UM ESTUDO DO PERFIL DOS CURSOS DE PSICOLOGIA DO TRABALHO NO BRASIL ................. 145
An Inquiry of Organizational Psychology Courses Profile in Brazil
Carolina Chahad Secco
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PREVIDÊNCIA SOCIAL E POBREZA NA ZONA RURAL
DO NORDESTE BRASILEIRO (1991-2000)
Social Security and Poverty in the Rural Zone of the
Brazilian Northeast (1991-2000)
Rosa Kato(*)
Ivan Targino(**)
RESUMO: O texto analisa os efeitos da Previdência Social sobre o nível de pobreza na zona rural do
Nordeste brasileiro. É nessa área do território nacional que se concentra o maior número de pobres
e indigentes. Os dados mostram que há uma diferença significativa no grau de pobreza entre os
domicílios com e sem beneficiários da Previdência Social. Essa diferença foi bem mais acentuada em
2000 do que em 1991, em virtude da elevação substancial ocorrida nos valores das aposentadorias.
O que permite concluir que a política de transferência de renda não é suficiente para assegurar uma
redução significativa no grau de pobreza. É necessário que os seus valores sejam expressivos. A
primeira seção se refere à abordagem metodológica, enquanto a segunda analisa a importância da
previdência social como instrumento de política pública de seguridade social. A terceira seção destaca
as relações entre a previdência social, pobreza e concentração da renda no nordeste rural, enfatizando
os impactos da previdência social sobre a renda familiar e os indicadores de desigualdade, pobreza e
indigência. A última seção é dedicada às notas conclusivas.
Palavras-chave: Previdência Social, Pobreza rural, Nordeste.
ABSTRACT: The objective of this paper is to analyze the influence of Social Security in the decrease
of the poverty and concentration of income in the rural zone of the Brazilian Northeast. It is in the
rural zone of the Northeast of Brazil that ponders the largest number of poor and indigent. The data
shows that there is a significant difference in the poverty degree and of misery among the homes
with and without retired. The impact of the social security in the family revenue was larger in 2000
than in 1991, because the revenues of the retired ones and pensioners of 2000 suffered a significant
elevation. That verification allows to infer that the existence of politics of income transfer is not
enough to cause a significant reduction in the poverty degree. It is necessary that the values of the
transfers are significant. The first section presents the methodological approach, while the second
analyzes the importance of the social welfare as an instrument of public policy of social security. The
third section presents the relations between the social welfare, poverty and income concentration in
the rural northeast, emphasizing the impacts of the social welfare on family income and the indicators
of inequality, poverty and penury. The last section is dedicated to conclusive notes.
Key-words: Social Security, Rural Poverty, Brazilian Northeast.
(*) Professora da FAVIP, Caruaru — PE/Brasil, e-mail: <[email protected]>.
(**) Professor do Departamento de Economia da UFPB, João Pessoa — PB/ Brasil, e-mail: <[email protected]>.
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O objetivo deste trabalho é analisar o efeito da política de transferência de renda por
intermédio da previdência social sobre a concentração de renda e a pobreza na área rural(1)
do Nordeste do Brasil. Esta política ganhou destaque, nos últimos anos, após a
universalização da previdência rural(2), que criou a figura do segurado especial, incorporando
à previdência social o amplo universo de agricultores familiares, autônomos e seus auxiliares
familiares.
Os temas pobreza e desigualdade têm aparecido como temas importantes, principalmente em economias com desigualdades socioeconômicas significativas (ROCHA, 2004).
Na medida em que comparamos a renda per capita brasileira com a linha de pobreza nacional e quando observamos que a renda per capita é significativamente superior à linha de
pobreza, podemos associar a intensidade da pobreza à concentração da renda e não à sua
escassez. O coeficiente de Gini do Brasil é um dos mais elevados do mundo. Além de o
Brasil manter uma desigualdade na distribuição pessoal da renda, observa-se também grande
desigualdade na distribuição da renda entre as regiões. No caso do Nordeste, o índice é de
0,58. E, ainda, o Nordeste é a região que tem o menor rendimento médio familiar
(HOFFMANN, 2001).
As disparidades na distribuição da renda, no Brasil, estão presentes também quando
comparamos a área rural com a área urbana. Os dados levantados por Hoffmann (2000,
p.16; CORREA, 1998), em 1998, mostram que o rendimento médio familiar per capita na
área rural era de R$ 102,90, correspondendo a apenas 35% do rendimento médio da área
urbana (R$ 292,40). Enquanto a renda per capita familiar dos 50% mais pobres que residiam
no meio urbano era de R$ 150,00, para os que residiam nas áreas rurais esse valor cairia
para aproximadamente R$ 60,00.
O Brasil, segundo Rocha (2001), tinha 13.614.127 de indigentes e isso representa
8,74% da população brasileira. O Nordeste é a região onde se concentra o maior número de
indigentes, cerca de 54%, particularmente, na sua zona rural. Com efeito, cerca de um
quarto (25,21%) dos indigentes do Brasil estão aí concentrados.
Este trabalho está organizado em quatro seções, além desta introdução. A segunda
parte faz uma apresentação sucinta da metodologia da pesquisa. A terceira trata da previdência social como política pública de seguridade social. A quarta traça um quadro descritivo geral do impacto da previdência sobre as famílias e domicílios com e sem aposentados.
A quinta e última seção é destinada à apresentação das considerações finais.
1. ABORDAGEM METODOLÓGICA
Trata-se de um trabalho analítico-descritivo, que investiga o impacto da previdência
social sobre a realidade da pobreza e da desigualdade, na zona rural do Nordeste brasileiro
nos anos de 1991 e 2000. A principal fonte de dados é o Instituto Brasileiro de Geografia
(1) A definição da área rural deste trabalho está de acordo com a distribuição territorial dos Censos Demográficos de
1991 e 2000, porém a discussão sobre este assunto será abordada com maiores detalhes no capítulo três.
(2) As Leis ns. 8.212 e 8.213, em 1991, instituíram os planos de custeio e de benefícios da Previdência Social, que favoreceram os trabalhadores rurais. O total de beneficiários da aposentadoria rural saiu de quatro milhões em 1991 para mais
de sete milhões em 2003.
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e Estatística (IBGE), a partir dos microdados do Censo Demográfico dos anos de 1991 e
2000. O trabalho considerará a classificação da população rural e urbana de acordo com o
Censo Demográfico de 1991 e 2000 que divide a população pela situação do domicílio que
pode ser urbana ou rural.(3)
A mensuração de pobreza, neste trabalho, é realizada considerando apenas as medidas
obtidas a partir da renda das pessoas.(4) Com base nesses dados, são calculados os quatro
indicadores de pobreza: a) linha de pobreza: é tida como pobre uma pessoa que tenha uma
renda inferior a meio salário mínimo; b) linha de indigência: é considerado como linha de
indigência o valor de um quarto de salário mínimo; c) Índice de Sen: é um índice construído
com base na proporção de pobres (H — quantidade das pessoas que estão abaixo da linha
de pobreza), a insuficiência de pobreza (I — o montante que falta para a sua renda chegar
à linha de pobreza) e o coeficiente de Gini (G).(5) O valor do Índice de Sen varia de zero,
quando todas as rendas são maiores que o nível de pobreza, a um, quando todas as rendas
forem iguais a zero, porque G = 0 e H = I = 1; d) Índice de Gini: esse índice é uma medida
utilizada para representar a extensão da desigualdade, variando entre 0 (perfeita igualdade)
e 1 (perfeita desigualdade).
2. A PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA DE SEGURIDADE SOCIAL
A Seguridade Social como política pública tem um papel fundamental para diminuir
as desigualdades, principalmente em países como o Brasil, que possuem má distribuição de
renda (HAMASAKI, 2003). Abrange todos os cidadãos e compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar
direitos relativos à saúde, à assistência social e à previdência social. A previdência social é
organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá a: cobertura
de eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente
à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família
e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e pensão por morte
do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.
A Constituição Federal (CF) brasileira vigente foi promulgada em 1988. Ela tem
como um dos princípios a universalização da seguridade social, englobando as áreas da
saúde, da previdência social e da assistência social. Apesar de os trabalhadores do meio
rural já contarem com uma relativa concessão de benefícios, a previdência rural encontrava-se precária, se comparada ao sistema aplicado aos trabalhadores urbanos. Após as alterações
da Constituição Federal, houve uma equiparação dos segurados com relação ao plano de
benefícios. Isso significou que, assim como os segurados urbanos do INSS — Instituto
Nacional de Seguridade Social, o piso de benefícios para aposentadorias e pensões dobrou
para os segurados rurais, passando a ser de um salário mínimo.
(3) Uma crítica a esse critério é feita por Veiga (2004).
(4) Esse não é o melhor critério para medir nem definir a pobreza, mas as qualidades desse parâmetro de mensuração
ainda superam as suas limitações.
(5) S = H [ I + (1 - I) G]. Para um maior detalhamento veja Hoffman (1998).
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Pode-se dizer que foram três as principais mudanças na regulamentação da previdência
rural após a Constituição Federal de 1988: a) teto do benefício(6); b) tempo da aposentadoria
por idade(7); e c) ampliação da concessão do benefício.(8)
A aplicação, de fato, dessas mudanças no sistema previdenciário só ocorreu no segundo
semestre de 1992, e as consequências que tiveram no seu público-alvo, excluído do sistema
previdenciário desde a década de 20, necessita de um exame socioeconômico que informe
sobre a expressão dessa significante alteração na política social do país (ZIMMERMENN,
2005).
3. PREVIDÊNCIA, POBREZA E CONCENTRAÇÃO DA RENDA NO NORDESTE RURAL
Esta seção analisa o impacto da Previdência Social sobre a redução da pobreza e
concentração da renda na zona rural do Nordeste, para os anos de 1991 e 2000. A análise
está dividida em três partes: a primeira estabelece um panorama geral da pobreza no
Nordeste rural, confrontando-o com o Nordeste urbano com base nas características dos
domicílios e do consumo de toda a população urbana e rural, com a inclusão e exclusão
dos aposentados, por unidades da Federação do Nordeste; a segunda parte analisa a
influência da renda provinda de aposentadoria ou pensão sobre a renda per capita familiar
e, por fim, a terceira parte estuda o comportamento dos indicadores de desigualdade (Índice
de Gini) e pobreza (Indicador de Sen) propostos na metodologia, com a presença e sem a
presença da aposentadoria e/ou pensões nos domicílios da zona rural do Nordeste para os
anos de 1991 e 2000.
3.1. COMPARAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DOS DOMICÍLIOS URBANOS E RURAIS
A Tabela 1 apresenta a utilização de serviços de energia, água e telefonia disponíveis
nos domicílios rurais onde há a presença de aposentados e onde não há a presença dos
mesmos(9), para os anos de 1991 e 2000.
(6) O teto do benefício para os trabalhadores rurais era de, no máximo, meio salário mínimo para a concessão de aposentadorias, e de 30% do salário mínimo para as pensões, passou a ser um salário mínimo. Dessa forma, o rendimento
daqueles que já estavam dentro do sistema, no mínimo, dobrou.
(7) Também é importante ressaltar a alteração na exigência da idade mínima para se aposentar. Até 1991, a idade para
aposentadoria era de 65 anos. Em 1991, passou para 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher.
(8) Antes da Constituição de 1988, a aposentadoria rural era apenas para o chefe ou arrimo da família. Após, houve a
uniformização das condições de acesso para os trabalhadores rurais ou urbanos, bem como a equiparação entre homens e
mulheres.
(9) Está sendo considerada a presença dos pensionistas nos domicílios. Mas, como o número de pensionistas é pequeno
comparado ao número de aposentados, daqui em diante, se mencionará em domicílios com aposentados e sem aposentados.
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Tabela 1
Nordeste: Utilização de serviços de energia, água e
telefonia nos domicílios rurais com e sem aposentados,
em percentagem (1991 e 2000)
Fonte: Microdados dos Censos Demográficos, elaboração da autora.
Os dados da tabela mostram que a ocorrência desses serviços é maior nos domicílios
com aposentados. Entre 1991 e 2000, houve um aumento na utilização desses serviços
entre os residentes da zona rural do Nordeste, ampliando-se os diferenciais no percentual
de uso entre os dois grupos de domicílios, favoravelmente aos domicílios com presença de
aposentados.
Chama-se a atenção para o percentual muito baixo de domicílios servidos com água
encanada. Esse percentual embora tenha sofrido uma elevação no período em análise, ainda
continuou baixo mesmo para os domicílios que contavam com a presença de aposentados.
No tocante ao serviço de telefonia, também é muito baixo o percentual de domicílios que
contavam com esse serviço. Isso é verdade tanto em 1991, quanto em 2000. Nos dois anos,
esse serviço é mais difundido entre os domicílios com aposentados.
Considerando-se que o acesso a esses serviços seja um indicador de qualidade de
vida, pode-se concluir que os aposentados rurais usufruem um melhor padrão de vida do
que os não aposentados e que esse diferencial ampliou-se durante o período em foco. Para
melhor caracterizar o padrão de vida, levantou-se informação a respeito do acesso aos
seguintes equipamentos: geladeira/freezer, máquina de lavar e televisão em cores (veja
Tabela 2).
No ano de 1991, era baixo o percentual de domicílios rurais com a posse destes bens,
havendo uma pequena superioridade nos domicílios sem aposentados. Em 2000, à exceção
da máquina de lavar, há uma substancial elevação nesses percentuais e os domicílios com
aposentados passam a ser relativamente mais numerosos na utilização desses bens de consumo duráveis.
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Tabela 2
Nordeste: Utilização de bens de consumo duráveis
nos domicílios rurais com e sem aposentados, em percentagem (1991 e 2000)
Fonte: Microdados dos Censos Demográficos, elaboração da autora.
Na análise das características dos domicílios, comparando-se o grupo de domicílios
de aposentados com o de domicílios dos não aposentados para os anos 1991 e 2000, feita
com base nas Tabelas 1 e 2, observa-se, portanto, que os resultados apontam para a mesma
direção. Ou seja, observa-se que em 2000, os grupos dos beneficiários tinham maior acesso
aos serviços e um maior consumo de bens de consumo duráveis em relação aos não beneficiários. As diferenças de acesso aos bens duráveis entre os domicílios com aposentados e sem aposentados, grosso modo, ampliaram-se entre os dois anos em análise. Esses
dados já apontam para o efeito positivo da previdência social na melhoria das condições de
vida da população rural.
3.2. IMPACTOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL SOBRE A RENDA FAMILIAR E OS INDICADORES DE
POBREZA
Este item analisa os indicadores de pobreza propostos na metodologia, a saber, a
linha de pobreza(10) e indigência e o Índice de Sen, com a presença e sem a presença da
aposentadoria nos domicílios da zona rural do Nordeste para os anos de 1991 e 2000.
3.2.1. LINHA DE POBREZA
A Tabela 3 traz a renda per capita média dos domicílios com e sem aposentados abaixo
da linha de pobreza e indigência, por unidades da Federação da zona rural do Nordeste,
nos anos de 1991 e 2000.
Nota-se que, tanto em 1991 como em 2000, a renda da previdência social recebida
pelos aposentados e pensionistas era importante para reduzir o nível de pobreza e da
indigência na zona rural nordestina. Estes indicadores apresentaram-se menores com a
presença do benefício dos aposentados e pensionistas do que sem a presença dos aposentados
e pensionistas, em todas as unidades da Federação.
Em 1991, a amostra censitária do Nordeste continha 99.235 domicílios com aposentados e 77.701 desses domicílios apresentaram renda per capita abaixo da linha de pobreza,
representando 76,54%. Por outro lado, o tamanho da amostra de domicílios sem aposentados
(10) Neste trabalho, considera-se como linha de pobreza per capita o valor de meio salário mínimo e como linha de
indigência o valor de 1/4 do salário mínimo vigente.
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foi de 325.788, com 272.521 abaixo da linha de pobreza (82,33%). Em 1991, no Nordeste,
76,54% dos domicílios com aposentados tinham uma renda per capita inferior a meio salário
mínimo e este número aumentaria para 82,33%, se não existisse o benefício advindo da
previdência social.
Verifica-se que a Paraíba apresentou o maior percentual de domicílio com aposentados
abaixo da linha de pobreza em relação aos outros estados do Nordeste e à região Nordeste.
Com efeito, 82,70% dos domicílios com aposentados obtinham a renda per capita abaixo da
linha de pobreza, e esse percentual aumenta para 92,87% nos domicílios sem aposentados
que têm a renda per capita abaixo da linha de pobreza.
Tabela 3
Nordeste: Renda per capita média dos domicílios da zona rural com e sem
aposentados abaixo da linha de pobreza e indigência, segundo as unidades da
Federação (1991 e 2000)
Fonte: Microdados dos Censos Demográficos, elaboração da autora.
Por outro lado, observa-se, também, no ano de 1991, que o estado do Nordeste que
teve o menor indicador de linha de pobreza foi Sergipe com 70,82% dos domicílios com
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aposentados com renda per capita abaixo da linha de pobreza. No entanto, com a ausência
do aposentado no domicílio, esse percentual referido no parágrafo acima aumenta para
84,99%, ou seja, os benefícios da previdência reduziram o número de domicílios abaixo da
linha de pobreza em 14,17 pontos percentuais.
Percebe-se, desta forma, que há uma relação positiva entre a previdência social e a
redução do número de domicílios com renda per capita média abaixo da linha de pobreza.
No ano 2000, no total da amostra censitária do Nordeste havia 132.894 domicílios
com aposentados. Desses, 51.762 domicílios tinham renda per capita abaixo da linha de
pobreza, representando 38,95%. Comparando-se com o total de domicílios da amostra,
equivale a 11,13% dos domicílios com renda per capita abaixo da linha de pobreza.
Na ausência de aposentados, esse total eleva-se para 332.130 domicílios, com 80,27%
com renda per capita menor do que meio salário mínimo, ou seja, 266.600 abaixo da linha
de pobreza. Este valor representa 57,33 % do total de domicílios da amostra que foi 465.024.
Percebe-se, portanto, que, em 2000, os benefícios da previdência resultam na redução
da pobreza do Nordeste, diminuindo em 46,20 pontos percentuais o número de domicílios
com renda per capita abaixo da linha de pobreza.
Observa-se que, no ano referido acima, o Maranhão apresentou o maior percentual
de domicílios com aposentados abaixo da linha de pobreza em relação aos outros estados
do Nordeste e à região Nordeste. Com efeito, 47,68% dos domicílios com aposentados
tinham uma renda per capita abaixo da linha de pobreza e para os domicílios sem aposentados esse número aumenta para 81,95%.
Além do Maranhão ter o maior percentual de domicílios abaixo da linha de pobreza,
é também nesse Estado, em 2000, que se registra a menor influência da previdência no
índice de pobreza.
Verifica-se que, no ano 2000, o estado do Nordeste que teve o menor percentual de
domicílios com aposentados abaixo da linha de pobreza foi o Sergipe com 33,38%. Com a
ausência do aposentado no domicílio, esse percentual aumenta para 77,76%.
Ainda referente à Tabela 3, comparando-se os anos de 1991 e 2000, constata-se que
no Nordeste, houve uma redução de 37,59 pontos percentuais na incidência da pobreza
nos domicílios com aposentados, enquanto que essa redução foi de apenas 2,06 pontos
percentuais nos domicílios sem aposentados.
3.2.2. LINHA DE INDIGÊNCIA
Passa-se agora à discussão dos dados relativos à linha de indigência. Em 1991, 41,31%
dos domicílios com aposentados da amostra censitária do Nordeste tinham uma renda per
capita de menos de um quarto do salário mínimo. Este número aumenta para 67,50%, na
ausência de aposentados nos domicílios.
Nota-se que, no ano acima referido, a Paraíba apresentou o maior percentual de
domicílio com aposentados abaixo da linha de indigência em relação aos outros estados do
Nordeste e à região Nordeste, sendo de 50,61%, percentual 22,51% superior à média
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regional. Ainda nesse mesmo Estado, o percentual da linha de indigência aumenta para
76,57% nos domicílios sem aposentados.
Por outro lado, em 1991, o estado do Nordeste que apresentou o menor percentual da
linha de indigência nos domicílios com aposentados foi Sergipe (33,67%), e, nos domicílios
sem aposentados, esse índice sobe para 57,09%.
Ainda em Sergipe, no ano acima mencionado, nota-se uma grande influência da
previdência no índice de indigência, pois a redução do percentual de domicílios abaixo
da linha de indigência entre os domicílios sem aposentados em relação aos domicílios com
aposentados é de 69,54%, elevado percentual comparando-se aos outros estados do Nordeste
e da região Nordeste.
No ano de 2000, o Nordeste apresentou 19.694 domicílios com renda per capita abaixo
da linha de indigência em domicílios com aposentados (14,8%), e 198.181 em domicílios
sem aposentados (40,0%). O confronto desses números revela com muita clareza que os
benefícios da previdência resultam na redução da indigência no Nordeste.
No ano referido acima, o Maranhão apresentou o maior percentual de domicílios com
aposentados abaixo da linha de indigência em relação aos outros estados do Nordeste e à
região como um todo. De forma que 19,15% dos domicílios com aposentados obtinham
uma renda per capita abaixo da linha de indigência e o percentual aumenta para 63,23% nos
domicílios sem aposentados que tem a renda per capita abaixo de um quarto do salário
mínimo.
O estado do Nordeste que detinha o menor percentual de domicílios com aposentados
abaixo da linha de indigência foi Sergipe (11,38%). Nos domicílios sem aposentados, esse
índice sobe para 52,99%.
Ainda, comparando-se os anos de 1991 e 2000, conclui-se que, no Nordeste, houve
uma redução de 26,49 pontos percentuais na incidência da indigência nos domicílios com
aposentados, enquanto essa redução foi de apenas 7,83 pontos percentuais nos domicílios
sem aposentados.
3.2.3. ÍNDICE DE SEN
3.2.3.1. Índice de Sen nos domicílios com renda per capita média abaixo da linha
de pobreza
A Tabela 4 refere-se ao impacto da previdência social na redução da pobreza analisada
por meio do indicador de Sen para a linha de pobreza e para a linha de indigência.
No que se refere à linha de pobreza, observa-se que para a região Nordeste a renda da
previdência social foi importante na redução da pobreza per capita, tanto em 1991 quanto
em 2000, pois com a presença do aposentado no domicílio obtinha-se um Índice de Sen
menor do que sem o aposentado no domicílio.
Em 1991, no Nordeste, o Índice de Sen foi 0,5159 para os domicílios com aposentados,
e 0,7018 nos domicílios sem aposentados. Logo, observa-se aumento do índice em 36,03%
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para os domicílios sem a presença do aposentado. O Índice de Sen é melhor para o grupo
dos domicílios que têm aposentados, pois a renda da aposentadoria reduz o número de
domicílios abaixo da linha de pobreza e melhora a distribuição da renda entre os pobres.
Em 2000, no Nordeste, a presença do aposentado no domicílio é também primordial
para a renda familiar, pois o Índice de Sen foi igual a 0,2033 para os domicílios com
aposentados, enquanto que 0,6698 nos domicílios sem aposentados.
A diferença no Índice de Sen é da ordem 229,46% entre os domicílios com aposentados
e os domicílios sem aposentados. Logo, o impacto da política previdenciária na redução da
pobreza, no Nordeste, foi muito maior em 2000 do que em 1991.
Em 1991, o estado que se destacou com o menor indicador de Sen foi Sergipe (0,4587)
nos domicílios com aposentados. O valor do índice aumentou para 0,6287 nos domicílios
sem aposentados. Logo, é possível observar que, sem os benefícios da previdência, o índice
aumentou em 37,06%.
Por outro lado, também naquele ano, o estado que se sobressaiu mediante o maior
indicador foi a Paraíba com o indicador no valor igual a 0,6139 para os domicílios com
aposentados e 0,7804 para os domicílios sem aposentados. Nesse caso, o aumento do índice
foi de 27,12% sem os benefícios da previdência social.
Em 2000, o estado que se destacou dentre os demais com o maior indicador de Sen foi
o Maranhão no valor de 0,2546 para os domicílios com aposentados e 0,6887 nos domicílios
sem aposentados. Verifica-se que o índice aumentou em 170,50% dos domicílios com
aposentados para os domicílios sem aposentados.
Ainda em 2000, o estado que obteve menor indicador foi o Sergipe no valor de 0,1650
e este indicador aumenta para 0,6076 quando não há os benefícios da previdência nos
domicílios. Neste estado, o indicador de Sen aumentou em 268,24% dos domicílios com
aposentados para os sem aposentados.
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Tabela 4
Nordeste: Índice de Sen para a linha de pobreza e para a linha de indigência,
segundo as unidades da Federação (1991 — 2000)
Fonte: Microdados dos Censos Demográficos, elaboração da autora.
Ainda referente à Tabela 4, comparando-se os anos de 1991 e 2000, nota-se que no
Nordeste houve uma redução de 60,59% no valor do Índice de Sen para os domicílios com
aposentados que tinham renda familiar abaixo da linha de pobreza, em relação aos domicílios
sem aposentados que apresentaram uma redução de apenas 4,55%.
O estado que se destacou com a maior redução no valor do indicador de Sen do
número de domicílios com aposentados que recebem renda abaixo da linha de pobreza foi
a Paraíba com 69,32%, comparando os anos de 1991 e 2000.
3.3.2.2. Índice de Sen nos domicílios com renda per capita média abaixo da linha
de indigência
A Tabela 4 também contém informações sobre o impacto da previdência social na
redução da pobreza analisada mediante o indicador de Sen para a linha de indigência.
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Observa-se que para a região Nordeste a renda da previdência social foi essencial na redução
da indigência per capita, tanto em 1991 quanto em 2000, pois com a presença do aposentado
e ou pensionista no domicílio obtinha-se um Índice de Sen no valor de 0,2396, em 1991, e
igual a 0,0498, em 2000. Portanto, a quantidade de domicílios que recebiam parte da renda
provinda de aposentadoria e pensão e que estavam abaixo da linha de indigência, em 1991,
foi pequena e foi ínfima, em 2000, no Nordeste.
Em 1991, no Nordeste, o Índice de Sen foi 0,2396 para os domicílios com aposentados,
aumentando este índice para 0,4614 nos domicílios sem aposentados. Ou seja, com a presença
da aposentadoria o Índice de Sen melhora em 92,57%, reduzindo o número de domicílios
abaixo da linha de indigência e melhorando a distribuição da renda entre os indigentes.
Em 2000, no Nordeste, a presença do aposentado no domicílio também foi primordial
para a renda per capita, pois o Índice de Sen foi igual a 0,0498 para os domicílios com
aposentados, aumentando para 0,4782 nos domicílios sem aposentados. Portanto, o impacto
da política previdenciária na redução da indigência, no Nordeste, foi muito maior em 2000
do que em 1991, em virtude da mudança no valor dos benefícios.
Em 1991, o estado que se destaca com o menor indicador de Sen é o Maranhão, com
o valor do índice da ordem de 0,1894 nos domicílios com aposentados. Nos domicílios sem
aposentados, o valor desse índice eleva-se para 0,4572. Logo, é possível observar que
sem os benefícios da previdência o índice aumenta em 141,39%.
Por outro lado, também naquele ano, o estado que se sobressaiu por meio do maior
indicador foi a Paraíba com o valor igual a 0,3601 para os domicílios com aposentados, e o
segundo maior valor 0,5793 para os domicílios sem aposentados. Aí também foi encontrado
o menor impacto da previdência social sobre o valor do índice (60,87%).
Em 2000, os estados que tiveram o maior indicador de Sen foram Maranhão e Alagoas
no valor de 0,065 para os domicílios com aposentados e 0,4985 e 0,4989 nos domicílios
sem aposentados. Ainda neste ano, o estado do Sergipe obteve o menor valor do indicador
de Sen igual 0,0357 para os domicílios com aposentados com renda per capita abaixo da
linha de indigência. E quando o benefício da previdência não atinge o domicílio, aumenta
aquele indicador para 0,3910. Ou seja, a aposentadoria no domicílio teve um grande impacto
na redução da indigência nesse ano de 2000.
Ainda referente à Tabela 4, comparando-se os anos de 1991 e 2000, constata-se que,
no Nordeste, verificou-se uma significativa melhora no indicador de Sen, para os domicílios
com aposentados. Com efeito, o indicador passa de 0,2396, em 1991, para 0,0498, em 2000.
Por outro lado, os domicílios sem a presença dos benefícios da aposentadoria apresentaram
um aumento de 3,64% nesse mesmo indicador.
3.4. PREVIDÊNCIA SOCIAL. REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
A Tabela 5 mostra os valores assumidos pelo Índice de Gini quando aplicado às
rendas recebidas nos domicílios com e sem aposentados nas unidades da Federação da
região Nordeste, referente aos anos de 1991 e 2000.
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Observa-se que, em 1991, a renda da previdência social, recebida pelos aposentados e
pensionistas, foi importante para diminuir a desigualdade na distribuição da renda, conforme
pode ser visto mediante indicador de desigualdade (Índice de Gini). Este indicador
apresentou-se menor com a presença do benefício das aposentadorias e pensões do que
sem a presença dos mesmos em todas as unidades da Federação no Nordeste.
Em 1991, na região Nordeste, o Índice de Gini foi igual a 0,4478, calculado para o
conjunto dos domicílios com aposentados. Para o conjunto dos domicílios sem aposentados,
esse índice subiu para 0,5394. Observa-se, portanto, um aumento de 20,45% no Índice de
Gini dos domicílios sem aposentados comparativamente ao índice calculado para os
domicílios onde existem aposentados na região Nordeste, em 1991.
Tabela 5
Índice de Gini da renda per capita dos domicílios com e
sem aposentados na zona rural, segundo as unidades da
Federação do Nordeste (1991 e 2000)
Fonte: Microdados dos Censos Demográficos, elaboração da autora.
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Ainda nesse ano, a Paraíba mostrou-se com o maior indicador de desigualdade nos
domicílios com aposentados em relação aos outros estados do Nordeste e à média do
Nordeste, sendo 0,5327. Excluindo os aposentados do domicílio o índice sobe para 0,6124.
O estado do Nordeste que apresentou o menor Índice de Gini, em 1991, foi o Piauí,
sendo de 0,3979 nos domicílios com aposentados e de 0,5238 nos sem aposentados.
No ano de 2000, o Índice de Gini do Nordeste foi de 0,3961 nos domicílios com
aposentados, aumentando para 0,6282 nos domicílios sem aposentados. Percebe-se, ainda,
neste ano, que há um grande impacto da renda provinda das aposentadorias e pensões na
redução da concentração da renda, comparando-se os domicílios com e sem aposentados,
visto que nos domicílios sem renda dos aposentados o Índice de Gini aumenta em 58,59%
no Nordeste.
O estado de Alagoas obteve o maior Índice de Gini nos domicílios com aposentados
em relação aos outros estados e à média do Nordeste (0,4350). Nos domicílios sem aposentados, o índice sobe para 0,6443. Observa-se que há um aumento de 48,11% no índice de
desigualdade dos domicílios com aposentados para os sem aposentados.
O estado do Nordeste, em 2000, que detinha uma menor desigualdade era a Paraíba,
com o Índice de Gini no valor de 0,3779 nos domicílios com aposentados, e, na ausência
destes, o índice subia para 0,6039. Observa-se um aumento de 59,80% do Índice de Gini
entre os domicílios com e sem aposentados.
Agora, passa-se à verificação da distribuição de renda por meio do Índice de Gini,
comparando-se resultados dos anos de 1991 e 2000, e tendo como referência a existência
ou não de aposentados nos domicílios. O Nordeste apresenta, entre os dois períodos, uma
redução no valor do Índice de Gini da ordem de 11,54% na renda familiar dos domicílios
com aposentados, ao passo que sem a presença de aposentados no domicílio esse índice
sobe em 16,46%. Entre 1991 e 2000, o estado do Nordeste que teve a maior redução do
índice de desigualdade foi a Paraíba com 29,05% nos domicílios com aposentados. Vale
destacar que o único estado do Nordeste que teve aumento no Índice de Gini foi o Maranhão
com 3,81% nos domicílios com aposentados, entre os dois anos.
CONCLUSÃO
A discussão sobre a pobreza e a distribuição de renda é de grande importância,
considerando que um dos objetivos do Estado é promover a eficiência e a equidade. Portanto,
é de sua incumbência programar e implementar políticas econômicas que atrelem o crescimento econômico às metas para elevação do bem-estar social. O Estado brasileiro tem
intervindo na economia por intermédio de ações de combate à pobreza e à desigualdade na
distribuição de renda. A maior parte dessas ações é baseada tanto nas políticas sociais
(educação, saúde, assistência ao menor, etc.) quanto nas transferências monetárias por meio
de programas assistenciais e dos benefícios previdenciários.
O objetivo deste trabalho foi analisar a influência da previdência social na diminuição
da pobreza e concentração de renda na zona rural do Nordeste. Visto que é na zona rural
do Nordeste do Brasil que se concentra o maior número de pobres e indigentes.
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A alteração do regime assistencial ineficaz do Prorural/Funrural (1971) para o regime
da previdência rural, que entrou em vigor entre meados de 1991 e início de 1992, baseada
nas alterações da Constituição de 1988, ocasionou mudanças significativas na proteção aos
idosos e inválidos da zona rural e, especialmente às mulheres. Essas últimas se destacaram
pela sua inclusão após o advento da nova lei, pois no antigo regime eram semiexcluídas do
Funrural pelo critério legal de proteção exclusiva ao responsável pela família.
A chegada da previdência rural deu origem ao sistema de atendimento ao trabalhador
informal e à agricultura de subsistência, remetido pelas alterações na Constituição de 1988,
uma novidade para o sistema previdenciário que desde a sua criação, em 1923, assegurava
apenas os trabalhadores formais que trabalhavam nas categorias ocupacionais na zona
urbana.
O trabalho procurou estudar o impacto da previdência social na redução da pobreza
e na concentração da renda na zona rural do Nordeste, desde a implantação do novo regime
previdenciário até 2000. Pode-se dizer que foram obtidos resultados positivos na zona
rural do Nordeste.
Observou-se que de 1991 para 2000 confirma-se o aumento do número de beneficiários,
principalmente do sexo feminino. E, além disso, houve o aumento do valor do benefício das
aposentadorias e pensões entre os períodos passando de 1/2 salário mínimo e 30% do
salário mínimo para um salário mínimo.
Deve-se lembrar também que a incidência da pobreza e da indigência se dá de forma
diferenciada entre os estados do Nordeste. Igualmente diferenciado foi o impacto da
previdência sobre a zona rural desses Estados. Não foi objetivo do presente trabalho buscar
as causas dessa diferenciação, mas que é um tema instigante para novas pesquisas.
As aposentadorias trouxeram melhorias para o meio rural, principalmente por meio
do aumento monetário da renda familiar. Diante disso, pode-se fazer uma relação direta
entre a concessão de aposentadorias e o aumento da qualidade de vida dos domicílios
rural, melhorando, assim, suas condições de moradia, ou aumentando o acesso aos bens de
consumo duráveis. Como foi visto, com a presença dos aposentados e ou pensionistas nos
domicílios, havia um maior acesso aos serviços prestados e um maior número de bens de
consumo duráveis dentro do domicílio.
Sobre o impacto da previdência social na distribuição de renda, pode-se dizer que
contribuiu para diminuir a concentração entre os períodos, ou seja, houve melhora na
distribuição na renda de 1991 para 2000. Com efeito, verificou-se uma redução do Índice
de Gini com a presença do aposentado e ou pensionista na família, podendo ser explicado
pela essencialidade do rendimento da aposentadoria e pensão na família para a formação
da renda familiar.
Quanto à pobreza, constatou-se uma forte redução no número de domicílios com
renda per capita média inferior a meio salário mínimo, quando se observa o conjunto dos
domicílios com a presença dos beneficiários da previdência social. Houve uma diminuição
de 96,49% no número de domicílios com aposentados abaixo da linha de pobreza, entre
1991 e 2000.
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Essa redução da pobreza também foi vista por meio do indicador de Sen. Comparando-se o valor desse índice entre os anos de 1991 e 2000, observa-se que, no Nordeste, nos
domicílios com aposentados, verificou-se uma significativa melhora no indicador de Sen,
pois saiu de 0,5159, em 1991, para um valor igual a 0,2033, em 2000. Por outro lado, nos
domicílios sem a presença dos benefícios da aposentadoria, registrou-se uma redução de
apenas 4,55% nesse indicador.
Na análise do impacto da previdência social entre os anos de 1991 e 2000 na redução
da pobreza e da indigência, observou-se que o impacto da previdência no rendimento familiar
foi maior em 2000 do que em 1991, visto que os rendimentos dos aposentados e pensionistas
de 2000 apresentam uma boa contribuição para a renda familiar por domicílio. Essa
constatação permite inferir que não basta a presença da política previdenciária para que
haja uma redução significativa no grau de pobreza. As transferências previdenciárias devem
assumir um valor que, efetivamente, permita o acesso aos bens necessários à sobrevivência
da população assistida. Assim, a discussão sobre a política previdenciária não pode se
restringir apenas aos aspectos contábeis da mesma. O bem-estar social que ela proporciona
é um elemento fundamental que não pode ser descartado.
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FATORES ORGANIZACIONAIS QUE INFLUENCIAM NOS NÍVEIS DE
ESTRESSE DE TRABALHADORES DE SAÚDE
Organization Factors which Influence in the Health Workers Stress Level
Flávio Renato Barros da Guarda(*)
Amanda Karen de Santana Borges(**)
RESUMO: O fenômeno estresse, em si, não é bom nem ruim. Ele pode ser um recurso importante e
útil para o homem ante as diferentes situações da vida. Entretanto, o excesso de estresse tem se
expandido ininterruptamente e afeta um número cada vez maior de pessoas, com consequências
cada vez mais graves, atingindo diversas categorias profissionais, inclusive, trabalhadores do setor
de saúde. O objetivo deste estudo foi identificar os níveis de estresse de profissionais de saúde, bem
como, os Fatores Psicossociais do Ambiente de Trabalho (FPAT), apontados como “agentes estressores”.
O estudo abrangeu três componentes de análise: 1) estudo de prevalência dos níveis de estresse dos
trabalhadores; 2) levantamento dos potenciais agentes estressores; 3) análise da exposição dos
funcionários a determinados FPAT e a potencial associação entre estes fatores e os níveis de estresse.
Observou-se que 65% dos indivíduos encontram-se nas fases de resistência e de exaustão do estresse,
e que a falta de trabalho solidário, entre outros fatores organizacionais, apresenta associação
estatisticamente significativa com a presença do estresse. As evidências apontam para a necessidade
de adoção de medidas voltadas ao controle do estresse, mediante ações que visem, entre outras
coisas, a humanização dos processos e ajustamentos na estrutura organizacional. O artigo é composto
de quatro seções. A primeira seção inclui uma síntese da metodologia utilizada e o segundo descreve
os resultados. A terceira seção interpreta os resultados da pesquisa, enquanto a seção final contém as
notas conclusivas.
Palavras-chave: Estresse, Trabalho, Ambiente de Trabalho, Saúde.
ABSTRACT: Stress phenomenon itself, is neither good nor bad. It can be an important and useful
resource for man to deal with life’s daily situations. However, excessive stress has expanded
uninterruptedly and affects a growing number of people, with even more serious consequences each
time, reaching diverse professional categories, and also, health workers. This study aims to identify
the stress levels on health professionals, and the Psychosocial Factors of the Work Environment
(PFWE), pointed as “stress causer agent’s”. The study encloses three analysis components: 1) stress
prevalence levels; 2) stress causer agent’s survey; 3) workers exposition analyzes to PFWE and the
potential association between these factors and the stress levels. It was observed that 65% of the
individuals meet in the resistance and of exhaustion stress phases, and that the lack of work solidarity,
organizational factors had, among others, presented statistically significant association with the
presence of stress. The evidences points to a necessity of adoption of measure direction to stress
control, through actions that aim at, among others things, the improvement of the processes and
adjustments in the organizational structure. The article is composed of four sections. The first section
includes a synthesis of the used methodology and the second describes the results. The third section
interprets the results of the research, while the final section contains conclusive notes.
Key-words: Stress, Work, Working Environment, Occupational Health.
(*) Observatório de Recursos Humanos para a Saúde. Aggeu Magalhães. Fiocruz.
(**) Faculdade de Ciências da Administração/Universidade de Pernambuco.
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O fenômeno estresse, em si, não é bom nem ruim. É impossível e indesejável erradicá-lo, pois, ele pode ser um recurso importante e útil para o homem ante as diferentes situações
da vida. A resposta ao estresse é ativada pelo organismo, com o objetivo de mobilizar
recursos que possibilitem as pessoas enfrentarem situações que são percebidas como difíceis
e que exigem delas esforço. Esta capacidade, sem dúvida, tem sido fundamental para a
espécie humana, ajudando-a a sobreviver e a desenvolver alternativas de como enfrentar as
múltiplas situações de ameaça que pode encontrar em sua existência (LIMONGI, 2002).
Albrecht (1990) adverte, no entanto, para o fato de que o excesso de estresse tem se
expandido ininterruptamente e afeta um número cada vez maior de pessoas, com consequências cada vez mais graves, atingindo proporções epidêmicas. A gama de sintomas
abrange desde os ligeiros incômodos até a morte, desde as dores de cabeça até os ataques
cardíacos, da indigestão ao colapso, da fadiga ao aumento da pressão arterial, das dermatites
às úlceras hemorrágicas, etc. Enquanto doença, o estresse tem um elevado custo em termos
de saúde e bem-estar emocional humanos.
O estresse é visto por Cooper (1988) como “qualquer força que conduz um fator
psicológico ou físico além de seu limite de estabilidade, produzindo uma tensão no indivíduo”.
O autor considera fatores ambientais (acontecimentos domésticos, do trabalho e da vida
pessoal) e individuais (características de personalidade, atitudes) como desencadeadores
de estados de estresse.
O estresse produz certas modificações que podem ser percebidas na estrutura e na
composição química do corpo. Algumas dessas manifestam reações de adaptação do corpo,
seu mecanismo de defesa contra o estressor. Albrecht (1990) chama a atenção para o fato de
que o estresse se refere a um padrão de resposta eletroquímico no corpo humano aos agentes
estressores. Estes quebram a homeostase do organismo, exigindo alguma adaptação.
Segundo observa Masci (2001), todas as vezes que se enfrentam desafios, o cérebro,
independentemente da vontade do indivíduo, encara a situação como potencialmente
perigosa e o organismo se prepara para “lutar” ou “fugir” da situação.
As alterações provocadas pelo estresse no ser humano desencadeiam processos tanto
psicológicos quanto fisiológicos e as principais reações orgânicas iniciam-se pelo sistema
endócrino, por causa da ação de importantes hormônios, estendem-se por diferentes órgãos
e sistemas, provocando distintas reações (LIPP, 1996; BALLONE, 2001).
É importante observar que as reações endócrinas mais comuns ao estresse atingem o
sistema imunológico, deixando o indivíduo mais propenso a: inflamações, infecções ou dores
crônicas, por meio de processos lentos, progressivos e cumulativos, os quais só manifestam
sinais e sintomas após um longo período de exposição (BALLONE, 2001).
Tradicionalmente, os sintomas acarretados pela sequência de alterações químicas
são distribuídos em três fases: 1) Fase de Alerta; 2) Fase de Resistência; e 3) Fase de Exaustão,
conjunto definido por Hans Selye como Síndrome Geral de Adaptação.
Diferentemente de outros riscos ocupacionais relacionados a atividades específicas, o
estresse associa-se de formas variadas a todos os tipos de trabalho, prejudicando não só a
saúde, mas também o desempenho e a qualidade de vida dos trabalhadores.
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De acordo com Villalobos (1999), o estresse ocupacional é um conjunto de fenômenos
que se sucede no organismo do trabalhador com a participação dos agentes estressantes lesivos,
derivados diretamente do trabalho ou por motivo dele, e que podem afetar a saúde do
mesmo.
Segundo Paraguay (1990), as principais fontes do estresse ocupacional são: a) fatores
ambientais físicos; e b) fatores organizacionais, das demandas estressantes do trabalho e de
seu conteúdo.
O trabalho dos profissionais de saúde, principalmente no âmbito hospitalar, está entre
os que mais geram estresse em seus trabalhadores, em razão da sobrecarga física e mental,
conflitos no trabalho e a necessidade de conviver com doentes (MENDES, 2002).
Segundo Bianchi (1999) o “poder de disseminação” do estresse, nesses profissionais, é
considerado exagerado, pois estão tão envolvidos com o “assistir ao paciente”, que muitas
vezes não se dão conta de sua própria vulnerabilidade.
O ambiente hospitalar gera estresse de várias naturezas e em vários níveis: o estresse
do paciente e de seus familiares, o estresse dos profissionais de saúde envolvidos, a morte,
a constatação de que nem sempre os pacientes fazem o que lhes é recomendado, colocando
em risco ou anulando os mais delicados esforços, a sobrecarga ou trabalhos realizados em
contextos que, muitas vezes, não permitem desfechos positivos, além de pressupor requisitos
desagradáveis e dolorosos para os pacientes (CANDEIAS; ABUJAMRA; LIMA, 1988).
Além dos riscos presentes, existem alguns aspectos penosos das atividades peculiares
às profissões de assistência, quais sejam: o desrespeito aos ritmos biológicos e aos horários
de alimentação, a ausência de um programa de trabalho, as longas distâncias percorridas
durante as jornadas laborais, a dimensão e a quantidade inadequada dos mobiliários, e a
insuficiência de material de manutenção (MARZIALE, 1995).
Mesmo sendo o estresse um fenômeno comum para diversos grupos profissionais,
ele se apresenta com grande prevalência nos trabalhadores de saúde (MENDES, 2002).
Poucos estudos avaliaram a prevalência de estresse em trabalhadores de hospitais
públicos, em particular aqueles que mantêm o primeiro contato com os pacientes, como é o
caso dos motoristas de ambulância, recepcionistas, maqueiros, auxiliares, técnicos de
enfermagem e enfermeiras.
Diante do acima exposto, e da limitada quantidade de informação acerca da prevalência
do estresse em profissionais de saúde, o presente estudo pretende identificar os níveis de
estresse de cinco categorias de profissionais de saúde, da Unidade Hospitalar Mista
de Igarassu (UMI), bem como os Fatores Psicossociais do Ambiente de Trabalho (FPAT),
apontados por eles como “agentes estressores”.
1. METODOLOGIA
1.1. CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE HOSPITALAR DE IGARASSU — UMI
Este estudo foi realizado na Unidade Hospitalar Mista de Igarassu (UMI), no
município de Igarassu, distante 30 km da capital, Recife, no estado de Pernambuco.
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A UMI foi inaugurada em 18 de janeiro de 1958 e possui 278 funcionários, sendo 140
vinculados ao Governo Estadual, 1 ao INSS, 73 efetivos, 35 contratados e 29 cargos
comissionados da Prefeitura Municipal de Igarassu.
Sua estrutura dispõe de uma ala para adultos, com 42 leitos, e uma ala pediátrica, com
12 leitos. Dispõe ainda de Emergência e Internamento Adulto e Pediátrico, Bloco Cirúrgico,
Berçário, Clínica Obstétrica, Ambulatório e Salas de Vacina e Curativo. Além de Lavanderia,
Refeitório, Necrotério e Salas de Repouso, masculino e feminino, para médicos e equipe de
enfermagem.
Na unidade hospitalar, são realizados serviços de atenção básica, de diagnóstico, de
atendimento pré e pós-natal, de pediatria, de pequenas cirurgias, e de urgência e emergência.
Atende cerca de 230 pessoas diariamente, estendendo seus serviços à população das
cidades vizinhas: Itamaracá, Itapissuma, Araçoiaba, e Abreu e Lima.
1.2. CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO ESTUDADA
O presente estudo procurou analisar o total de funcionários que ocupam as funções
de recepcionista, maqueiro, motorista de ambulância e equipe de enfermagem totalizando
(100 indivíduos, dentro de um universo de 109). Nove indivíduos (9,17%) se recusaram a
participar do estudo ou desistiram da entrevista durante a mesma. Os entrevistados exercem
suas funções nos turnos diurno e noturno. A escolha destes foi influenciada pelo
fato de estabelecerem os primeiros contatos com os pacientes, sendo esta a característica
em comum.
A equipe de enfermagem é composta por dez enfermeiras (sete plantonistas e três
diaristas), 46 auxiliares e 24 técnicos, distribuídos entre os setores de emergência e
internamento adulto e pediátrico, bloco cirúrgico, berçário, clínica obstétrica, sala de curativo
e de vacina, e ambulatório.
Os recepcionistas são 18, distribuídos na emergência adulta e pediátrica, e Serviço de
Ambulatório Médico (SAME).
Foram entrevistados, ainda, sete dos oito motoristas de ambulância, e cinco maqueiros,
responsáveis, respectivamente, pelo transporte e deslocamento interno dos pacientes.
Os sujeitos estudados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
de acordo com a Resolução n. 196/96, do CNS.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO
O presente estudo abrangeu três componentes de análise: 1) um estudo de prevalência
dos níveis de estresse dos trabalhadores; 2) um levantamento dos “Fatores Psicossociais do
Ambiente de Trabalho” (FPAT) que poderiam atuar como agentes estressores; 3) um estudo
transversal, que analisou a exposição dos funcionários a determinados FPAT, e a potencial
associação entre estes fatores e os níveis de estresse.
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1.4. DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO E COLETA DE DADOS
Para a coleta dos dados sobre o estresse foi utilizado o ISSL (LIPP; ROCHA, 1994),
o qual tem sido utilizado em dezenas de pesquisas e trabalhos clínicos na área do estresse.
Permite um diagnóstico que avalia se a pessoa tem estresse, em qual fase se encontra e se
o estresse manifesta-se por meio de sintomatologia na área física ou psicológica.
O ISSL apresenta três quadros que contêm sintomas físicos e psicológicos de cada
fase do estresse. O Quadro 1, com sintomas relativos à 1ª fase do estresse, o Quadro 2, com
sintomas da 2ª e 3ª fases, e o Quadro 3, com sintomas da 4ª fase do estresse. O número
de sintomas físicos é maior do que o dos psicológicos e varia de fase para fase. No total, o
ISSL inclui 34 itens de natureza somática, e 19, de natureza psicológica.
A coleta dos dados foi realizada utilizando-se um instrumento composto de: 1)
Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL); 2) um questionário composto
de 28 questões, sobre fatores organizacionais ou Fatores Psicossociais do Ambiente de
Trabalho (FPAT), que poderiam ser apontados como agentes estressores. As questões
referentes ao FPAT foram extraídas a partir do estudo de Villalobos (1999), que relacionou
os fatores psicossociais mais frequentes.
A coleta de dados ocorreu durante o mês de dezembro de 2005.
1.5. ANÁLISE DE DADOS
O dados foram analisados mediante utilização do programa SPSS versão 11 para
Windows. Foram realizados os procedimentos de estatística descritiva e determinação de
associações entre variáveis (teste Qui-quadrado) (com p > 0,05).
2. RESULTADOS
A população estudada, em sua maioria, tem entre 26 e 49 anos de idade (84%), com
predominância de indivíduos do sexo feminino (80%). Em relação à escolaridade, observou-se que a maioria concluiu o ensino médio (61%), seguidos daqueles com formação superior
concluída ou em andamento (23%).
Dentre os sujeitos entrevistados, 80% trabalham na UMI há mais de um ano. 83%
dos funcionários possuem jornada de trabalho superior a oito horas diárias (57% no período
diurno e 34% no noturno), sendo que, destes, 9% trabalham sob regime de plantão de 24
horas.
As principais características da amostra estão descritas na Tabela 1.
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Tabela 1 — Associação Estatística com os Níveis de Estresse
* P< 0,05 (estatisticamente significante).
Após a aplicação do ISSL, verificou-se que 67% dos indivíduos da população tinham
estresse. Destaca-se que, destes, 2% estão na Fase de Alerta, 36% encontram-se na fase de
Resistência e 29% acham-se na fase de Exaustão.
Equipes de profissionais que trabalham a maior parte do tempo em contato com os
pacientes apresentaram maiores proporções de indivíduos estressados, revelando indícios
de que, quanto mais prolongado o envolvimento com o paciente, maior a proporção de
profissionais estressados por categoria profissional.
A Figura 1 apresenta o percentual de indivíduos estressados, de acordo com a função
que exercem.
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Figura 1 — Percentual de indivíduos estressados por função
Observou-se, também, uma predominância de sintomas físicos (53%) sobre os
psicológicos (12%). Dos funcionários que tiveram estresse, 7% manifestaram mais de 21
sintomas (sendo esta parcela dos entrevistados a que levanta uma maior preocupação) e
outros 65% apresentaram de quatro a nove sintomas físicos, o que de acordo com o ISSL
representa um baixo nível de estresse.
A Figura 2 apresenta os percentuais de indivíduos estressados, por categoria profissional, distribuídos entre os sintomas físicos e psicológicos.
Figura 2 — Distribuição dos sintomas físicos e psicológicos por categoria
profissional
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O sintoma de estresse percebido pelo maior número dos sujeitos foi a tensão muscular
(72%).
A Figura 3 apresenta uma relação dos sintomas de estresse mais apontados pelos
indivíduos pesquisados, de acordo com cada período descrito no ISSL.
Figura 3 — Relação dos sintomas de estresse mais apontados, de acordo com os
períodos descritos no ISSL
Dos 28 FPAT propostos para análise, 19 foram apontados como potenciais estressores,
por mais de 70% dos entrevistados. Entre estes, destacou-se a falta de trabalho solidário,
indicado por 92% dos sujeitos.
Outros FPAT, constantes no instrumento de coleta de dados, foram pouco apontados,
sendo indicado por menos de 30% dos entrevistados.
Alguns resultados deste estudo, todavia, demonstram que alguns FPAT podem
contribuir para elevar os níveis de estresse de uma determinada categoria profissional,
sem, contudo, figurar como agente estressor para outra.
No Quadro 1, são apresentados os fatores organizacionais, ou FPAT, mais apontados
e menos apontados, como potenciais agentes estressores, segundo as categorias profissionais
estudadas.
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Quadro 1 — Fatores Organizacionais (FPAT) mais apontados e menos apontados
como potenciais agentes estressores
* p> 0,05.
Fonte: Elaboração própria.
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Alguns fatores organizacionais (ou FPAT) apresentaram associação estatisticamente
significativa com a presença do estresse, destacando-se limitação da criatividade, iniciativa e
autonomia, com p = 0,007.
A Tabela 3 apresenta a relação dos FPAT que apresentaram maior associação com a
presença do estresse.
Tabela 3 — Fatores psicossociais do ambiente de trabalho que apresentaram
maior associação com a presença do estresse
3. DISCUSSÃO
Durante a realização deste estudo, procurou-se colocar em evidência a problemática
do fenômeno estresse em profissionais de saúde, sua vulnerabilidade e repercussão sobre o
bem-estar e a qualidade de vida destes profissionais. “Assim, para se entender e intervir na
saúde dos trabalhadores no momento atual torna-se necessário combinar distintas abordagens e enfoques, reestruturação produtiva na globalização da economia, transformações
organizacionais do trabalho, fatores de riscos industriais e ambientais e aspectos da saúde
psicofísica do trabalhador.” (DIAS, 2001)
Mesmo sendo o estresse um fenômeno comum para diversos grupos profissionais,
com prevalência de 14% (SPARRENBERGER, 2003), e frequente entre trabalhadores de
saúde (MENDES, 2002), os resultados encontrados neste trabalho apontam que a maior
parte dos indivíduos pesquisados já ultrapassou a fase benéfica do estresse (Fase de Alerta)
e encontra-se nas fases de Resistência e de Exaustão, as quais são estágios em que as condições patológicas já se manifestam, tanto por meio de sintomas físicos, quanto dos psicológicos (LIPP, 1996).
O elevado número de indivíduos classificados nas fases críticas do estresse aponta
para a necessidade de ações imediatas para o controle, pois essas fases ocorrem quando o
agente estressor permanece por muito tempo ou quando sua dimensão é muito grande,
levando a desgastes, como o cansaço excessivo e esquecimentos frequentes (LIPP; ROCHA,
1986), bem como alterações na pressão arterial (JUÁREZ, 2004), entre outros, capazes de
comprometer a saúde do trabalhador e a qualidade do atendimento na Unidade Mista.
Tal quadro se torna particularmente preocupante, por tratar-se de trabalhadores da
saúde, os quais lidam diariamente com fatores capazes de provocar o estresse, tais como: o
contato com sofrimento dos pacientes e o nervosismo dos acompanhantes, a exposição a
riscos químicos, físicos e biológicos, as dificuldades de recursos materiais e de pessoal,
além das exigências normais de qualquer ambiente de trabalho, como burocracia, prazos e
hierarquia.
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Nossos achados apoiam o proposto por Mendes (2002) e Bianchi (1999), os quais
apontam que o trabalho hospitalar está entre os que mais geram estresse em seus trabalhadores, e que o poder de disseminação desse estresse é agravado em função das peculiaridades da assistência, bem como o proposto no estudo de Paragay (1990), o qual aponta
que os fatores ambientais e organizacionais são as principais fontes de estresse ocupacional.
Destaca-se a importância de se buscar atender às necessidades dos colaboradores no
seu ambiente de trabalho. Ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida, a fim de
que exerçam suas atividades, satisfatoriamente, mantendo os níveis de estresse dos indivíduos na fase de alerta (benéfica e necessária para o desenvolvimento do ser humano), podem
impedir que desenvolvam a Síndrome de Burnout, considerada como um dos desdobramentos mais importantes do estresse profissional.
Segundo Maslach e Jackson (1981) o Burnout seria a resposta emocional a situações
de estresse crônico em função de relações intensas, no trabalho, com outras pessoas,
ou de profissionais que apresentam grandes expectativas em relação a seus desenvolvimentos
profissionais e dedicação à profissão; no entanto, sem alcançarem o retorno esperado.
Logicamente a preocupação com os níveis de estresse dos trabalhadores requer especial
atenção, pois pode comprometer, entre outras coisas, a qualidade do atendimento.
De acordo com Mezomo (1992), a qualidade no hospital não tem o mesmo sentido que
possui na indústria, na qual expressa a conformidade de uma peça ou produto à uma norma
ou especificação preestabelecida. O hospital, como outras empresas de serviços, está sujeito
à imprevisibilidade das situações e à particularidade das ocorrências e necessidades, o que
exige maior atenção para observar, escutar, imaginar e antecipar ajustamentos e adaptações
contínuas, sobretudo no que tange à melhoria da qualidade de vida das equipes envolvidas
no atendimento.
Alguns aspectos da estrutura organizacional foram mais apontados como agentes
estressores por determinado grupo de profissionais do que por outros, possivelmente em
função das diferentes atividades de trabalho, níveis de exigência, exposição a riscos ou
características físicas do ambiente laboral.
Um dos FPAT apontados como potencial estressor foi o ambiente conflitivo, o qual
pode interferir no desempenho profissional, na qualidade de vida no trabalho e, consequentemente, no atendimento ao público, comprometendo a qualidade do serviço e a segurança
dos pacientes.
Nossos achados indicam que a falta de trabalho solidário é o fator psicossocial mais
apontado como possível causador de estresse, contrariando a lógica de que um hospital
deva ser um ambiente onde o trabalho em equipe deva predominar (BRAGA, 2000).
Comparando-se as sugestões apresentadas pelos entrevistados com os FPAT apontados como agentes estressores, observa-se uma certa coerência entre os potenciais
causadores de estresse e as solicitações dos funcionários, principalmente, no que se refere
às condições físicas do ambiente de trabalho e da falta ou controle excessivo de material. Entretanto,
as sugestões apresentadas não contemplam ações voltadas para a melhoria das relações interpessoais com a mesma intensidade com que foram apontadas como agentes
estressores.
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4. CONCLUSÕES
Evidências encontradas neste estudo apontam para a necessidade de adoção de medidas
voltadas ao controle dos níveis de estresse, por meio de ações que visem, entre outras coisas,
a humanização dos processos e ajustamentos na estrutura organizacional, o que viria a
melhorar a capacidade produtiva de cada indivíduo e, consequentemente, a qualidade do
atendimento. Se a humanização dos processos de trabalho no SUS depende, em parte, de
questões como afinidade, também depende das condições a que o trabalhador está submetido,
sendo o controle dos estressores ambientais de fundamental importância neste processo.
RECOMENDAÇÕES
1. Melhoria da infraestrutura do ambiente de trabalho;
2. Implementação de uma política de formação e capacitação de recursos humanos;
3. Adoção de uma política de Humanização no atendimento e nas relações interpessoais;
4. Melhoria/Reajuste da remuneração + benefícios;
5. Definição de organograma, fluxos e atribuições/Formalização e oficialização das
normas e diretrizes;
6. Contratação de pessoal e ampliação do quadro de especialistas;
7. Avaliação e reuniões periódicas intra e intersetorial;
8. Adoção de uma Gestão Participativa/Planejamento Estratégico;
9. Adoção de fardamento e/ou identificação para os funcionários;
10. Reativação do Serviço de Planejamento Familiar;
11. Fiscalização/Coordenação das equipes 24 h;
12. Integração com os diversos setores da administração pública e demais serviços
do sistema;
13. Implantação de uma Ouvidoria;
14. Programação de atividades para melhoria das condições físicas dos trabalhadores;
15. Implantação de um Programa de Gestão da Qualidade do Serviço.
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REVELANDO COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS E GERENCIAIS: UM
ESTUDO COMPARATIVO NO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES
Disclosing Organizational and Managerial Competences: a Comparative
Study on Telecommunications Sector
Talita Ribeiro da Luz(*)
RESUMO: Este trabalho teve por objetivo investigar as competências organizacionais e gerenciais e os
processos de aprendizagem organizacional em duas organizações do Setor de Telecomunicações, que
concorrem no mercado de telefonia móvel em Minas Gerais. Foi realizada uma pesquisa comparativa
de cunho qualitativo e quantitativo, por meio de aplicação de questionários e entrevistas a uma amostra
dos gestores das empresas. Os resultados obtidos mostram que as duas organizações são semelhantes
no que se refere às competências gerenciais e aos processos de aprendizagem organizacional. Quanto
às competências da organização, não foram identificadas competências essenciais, mas as chamadas
competências seletivas. Dessa forma, confirma-se a argumentação de Ruas (2003) de que o critério de
Prahalad e Hamel (1990), no que se refere à capacidade das competências essenciais de serem inimitáveis,
é difícil de ser validado na maior parte das organizações brasileiras. Este artigo contém três seções. A
primeira seção compreende a metodologia da pesquisa, enquanto a segunda discorre acerca do
referencial teórico. Por último, os resultados da pesquisa são analisados.
Palavras-chave: Competências organizacionais, Competências gerenciais, Aprendizagem
organizacional, Setor de Telecomunicações.
ABSTRACT: This article aimed to investigate the organizational and managerial competences and
organizational learning processes on two corporations of Telecommunications Sector, competing on
the market of mobile in Minas Gerais. A comparative, qualitative and quantitative research was
conducted, by means of application of questionnaire and interviews to a sample of managers of both
organizations. The results show that managerial competences and organizational learning processes
are similar on those organizations. It was possible to identify the selective competences, but not the
core competences of those organizations. So, we could confirm Ruas (2003) argument that the capacity
of core competences of being inimitable, according to judgment of Prahalad and Hamel (1990), is very
difficult to be validated on most part of Brazilian organizations. This article is composed by three
sections. The first one presents the methodology that was used, the second section refers to the theoretical
approach and the final remarks are exposed in the third section.
Key-words: Organizational competences, Managerial competences, Organizational Learning,
Telecommunications Sector.
(*) Professora Doutora da Faculdade Novos Horizontes. Rua Alvarenga Peixoto, 1270 — Bairro Santo Agostinho —
Belo Horizonte — CEP 30180-121. E-mail: <[email protected]>.
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O processo de globalização econômica, resultante da integração da Informática com
a tecnologia de telecomunicações, a fibra ótica e os satélites, permitiu a ligação do mundo
todo, impactando fortemente as organizações. As facilidades de comunicação incrementaram
o comércio internacional; as empresas multinacionais se fortaleceram, competindo entre si
e criando parcerias, num movimento de cooperação envolvendo umas às outras, seus
fornecedores e concorrentes, muitas vezes motivadas por ameaças comuns.
No âmbito das organizações, a introdução de sistemas de produção enxuta, aliada à
globalização da economia e à internacionalização dos mercados levou as empresas a toda
classe de ajustes. As mudanças resultantes refletiram-se diretamente nas formas e processos
de trabalho, exigindo novas habilidades e qualificações das pessoas, viabilizando novos
tipos de produtos e serviços e demandando ajustes organizacionais para enfrentar os desafios
da competição. Os países procuraram aumentar a competitividade do setor produtivo,
buscando ajustar-se à Nova Ordem Econômica Internacional. Para atender às exigências
de um novo modelo de atuação do Estado, os governos tentaram tornar-se mais eficientes,
liberando-se de atividades consideradas não essenciais, principalmente mediante processos
de privatização. Este fato gerou nos últimos anos um movimento mundial em prol da
privatização, que na maioria dos casos, substituiu o controle político pelo controle privado
exercido por investidores externos.
No Brasil, o processo de privatização foi gestado como uma estratégia de inserção do
mercado brasileiro no mercado internacional. Iniciou-se em princípios da década de noventa,
com a introdução pelo governo brasileiro do programa de abertura econômica e reformas
estruturais, com objetivos de fortalecer o papel regulador do Estado; aumentar e melhorar
a oferta de serviços, e criar oportunidades de investimento e de desenvolvimento tecnológico
e industrial.
A privatização do setor de telecomunicações foi iniciada em 1995, quando o Congresso
Nacional aprovou Emenda Constitucional que quebrou o monopólio do Estado. Em 1996,
foi aprovada a Lei n. 9.295 (Lei Mínima), que introduziu a competição nos serviços de
telefonia móvel celular, nos serviços limitados e nos de valor adicionado. Até então os
serviços de telefonia celular constituíam-se como unidades das empresas de telefonia fixa,
tendo passado a unidades jurídicas independentes a partir de 1998, em decorrência da Lei
Geral de Telecomunicações que desestatizou o Sistema Telebras e criou a Agência Nacional
de Telecomunicações — Anatel.
A reestruturação do Sistema Telebras — Telecomunicações Brasileiras S/A — resultou na sua fragmentação em doze holdings regionais, tendo uma delas incorporado a empresa
estatal de telecomunicações de Minas Gerais. A Empresa Alfa originou-se da cisão dessa
antiga empresa estatal, constituindo-se como empresa independente. Em fevereiro de 2001,
a holding Omega Participações, resultante da privatização da Telebras, participou do leilão
da banda D de telefonia celular, o que lhe garantiu a concessão para atuar na mesma área
geográfica em que já operava a telefonia fixa. Em 2002, a holding Omega Participações
criou então a Empresa Omega, que veio concorrer com a Empresa Alfa e com a Empresa
Beta, iniciando-se nova fase de competição no Setor.
A privatização do setor introduziu um importante fator até então desconhecido: a
competição entre empresas por espaço no mercado. Neste sentido, adquirir competências
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organizacionais e gerenciais, mediante processos de aprendizagem organizacional, tornou-se um dos principais recursos para enfrentar tal competição.
1. OBJETIVO E METODOLOGIA
Este trabalho teve por objetivo geral investigar e comparar as competências organizacionais, as competências gerenciais exigidas dos gestores, assim como os processos de
aprendizagem organizacional adotados pela Empresa Alfa e pela Empresa Omega para
competir no mercado. Adotou-se uma denominação fictícia a fim de resguardar a confidencialidade das organizações.
1.1. CONCEPÇÃO DA PESQUISA
Foi desenvolvida no período 2003 a 2004 uma pesquisa comparativa de cunho qualitativo e quantitativo, adequada ao tipo de problema que constituiu o objetivo do estudo. A
pesquisa pode ser caracterizada como um estudo de campo, realizado por meio da técnica
de survey (ROESCH, 1999), que investigou uma amostra de um grupo de gestores das
duas organizações, por meio da utilização de questionários e entrevistas. Foi realizado
pré-teste dos questionários.
O primeiro questionário foi aplicado aos gestores das organizações em nível gerencial
e de diretoria. Foi composto, basicamente, de escalas do tipo Likert de onze pontos (com
exceção do primeiro bloco), sendo formado por quatro blocos de questões em que se indagou
acerca do perfil demográfico e profissional dos respondentes, sobre a percepção dos gestores
quanto às competências atualmente requeridas para o exercício do cargo ou função ocupada,
os fatores de conteúdo do trabalho e os métodos adotados para promover a aprendizagem
organizacional. Vale ressaltar que, antes de sua aplicação, este questionário foi validado em
forma e conteúdo pela pesquisa de Sant’Anna (2002).
O segundo questionário constou de uma listagem das competências que se acredita
serem mais valiosas para o setor de telecomunicações, das competências que podem dar
vantagens competitivas à organização pesquisada e daquelas que podem conferir tais vantagens aos seus competidores, devendo os respondentes marcar as respostas. Este segundo
questionário foi submetido a um grupo focal, constituído por pesquisadores e professores
considerados experts no tema das competências.
Na Empresa Alfa, foram obtidas 26 respostas, de um total de 50 gestores, ao questionário enviado via Intranet, correspondendo a 50% do grupo gerencial. Na Empresa Omega,
foram obtidas 9 respostas, de um total de 14 gestores, o que representa 64% do grupo
gerencial.
Foram ainda realizadas entrevistas com uma amostra do mesmo grupo de gestores
que responderam aos questionários nas duas organizações, com a finalidade de permitir a
triangulação dos dados. A amostra adotada para as entrevistas foi de conveniência.
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1.2. AS ORGANIZAÇÕES
A Empresa Alfa atua em Minas Gerais, contando com 2,6 milhões de clientes que
fazem dela a operadora líder do mercado de telefonia móvel no Estado. É uma empresa
subsidiária da Alfa Celular Participações S/A, que detém 82,94% das ações ordinárias e
preferenciais, estando as restantes distribuídas entre acionistas minoritários. Desde 1998,
a empresa investiu cerca de R$ 750 milhões na expansão da capacidade, no aumento da
cobertura e na implementação de plataformas de serviços, como voice mail, pré-pago, SMS,
WAP e portal de voz. Em 2004, a empresa adotou a tecnologia GSM Edge, mas continua
mantendo a antiga tecnologia (TDMA). A tecnologia GSM é a mais usada, além de ser
mais segura, enquanto a TDMA possui limitações técnicas, especialmente quanto à transferência de dados e aplicações multimída. Além disso, GSM é a tecnologia que tem a maior
cobertura. No que se refere à estratégia, a palavra-chave para a Alfa é segmentação de
mercado. Os quadros da Alfa, na época de realização da pesquisa, contavam com 50 gestores
em todos os níveis da hierarquia.
A Empresa Omega é uma empresa do Grupo Telecomunicações e foi a primeira operadora a adotar a tecnologia GSM no Brasil, sendo também dona da maior rede GSM. Atua
comercialmente em 16 Estados das regiões Norte, Nordeste e Leste, na mesma área de
concessão da Empresa Alfa. Começou a operar em junho de 2002 e tem 5,3 milhões
de clientes em toda a sua área de cobertura. A forte expansão da empresa reflete a estratégia
eficiente de distribuição e vendas, das promoções sazonais, programas de fidelização de
clientes e pacotes de serviços. O quadro gerencial da Empresa Omega em Minas Gerais é
bastante reduzido. Na época de realização da pesquisa, contava com 14 gestores em todos
os níveis hierárquicos.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Não há unanimidade quanto à definição de competência; o termo comporta diferentes
significados, sendo utilizado com diversos sentidos, em diferentes contextos e com várias
ênfases em seus componentes essenciais. Inicialmente, é oportuno distinguir a noção de
competência da noção de qualificação. Segundo Isambert-Jamati (1998), a qualificação é
ligada à formação educacional recebida e codificada em categorias ocupacionais, que por
sua vez se traduzem em escalas de salários, enquanto as competências podem ser adquiridas
de várias formas, em instituições de formação, empregos anteriores, estágios e em outras
atividades fora da ocupação, constituindo uma prerrogativa do indivíduo, não estendível
aos demais membros de uma categoria profissional. Manfredi (1999) lembra que a qualificação é associada ao modelo taylorista-fordista, garantindo a formação do trabalhador
para desempenhar tarefas específicas, enquanto a competência é associada ao modelo
pós-fordista, e alcançada por meio da multiqualificação ou polivalência, requerendo uma
cultura colaborativa. Neste sentido, além da formação técnica e profissional, são valorizados
os comportamentos sociais, as aptidões e capacidades pessoais, além de comprometimento
pessoal do trabalhador, o que envolve sua subjetividade.
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Afirma Mertens (1997) que o surgimento da competência em vários países
industrializados e em desenvolvimento guarda relação direta com as transformações
produtivas que ocorreram a partir da década de oitenta. A competitividade evoluiu para
uma exigência maior em termos de qualidade de produtos e serviços, focando mais as
necessidades dos clientes, sem desprezar os critérios dos preços e dos custos baixos. O foco
na qualidade e a adoção da produção enxuta, baseada na melhoria contínua do processo de
produção rompeu com os esquemas relativamente estáticos e parciais que prevaleciam até
então nas organizações. Mas com a difusão de tais práticas entre as empresas mundiais a
capacidade de gerar vantagens competitivas se esgotou porque a maioria das empresas
estava seguindo as mesmas estratégias, além de que tais estratégias têm realmente seu
limite. Também a chamada arquitetura de organização virtual, que surgiu para permitir a
geração de produtos e serviços de qualidade, passou a exigir o desenvolvimento de competências chave ou centrais das organizações, em torno das quais as empresas devem
concentrar-se para se tornarem competitivas no mercado global ou mesmo local. Entretanto,
um componente importante da arquitetura virtual é a competência do trabalhador. As empresas tradicionais buscavam aproveitar a competência das pessoas em apenas algumas de
suas dimensões, mas com as novas exigências organizacionais outras aptidões, comportamentos e capacidades pessoais tornaram-se cruciais para garantir a competitividade. É
nesse contexto que a questão da competência ganha relevo no ambiente organizacional.
Uma definição de competência utilizada amplamente na França estabelece que “é um
conjunto de saberes mobilizados em situação de trabalho”. Seus componentes são os saberes
ou conhecimentos específicos; os saberes colocados em prática, o saber-fazer, as aptidões; a
inteligência pessoal e profissional, as capacidades; a vontade de colocar em prática e de
desenvolver as competências (CONGRÈS FORCE, 1994, citado por JORAS, 1995).
A competência envolve um sistema, uma organização estruturada, uma combinação
de elementos. Para Gilbert e Parlier (1992), citados por Le Boterf (1995:22) as competências
são “conjuntos de conhecimentos, de capacidade de ação e de comportamentos estruturados
em função de um fim e em um tipo de situação dada”. A competência pressupõe a capacidade
de transferência, de aprendizagem e de adaptação. Não é imitar, mas poder adaptar a conduta
às situações novas e imprevistas; “é poder improvisar onde os outros não fazem mais do
que repetir (LE BOTERF, 1995)”. A competência, sendo de natureza combinatória, é um
misto de múltiplos ingredientes e não se realiza simplesmente pela adição de saberes parciais;
ela é a síntese dos saberes e do saber-fazer. Para Ducci (1996:19) competência significa a
capacidade produtiva de um indivíduo, medida e definida em termos de desempenho real,
e não meramente de uma agregação de conhecimentos, habilidades, destrezas e atitudes
necessários, mas não suficientes para um desempenho produtivo em um contexto de
trabalho. Em outras palavras, competência (laboral) é mais do que a soma de todos esses
componentes: é uma síntese que resulta de combinação, interação e prática de tais componentes em uma situação real, enfatizando o resultado e não o insumo.
Para Le Boterf (1995), a essência da competência é um saber agir, que se distingue do
saber-fazer pela finalidade que aí está envolvida. A ação é diferente do comportamento,
pelo fato de que ela tem uma significação para o sujeito. O saber-agir pode significar,
algumas vezes, não agir. Além disso, para ser competente, o sujeito precisa ser reconhecido
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como tal; não basta considerar-se competente. O autor lembra que toda competência depende
do julgamento de outros. A competência não é apenas um construto operatório, mas também
um construto social.
A competência, segundo Zarifian (1996), deve ser entendida, em primeiro lugar, como
a responsabilidade pessoal que o empregado assume diante das situações produtivas. É uma atitude
social de engajamento, de comprometimento ou envolvimento, porque mobiliza sua inteligência e subjetividade, significando também assumir riscos de fracassar. Em segundo lugar,
a competência deve ser entendida também como o exercício sistemático da reflexividade no
trabalho, isto é, o distanciamento crítico diante do trabalho, o questionamento sistemático dos
modos de trabalhar e dos conhecimentos que a pessoa utiliza e, como tal, não pode ser imposta,
mas deve advir da própria pessoa. Zarifian (1996) afirma, entretanto, que a competência
não funciona sem a aquisição de competências, isto é, de aprendizagem.
Zarifian (1999), em trabalho mais recente, acrescenta que o trabalhador, além da
capacidade de enfrentar situações novas com iniciativa e responsabilidade, é guiado pela
inteligência prática e coordena suas ações com as de outros atores, mobilizando as próprias
capacidades. O autor ressalta, portanto, a interação social e a subjetividade do trabalhador,
que é motivado a usar seus recursos de competência na busca dos melhores resultados para
a empresa.
2.1. COMPETÊNCIAS PERTINENTES AOS GESTORES EMPRESARIAIS
Mertens (1997), em seu texto sobre competências, refere-se à qualificação gerencial,
destacando que se tornou insuficiente diante das atuais inovações técnicas e organizacionais,
refletindo a necessidade de adaptação e de desenvolvimento das capacidades interpessoais
exigidas pelas organizações. Com efeito, o contexto de reestruturação produtiva e a nova
economia global demandam dos gestores várias capacidades, novos conhecimentos, motivação,
atitudes positivas, forte comprometimento com a organização, enfim, novas competências
gerenciais.
Bartlett e Goshal (1997), ao procederem à identificação das competências necessárias
ao exercício das novas tarefas gerenciais, desenvolveram um modelo de classificação das
competências, agrupando-as em três categorias: as características de personalidade (atitudes,
traços e valores intrínsecos ao caráter e personalidade do indivíduo), os atributos (conhecimentos, experiência e discernimento, adquiridos por treinamento e desenvolvimento da
carreira); as habilidades especializadas, ligadas aos requisitos específicos do trabalho. A
pesquisa dos autores evidenciou a ocorrência de alta taxa de insucesso entre os gerentes
com experiência prévia em organizações tradicionais, que procuraram adaptar-se a tarefas
redefinidas num contexto organizacional novo. Por esse motivo as organizações estão
selecionando gerentes com determinados traços pessoais passíveis de conduzirem ao sucesso.
Em outras palavras, as características pessoais estão sendo consideradas mais importantes para o
desempenho das novas responsabilidades gerenciais do que a experiência. Esses resultados são
coerentes com a argumentação de Aubrun e Orofiama (1991), que se referem à valorização
das competências de terceira dimensão, isto é, aquelas que se caracterizam por não serem
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habilidades motoras nem conhecimentos, mas sim qualidades pessoais e interpessoais, como
responsabilidade, autonomia e capacidade de trabalho em equipe, entre outras.
Kubr e Abell (1998) defendem o ponto de vista de que as competências requeridas dos
gestores diferem de uma organização para outra, dependendo dos níveis de responsabilidade,
da função exercida e do ambiente cultural, tecendo considerações sobre os seguintes tópicos:
habilidades conceituais e analíticas; habilidades pertinentes ao processo gerencial; traços
pessoais e atributos; e know-how acerca do setor ou da indústria. Em relação às habilidades
analíticas e conceituais, os autores referidos estabelecem uma hierarquia, em que figuram,
no primeiro plano, os conhecimentos e as técnicas básicas de administração, indispensáveis
a um profissional na área de gerência empresarial. No segundo nível, alinham-se conceitos
e abordagens analíticas, necessários à administração de funções organizacionais específicas,
como marketing, finanças, produção, gestão de tecnologia, administração de sistemas de
controle e gestão de recursos humanos. No terceiro patamar, figura o entendimento
das inter-relações entre as funções e culturas (organizacional e nacional), o que significa
que o gestor precisa estar apto a relacionar as exigências de qualquer função e cultura com
as prioridades estratégicas da organização, assim como saber integrar as atividades
específicas de uma função com as demais. Finalmente, no último nível, situam-se as
habilidades de desenvolvimento de diretrizes estratégicas gerais para a organização e para
a inteligência das forças ambientais e competitivas dentro da indústria ou do negócio.
Quanto às habilidades pertinentes ao processo gerencial, Kubr e Abell (1998) consideram
relevantes as que dizem respeito à capacidade de saber como proceder: habilidade para
lidar com pessoas, habilidade para negociar, habilidades de comunicação, incluindo o uso
da tecnologia moderna de informação, habilidade de avaliar, de organizar o tempo, de estabelecer prioridades e, em nível mais geral, de compreender o processo político da organização
e sua interface com o ambiente social e a comunidade local, de modo a agir eficazmente
nesse contexto.
Relativamente aos traços pessoais e atributos, os citados autores ressaltam a existência
de significativas diferenças de caracterização do perfil dos gestores de alto desempenho, a
maioria das quais inclui os seguintes aspectos: diligência (energia que impulsiona o gerente);
visão abrangente; foco em resultados; criatividade; flexibilidade cultural e percepção (habilidade para ultrapassar sua base cultural e para comunicar-se em outras línguas); habilidade
para trabalhar em equipe; autoconfiança e autopercepção; carisma e valores individuais.
Segundo os autores, certos traços e atributos são necessários a determinados tipos de
trabalho, sendo impossível desenvolver modelos genéricos, adaptáveis a todas as situações
e posições. Na prática, entretanto, consideram possível selecionar traços de personalidade,
aptidões e atitudes relevantes para determinado cargo, tendo em vista as exigências do
trabalho a ser desempenhado.
2.2. COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS
Também as organizações possuem competências, que mantêm ligações estreitas com
as competências individuais. As competências organizacionais representam a integração e
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a coordenação das competências individuais, mas a articulação entre elas somente se tornará
efetiva se for realizada no nível estratégico da empresa. Vários autores, ligados à corrente
estratégica baseada em recursos (WERNERFELT, 1984; RUMELT, 1994; DIERICKX e
COOL, 1989; PETERAF, 1993; SCHOEMAKER e AMIT apud OLIVEIRA JR., 1999),
argumentam que os recursos de que as organizações dispõem é que impulsionam seu desempenho, constituindo-se no principal determinante de sua competitividade, no que tange a
sua posição na indústria. Tais recursos devem ser entendidos como ativos tangíveis e intangíveis e, segundo Peteraf (1993), na medida em que os ativos de uma organização são
imperfeitamente móveis, inimitáveis e insubstituíveis, outras empresas não conseguirão
copiar sua estratégia.
De acordo com Schoemaker e Amit (1999), os ativos estratégicos caracterizam-se não
só pela dificuldade de serem imitados ou negociados, mas também pelo fato de serem
escassos, duráveis e difíceis de serem substituídos; e ainda por sua complementaridade com
outros ativos, no sentido de que o valor de um aumenta quando o valor de outro cresce.
Caracterizam-se, além disso, por serem dificilmente transferíveis em virtude da propriedade
de adicionarem valor aos acionistas e de se alinharem com os futuros fatores estratégicos
da indústria.
Apesar de a abordagem de recursos ter surgido com a contribuição de Wernerfelt e de
Rumelt, foram Prahalad e Hamel (1990) que divulgaram a teoria no meio empresarial. Os
dois autores referem-se às core competencies ou competências centrais, que constituem a
aprendizagem coletiva da organização, no que concerne à coordenação de diversas capacidades de produção e de integração de linhas de tecnologias. Segundo os referidos autores,
tais competências podem ser básicas ou essenciais. As competências básicas são condições
necessárias, mas não suficientes para que uma organização alcance liderança e se diferencie
no mercado. As competências essenciais (core competencies) são aquelas que têm valor para
o cliente, contribuindo para a diferenciação entre os concorrentes e aumentando a capacidade
de expansão da organização. Além disso, permitem o acesso potencial a uma grande variedade de mercados, representam uma contribuição significativa para o consumidor, e são
difíceis de serem imitadas.
Ruas (2003), entretanto, argumenta que não se conseguiu validar este último critério
em empresas brasileiras, especialmente no mercado internacional. E acrescenta que isto
provavelmente ocorre também nos mercados norte-americano e europeu. Desse modo,
propõe uma outra classificação, em que inclui as chamadas competências organizacionais
seletivas. Para o autor, “competências básicas são aquelas que contribuem para a sobrevivência organizacional no médio prazo, enquanto as seletivas permitem a diferenciação da
organização no espaço de competição onde atua, contribuindo para uma posição de liderança
ou quase liderança nesse mercado. São ‘diferenciais obtidos com base em relacionamento
com clientes ou no redimensionamento de serviços’” (RUAS, 2003:6).
O autor apresenta ainda um desdobramento das competências organizacionais em
nível de grupo, que representa uma categoria intermediária entre as competências organizacionais e as individuais, geralmente associadas às principais funções coletivas da organização,
como produção, comercialização, obtenção de insumos e informações, manutenção e logística
e gestão de recursos tangíveis e intangíveis. A este tipo denomina competências funcionais,
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pois são atribuições específicas de determinados grupos, embora estejam relacionadas com
toda a empresa. Lembra ainda o autor que determinada competência funcional pode vir a
se constituir em competência organizacional essencial ou seletiva.
2.3. APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL
O processo de aprendizagem organizacional está necessariamente ligado às
competências organizacionais e individuais. Sem essa ponte, a competência permanece
isolada e restrita a determinados indivíduos e grupos e traz pequena contribuição às organizações, em termos de competitividade. Existem várias definições de aprendizagem organizacional; algumas a descrevem como um processo que se desenvolve ao longo do tempo e
associam-no com aquisição de conhecimento e melhora de desempenho; outras ressaltam a
necessidade da mudança comportamental para a aprendizagem, enquanto outras analisam
novas formas de pensamento. O tema pressupõe ainda a investigação de como as pessoas
aprendem, mas não existe uma resposta aceita universalmente. Além disso, a aprendizagem
individual é um processo diferente da aprendizagem organizacional, embora ambos se
apoiem.
Kim (1993) define aprendizagem organizacional como o aumento da capacidade da
organização para empreender ações eficazes. Dibella et al. (1966) também vão na mesma
linha, definindo a aprendizagem organizacional como o conjunto de processos internos
que ajudam a manter ou melhorar o desempenho com base na experiência, e cujo funcionamento depende de aquisição, disseminação e utilização de conhecimentos. As teorias de
aprendizagem individual são cruciais para a compreensão da aprendizagem organizacional.
Alguns conceitos devem ser explicitados, por serem importantes para a análise da aprendizagem organizacional. Inicialmente, devem-se distinguir dois significados da aprendizagem,
pois este processo envolve a aquisição de conhecimentos (know why) e de habilidades (know
how). Conhecimentos e habilidades são importantes, pois estão associados no sentido de
que há uma permanente retroalimentação entre os dois termos, isto é, a aprendizagem
conceitual ajuda a melhorar a capacidade de efetuar uma ação, e esta, por sua vez, ajuda a
ampliar e adaptar os conceitos baseados na experiência. Pode-se então falar de aprendizagem
conceitual e operacional.
A memória tem um papel importante no processo, porque permite a retenção daquilo
que foi adquirido, mas sua função vai além da simples armazenagem de conceitos e experiências. Para esclarecer melhor este ponto, é necessário introduzir a noção de modelos mentais
a que Senge (1992) se refere como a visão de mundo, o quadro de referência que fornece o
contexto em que o indivíduo vê e interpreta o mundo e determina que informações são
relevantes para determinada situação. Os modelos mentais não só ajudam a dar significado
àquilo que se vê, mas também restringem nossa compreensão daquilo que faz sentido
dentro do modelo mental. Kim (1993) afirma que os dois níveis de aprendizagem — conceitual e operacional — podem ser relacionados a duas partes dos modelos mentais: a aprendizagem operacional representa a aprendizagem no nível processual, de rotinas, enquanto a
aprendizagem conceitual refere-se à aprendizagem do tipo know why, que pode levar a
novos quadros de referência do modelo mental, isto é, pode abrir oportunidades de se
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reenquadrar um problema de formas completamente diferentes. A memória organizacional
ativa inclui os modelos mentais individuais e compartilhados, que podem ser implícitos ou
explícitos, tácitos e reconhecidos, e que têm a capacidade de afetar o modo como um
indivíduo ou a organização veem o mundo e agem nele. A importância dos modelos mentais
é que eles constituem os ativos invisíveis da organização, isto é, o conhecimento organizacional. Mudanças radicais na organização alteram completamente o estilo de administração,
os procedimentos, as estruturas, alterando os modelos mentais.
Captar os modelos mentais individuais não é suficiente para alcançar a aprendizagem
organizacional. É preciso ir além da aprendizagem isolada dos indivíduos e difundir a
aprendizagem pela organização. Na medida em que os modelos mentais se tornam explícitos
e compartilhados, expande-se a base dos significados partilhados na organização e aumenta
a capacidade organizacional de coordenar uma ação eficaz.
Analisando o processo de difusão do conhecimento, Nonaka (1994) distingue entre o
conhecimento tácito, não codificado e difícil de se formalizar e transmitir, e o conhecimento
explícito, formalizado, codificado e transmissível. Nonaka e Takeuchi (1995), tratando da
questão da aprendizagem organizacional, propõem quatro processos de conversão do conhecimento: 1) Socialização — significa o processo de compartilhamento do conhecimento
tácito entre indivíduos, mediante observação, imitação e experiência conjunta. Nesse caso,
o conhecimento adquirido continua sendo tácito. 2) Externalização — conversão de conhecimento tácito em explícito. Nonaka (1994) recomenda o uso de linguagem figurada, de
metáforas e simbolismo para articular aquilo que é difícil expressar. 3) Internalização —
forma de conversão de conhecimentos explícitos em tácitos, com base na aprendizagem. 4)
Combinação — reconfiguração de conhecimentos explícitos, conduzindo à aprendizagem
de novos conhecimentos explícitos.
As diversas teorias examinadas permitem concluir que a aprendizagem envolve processos interdependentes: a aquisição de conhecimentos, sua disseminação, a constituição da
memória organizacional e a recuperação de informações. As organizações que conseguem
realizar a gestão desses processos são chamadas organizações de aprendizagem (learning
organizations). Mas como saber se uma organização tornou-se uma learning organization?
Que políticas e programas devem ser estabelecidos? Garvin (1993) apresenta uma definição
clara e a enriquece com orientações operacionais, procurando também estabelecer medidas
para avaliação da taxa e do nível de aprendizagem. “Uma organização que aprende é uma
organização habilitada a criar, adquirir e transferir conhecimento e a modificar seu comportamento para refletir o novo conhecimento e novos insights.” (GARVIN, 1993:51)
Tais organizações, segundo o mesmo autor, possuem habilidades em cinco atividades
principais: solução sistemática de problemas, experimentação de novas abordagens, aprendizado com experiências passadas, aprendizado por meio das melhores práticas de outras
organizações e transferência rápida e eficiente de conhecimento para toda a organização.
O autor acredita ainda que a capacidade de verificação ou de mensuração da aprendizagem
precisa ser desenvolvida.
A primeira habilidade, solução sistemática de problemas, baseia-se no método científico
para diagnóstico, calcado em informações objetivas e auxiliado por técnicas estatísticas. A
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experimentação envolve a procura sistemática e o teste de novos conhecimentos. É
geralmente motivada pela oportunidade e pelo alargamento dos horizontes, não por
dificuldades correntes.
Aprender com a experiência passada exige que as organizações revejam seus sucessos
e fracassos e os avaliem sistematicamente, registrando as lições de forma que os empregados
tenham acesso fácil a elas. O conhecimento obtido a partir do fracasso é muitas vezes
instrumental para os sucessos posteriores.
A aprendizagem pela experiência de outros pode ser obtida não somente dentro do
mesmo negócio, como também de organizações de setores completamente diferentes
que, mesmo assim, são fontes de pensamento criativo. O benchmarking é um tipo de
investigação e de experiência de aprendizagem que se enquadra bem nesta atividade, mas
outras práticas também são recomendadas como informações vindas dos clientes e a
observação das reações da clientela.
O conhecimento adquirido precisa ser difundido de forma rápida e eficiente por toda
a organização e, para tanto, há uma série de mecanismos que podem ser usados, incluindo
relatórios escritos, orais e visuais, visitas, programas de rotação de pessoal, programas de
treinamento, de educação e de padronização.
A mensuração e a avaliação da aprendizagem podem ser obtidas por meio de algumas
práticas tais como curvas de aprendizagem e de experiência, que focalizam o resultado em
termos de custo ou preço, mas não medem variáveis qualitativas.
Surveys, questionários, entrevistas e observação direta podem ser utilizados para investigar a qualidade, buscando atingir o nível cognitivo (atitudes e profundidade de compreensão),
as mudanças comportamentais, assim como o desempenho funcional.
3. RESULTADOS
Os dados foram analisados computando-se a incidência de respostas em cada item
dos questionários, de modo a estabelecer que competências são consideradas mais relevantes
para as organizações. Os resultados obtidos na Empresa Alfa e na Omega foram comparados
quanto ao perfil dos gestores, o tipo de trabalho executado pelos mesmos, as competências
organizacionais e gerenciais que têm sido deles exigidas e os processos de aprendizagem organizacional adotados pelas empresas. Além disso, os resultados dos questionários foram
confrontados com as informações obtidas nas entrevistas realizadas em ambas organizações.
3.1. PERFIL DOS GESTORES
Pelas respostas aos questionários verificamos que na Empresa Alfa 18 respondentes
são do sexo masculino (69%) e 8 (31%) são do sexo feminino. Situam-se numa faixa etária
jovem: 16 gestores (61%) têm entre 25 e 35 anos, 3 estão na faixa intermediária de 36 a 40
anos (12%) e apenas 7 (27%) têm mais de 40 anos.
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Todos têm escolaridade de nível superior, sendo que 14 (54%) cursaram especialização
e 2 têm o mestrado. O número de questionários representa 50% dos gestores e cobre um
leque expressivo de atividades na empresa, compreendendo as áreas financeira, marketing,
comercial, relacionamento com clientes, engenharia, recursos humanos e tecnologia. Entre
os respondentes verifica-se uma predominância de gestores da área de relacionamento
com clientes (24%), seguida das áreas comercial, de engenharia e de tecnologia (16% cada
uma), 12% da área de marketing e 8% das áreas financeira e de recursos humanos. Em geral,
os gestores atuam no cargo recentemente: 18 (69%) entre 1 a 5 anos, 6 (23%) há menos de
1 ano e 2 entre 6 a 15 anos. Do mesmo modo, quase todos são pessoas que trabalham relativamente há pouco tempo na empresa: 17 (65%) estão entre 1 a 5 anos e 8 (31%) entre 6 a 10
anos; apenas 1 trabalha na organização há menos de 1 ano.
Verifica-se, portanto, uma predominância de gestores do sexo masculino, jovens, trabalhando relativamente há pouco tempo na empresa e exercendo o cargo recentemente.
Percebe-se que a empresa valoriza menos a experiência e prefere contratar pessoas mais
jovens e, possivelmente, com maior motivação para a realização, para exercer iniciativa e
criatividade, além de flexibilidade para enfrentar as mudanças e a competição que as organizações vêm experimentando no setor de telecomunicações. Isto ocorre possivelmente
porque se acredita que a experiência possa inibir a criatividade e a flexibilidade, qualidades
que são atualmente muito valorizadas nas organizações. Outro fator que também pode
concorrer para isto é que os contratos de pessoas com menor experiência são uma opção de
custo mais baixo.
Na Empresa Omega, os resultados revelaram que todos os gestores são do sexo masculino, e embora muitos sejam ainda jovens, no conjunto são mais velhos do que os gestores
da Empresa Alfa: 44% estão nas faixas de 25 a 35 anos, 33% estão entre 41 a 45 anos e 22%
têm mais de 45 anos. Todos têm curso superior completo, 44% possuem especialização e
22% têm o curso de mestrado. Esses gestores estão distribuídos por diversas áreas:
financeira, marketing, relacionamento com clientes, engenharia, recursos humanos,
tecnologia e outra não identificada, com 1 gestor (11%) em cada uma e 2 gestores na área
comercial (22%). Mas verifica-se que quase todos atuam há relativamente pouco tempo no
cargo: 6 deles (66%) estão de 1 a 5 anos no cargo, 1 (11%) está há menos de 1 ano, 1 (11%)
está de 6 a 10 anos, e outro (11%) de 11 a 15 anos. 6 gestores (66%) trabalham de 1 a 5 anos
na empresa e 3 de 6 a 10 anos, o que indica que alguns já trabalhavam no Grupo
Telecomunicações, uma vez que a Omega foi constituída recentemente. Os resultados
obtidos indicam uma situação semelhante à da Empresa Alfa.
3.2. CONTEÚDO DO TRABALHO DOS GESTORES
Comparando-se as características do trabalho do gestor nas duas organizações consideradas, verifica-se que as semelhanças são notáveis. O trabalho exige diversas habilidades
complexas, demanda cooperação e pode afetar várias pessoas, além de oferecer oportunidades
de receber feedback sobre a forma como o gestor o está desempenhando.
Os gestores se encontram muito satisfeitos com o tipo de atividades que exercem.
Nas duas organizações, atribui-se ao trabalho alto significado e importância. É digno de
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nota o fato de que os gestores da Omega e da Alfa não pensem em deixar o seu trabalho, o
que vem confirmar mais uma vez o seu grau de satisfação com o tipo de atividade que
desempenham. Estes resultados foram também comparados com o nível de comprometimento com a organização, uma vez que os gestores atribuíram uma pontuação baixa à
assertiva de que estão mais comprometidos com a própria carreira do que com a organização
em que trabalham. A média para esta questão entre os gestores da Alfa foi de 4,54, e entre
os da Omega, de 3,00 o que vem a ratificar o baixo grau de comprometimento com a carreira e o alto grau de comprometimento com as respectivas organizações. Os resultados
obtidos se mostram consistentes e foram confrontados também com informações obtidas
nas entrevistas.
3.3. COMPETÊNCIAS DOS GESTORES
A comparação dos resultados obtidos nas duas empresas mostra que não há diferenças
muito significativas entre o que ambas requerem dos gestores: comprometimento com os
objetivos organizacionais, capacidade de gerar resultados efetivos, capacidade de trabalhar
em equipes e capacidade de relacionamento interpessoal são competências muito demandadas. O domínio de novos conhecimentos técnicos e a capacidade de aprender novos
conceitos são competências próximas, pois exigem a capacidade de aprender e de colocar
em prática novos conhecimentos. O mesmo pode ser dito quanto às capacidades de lidar
com incertezas e ambiguidades e de lidar com situações novas, uma vez que as situações
inusitadas geralmente carregam consigo uma carga de incertezas que precisa ser cuidadosamente administrada. O que realmente difere nas duas operadoras é a ênfase que se
atribui à criatividade e à capacidade de comunicação na Empresa Alfa, e à iniciativa de ação
e decisão e à capacidade de autocontrole emocional, que são exigidas na Omega. Tendo
sido a Omega a última operadora a entrar no mercado, essas competências são importantes
para que a organização possa conquistar uma posição mais favorável, o que torna claro
porque elas estão sendo tão demandadas. Por outro lado, a Alfa precisa cuidar de manter
um nível elevado de comunicação entre seus colaboradores e entre eles e sua base de clientes,
assim como incentivar a criatividade para que seja capaz de manter sua posição de liderança.
Entre as competências menos exigidas figuram a visão de mundo ampla e global, na
Empresa Alfa, e a criatividade, na Omega. Realmente, a Alfa é uma empresa que tem uma
atuação muito localizada, mas mesmo assim, a visão global é importante na área de telecomunicações, pois a competição nessa área se dá em nível global e as organizações que não
desenvolverem essa visão ampla correm o risco de serem ultrapassadas no mercado. É
possível que em futuro próximo, com a entrada de outras concorrentes no mercado, essa
competência passe a ser exigida com maior intensidade. Sabia-se naquela época que a Claro
deveria entrar em operação no ano de 2005, acirrando a concorrência entre as operadoras,
o que de fato aconteceu. A entrada de um quarto competidor deveria aumentar a intensidade
de ofertas; além disso, sabe-se que o mercado mineiro comporta crescimento. Com efeito,
apesar de ser a terceira economia do país, Minas Gerais detém a 11ª posição no que se
refere ao acesso à telefonia móvel, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações
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— Anatel. Esse fato se explica, além da pequena concorrência, pela dispersão da população
e pela geografia montanhosa do Estado, o que dificulta a emissão do sinal (PINTO, 2005,
p. 17).
Quanto à Omega, é possível que a criatividade seja menos exigida provavelmente
porque se considere que ela já seja uma competência instalada na organização. Com efeito,
pelas declarações de entrevistas realizadas na organização, verifica-se que as pessoas que
lá trabalham são pessoas jovens, recrutadas pelo seu dinamismo e vontade de vencer. Uma
das competências organizacionais apontadas pelos gestores é justamente a capacidade de
inovação e de promover mudanças, o que exige das pessoas a capacidade de serem criativas.
A Tabela 1 mostra as competências que têm sido mais demandadas pelas duas organizações,
bem como as competências menos demandadas em ambas.
Tabela 1 — Competências dos Gestores das Empresas Alfa e Omega
Fonte: Dados da pesquisa.
3.4. COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS
No que se refere às competências organizacionais das duas empresas, constata-se que
várias competências coincidem na Omega e na Alfa. Entre elas podemos apontar: a capacidade de inovação, a capacidade de manter os preços competitivos, a competência em
gestão financeira, a capacidade tecnológica, a capacidade de manter o valor da marca, o
conhecimento do negócio dos clientes, a expertise do quadro gerencial e a capacidade de
mobilizar pessoas para o alcance de resultados empresariais. A Empresa Alfa, entretanto,
apresenta ainda o conhecimento do negócio, o relacionamento com os clientes, a competência
em Marketing, em gestão de pessoas e em planejamento, além da flexibilidade, a capacidade
de adaptação, a responsabilidade social, a credibilidade, cobertura dos serviços, pensamento
global, a capacidade de mudar a estrutura de acordo com o mercado e de oferecer soluções
customizadas. As competências básicas da Empresa Alfa são, no nosso entendimento, o
conhecimento do negócio, o conhecimento dos negócios dos clientes, a capacidade tecnológica e a expertise do quadro gerencial. Entre as competências apontadas pelos gestores
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identificam-se diversas que constituem as chamadas competências funcionais, como as
competências em Marketing, em gestão financeira, em gestão de pessoas, em planejamento,
bem como as capacidades de manter os preços competitivos, e de mobilizar pessoas para o
alcance de resultados empresariais. O que parece constituir o grande diferencial da Alfa é
a credibilidade, a cobertura dos serviços, o relacionamento com os clientes, a capacidade de
adaptação e de oferecer soluções customizadas. Estas parecem ser as competências seletivas
da empresa, porque contribuem para a distinção da organização no seu setor, e agregam
valor significativo para os consumidores.
A Omega, por sua vez, apresenta além das competências já citadas acima, a capacidade
de comunicação, de captação de novos clientes, de gerar resultados efetivos, de recrutar
pessoas com diferentes visões, de focar resultados, de introduzir novos produtos, e de empreender. Entre as competências básicas da Omega identificamos o conhecimento do negócio
dos clientes, a expertise do quadro gerencial e a capacidade tecnológica. A capacidade de manter
preços competitivos, de gerir custos, de recrutar pessoas com diferentes visões e de mobilizar
pessoas para o alcance de resultados empresariais constituem suas competências funcionais.
O que constitui realmente o diferencial da Omega (competências seletivas) parece ser a
inovação, a capacidade de comunicação, de empreender e de introduzir novos produtos. O
Quadro 1 mostra as competências organizacionais da Empresa Alfa e da Omega.
Quadro 1 — Competências Organizacionais nas Empresas Alfa e Omega
Fonte: Dados da Pesquisa.
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Na Alfa, os gestores apontaram como competências valiosas para o setor as capacidades
de mobilizar pessoas para o alcance dos resultados empresariais, de gerir custos e de lidar
com ambientes em constante mudança, o pensamento global e a capacidade de transformar-se. Consideraram que esta primeira capacidade é importante para a Alfa. A capacidade de
transformar-se também está muito presente nessa empresa, mas quase não existe na concorrência.
Entre as capacidades que estão mais presentes entre os competidores foram apontadas:
preços competitivos e capacidade de aprendizagem, capacidade de introduzir novos produtos
e de antecipar as necessidades dos clientes, conhecimento do mercado e ainda conhecimento
dos negócios dos clientes. Verifica-se que entre as competências atribuídas à concorrência
somente a capacidade de aprendizagem suplanta aquela que os gestores acreditam possuir
a Alfa. Quanto às demais competências, os gestores da Alfa acreditam que a empresa esteja
à frente dos concorrentes. Na percepção dos gestores da Alfa, os competidores parecem ser
mais fracos quanto às seguintes competências: capacidade de recrutar pessoas com diferentes
visões, capacidade de transformar-se ou de gerir a mudança, responsabilidade social,
capacidade de mobilizar pessoas para o alcance dos resultados empresariais, capacidade de
inovação e capacidade de gerir custos.
Para os gestores da Omega, as competências consideradas valiosas para o setor são:
capacidade de selecionar a tecnologia apropriada, capacidade de introduzir novos produtos
e de antecipar as necessidades dos clientes, conhecimento dos negócios dos clientes, capacidade de desenvolver e implementar planejamento estratégico, capacidade de tomar decisões
com rapidez, capacidade de oferecer soluções customizadas, capacidade de entender a competição e os competidores, capacidade de transformar-se, credibilidade, conhecimento do mercado, cobertura dos serviços, capacidade de gerar resultados efetivos, capacidade de lidar
com ambientes em constante mudança, capacidade de inovação, e capacidade de gerir custos.
Dentre todas essas competências, apenas a capacidade de gerir custos foi apontada
como aquela que confere vantagem competitiva para a organização. Outras, entretanto,
foram apontadas como valiosas para a organização como capacidade de manter preços
competitivos, capacidade de recrutar pessoas com diferentes visões, capacidade de tomar
decisões adequadas acerca da tecnologia de informação, capacidade de focar resultados,
capacidade de introduzir novos produtos e antecipar as necessidades dos clientes, expertise
do quadro gerencial e técnico, capacidade de empreender, capacidade de mobilizar pessoas
para o alcance dos resultados empresariais, e conhecimento dos negócios dos clientes. Consideram que a organização precisa melhorar sua capacidade de tomar decisões com rapidez,
pois ela foi considerada valiosa para o setor e confere vantagem para os competidores.
Também as capacidades de oferecer soluções customizadas, de entender a competição, de
transformar-se, a credibilidade, o conhecimento do mercado, a cobertura dos serviços, a
capacidade de lidar com ambientes em constante mudança, e a capacidade de inovação,
precisam ser desenvolvidas.
Quanto às capacidades que conferem vantagens competitivas para os competidores,
apontam as seguintes: capacidade de tomar decisões com rapidez, pensamento global, capacidade de entender a competição, capacidade de transformar-se, conhecimento do mercado,
cobertura dos serviços, capacidade de empreender e capacidade de inovação. Entre as
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capacidades que julgam não conferirem vantagem para os competidores constam: capacidade
de recrutar pessoas com diferentes visões, e responsabilidade social, ambas sem indicação.
As duas organizações estão emparelhadas quanto às capacidades de gerir custos e de
conhecimento dos negócios dos clientes.
3.5. APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL
Existem semelhanças de métodos utilizados pelas operadoras para promover a aprendizagem organizacional. Verifica-se que entre os métodos mais usados constam a solução
de problemas, a informação e feedback de clientes, a observação direta de clientes e o uso de
intranet. Mas cada empresa lança mão também de outros métodos, sendo todos eles utilizados,
em maior ou menor proporção. Os recursos menos usados são os programas de padronização,
de rotação de pessoal, o uso de internet e a consultoria de universidades e empresas, conforme
pode ver-se na Tabela 2. Os métodos de solução de problemas, informação, feedback e
observação de clientes, assim como aprendizagem pelos erros do passado, uso de internet
e intranet, equipes multifuncionais e melhorias incrementais em programas e processos são
utilizados para criação de conhecimento. O uso de internet e intranet, a transferência e
disseminação de conhecimentos, os programas de educação continuada e os programas de
treinamento e desenvolvimento promovem a difusão do conhecimento criado. Esses resultados mostram que as duas empresas têm preferido utilizar os métodos de aprendizagem
que promovem a integração interna e a visão externa, em vez de usar contratantes externos
e parcerias com outras organizações.
Tabela 2 — Aprendizagem Organizacional nas Empresas Alfa e Omega
Fonte: Dados da pesquisa.
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4. CONCLUSÕES
Os resultados obtidos nas organizações pesquisadas vêm ratificar os achados de pesquisas de vários autores. Primeiramente, verifica-se que as características de personalidade
(atitudes, traços e valores) dos indivíduos estão sendo mais demandados do que a experiência,
o que vem confirmar os resultados da pesquisa de Bartlett e Goshal (1997). Ratificam também
a argumentação de Aubrun e Orofiama (1991), no sentido de que as competências de terceira
dimensão têm sido mais valorizadas. Com efeito, as organizações demandam habilidades
interpessoais necessárias ao processo gerencial, tais como capacidade para lidar com pessoas,
capacidade de comunicação e capacidade de trabalhar em equipes.
Entre as qualidades pessoais são demandadas características como criatividade, capacidade de lidar com incertezas e ambiguidades, iniciativa e autocontrole emocional. Sobretudo
as empresas requerem de seus gestores uma aderência aos valores organizacionais, uma
vez que o comprometimento com os objetivos da organização é um dos atributos pessoais
indispensáveis. E tais valores se encontram tão arraigados que os gestores estão muito
satisfeitos com o trabalho exercido e se declaram menos comprometidos com a própria
carreira do que com os objetivos organizacionais, ainda que as empresas adotem o discurso
da empregabilidade e não garantam a sua permanência no emprego.
As competências organizacionais das duas organizações pesquisadas revelam que elas
se sustentam nas competências de seus gestores. Verifica-se que ambas apresentam competências funcionais e seletivas, mas não se conseguiu identificar as competências essenciais,
no sentido empregado por Prahalad e Hamel (1990). Com efeito, embora a Alfa e a Omega
ocupem espaço considerável no mercado brasileiro de telecomunicações e concorram entre
si, consideramos pouco provável que qualquer delas tenha condições de concorrer no
mercado internacional, uma vez que suas competências não são difíceis de serem imitadas.
Mas certamente ambas organizações apresentam competências seletivas que permitem
sua diferenciação no mercado interno e contribuem para sua posição de liderança ou quase
nesse espaço de competição, de acordo com a proposição de Ruas (2003).
No que tange aos processos de aprendizagem organizacional, verifica-se que as duas
organizações mantêm o foco na clientela, no sentido de identificar e até antecipar suas
necessidades, promovendo a visão externa. Mas lançam mão também de outros processos
para incentivar a aprendizagem, facilitar a integração interna e disseminar o conhecimento.
Alguns processos têm sido menos utilizados, principalmente os programas de padronização,
o que é compreensível, considerando-se o dinamismo da mudança no ambiente organizacional.
Concluindo, percebe-se que não há diferenças significativas entre as duas organizações
no que se refere às competências exigidas e ao conteúdo do trabalho dos gestores, assim
como no que tange aos processos utilizados para promover a aprendizagem organizacional.
As diferenças mais importantes parecem estar localizadas nas competências organizacionais.
Essa questão, entretanto, demanda investigação mais ampla, de modo a abranger outras
organizações do mesmo setor, o que constituiu uma das limitações deste estudo. A terceira organização concorrente no setor de telefonia móvel em Minas Gerais não permitiu que se
realizasse a pesquisa com seus gestores. Outra limitação refere-se ao questionário de coleta
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de dados sobre as competências organizacionais, que precisa ser aperfeiçoado e validado, o
que não se conseguiu realizar neste trabalho.
Apesar dessas limitações, os resultados obtidos fornecem indicações interessantes
sobre o tema das competências e da aprendizagem organizacional, segundo a percepção
dos gestores de duas organizações concorrentes.
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UMA AVALIAÇÃO DO FATOR TRABALHO E DOS RENDIMENTOS NO
SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS DO BRASIL
The Assessment of Labor and Incomes on New Series
of Brazilian National Account
João Hallak Neto(*)
Luciene Rodrigues Kozovits(**)
Roberto Luís Olinto Ramos(***)
Sandra Rosa Pereira(****)
RESUMO: Este estudo tem como objetivo comparar os resultados do fator trabalho e dos rendimentos
a ele associados entre a séries antiga e nova do SCN do Brasil. Assim, foram apresentados os principais
aspectos conceituais e metodológicos e as diferenças existentes na construção e nos resultados obtidos
pelas duas séries do SCN. Para avaliar os novos resultados, eles foram comparados com os dados de
duas importantes bases estatísticas frequentemente utilizadas nos estudos relativos ao mercado
de trabalho: a Pnad e a POF. O confronto dos resultados do SCN com os das bases selecionadas
ratifica-ram a conclusão de que as variáveis estudadas estão melhor mensuradas na nova série do
SCN, e que, de fato, se encontravam subestimadas nos anos finais da série antiga. O artigo reúne
quatro seções. A primeira seção se dedica à análise das metodologias de mensuração do fator trabalho,
enquanto a segunda seção compara as séries do SCN entre 1985 e 2000. A terceira seção contém uma
avaliação da série do SNC em 2000. Por último, as notas conclusivas.
Palavras-chave: Rendimento do Trabalho, População Ocupada, Ocupação, Sistema de Contas
Nacionais.
ABSTRACT: The objective of this article is to compare the results of labour factor and its associated
income between the previous and the new series of the Brazilian SCN. Therefore, the main conceptual
and methodological aspects and the existing differences in development and in the results of the two
SCN series were presented. To evaluate the new results, they were compared to other statistical databases
usually referred to in most labour market Brazilian studies. The SCN results compared to Pnad and
POF proved that these variables are more reliable in the new SCN series and that they were subestimated
in the last years of the previous series. This article is structured in four sections. In the initial two
sections we analyze both National Accounts methodologies — 1985/2000 and 2000 and on, and we
compare the two series. In the third section we analyze the last System series (2000 and on) and in
the last section we make our conclusions.
Key-words: Labor, Jobs, Income, System of National Account.
(*) Doutorando em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Técnico IBGE-RJ. Endereço institucional: Av.
República do Chile, 500 — 9º andar — Centro, Rio de Janeiro — RJ. CEP: 20031-170. E-mail: <[email protected]>.
(**) Mestrado em Economia Empresarial pela Universidade Candido Mendes — RJ. Técnica IBGE-RJ. E-mail:
<[email protected]>.
(***) Doutorado em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ. Técnico IBGE-RJ. E-mail:
<[email protected]>.
(****) Mestrado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Técnico IBGE-RJ. E-mail:
<[email protected]>.
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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em março de 2007
os resultados da nova série do Sistema de Contas Nacionais (SCN), que tem como referência
o ano de 2000. A principal alteração em relação à série antiga foi a introdução de novas
bases estatísticas que possibilitam a existência de marcos estruturais anuais para os
resultados do sistema. A incorporação de resultados de novas pesquisas do IBGE, como o
Censo Agropecuário, as pesquisas econômicas anuais nas áreas de Indústria, Construção
Civil, Comércio e Serviços, e de pesquisas domiciliares, como a Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF) 2002-2003 e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad);
bem como de informações anuais de outras instituições, como a Declaração de Informações
Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) obtidas pela Secretaria da Receita Federal,
além dos balanços fornecidos pelas Agências Reguladoras reforçam a qualidade do sistema
para os anos correntes.
Outra consideração a respeito das mudanças incorporadas ao SCN refere-se à atualização de conceitos e definições em conformidade com as últimas recomendações dos organismos
internacionais.(1) Adicionalmente, a adoção de uma nova classificação de atividades econômicas, compatível com a versão 1.0 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas
(CNAE), facilitou a integração das bases de dados com o sistema e permitiu uma maior
abertura de atividades e produtos. A partir desta nova classificação, a divulgação do SCN
passa a ser realizada para 55 atividades e 110 grupos de produtos contra 43 atividades e 80
grupos de produtos da referência anterior.
A série do SCN vigente até março de 2007 teve como referência o ano de 1985(2) e
dispõe de resultados para as Tabelas de Recursos e Usos (TRU) no período de 1990 a
2003, com as informações sobre a origem e o destino dos bens e serviços gerados na economia brasileira detalhadas por atividade econômica e por produto, medidas a preços correntes
e a preços do ano anterior. Os anos de 2004 e 2005 possuem resultados preliminares,
obtidos pelo Sistema de Contas Trimestrais, que contém um menor detalhamento de atividades e produtos, além de não apresentar a composição do PIB pela ótica da renda.
A experiência internacional mostra que mudanças de série para o Sistema de Contas
Nacionais usualmente trazem um considerável número de alterações em relação aos
resultados até então apresentados. No caso brasileiro, a nova série do SCN introduzida em
2007 pelo IBGE provocou modificações nos componentes do PIB que podem ser notadas
nas três óticas de mensuração. Pelo lado da produção, verificou-se uma redefinição do peso
das atividades econômicas em relação ao PIB, em que cabe destacar o aumento no grupo
serviços e as perdas relativas da agropecuária e da construção civil. Pela ótica da despesa,
ressaltam-se a queda da formação bruta de capital fixo em proporção ao PIB e o aumento
do consumo das famílias. Finalmente, na conta da renda os impactos mais significativos
foram o crescimento tanto em termos absolutos quanto relativos dos rendimentos associados
(1) Como exemplos podem ser citadas a reclassificação de alguns impostos, a modificação do índice de volume da Administração pública, a mudança de âmbito e do índice de volume para o setor financeiro e a contabilização do número de
ocupações em vez de pessoas ocupadas para a mensuração do fator trabalho. Detalhes sobre as revisões específicas na
nova série do SCN encontram-se nas 25 notas metodológicas disponíveis no site do IBGE: <http://www.ibge.gov.br/
home/estatistica/economia/contasnacionais/referencia2000/2005/default_SCN.shtm>.
(2) Para os propósitos deste trabalho, a série referente a este período será denominada de série antiga.
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ao trabalho e a consequente redução da parcela correspondente ao excedente
operacional bruto.(3)
O objetivo deste texto é comparar os resultados relacionados ao fator trabalho
(ocupação e rendimento) da nova série com os da série antiga, propondo uma primeira
reflexão sobre o tema. O marco selecionado para esta análise foi 2003, o último ano em que
foram divulgados os resultados completos das Contas Nacionais na série com referência
em 1985.
Os diferenciais observados tanto nos dados de ocupação quanto nos de rendimento
do trabalho entre as duas séries motivaram uma avaliação mais acurada, impondo, por sua
vez, uma comparação dos resultados do SCN com os de outras fontes estatísticas. Neste
sentido, utilizamos as informações de duas reconhecidas pesquisas domiciliares do IBGE:
a Pnad e a POF
O texto inicia-se com uma breve apresentação das metodologias aplicadas para obtenção
das variáveis do fator trabalho e do rendimento nas duas séries referidas. O confronto dos
resultados de ocupação e rendimento entre as séries antiga e nova encontra-se na Seção 2.
A Seção 3 destina-se à comparação dos dados das séries do SCN com os das demais fontes
estatísticas, com a finalidade de subsidiar a análise da qualidade dos novos resultados do
SCN. Por fim, as considerações finais compõem a Seção 4.
1. SÍNTESE DAS METODOLOGIAS — MENSURAÇÃO DO FATOR TRABALHO
1.1. SÉRIE ANTIGA DO SCN — REFERÊNCIA 1985
O IBGE apresentou os resultados das contas nacionais entre 1997 e 2005, tendo
como marco de referência o ano de 1985. Tais resultados foram estimados de acordo com
as recomendações das Nações Unidas, expressas no Manual de Contas Nacionais de 1993
(ONU, 2007).(4)
O trabalho de definição das estimativas do número de pessoal ocupado e de seus respectivos rendimentos para o ano-base teve início com a investigação de fontes básicas e,
consequentemente, com as escolhas daquelas que seriam utilizadas em cada atividade.
No ano de 1985, as fontes de informação selecionadas foram os Censos Econômicos
(Industrial, Comercial, da Construção, dos Transportes e dos Serviços), o Censo Agropecuário de 1985, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 1985 e 1990 e
a Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) de 1985 (IBGE,
2004). Dependendo da atividade e posição na ocupação, foram adotadas as informações de
uma das fontes ou o resultante de um ajuste entre elas.
A partir do marco inicial do ano-base, os agregados de pessoas ocupadas e rendimentos
foram evoluídos a cada ano, seja por extrapolação ou por deflação, pela aplicação de índices
(3) A comparação entre os resultados das séries nova e antiga de Contas Nacionais encontra-se na nota metodológica n.
24: Tabelas comparativas. IBGE (2007).
(4) Para detalhamento da metodologia adotada na construção da antiga série ver: IBGE, 2004.
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de variação do pessoal ocupado (índice de volume) e do rendimento médio (índice de preço)
aos dados do ano anterior. As fontes básicas adotadas para a obtenção desses índices foram
a Pnad, a Pesquisa Industrial Mensal — Dados Gerais — PIM-DG e o Cadastro de Empregadores da Relação Anual das Informações Sociais — Rais, sendo que as duas últimas
foram aplicadas somente ao setor formal da economia (IBGE, 2004). Para o caso particular
dos trabalhadores por conta própria e dos assalariados sem carteira assinada, a evolução
foi feita, na maior parte das vezes(5), com base na Pnad.
Algumas atividades específicas tiveram valores correntes para as variáveis de pessoas
ocupadas e rendimento do trabalho. Por exemplo, nas atividades de Serviços industriais de
utilidade pública, Comunicações e Administração pública, os rendimentos foram informados
pelas pesquisas Estatísticas Econômicas das Empresas Públicas e Estatísticas Econômicas
das Administrações Públicas (ambas realizadas pela Coordenação de Contas Nacionais, do
IBGE). Da mesma forma, as remunerações dos empregados em Instituições financeiras
procederam do Banco Central do Brasil. Os resultados das demais atividades foram alcançados pela evolução a partir do ano de referência da série, conforme descrito no parágrafo
anterior.
Os resultados da evolução do pessoal ocupado nos anos correntes na série de 1985
não foram idênticos aos da estimativa apurada ano a ano pela Pnad. A razão do descolamento
destes valores está associada ao viés causado pela utilização de índices de volume em um
longo período. Esta mesma rotina foi aplicada, utilizando-se índices de preço, para a evolução
das remunerações, o que contribuiu para a subestimação destas variáveis, sobretudo nos
anos finais da série. Em relação à população ocupada, em 1990, o resultado obtido na série
antiga do SCN foi apenas 1,8% inferior à estimativa da Pnad. Conforme pode ser observado
no Gráfico 1, a diferença se acentuou até 1995, período de alta inflação, e alcançou 15,0%
treze anos após, em 2003.
(5) Para os anos de 1991, 1994 e 2000, em que não houve Pnad, fez-se uso de índices alternativos (como os originados
pela Pesquisa Mensal do Emprego) e de procedimentos de interpolação para a obtenção dos resultados.
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Gráfico 1: Evolução das pessoas ocupadas na série antiga do SCN e na Pnad —
1990-2003
Nota: Nos anos de 1991, 1994 e 2000, a Pnad não foi a campo.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da série antiga do SCN/IBGE e da Pnad/IBGE.
Para a melhor compreensão deste fenômeno é importante notar que tanto o valor
bruto da produção, quanto o consumo intermediário, na maior parte das atividades, também
foram suscetíveis às distorções ocasionadas pela utilização de índices de volume, e principalmente de preços, em períodos longos e de alta inflação. Assim, o valor adicionado (obtido
pela diferença entre o valor da produção e o consumo intermediário) e seus componentes,
dentre eles o rendimento do trabalho, sofreram os maiores impactos que se refletiram
também no cálculo dos rendimentos médios e da população ocupada.
1.2. NOVA SÉRIE DO SCN — REFERÊNCIA 2000(6)
Dentre as alterações metodológicas da nova série do SCN, duas questões merecem
destaque: uma de natureza conceitual e outra, relacionada às fontes de dados. A primeira
refere-se à mensuração do fator trabalho no SCN que passou a ser representado pelo número
de ocupações (ou postos de trabalho) em vez de população ocupada. Neste sentido, dado
que uma mesma pessoa pode ter mais de uma ocupação, seu número é necessariamente
superior ao de pessoas ocupadas. Assim, para incorporar os resultados de levantamentos
realizados por estatísticas domiciliares foram considerados o trabalho principal e o trabalho
secundário da pessoa ocupada.(7)
(6) Maiores detalhes ver: IBGE (2006).
(7) A Pnad também contabiliza o número de pessoas que possui três ou mais trabalhos. No entanto, optou-se por não incluir
esta variável na nova série em virtude da impossibilidade de identificar a atividade econômica da ocupação. Ademais as
pessoas que exercem um terceiro trabalho tem, historicamente, um peso muito pouco expressivo sobre o total (0,4%).
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A outra questão destacada diz respeito à inclusão das pesquisas econômicas estruturais
do IBGE(8) e dos registros administrativos provenientes da DIPJ no Sistema de Contas
Nacionais. Estas bases estatísticas passaram a alimentar o sistema com as informações
sobre as ocupações com vínculo e suas respectivas remunerações. Além destas, outras fontes
foram utilizadas para o cálculo das ocupações e remunerações de atividades específicas(9),
como a Pnad, o Cadastro Central de Empresas do IBGE — CEMPRE e os dados da Agência
Nacional de Energia Elétrica — ANEEL. As informações relativas aos rendimentos
enviados e recebidos do exterior carregados no SCN foram obtidas no Balanço de
Pagamentos divulgado pelo Banco Central, enquanto os dados de rendimento do setor
público da economia advém da Pesquisa Administração Pública do IBGE.
A Pnad é utilizada como base anual para a obtenção das ocupações sem vínculo, de
trabalhadores por conta própria e empregadores do setor institucional, famílias
(empregadores informais)(10) e dos trabalhadores não remunerados; bem como fornece as
estimativas da massa de salário dos empregados sem vínculo e dos rendimentos dos
trabalhadores por conta própria e empregadores informais.
A utilização da estimativa do número total de ocupações da Pnad como referência na
nova série do SCN levou em conta a sua periodicidade e abrangência geográfica, evitando
o surgimento de grandes diferenças ao longo da série. Ademais, a Pnad é reconhecida pela
produção de um conjunto de informações de grande importância e qualidade para o acompanhamento sistemático da evolução do trabalho e do rendimento no Brasil. O total de ocupações da Pnad tende a ser muito próximo do total de ocupações da nova série, que representa
a contribuição do fator trabalho para a produção calculada pelo SCN (Gráfico 2).
(8) Com a reformulação do sistema estatístico nacional, o IBGE encerrou os Censos Econômicos (o último ocorreu no
ano de 1985) e adotou as pesquisas econômicas: Pesquisa Industrial Anual (PIA), Pesquisa Anual de Serviços (PAS),
Pesquisa Anual do Comércio (PAC) e Pesquisa Anual da Indústria da Construção (PAIC).
(9) Para atividades de educação, saúde e administração públicas, serviços prestados principalmente às famílias e serviços
domésticos, a fonte é a Pnad; para as de intermediação financeira, seguros, previdência complementar e planos de saúde,
pesquisa e desenvolvimento, saúde mercantil, atividades associativas, educação mercantil e eletricidade e gás, a base de
dados é o CEMPRE, sendo a ANEEL, a fonte específica para o cálculo da remuneração da atividade Produção e distribuição de energia elétrica.
(10) Segundo a metodologia do SCN, estes são proprietários de unidades produtivas não registradas formalmente.
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Gráfico 2: Evolução das ocupações na nova
série do SCN e na Pnad — 1995-2004
Nota: No ano 2000, a Pnad não foi a campo.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da série antiga do SCN/IBGE e da Pnad/IBGE.
O tratamento do rendimento do trabalho no SCN não admitiu o dado estimado pela
Pnad como referência estrita, uma vez que a pesquisa foi adotada apenas para o cálculo do
rendimento das ocupações que não foram consideradas pelas pesquisas econômicas ou pelos
registros administrativos utilizados. Neste sentido, o rendimento total final é resultado da
interação entre diversas fontes e do trabalho de arbitragem realizado no processo de descentralização do sistema, podendo, portanto, apresentar-se afastado do informado pela Pnad.
Vale lembrar que as informações de rendimentos brutos fornecidas pelo empregador, como
é o caso das pesquisas estruturais e dos registros administrativos em que é possível se consultar
os registros contábeis, são mais precisas do que as obtidas pelas entrevistas domiciliares.
2. COMPARANDO AS SÉRIES DE 1985 E DE 2000 DO SCN
De acordo com a metodologia da nova série do SCN, exposta na seção anterior, a
principal diferença entre as séries diz respeito à utilização dos dados das pesquisas econômicas anuais do IBGE. Para o SCN com referência em 2000, este novo conjunto de dados
representa mais qualidade na informação no ano-base, bem como permite ajustes
sistemáticos na medida em que seus resultados vão sendo incorporados aos anos correntes,
evitando as distorções geradas pelo uso continuado de indicadores de volume e preço sem
a referência estrutural. A outra diferença mencionada, também com reflexos nos resultados,
é a mensuração do fator trabalho por intermédio do total de ocupações em vez da população
ocupada.
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As diferenças dos resultados divulgados para o ano de 2003 da série antiga e dos
obtidos na nova série do SCN são consideráveis tanto em relação ao número de empregos
quanto à massa de rendimentos, aqui definida como a soma dos salários brutos e do total
do rendimento misto bruto.(11)
Examinando inicialmente a estimativa da ocupação, a série com referência em 1985
tem como resultado 67,3 milhões de pessoas ocupadas. A nova série apresenta aproximadamente 84,0 milhões de ocupações, que, conforme a metodologia utilizada, corresponde
à soma dos trabalhos principal e secundário das pessoas ocupadas. O aumento entre o total
de ocupações na nova série e o pessoal ocupado na série de 1985 equivaleu, portanto, a
24,8% (Tabela 1).
Para se ter ideia da magnitude do impacto da introdução de novas bases estatísticas
no sistema de forma isolada, considerou-se a comparação do indicador de população ocupada
nas duas séries. Assim, o número de pessoas ocupadas na nova série foi estimado excluindo-se do total de ocupações apurado pelo SCN 2000 a parcela dos que possuíam mais de um
trabalho, conforme a Pnad 2003.(12) Nesta hipótese, a diferença decresceria para 18,6%, o
que representa 12,5 milhões de pessoas ocupadas a mais na nova série (67,3 milhões contra
79,8 milhões).
Ao comparar os dados de salário na série antiga do SCN com os da nova série (Tabela 1)
verifica-se que, em 2003, o total de salários na primeira alcançou R$ 399,9 bilhões. O
resultado deste mesmo agregado na nova série foi equivalente a R$ 528,2 bilhões, portanto,
superior em 32,1%. Quando se incorpora a este agregado o rendimento misto, tais valores
passam de R$ 469,6 na série antiga para e R$ 708,2 bilhões na nova, expressando um aumento
de 50,8% nesta variável agregada.
Ressalta-se a significativa elevação dos rendimentos mistos na comparação entre as
séries, que passou a representar 31,6% da massa de rendimentos na nova série contra
14,9%, na série de 1985. Este resultado, em parte, é explicado pela inclusão dos rendimentos
dos empregadores informais no cálculo do rendimento misto na nova série. Outro fator a
justificar a diferença relaciona-se ao maior rigor na captação do rendimento e da ocupação
de trabalhadores por conta própria e de empregadores informais também promovida pela
revisão do sistema, que afetou particularmente as variáveis relacionadas a essas categorias
ocupacionais, tidas como mais vulneráveis à subestimação decorrente da extrapolação pelos
índices de volume e preço na série antiga.
Os resultados apresentados revelam que a variação da massa de rendimentos, ou seja,
do total de salários mais o rendimento misto é superior à da população ocupada. Como o
rendimento médio anual por pessoa ocupada na nova série (R$ 8.871) supera em 27,2%
o estimado na antiga (R$ 6.975), a elevação de 50,8% apurada na massa de rendimentos
pode ser decomposta da seguinte maneira: 18,6%, refere-se ao aumento dos ocupados e
27,2%, do rendimento médio por pessoa ocupada. Os dados encontram-se na Tabela 1, a seguir.
(11) Entende-se rendimento misto como os ganhos recebidos pelos titulares de empresas não constituídas em sociedade
pertencentes às famílias (ONU, 2007: 7.31). A denominação “misto” é em razão da natureza do ganho do trabalhador que
não pode ser especificada como rendimento do trabalho ou do capital.
(12) Segundo a Pnad, em 2003, o percentual de pessoas que possuíam mais de um trabalho correspondeu a aproximadamente 4%.
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Tabela 1: Ocupação e rendimentos nas séries antiga e nova do SCN — 2003
nd: não disponível.
* Em relação ao total de pessoas ocupadas estimado na série 1985.
** Inclui salários das ocupações com e sem vínculo.
Fonte: Elaboração própria a partir do SCN/IBGE.
3. AVALIANDO OS RESULTADOS DA SÉRIE 2000
Qualquer iniciativa de análise dos resultados de trabalho e rendimento da nova série
do SCN pressupõe a sua comparação com outras fontes estatísticas. A escolha das bases de
comparação levou em conta a possibilidade de compatibilização dos conceitos e a cobertura
territorial. Por estes critérios, foram selecionadas duas das principais pesquisas domiciliares
do país: a Pnad e a POF.
A ampla utilização destas pesquisas nos estudos sobre mercado de trabalho, no caso
da Pnad, e sobre renda e consumo, no caso da POF, referendam as suas indicações para a
análise proposta. A Pnad é a principal referência do SCN para o total de ocupações e fornece os dados relativos às remunerações dos empregados sem carteira assinada e dos trabalhadores por conta própria.
A exemplo do que foi realizado na Seção 2, destinada à comparação entre as séries
antiga e nova do SCN, é necessário que as diferenças conceituais sejam minimizadas para
a análise dos dados do SCN vis-à-vis aqueles estimados pelas demais fontes indicadas.
Desta forma, para cada variável selecionada apresentamos, a seguir, uma discussão a respeito
destas diferenças, fundamentando os ajustes realizados para aperfeiçoar a comparação entre
as bases escolhidas.
3.1. COMPARAÇÃO: SCN E PNAD
A análise desta subseção está amparada nos dados de ocupação e rendimento da Pnad
de 2003 que diferem dos agregados contemplados no SCN em uma série de aspectos. O
primeiro deles corresponde ao período de referência da pesquisa. Na Pnad, este período é
o mês de setembro. Assim, para que as suas informações sejam comparáveis às do SCN
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é necessário harmonizar os valores monetários das bases, convertendo o rendimento apurado
pela pesquisa em seu equivalente anual.(13)
Um outro ponto é que na Pnad de 2003 as estatísticas apresentadas para a totalidade
do país não incluem a área rural da região Norte. Os dados, no entanto, não sofreram
nenhum tratamento de conciliação em função deste quesito, tendo em vista a reduzida
representatividade desta área no que se refere às estimativas de ocupações e rendimentos.(14)
Uma última observação refere-se às divergências conceituais. Na Pnad, são classificadas
como ocupadas na semana de referência(15) as pessoas que tinham trabalho(16) durante todo
ou parte desse período. Como a nova metodologia do SCN passou a empregar o conceito
de postos de trabalho ou ocupações, a mudança determinou o ajuste na estimativa de
população ocupada fornecido pela pesquisa, acrescentando-se ao trabalho principal o
trabalho secundário das pessoas que possuíam mais de uma ocupação na semana de
referência.(17)
Em relação à análise da massa salarial, a Pnad admite como rendimento mensal
de trabalho para empregados a remuneração bruta mensal a que normalmente teriam direito,
trabalhando o mês completo ou, no caso de rendimento variável, a remuneração média
mensal referente ao mês de setembro. A pesquisa considera remuneração bruta, por seu
turno, o pagamento da remuneração sem excluir o salário-família e os descontos relativos
aos pagamentos de instituto de previdência, imposto de renda, faltas, etc., e não inclui o
décimo terceiro e a participação nos lucros, bem como a parcela recebida em benefícios
(moradia, alimentação, roupas, vales-refeição, alimentação ou transporte, entre outros).
No SCN a estimativa de rendimento do trabalho de empregados é entendida como o
somatório dos ordenados e salários brutos dos empregados, incluindo benefícios trabalhistas
e outros rendimentos eventuais. Assim, este agregado no SCN difere do dado da Pnad
porque contempla em seu cálculo os benefícios trabalhistas e os rendimentos eventuais.
Existe ainda uma outra diferença conceitual, relacionada às definições de empregador
e trabalhador por conta própria, que suscita a realização de ajustes para a comparação dos
resultados desagregados entre as bases. No SCN, o rendimento do empregador e do trabalhador por conta própria equivale ao rendimento misto recebido pelos proprietários de
unidades produtivas não constituídas em sociedade, com ou sem empregados (empregador
e trabalhador por conta própria, respectivamente). Caso a unidade produtiva seja formalmente constituída, o entendimento no SCN é que estes trabalhadores são empregados com
vínculo das empresas.(18) Já para a Pnad, o empregador e o trabalhador por conta própria
também são definidos como pessoas que trabalham explorando o seu próprio empreendimento, com ou sem empregados, porém, tal empreendimento pode ser ou não formalmente
(13) A anualização do rendimento consiste na aplicação de um fator para transformar a estimativa de rendimento do mês
de referência na de rendimento anual.
(14) As informações da própria Pnad a partir de 2005, quando essa área já fora contemplada pela pesquisa, atestam essa
conclusão. Por exemplo, o peso das áreas rurais da região Norte na renda total das famílias é inferior a 1,0%.
(15) Na Pnad de 2003, este período correspondeu à semana de 21 a 27 de setembro daquele ano.
(16) No conceito de trabalho, caracterizam-se as condições de trabalho remunerado e não remunerado bem como de
trabalho na produção para próprio consumo ou na construção para o próprio uso.
(17) Para mais detalhes, ver: IBGE, 2007.
(18) Para mais detalhes, ver: IBGE, 2007.
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constituído. Isso significa que uma proporção dos rendimentos de empregadores e
trabalhadores por conta própria, computados pela pesquisa domiciliar não consta da
estimativa de rendimento misto do SCN, sendo, entretanto, contabilizada na massa de
salário.(19)
A análise dos dados da Tabela 2 identifica, primeiramente, o impacto das mudanças
conceituais e metodológicas implementadas pelo Sistema de Contas Nacionais no total de
ocupações divulgado pelo SCN de 2000. Enquanto o total de pessoas ocupadas, indicador
utilizado na série de 1985, apresentou-se 15,0% inferior ao dado estimado pela Pnad, o
total de postos de trabalho, gerado em 2003 pela nova metodologia, mostrou-se muito
próximo ao dado da Pnad.(20)
Tabela 2: Comparação de ocupação e rendimentos: séries do SCN e Pnad — 2003
nd: não disponível.
*Inclui salários das ocupações com e sem vínculo.
Fonte: Elaboração própria a partir do SCN/IBGE e da Pnad/IBGE.
Se, por um lado, era esperado que a estimativa do fator trabalho na nova série do SCN
se apresentasse aderente à da Pnad, não somente em função da metodologia adotada, mas
também pelo fato de ser uma fonte reconhecida internacionalmente por sua qualidade em
relação à mensuração do universo do trabalho, por outro lado, o mesmo não se pode afirmar,
a priori, em relação à massa de rendimento. Com efeito, no SCN a obtenção desta variável
envolve a agregação de resultados obtidos por diversas fontes, dentre as quais se destacam
as pesquisas econômicas do IBGE. Assim, observando os resultados relativos à massa de
rendimento é possível identificar que o aumento de 50,8% assinalado neste agregado entre
uma série e outra permitiu que a estimativa alcançasse o patamar de R$ 708,2 bilhões que,
se confrontada a da Pnad (R$ 599,7 bilhões), indica uma diferença de 18,1% (Tabela 2).
A despeito do expressivo crescimento dos rendimentos mistos na comparação entre
as séries, observado na Seção 2, é importante destacar que a variação da massa salarial(21)
(19) A mesma conclusão é válida para a POF, cujos resultados são apresentados na próxima seção. Um quadro comparativo com estas diferenças conceituais entre o SCN e as pesquisas domiciliares encontra-se apresentado no Apêndice.
(20) O dado reforça a impressão acerca da subestimação da população ocupada, acompanhada pela massa de rendimento
na série de 1985 do SCN. Especificamente sobre a questão dos rendimentos na série antiga, ver BARROS, R. P. de;
CURY, S.; ULYSSEA, G. (2007).
(21) A massa salarial divulgada no SCN 2000 acusou variação de 32,1% ante a registrada na série antiga, conforme dados
da Tabela 1.
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responde em grande medida pelo resultado da massa de rendimento, dada a sua representatividade na composição do agregado (74,6%). O total de salários das ocupações com e sem
vínculo apresentado na nova série do SCN, estimado em R$ 528,2 bilhões, supera em 36,8%
o dado da Pnad.
A magnitude do resultado superior dos salários computados pelo SCN está de acordo
com o esperado. Conforme citado anteriormente, a discrepância entre os dados está associada
aos benefícios e outros rendimentos eventuais, não incluídos pela Pnad e à diferença entre
as duas bases no que diz respeito ao significado de empregador e trabalhador por conta
própria apontada nesta seção. Tal diferença contribui para justificar o dado de rendimento
misto apurado pelo SCN de 2000 (R$ 180,1 bilhões), inferior em 15,8% à estimativa da
Pnad (R$ 213,8 bilhões). Ademais, há que se considerar as indicações de que o rendimento
captado por pesquisas domiciliares sofra mais efeitos de subestimação(22) que o apurado no
SCN em razão da própria natureza do levantamento.
3.2. COMPARAÇÃO: SCN E POF
A POF é uma pesquisa específica sobre as estruturas de consumo, gasto e renda das
famílias, consequentemente, a presente análise restringir-se-á à comparação das estimativas
de rendimento.
O confronto dos dados do SCN e da POF exige o exame de duas questões importantes.
Em primeiro lugar, está o fato de que os rendimentos e as informações relacionadas são
coletados pela POF segundo o período de referência de 12 meses. Todavia, a pesquisa
conta com uma data referencial para apresentação dos resultados.(23) Na POF de 2002-2003, esta data correspondeu a 15 de janeiro de 2003. Sendo assim, os seus resultados
foram anualizados e corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de
2003.
Outra questão diz respeito ao fato de que, dentre as pesquisas domiciliares, a POF é
tradicionalmente reconhecida por sua maior capacidade de captar a renda das famílias. No
que concerne ao cálculo do rendimento do empregado, por exemplo, isso é nítido, pois a
pesquisa inclui outros tipos de rendimentos não contemplados pela Pnad.(24) Assim, presume-se que a estimativa obtida para massa total de rendimento do trabalho, a partir dos
dados desta pesquisa, seja bem semelhante ao agregado divulgado pelo SCN. Contudo, a
análise dos resultados desagregada, segundo as categorias ocupacionais selecionadas, deve
levar em consideração a mesma discrepância entre os conceitos de empregador e trabalhador
por conta própria, descrita na subseção anterior, sendo justificada a existência de eventuais
diferenças. Os dados da Tabela 3 sustentam essa dedução.
(22) Um dos motivos seria a não resposta ou a subdeclaração dos rendimentos das classes de renda mais alta. Outra
questão diz respeito à tendência do informante a responder o rendimento líquido e não o bruto (ROCHA, 2002).
(23) A POF combina o período de coleta de 12 meses com períodos de referência de até 12 meses, para alguns itens bem
como rendimentos. Logo, as informações estão distribuídas em um período de 24 meses, o que requer que os valores
levantados pela pesquisa sejam valorados a preços de uma data referencial.
(24) Conforme informado, a Pnad não trata dos rendimentos monetários eventuais tais como horas extras, participação nos
lucros, indenizações trabalhistas e nem considera alguns benefícios (auxílio-transporte, auxílio-refeição, entre outros).
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A massa de rendimento da nova série do SCN foi maior em relação à estimada para a
POF em apenas 1,3%, enquanto as diferenças na massa salarial e no rendimento misto
foram mais expressivas. O dado de remuneração de empregados na nova série superou o da
pesquisa domiciliar em 10,3%. Já o rendimento misto foi inferior em 18,3% ao da POF.
Esta diferença entre os componentes da massa de rendimento é explicada pela contabilização,
no SCN, dos rendimentos dos empregadores formais como salários e não como rendimento
misto, conforme a metodologia recomendada para as Contas Nacionais.
Tabela 3: Comparação dos rendimentos: séries do SCN e POF — 2003
*Inclui salários das ocupações com e sem vínculo.
Fonte: Elaboração própria a partir do SCN/IBGE e da Pnad/IBGE.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve o propósito de comparar os resultados do fator trabalho e dos rendimentos a ele associados entre a séries antiga e nova do SCN para o ano de 2003. De modo
a fundamentar a análise proposta, foram apresentados os principais aspectos conceituais e
metodológicos da construção de cada uma das séries, indicando as diferenças entre elas. Os
resultados foram posteriormente comparados com os de outras bases estatísticas frequentemente utilizadas nos estudos relativos ao mercado de trabalho.
A comparação dos valores do ano de 2003, evoluídos a partir da base de 1985, com os
resultados do mesmo ano da nova série de Contas Nacionais mostrou diferenças significativas nos agregados de ocupação e rendimentos e confirmaram a noção de subestimação da
população ocupada e rendimentos do trabalho na série antiga. Os resultados deste estudo
indicaram que a maior contribuição para a diferença verificada na massa total de rendimento
entre as séries (50,8%) procede do crescimento do rendimento médio (27,2%), muito embora,
a variação do fator trabalho também tenha sido significativa (18,6%). Este resultado, contudo,
decorre basicamente da incorporação de novas fontes estatísticas para os anos correntes,
bem como das mudanças conceituais em relação à ocupação, que garantiram mais precisão
aos dados, promovendo mais qualidade ao sistema ao longo dos anos correntes.
Uma outra etapa do presente estudo foi a comparação entre os resultados de ocupações
e rendimentos da nova série do SCN com duas das principais pesquisas domiciliares do
país, a Pnad e a POF. A despeito das diferenças conceituais apontadas, os dados levantados
pelo SCN, com referência em 2000, revelaram-se muito mais próximos daqueles registrados pelas pesquisas domiciliares do que os resultados da série antiga.
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Diferentemente do observado em relação à série antiga do SCN o número de ocupações,
variável considerada para o fator trabalho na nova série do SCN, tem ao longo da série
histórica uma forte aderência ao resultado mensurado pela Pnad. Na comparação com esta
fonte, em 2003, a variável medida pelo SCN foi superior em apenas 1,9%.
No caso da massa de rendimento, a variável obtida pelo novo SCN superou o conceito
equivalente mensurado pela Pnad em 18,1%, em 2003. Já em relação à POF, pesquisa mais
completa quanto à captação desta variável, a diferença reduz-se para 1,3%, neste mesmo
ano. A maior diferença em relação à Pnad era esperada uma vez que em tal pesquisa não
estão contemplados os benefícios trabalhistas e os rendimentos eventuais, como a participação nos lucros e resultados, variáveis consideradas como rendimentos do trabalho tanto
na POF quanto no SCN. Assim, o confronto dos resultados do SCN frente aos da Pnad e da
POF corroborou com a conclusão de que estas variáveis estão melhor mensuradas na nova
série do SCN, e que, de fato, se encontravam subestimadas nos anos finais da série antiga.
REFERÊNCIAS
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encontra-se subestimada? Uma análise comparativa com base na PNAD, na POF e nas Contas
Nacionais. Texto para discussão, n. 1263, Rio de Janeiro: IPEA, 2007.
IBGE. Sistema de Contas Nacionais do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE. Série Relatórios Metodológicos,
v. 24, 2004.
______ . Sistema de Contas Nacionais — Brasil — referência 2000. Nota metodológica n. 7: rendimento
do trabalho e ocupação. Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
______ . Sistema de Contas Nacionais — Brasil — referência 2000. Nota metodológica n. 24: tabelas
comparativas. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
______ . Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003: primeiros resultados — Brasil e Grandes
Regiões. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.
______ . Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, v. 24, 2003.
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em: <http://unstats.un.org/unsd/sna1993/introduction.asp> Acesso em: 1993.
ROCHA, Sonia. A investigação do rendimento na PNAD — Comentários e Sugestões à Pesquisa
nos Anos 2000. Texto para Discussão, n. 899, Rio de Janeiro: IPEA, 2002.
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Apêndice
Quadro comparativo conceitual entre o SCN e as
pesquisas domiciliares (Pnad/POF)
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A HIPÓTESE CROWDING EM UM ESTUDO SOBRE DISCRIMINAÇÃO E
COMPOSIÇÃO RACIAL E MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO
The Crowding Hypothesis in a Study on Discrimination and Racial
Composition in the Brazilian Labour Market
Paulo R. A. Loureiro(*)
Francisco Galrão Carneiro(**)
Adolfo Sachsida(***)
RESUMO: Neste artigo, estudamos os efeitos da raça sobre os salários no mercado de trabalho no
Brasil, bem como o diferencial salarial entre as raças. As estimativas indicam que os salários variam
inversamente com a densidade racial, levando a um diferencial de salário maior nos mercados onde
há maior densidade racial. Nesse sentido, os principais resultados são consistentes com a hipótese
de crowding. Encontramos ainda alguma evidência de que discriminação e densidade racial se relacionam positivamente. Para características como salários e níveis de escolaridade, o efeito discriminação
parece ser mais evidente, alternando-se com a natureza específica do setor industrial. O artigo tem
três seções. A primeira seção se refere à metodologia utilizada na pesquisa e a segunda corresponde
à interpretação dos resultados. A terceira seção compreende as conclusões.
Palavras-chave: Discriminação, Densidade Racial, Gênero, Produtividade, Salários.
ABSTRACT: This article discusses the effect of race on wages and the wage gap between races in the
Brazilian labor market. The results point out the negative effect of density over wages and consequently
higher wage gaps in labor markets where racial density is higher. These results are consistent with
the hypothesis of crowding in the labor market. We find out a positive correlation between
discrimination and racial density and the discrimination effect is higher in the manufacturing sector.
These achieving are structured in three sections. The first one presents the methodology that was
used, in the second section we analyze the results and in the last section we present our conclusion.
Key words: Discrimination, Racial Density, Gender, Productivity, Wages.
(*) Professor Doutor da Universidade de Brasília. E-mail: <[email protected]>.
(**) The World Bank. E-mail: <[email protected]>.
(***) Pesquisador do IPEA/Brasília. E-mail: <[email protected]>.
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Since Becker’s (1957) and Arrow’s (1972) work, discrimination has provided numerous
studies, which, along the time, have tried to explain the persistent differential of wages by
gender and race (ethnic groups) in competitive labor markets, even when controlling for
the workers’ characteristics [Cain (1986), Neumark (1988) e (1998), Darity, (1998), Gottschalk,
(1997), inter alia].
Becker (1957) discrimination model allows that in a competitive market, each agent
has different preferences and may perform according to these preferences. It is assumed
that individuals have rational behavior and maximize their utility based on these preferences.
In an economy based on these preferences, any individual is able to negotiate products or
services based on sex, race, religion and ethnic groups. While Arrow’s (1972) discrimination
model, on the other hand, explains wage differential as a rational reaction to uncertainties
in the labor market.
Oaxaca (1973) found evidence that a substantial part of the wage differential proportion between men and women is due to the presence of discrimination in the labor
market, while Blinder (1973) argued that wage differential among white and black, men
and women, derived from discrimination in the labor market. Gottschalk (1997) also
presented evidences, that wage differentials in competitive economies are probably derived
from discrimination in the labor market.
In terms of the methodology which is usually used for this type of analysis, Blinder
(1973) and Oaxaca (1973) methods are found more frequently in literature. This approach
allows on to obtain estimates of the discrimination and the components of productivity
of the wage differential as well as estimates of the composition of the share of discrimination in the wage differential. Neumark’s (1988) article on employer’s discriminatory behavior
and the determination of wages, for example, uses Oaxaca’s structure to analyze wage
discrimination and applies two special cases of the general decomposition from wage differential. The model used to answer this question is an extension to Becker’s (1957) model.
Neumark (1988 and 1998) observes that there is a connection between the empirical
estimators of wage differential and the theoretical models of employers discrimination,
and concludes that Oaxaca’s approach can be used for this purpose.
Hirsch and Schumacher (1992), for example, noted that wages for whites and blacks
are lower in industries with groups with high rates of density of black workers, but the
race differential of wages do not vary systematically with the racial density. The model
does not make Arrow and Becker’s discrimination theory evident. However, the result
obtained establishes strong connections with the racial model of “crowding” and “language
discrimination”(1).
The so-called “Crowding hypothesis” suggests that women and minorities are
systematically excluded from high-wage occupations and employed in occupations that
pay lower wages [MCCONNELL e BRUE (1995)].
(1) See Lang (1986) that provides a detailed analysis theorical and empirical of the theme.
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A racial density variable (DEN) is defined as the number of black(2) workers divided
by the sum of white and black workers in a labor market, is matched to each worker in the
PNAD sample. In general, a density variable (DEN) varies from industry to industry.
Our analysis is limited to examining the effect of the racial composition of labor
markets on wages and the racial wage gap. The main contribution of the paper is that it
considers racial density by gender in a specific sector of the economy in the study of
discrimination with the introduction of some controls directly related to the human capital
theory.
To investigate the thesis relevance (racial density and discrimination), this study
tests the hypothesis that wage differentials among groups are justified by racial discrimination by sex, instead of being by workers endowment, in three sectors of the Brazilian
activities — service industry, commodities and transformation trade. Thus, controlling
the variables, which measure the worker’s performance, and varying the characteristics, if
the differential of wages is maintained, it will reflect discrimination. These industries
were chosen because they employ men and women in varied proportions, distinct wages,
product and labor diversification and by the level of wage flexibility in the Brazilian labor
market [BARROS et al. (1996)].
The negative effect of rational density over wages is directly related with all workers
with higher education. Discrimination, in our models, results in part of this density among
the individuals. In individual terms, however, dissimilarities among workers can have
different effects, depending of racial identification of the individuals. The variability
regarding race can result in more conflict and lower levels of productivity [BAUGH and
GRAEN (1997)].
Specifically, there are no empirical studies on discrimination as a function of racial
density, or on the technique of decomposition proposed by Oaxaca (1973) in the Brazilian
labor market. Thus, this paper’s main contribution is to fill the gap in literature on discrimination of the Brazilian case. The evidence of discrimination and the identification of
their sources may serve as a parameter to other economies in development that present
relationships of employment composition similar to the ones that prevails in Brazil.
The presence of racial discrimination in Brazil was studied by Lovell (1993), which
concluded that discrimination concentrates in the South region, because it is more
developed. Meanwhile in the Northeast region, where the black population is larger than
in the rest of the country and being the poorest region (with the lowest educational
index), yet it shows the lowest indexes of discrimination. Silva’s (1985) article verified
strong unexplained wage differentials, which the author understood as evidence of discrimination. Similar characteristics of the workers were investigated in different classes in the
labor market.
(2) The empirical data used here is from National Household Sample Survey/National Geographic and Statistics Institute/IBGE (PNAD). PNAD is an administrative record. The information collected in PNAD is taken on an individual
basis. The individual determines his/her characteristics such as color, sex etc. In 1999 the Brazilian population was
about 160 millions: 54% claimed to be white, 40% black, 5,3% black, 0,46% asian and 0,16% indians. Since the population
of white and black corresponds to 94% of the Brazilian population we consider only them to work in this paper.
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Some empirical analysis for the Brazilian case have demonstrated that women earn
lower wages as compared to men, even when taking into consideration similar levels of
human capital. The research done by Barros et al. (1992) adds that, if taken into account
age and education, level of discrimination by gender is much more revealing than if
estimating only the wage differential between men and women.
This paper is structured as follows. After this introduction, Section 2 covers the
methodology applied to test the hypothesis on discrimination and density, Section 2 presents
the results and Section 4 the conclusions.
1. METHODOLOGY
To examine the existence of relationship between discrimination and racial density,
Blinder (1973) and Oaxaca’s (1973) methodology was used for decomposition analysis. We
used a sample of activities in three sectors of the economy — manufactures, service and
commodities trade, by gender or by race, to estimate the following model form:
(1)
for the estimation of the equation (1). We adopted the same procedure of Hirsch and
Schumacher (1992), where lnwij is a logarithm of worker’s wages i in the economic
sector j; Xj consists of X1=1 and k - 1 variables measuring of individuals and economics
characteristics, and regions; a is the interceptor of the equation, and k - 1 coefficients
corresponding to variables in X; bi and gi are the parameters to be estimated; DEN is the
ratio of black to white plus blacks employment and y is its coefficient; y < 0 means that
wages in a group of workers grows with the decrease of density, and the opposite for
y > 0; and e is the random error, independent and identically distributed.
The model of regression implies that the wage differential may be written in decomposition terms. The decomposition analysis explains the racial differential of wages by
gender, in terms of productivity characteristics, discrimination and the racial density of
the workers, by the following method,
(2)
W = 1, ..., Nm
b = 1, ..., Nb
adding a second superscript (w, b) to denote race, where b1 and Xi are, respectively, the
coeficient and mean of ith variable in an OLS wage (earnings) regression and the subscripts
w and b denote whites and blacks, respectively. N is the number of individuals white w
and blacks b.
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Equation (2) is the average difference of logarithms (natural) of wages among the
white and blacks individuals. The impact racial density is a product of y e (DENw - DENb).
The contributions of racial density to wage differential are captures by the last term of
Equation (2). The expression
is part of the differential of wages assigned to
the differences of productivity characteristics, while
is part of the differential of wage, which is assigned to the differences in the regress of characteristics among
races. In the absence of discrimination, the difference is explained by human capital and
other measurable variables. The difference between the first term of the equation (2) on
the left hand minus the sum of the two terms of the Equation (2) of the right hand is
equal the measure of wage discrimination.
Equations (1) and (2) can be compared to the traditional equations (1’) and (2’) below,
which does not include racial density composition:
(1’)
(2’)
On the other hand, the comparison between the two equations (2) and (2’) points the
extension in which the absence of the density variable affects the conventional estimates
of wage racial differential (HIRSCH and SCHUMACHER, 1992, p. 509). The first and
the third terms on the left of the equation (2’) are typically attributed to discrimination.
The second term corresponds to the wage differential part attributed to the groups related
to productivity characteristics.
2. ANALYSIS OF THE RESULTS
2.1. THE DATA
We used cross-section data based on PNAD — National Household Sample Survey/
National Geographic and Statistics Institute/IBGE for 1998, with a sample of about 43,262
people, aged 18 to 65 that includes those who participate in the labor market. The sample
used in this study is made up of 15,810 white and 10,905 black men, 8,182 white and 8,365
black women. The selected variables were race, sex, wages, years of study by level of
education, experience, age, marital status, workers in the labor union and/or not in the
labor union, firms activities, participation by race and sex in various levels of employment.
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Table 1. The variables used
The variable lnwage represents real earnings because it is deflated to its set/99 value using the IPC’s FGV/RJ deflator.
The numbers among brackets represent the proportion of the employed labor in
each economic sector. In the Service sector: [51.81% are white male and 48.19 % are black
male], [61.10 % are white female and 38.90% are black female]. In the Commodities trade
sector: [57.33% are white male and 42.67 % are black male], [41.17% are white female
and 58.83 % are black female]. In the Manufacture sector: [58.99% are white male and
41.01 % are black male]. [31.27% are white female and 68.73 % are black female].
Table 2 registers the basic descriptive statistics of endowment among white men,
black men, white women and black women in the three sectors of economic activity.
Concerning service sector, the white worker’s experience (19.26) is greater than black
men’s experience (18.52), to which it may be influencing positively the wages of the whites.
There are different levels of education among them, considering that white workers (7.68)
have more and higher level of education than black workers (6.50). This racial differential
does not seem proportional to the differences of race, relatively small races, which exist in
terms of individual qualifications.
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The most significant wage average difference (0.47) — in terms of gender — is in
the commodities trade sector. White men have higher levels of education (8.76) than
black men have (6,77), but when it comes to experience white men are behind (16.77
against 17.03, respectively).
Although white and black workers (men and women) have similar in years of
experience (measured in years) the current employments, we observed that black workers
earn average wages lower than white workers (men and women) in all economic activities.
In each activity, the black workers earnings are 45% to 50% lower than the white workers’
earnings. While, the differential earnings among women are about 22% to 42,8% in the
white women’s favor. These results seem to indicate that these sectors require a higher
level of education (Table 2).
Through basic descriptive statistics of the characteristics between white women
and black women in three sectors of the economy, it has been verified that in the service
sector, in average terms, there are more white women than black women. White women
(21.20) seem to have in average two years less of experience in the labor market when
comparing to black women (18.45). Hirsch e Schumacher (1992) showed that the density
effect is much lower for black workers with lower education level.
In commodities trade, the average wage for white workers (women) is higher than
for black workers (0.51 against 0.19, respectively). However, the experience of white women
workers (9.88) is higher than the experience of black women (8.58). Regarding manufacture
sector, it can be observed that the number of contracts (average) and the average wage of
white women workers (5.07 e 0.49) are superior to black workers (4.98 e 0.09), respectively,
which can be linked to the level of education.
The racial density shows fairly significant differences with much higher proportions
of white workers in the commodities trade, manufacture sector and service sector. Black
women dominate in these same economics activities.
2.2. ECONOMETRIC ANALYSIS
2.2.1. THE DENSITY EFFECT
Table 3 presents the estimated results of equations (1) and (2) with reference to the
service sector. The “experience”(3) coefficient, although significant, has a low effect over
the wages of white men (4.25%), black men (4.77%), white women (2.92%) and black
women (4.09%) which is, considering 4 years of experience. We may interpret the estimate
parameters as a return rate of education, because the function is log-linear. When analyzing
education parameters, which represent years of study, it has been evidence that the effects
over white men’s wages (10.8%) are very similar comparatively to black men’s wages
(10.1%). The return rate of education for white female workers (9.76%) is similar to black
female workers (9.07%). These almost identical rates point out to strong homogeneity
(3) To obtain the effects of experience on log earnings, we compute the partial derivative:
where w is hourly earnings, exp is experience.
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indexes in return rates of education for workers. In accordance with human capital theory,
much of the variables, which affect the decisions of workers for an occupation sector, also
affect employers when selecting a specific worker.
Hirsch e Schumacher (1992) questioned how the wages for whites and blacks were
estimated to capture changes when racial composition of the work for each group of
workers leans to an equal opportunity, i. e., they converge for an average data value.
Analyzing the explained part of wage differential, for example, in the service sector, the
average density for the entire sample of workers is of 0.2276. For white men, an increase
of the current value density 0.1730 to 0.2276 is closely related to the decrease of their
wages 2.35% ([exp (gw (0.2276 - 0.1730)) -1] 100). For black men, a variation of 0.1610 in
density to 0.2276 implies a loss in their wages of 3.97% ([exp (gw (0.2276 - 0.1610)) -1]
100). One can observe that our results with respect to blacks (3.97%) are very close to the
results found by Hirsch and Schumacher (1992), for United States case, it is 3.97% e 3.5%,
respectively.
For white women, the variation in racial density of 0.2720 to 0.2276 will result in a
gain in wages of 2.19% ([exp (gw (0.2276 - 0.2720)) - 1] 100). For black women, a change
of density of 0.3043 to 0.2276 will produce an increase of their wages of 4.65% ([exp (gw
(0.2276 - 0.3043)) - 1] 100).
The estimated parameter’s values allow us to calculate the impact of density over
the wages of all workers. The density coefficients are negative and significantly high for
all workers in the service sector, which indicates that earnings vary inversely with racial
density. The increase of density per race leads to a decrease in the wages of white men of
41.32%, while racial density affects negatively the wages of white women worker in 53.58%
and black women worker in 44.68%.
As Johnson and Solon (1984) observed, the gain of both male and female is negatively
related to the proportion of females in an occupation, even when there is a wide variety of
controlled variables.
Table 3 also presents, the results obtained for trade sector. In this sector, the estimates
of density show statistically significant coefficients for all workers. Be d the differential of
the wage logarithm. The percentage may be calculated by [exp (d) - 1] 100. This differential
has strong negative effects over wages in this sector, i. e., in the same proportion which
increases the density, it decreases white men’s wages in 49.77%, and black men’s wages in
41.91%. These results are compatible with Hirsch and Schumacher’s (1992) findings, which
demonstrated that for white and black men, there were negative rates of 51.9% e 39.2%,
respectively. For white and black women, our results registered negative effects over wages
of -2.86% and -48.14%, respectively. For white and black women, Hirsh and Schumacher
(1992) observed negative effects over wages of percentage of -15.2% e -23.59%,
respectively.
It was verified that education maintains a relationship of dependency with wages
indicating that each change in the level of education corresponds a positive impact over
wages, i. e., the increase of education level leads to an increase of the worker’s earnings.
The return rate of education is higher for white workers (12.7%) than for black men
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(10.6). Regarding women, approximately 9.93% is represented by the “white” race and the
“black” race is around 8.88%. As expected, both coefficient of the experience variable and
its square have signs compatible with human capital theory, but its effects are very low
over wages.
Still in Table 3, we can observe a strong effect of the fulltime(4) parameter in setting
wages. For example, in the manufacture sector, white male workers assure higher increases
to their earnings for their work with this variable (22,75%) than with other variables in
this sector of economy. The results show that the endowment of workers of the
manufacturing industry sector have strong effects over wages, confirming the explanation
of human capital theory. With respect to return rate per years of study and experience
for both racial groups, the results present different outcomes. For example, for which men
it was 14.4% and of 5.54% (at 4 years of education), respectively. While for white women,
the rates of return per years of study are around 11.1% and 5.29% (at 4 years of experience)
in that order. Johnson and Solon (1984) observed that much of these differences of earnings,
even after controlling individual different characteristics, are still related with industrial
distribution by sex.
The impact of density over wages of workers in manufacturing is also significant.
Thus, it is observed that the coefficients are significant and negative for the more estimated
models and maintain an inverse relation with the workers wages. The growth of density
causes reduction of white men’s wages in 54.72%, of black men in 41.13%, of white
women in 30.51% and of black women in 60.21%.
The results of estimated coefficients when the samples are segmented in four
demographic groups, by age, by region and by years of study, are presented in Table 4. In
the service sector, the negative effects of density over wages are restricted to people ranging
35-64 years old (except black women) and to white youth with age between 16-34 years
old. For the four demographic groups, the negative effect of density over wages is bigger
for groups with 12 years of education. Among the demographic groups, the negative
effects of density are stronger for white women with higher education. There is a big
difference between women of both races. Data indicates that the relative size of the
coefficients have greater negative effect over individuals who are in the southeast region,
than of those whom are outside this region. These results on segmentation of four
demographic groups are consistent with the findings of Hirsch and Schumacher (1992).
In the service sector, the labor union has a greater influence on worker’s wages than
in the other analyzed sector. It has been observed that the effects of the unions over white
men’s wages (29.56%) are superior comparing to black workers (25.99%), while the effects
of union density over white women’s wages (38.13%) have more impact than in the
case of black women (20.20%).
Regarding the trade sector, the results show that the negative effects of density over
wages are restricted to youths between 16-23 years old (except for black women), while
these effects, over the wages of elderly people, are greater for both groups (except for
(4) To obtain the marginal effects of the dummy variable on log earnings (because the function is log-linear), the percentage may be calculated by [antilog(b)-1]100 where b is estimated parameter.
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black men). The negative effect of density focuses in both demographic groups with 12
years of education. For women, the effect over wages is much higher for those with lower
levels of education. One can verify that the impact of the negative effect of density over
wages of people with less than 12 years of education in the trade sector is higher for
white women than for every other worker: white men, black men and black women.
For white and black men who work in the southeast region, the negative effect of density
has lower impact on their wages than for white and black men who work in a region
outside the southeast.
Finally, we observed in the transformation sector, for the four demographic groups,
a negative relationship between the density effect and wages, of all workers (except for
white women) between 16-34 years old. For the purpose of comparison, the results of the
four demographic groups of the segmented samples with less than 12 years of education
have the same direction of the density effects obtained by Hirsch and Schumacher (1992).
Data reveal that the negative impact of density over the wages of four demographic groups
(except for white women) is weaker in the southeast than outside this region.
2.2.2. Decompositions of the wage differentials
We present in Table 5 the results obtained with the methodology of the decomposition of wage differentials for the three sectors of the considered activity. It has been
observed that in the service sector differences of wages between men (56.36%) are attributed
to racial discrimination by gender, since that for a racial decomposition the differences
between women, one may observe that the increase of density has 53.58% of white women
and 44.68 % black women in most cases, the effect of reducing their wages.
Thus, we observe that the non-explained part of the decomposition represents about
51.36%. These results indicate also the existence of discrimination.
The worker of the service sector has approximately the same human capital, while
in the other sectors of the economy, there are differences endowment between the workers.
This information leads to the hypothesis of the relationship between discrimination-density,
as well, as when the higher, the greater is the density of discrimination among workers.
Regarding the trade sector, the average wage difference is of 0.3902, and the average
difference related to endowments is of 0.1614 (about 41.36%) of the average wage difference
in natural logarithm of the wages of men and women. The other 58.64% are attributed to
the non-explained variations (discrimination). In general, wage differentials increases
initially between men and women and after it decreases with levels of education. Finally,
the average wage difference of white-black women is 0.2018, while that the difference of
endowments between them is 0.0860, which corresponds to 42.62 of the average wage
difference, while 57.38% are explained by discrimination.
The manufacturing industry shows that the average wage differences between white
and black men are of 0.3723. The average difference related to the non-explained part is
0.2195. These results indicate evidence of racial discrimination against black workers of
58.96%, while the wage average racial difference among women is 0.03233. The average
difference linked to endowments between them is 0.3631. The difference of 0.1254 (51.22%)
corresponds to the non-explained part, i. e., represents discrimination.
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The traditional approach [OAXACA, (1973)] meets levels of differentials (non-explained part) of 33% to 89% for white men. The results found by Hirsch and Schumacher
(1992) were of 54,4% to 81%. Neumark’s (1988) presents differential non-explained of
46,6% to 83,4% for men. While for white women, the levels of differentials are 51,22% to
61,22%, Hirsch and Schumacher (1992) obtained 80,9% to 183,0%.
With the approach of racial density coefficient for men and women whites, the levels
of differentials were of 49,53 to 62,21% and of 42,36% to 58,13%, respectively. The
levels of differentials found by Hirsch and Schumacher (1992) are of 45,5% to 46,6% for
men and of 63,8% to 80,9% for women whites.
Specifically, we can observe that racial density
has a strong positive
influence (except for men in the transformation industry) on the non-explained part
. We can interpret these results as a positive relationship between racial density and discrimination.
In relative terms, the participation of racial density on the non-explained part for
men and women in the service sector registers percentages of 13,80% and 20.93%, in the
trade sector, of 3.27% and 8.05%, and in the transformation sector of -5.22% e 5.32%
respectively.
Our main results are consistent with the “crowding” hypothesis. Wages vary inversely
with racial density by sex, leading to a wage differential greater in markets with higher
density, as was the case in the service sector. Racial density relates inversely with the
worker’s wages in every sector of activity in the Brazilian economy.
The coefficients of density are greater in the service sector than in the other sectors
of economy.
Some results obtained in this paper confirm that the white worker’s wages are
significantly higher than of the black workers. The wage differential differs regarding the
proportion of black workers and also for female employees. These results are basically
the same found by Hirsch and Schumacher (1992). They show that the wages of whites and
blacks (as black, for Brazil) are lower in occupied industries with groups with high-density
rates of black workers.
3. CONCLUSION
It can be observed from the accomplished analysis that discrimination is a strong
characteristic in the three sectors of the Brazilian economy. In the service sector, the
negative effects of density over wages are restricted to people ranging 35-64 years old
(except black women) and to white youth between 16-34 years of age. For the four
demographic groups, the negative effect of density over wages is bigger for groups with
12 years of education. Regarding the trade sector, the results show that the negative
effects of density over wages are restricted to youths between 16-23 years of age (except
for black women). For women, the density effect on wages is bigger for those with lower
levels of education. In this case, it was observed also that the discrimination is focused on
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black workers. The results show that 58.96% of the average difference of men’s wages
and the 61.22% of the average difference of women’s wages (industry of transformation),
are explained by the discrimination. Besides, the study shows that discrimination decreases
with higher levels of education. The correlation coefficient of wages between white and
blacks, men and women, is high.
With the approach of racial density coefficient for men and women whites, the levels
of differentials were of 49,53 to 62,21% and of 42,36% to 58,13%, respectively. The
levels of differentials found by Hirsch and Schumacher (1992) are of 45,5% to 46,6% for men
and of 63,8% to 80,9% for women whites.
It has been observed that in the service sector, differences of wages between men
(56.36%) are attributed to racial discrimination by gender, since that for a racial
decomposition the differences between women, one may observe that the increase of density
has 53.58% of white women and 44.68 % black women in most cases, the effect of reducing,
their wages.
The service sector is where the presence of racial discrimination among men is
stronger, given a greater racial density among the people in this sector. In the service
sector, there are strong indexes of homogeneity among workers by race in terms of the
rate of return to education. The estimated coefficients of racial density per gender are
also higher in this sector.
Table 2. Description of the Variables, Means and Standard Deviations by
Demographic Group and Racial Density in Category
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Note: The t statistic are given in parenthesis below in coeficients. Sample sizes in brackers. The F statistic are significative in all models .
Table 3. Estimative of Equations of Wages of the White and Black Workers for
Economics SectorsService Commerce Trade Manufacture
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Note: The t statistic are given in parenthesis below in coeficients. Sample sizes in brackers. The F statistic are significative in all models .
Table 4. DEN Coeficientes from Segmented Regressions by Age, Schooling, and
Region, Racial Gender Group Service Commerce Trade Manufacture
Table 5. Decomposition of Racial Wage Differences, by Gender
Male Female
(1) Unexplained part. (2) Explained part. (3) The total wage gap in natural logarithm. The total racial wage gap is The
Line (1) is calculated by equation (2’). Explained part is by. The unexplained part is.
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SINDICALISMO PRAGMÁTICO DOS BANCÁRIOS DO SÉCULO XXI
Syndicalism Active Bank Clerk of the Century XXI
Ivan Jairo Junckes(*)
RESUMO: Este artigo discute alguns fatores explicativos das transformações no sindicalismo bancário
após a reestruturação do sistema financeiro nos anos noventa no Brasil e analisa os desdobramentos
das táticas adotadas por estes trabalhadores organizados nos primeiros anos do século XXI. Fazem
parte da análise a redução intensa do emprego formal nos bancos, a seletividade da representação
sindical e a segmentação de classe entre os trabalhadores em bancos, a preservação de elevadas taxas de
sindicalização nos sindicatos dos bancários, a constituição de grandes máquinas sindicais metropolizadas
e a prestação de serviços mercantis, a profissionalização dos gestores sindicais e a substituição dos
trabalhadores por dirigentes ou terceiros na ação direta de mobilização e protestos. Conjugadas diversas
táticas de organização, os sindicatos dos bancários sobreviveram à crise sindical dos anos noventa,
ajustaram-se aos desafios da reestruturação financeira e reorientam a representação dos múltiplos
interesses dos trabalhadores integrados aos objetivos estratégicos das corporações financistas,
contribuindo para a conflituosa ampliação da subsunção real do trabalho no capital. O artigo é composto
de quatro seções. A primeira seção se refere às transformações do setor bancário e seus impactos sobre
o emprego. A segunda seção compreende uma análise das mudanças enfrentadas pelos sindicatos dos
trabalhadores bancários e as estratégias definidas, enquanto a terceira seção se dedica aos impasses que
emergiram trabalhadores do sistema bancário após as transformações verificadas no setor e no sindicato
dos trabalhadores. Por último, as conclusões.
Palavras-chave: Sindicalismo, Bancários, Sistema Financeiro, Trabalhadores.
ABSTRACT : This article argues some clarifying factors of the transformations in the bank workers
Union after the reorganization of the financial system in the nineties in Brazil and analyzes the
unfoldings of the tactics adopted for these workers organized in the first years of century XXI.
Compose the analysis the intense reduction of the formal job in the banks, the selectivity of the
syndical representation and the class segmentation enters the workers in banks, the preservation of
raised taxes of syndicalization in the unions of the banks, the constitution of great metropolizadas
syndical machines and the mercantile rendering of services, the professionalization of the syndical
managers and the substitution of the workers for controllers or third in the direct action of
mobilization and protests. Conjugated diverse tactics of organization, the workers Union adjusted
to the challenges imposed by the re-struturing, they survived to the syndicate crisis in the nineties
and give new directions to represent workers multiple interests integrated to the strategic aims of
the financing corporations, contributing to the conflicting amplification of the real subordination
of the work in the capital. The article is composed of four sections. The first section relates to the
transformations of the banking sector and its impacts on employment. The second section presents
an analysis of the changes faced by the bank workers trade union and the defined strategies, while
the third section is dedicated to the impasses that emerged among the bank workers after the
transformations verified in the sector and the trade union. Finally, the conclusions.
Key-words: Unionism, Bank Workers, Financial System, Workers.
(*) Professor Doutor da Universidade Federal do Paraná — UFPR. E-mail: <[email protected]>.
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Quando iniciadas as grandes ondas de demissão nos bancos brasileiros, no início dos
anos noventa, poucos bancários imaginaram a sua categoria formalmente reduzida à metade
até o final da década, as poucas expressões nesse sentido foram consideradas exageros do
pessimismo. Em poucos anos, o temor tornou-se frequente ante a curva descendente
do emprego bancário associada às crescentes dificuldades para restaurar as mobilizações
que haviam marcado a década anterior. Entretanto, os bancários terminaram o século com
todos os seus sindicatos abertos, sustentando uma das maiores taxas de sindicalização
setorial entre os trabalhadores organizados nacionalmente, sem a pulverização de entidades
observada noutras categorias, com suas máquinas sindicais crescendo e ainda assustando o
país com algumas campanhas que expuseram as fragilidades geradas pela terceirização
dos serviços em bancos. Perguntamo-nos pois: quais são as determinantes da sobrevivência
do sindicalismo bancário? Quais as lições e reflexões desta trajetória?
Sabemos que tal desfecho dependeu da organização primária do trabalho no capital e
de um complexo arcabouço regulatório, os quais compõem a todo tempo o espaço de interação e constituição de outros dois fatores próprios do movimento sindical que precisam
também ser considerados permanentemente: as formas de subsunção do trabalho no capital
legitimadas pelos trabalhadores e a intensa ampliação do reconhecimento externo institucional de seus sindicatos. Dada a impossibilidade de abordarmos todos esses fatores, neste
breve artigo estão selecionados para discussão três dos fatores constitutivos da flexibilidade
pragmática apresentada pelos bancários durante a década de noventa e nos primeiros anos
do século XXI: a concentração estrutural e a seletividade funcional da organização sindical,
a prestação de serviços e a profissionalização nas máquinas sindicais, e as mobilizações e
protestos com baixa exposição dos trabalhadores bancários aos riscos inerentes às lutas
sociais.
1. CONCENTRAÇÃO ESTRUTURAL E SELETIVIDADE FUNCIONAL
A estrutura de emprego no sistema financeiro foi redesenhada nas últimas décadas
pelo movimento global de reterritorialização dos controles da produção e pela consequente
metropolização das finanças em cidades-nós da informacionalização do trabalho, tal qual
descrito em Castells (1999). Esses fatores implicaram um novo perfil do sistema bancário
brasileiro caracterizado pela concentração de capital, pela centralização da capilarização
direta e intensificação da capilarização indireta. Somaram-se a essas condições estruturais
as políticas de ajuste monetário e controle inflacionário, as políticas gerais de desregulamentação e precarização das condições gerais do trabalho, especialmente propulsoras dos processos de terceirização da força de trabalho, tal qual detalhado em Baltar et al. (2006) e
Gonçalves et al.:
... os bancos conseguiram implementar importantes mudanças na forma de gestão da
mão de obra e de reorganização do trabalho bancário, apesar de toda a tradição de
luta e organização da categoria. Por exemplo, houve transformações significativas
em aspectos centrais da regulamentação do emprego sem passar pela negociação
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com o sindicato, tais como: a intensificação do ritmo de trabalho, o trabalho comissionado
de 8 horas, o processo de despedida dos empregados e a terceirização. As medidas
destacadas evidenciam as dificuldades enfrentadas pelo sindicalismo em contrapor-se ao processo de ajuste ocorrido no setor nos anos 90. (GONÇALVES et al., 2006,
p. 114)
A aguda redução no estoque geral do emprego bancário apresenta uma correspondência positiva, embora em taxas muito mais elevadas, com a variação geral do estoque de
empregos formais no Brasil. Entre 1990 e 2000, o país reduziu em 10% o número absoluto
de empregos enquanto os bancários apresentaram índice negativo de 51,2%, passando de
802.451 para 390.986 entre 1989 e 2001 (CAGED/MTb). Entretanto, os dados referentes
aos bancários correspondem àqueles empregos perdidos diretamente em estabelecimentos
bancários, pois a variação no estoque do emprego dos diversos outros segmentos do sistema
financeiro, aqueles empregos considerados não bancários(1), aponta um crescimento de
7,4% entre 1990 e 2000, passando de 140.464 para 150.988 respectivamente. Adicionalmente esses dados não incluem pelo menos 170.000 trabalhadores em empresas terceirizadoras de força de trabalho (FENABAN/FEBRABAN, 1994, p. 5), ou outros milhares
em correspondentes bancários, que atuam no sistema executando serviço tipicamente
bancário. A redução ocorrida no estoque geral do emprego especificamente bancário no
Brasil pode ser observada no quadro a seguir:
Tabela 1 — Variação do estoque estimado de empregos no setor financeiro(*)
entre 1989 e 2001 — Brasil por região natural
Fonte: CAGED/MTb (Lei n. 4.923/65), médias anuais.
Elaboração: DIEESE — Linha Bancários/Suplementação Ivan Jairo Junckes.
(*) Bancos Múltiplos, Comerciais, de Investimento e Caixas Econômicas.
(1) Assim considerados as Cooperativas de Crédito, Bancos de Desenvolvimento, Crédito Imobiliário, Sociedades de
Crédito, Financiamento e Investimento, Arrendamento Mercantil, Agências de Desenvolvimento e outras atividades
que seguem a Classificação Nacional de Atividade Econômica de 1995/IBGE.
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A análise dos dados da Tabela 1 demonstra uma semelhança nos níveis de variação
negativa entre as regiões geográficas, exceto a região Centro-Oeste, onde proporcionalmente
a redução de empregos bancários foi menor. Observada a participação relativa das regiões
no estoque do emprego bancário, pode-se constatar que a região sudeste concentrou em
média 58% do total dos trabalhadores formalmente empregados em bancos entre 1989 e
2001, seguida pela participação da região sul em torno de 20%, enquanto as demais regiões
somam os restantes 22% , dos quais 12% são referentes à região nordeste.
Embora a participação relativa das regiões, respectivamente concentrada na região
sudeste, apresente variações pouco expressivas ao longo do período, estudos do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos — DIEESE (2000) também apontam a
concentração intrarregional dos empregos formais do sistema financeiro em virtude da
cana-lização de recursos materiais, tecnológicos e humanos para regiões cujo potencial de
retorno seja mais elevado. A concentração é tão acentuada que apenas cinco regiões
metropolitanas do centro-sul do país concentraram durante a década de noventa metade
do estoque de empregos bancários e apresentam ainda tendência de continuação dessa
progressão.
A aguda redução no estoque formal do emprego bancário e sua metropolização nos
anos noventa tiveram impactos diretos sobre a o porte das instituições sindicais, tal qual
pode ser observado nos mapas de que seguem:
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Além da brusca redução no porte de todos os sindicatos, destaca-se nos mapas
anteriores o predomínio obtido pelos sindicatos ligados à Confederação Nacional dos
Bancários da CUT — CNB/CUT, entidade precursora da Confederação Nacional
dos Trabalhadores do Ramo Financeiro — CONTRAF(2). Nos sindicatos de base, as chapas
apoiadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito —
CONTEC foram sistematicamente derrotadas pelos movimentos de oposição bancária
apoiados pelo Departamento Nacional dos Bancários da CUT, precursor da CNB/CUT, os
quais seguiram o princípio cutista de conquistar os sindicatos “por dentro” da ordem
corporativista.
Embora o número de trabalhadores na base dos sindicatos apresente drástica redução,
implicando diretamente uma profunda mudança no porte dessas instituições, o número
absoluto de sindicatos foi pouco alterado no período, conforme demonstrado na Tabela 2 a
seguir:
Tabela 2 — Sindicatos por número de bancários na base 1991 — 2001
Fonte: Relatórios internos da Confederação Nacional dos Bancários da CUT — CNB/CUT; CCT 2001/2002 CNB/CUT
e FENABAN; CCT CONTEC e FENABAN 2001/2002; Relatório do desconto assistencial 2001 CONTEC-FENABAN,
IBGE/Cidades, IBGE (2002) Tabelas 7 e 11; e CAGED/MTb 1991-2001.
Elaboração: Ivan Jairo Junckes.
A estabilidade apresentada no número absoluto de sindicatos, tendo passado de 191
para 205 entre 1991 e 2001, resultou da relativa coesão obtida entre forças políticas do
movimento sindical bancário para evitar a pulverização observada no país em outras
categorias, onde o número de sindicatos de trabalhadores passou de 7.612 em 1992 para
11.354 em 2001 (+ 49,1%), fenômeno estimulado pela deletéria combinação que preservou
o imposto sindical e liberou o registro de frações das elites sindicais para obtê-lo a qualquer
custo. Neste período, tanto a CONTEC quanto a CNB/CUT poucas vezes tomaram a
iniciativa de criação de uma nova entidade sindical na base de um sindicato de bancários
controlado pela força adversária.
A redução da base dos sindicatos pela metade, conforme Quadro 1 e Mapas 1 e 2,
afetou de forma muito desigual os grandes e os pequenos sindicatos. Os maiores sindicatos
(2) Em janeiro de 2006 a Confederação Nacional dos Bancários da CUT — CNB/CUT tornou-se a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro — CONTRAF. Optou-se por manter o nome da instituição relativo ao
período de referência para os estudos.
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continuaram grandes o suficiente para desenvolver mecanismos de sustentação orgânica;
entretanto, os micros e pequenos enfrentaram, e continuam enfrentando, condições críticas
de sobrevivência. O Sindicato dos Bancários de São Paulo continuou sendo um dos maiores
sindicatos de trabalhadores do mundo com 100.730 trabalhadores na base e 68.535
sindicalizados(3), representando aproximadamente 25% dos bancários do país. Situação
esta que sofreu pouca alteração nos anos seguintes também nos dezenove outros grandes
e médios sindicatos que juntos representavam 44% dos bancários brasileiros e apresentavam
a média de 9.400 trabalhadores na base. Entretanto, os demais 185 micro e pequenos
sindicatos abrangiam a representação formal de apenas 31 % dos bancários, apresentando
uma média de 648 bancários em suas bases, alguns cujo número de sindicalizados não
ultrapassava algumas poucas dezenas.
Além da metropolização dos sindicatos, outro fator a ser analisado é a manutenção
apenas relativa dos índices de sindicalização nestas entidades. Mesmo apresentando elevadas
taxas de sindicalização(4), os bancários apresentam perda progressiva na sindicalização
absoluta conforme pode ser observada na situação expressa no gráfico a seguir:
Gráfico 1 — Evolução do número de bancários na base e número de filiados no
Sindicato dos Bancários de Florianópolis (SC) e Região entre 1991 e 2001
Fonte: Confederação Nacional dos Bancários da CUT — CNB/CUT e SEEB Florianóplis (SC).
Elaboração: Ivan Jairo Junckes.
Observa-se, no Gráfico acima, uma trajetória que é representativa da maioria dos
sindicatos de bancários no país independente do tamanho da base: um duplo movimento
de preservação e elevação progressiva da taxa de sindicalização, dado pela aproximação
(3) Dados fornecidos pela Secretaria Geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo — SEEB/SP referente a dezembro
de 2001.
(4) Comparativamente a taxa média de sindicalização dos bancários manteve-se a mais elevada entre todas as categorias
abrangidas pela Pesquisa Sindical realizada pelo IBGE (2002): 69,8% enquanto a taxa média de sindicalização dos trabalhadores urbanos empregados em 2001 era de 29% apenas.
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das duas linhas, conjugado com uma redução continuada da sindicalização absoluta a partir
de 1995, fundamentalmente determinada pela queda na quantidade de empregos
estritamente bancários mantidos na base do sindicato.
Explorando o contraditório de perdas absolutas tão elevadas e sobrevivência das
taxas de sindicalização, Cardoso (2003) aponta para a tática de fechamento associativo com
o objetivo de preservar alguns benefícios daqueles trabalhadores formalmente enquadrados
na representação sindical e acusa o relativo abandono das categorias mais frágeis aos efeitos
da precarização da força de trabalho, tal qual também pode ser constatado nos estudos
comparativos de Krein e Gonçalves (2005) sobre os bancários e não bancários. Tal dinâmica
é amplamente confirmada em entrevistas com dirigentes e análise documental comparativa
entre os acordos coletivos firmados pelos sindicatos dos bancários e os acordos, ou a simples
ausência deles, negociados nos 779 sindicatos de empregados de agentes autônomos do
comércio — onde se enquadram os empregados de processamento de dados, de segurança
e vigilância, de serviços contábeis e de empresas de trabalho temporário — e de empregados
em turismo e hospitalidade — onde se enquadram os empregados em empresas de asseio e
conservação. Juntos esses sindicatos representam milhares de trabalhadores que mesmo
exercendo suas atividades permanentemente em instituições bancárias não são considerados
bancários, consolidando “as relações de emprego encobertas” assim consideradas por
Cacciamali:
Adicionalmente, dentre outros aspectos, desejamos destacar o resultado perverso
sobre a coesão social desse modelo. A organização do trabalho, que se desenvolveu
paulatinamente ao modelo de acumulação nesta etapa do capitalismo mundial, dissimula os vínculos de solidariedade entre os empregados, pois embora eles estejam
submetidos a um único empregador, a diferenciação dos contratos dificulta o desenvolvimento da consciência de pertencimento ao mesmo grupo, ou mesmo a sua identificação social. Isto se dá inclusive porque as condições objetivas de trabalho (salário,
horas, benefícios etc.) são distintas, assim como as condições subjetivas, devido à
maior inseguridade laboral dos empregados subcontratados. Essa segmentação dos
processos de trabalho restringe, quando não anula, a ação sindical, ou mesmo obstrui
a busca e ações que superem a degradação das condições de trabalho. (CACCIAMALI,
2005, p. 73)
Ante todas as alterações na base do emprego em bancos, os bancários, seus dirigentes
e o conjunto da categoria preservaram nos quadros sindicais o núcleo integrado dos trabalhadores formalmente empregados nas instituições bancárias. Tal escolha tática implicou
a acentuada dessindicalização absoluta, a metropolização do sindicalismo bancário e a
generalização de uma maioria numérica de microssindicatos com reduzida capacidade operacional. Agravaram-se assim as diferenças anteriores entre o porte e a capacidade operacional
dos sindicatos; entretanto, mantiveram-se elevados os índices de sindicalização relativa,
esgotando-se consequentemente o universo de sindicalizáveis. Neste contexto, as maiores
entidades desenvolveram mecanismos de reconhecimento e sobrevivência orgânica baseados
na prestação de serviços e campanhas institucionais que indicam a adoção de complexos
recursos de ajustamento pragmático aos desafios vividos no mundo do trabalho.
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2. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E PROFISSIONALIZAÇÃO NAS MÁQUINAS SINDICAIS
Premidos pela redução do emprego estritamente bancário e limitados pela tática de
seletividade adotada na relação com os demais trabalhadores no sistema financeiro, os
sindicatos dedicaram-se intensamente para manter as elevadas taxas de sindicalização entre
aqueles formalmente empregados em bancos. Com esta perspectiva associadas a outros
fatores, tais quais a queda geral da mobilização sindical na década do neoliberalismo e as
alterações nos referenciais identitários dos bancários ocorrido após a desnacionalização do
sistema, muitos dos dirigentes oriundos dos movimentos de oposição bancária tornaram-se hábeis promotores de serviços sindicais e gestores arrojados de elevados patrimônios
reconstituídos após as desgastantes ações de protesto dos anos oitenta(5). Defendendo a
necessidade de adaptabilidade dos sindicatos aos “novos tempos” um dirigente sindical dos
mais expressivos da categoria, que se definiu como “um babyssauro porta-voz das novas
mentes do sindicalismo”, resume em entrevista a sua orientação geral:
... nós temos que ter política organizada para esse “novo” bancário que está aí e temos
trabalhado bem nesse sentido, então não adianta xingar o banco, o Citicorp, o imperialismo, e etc. O trabalhador está lá, gosta de trabalhar lá, quer fazer carreira lá, tem
um salário diferenciado e não quer que o sindicato ameace isso tudo expondo ele de
qualquer jeito. Nós temos que discutir o dia a dia desse trabalhador e ver como o sindicato pode ser útil para ele, o que ele precisa realmente do sindicato e isso é simples,
é o que todo o mundo tá fazendo senão esse cara vai procurar outro lugar pra ele e a
empresa tá de braços abertos pra ele... e nós onde é que vamos ficar, só fazendo discurso?
Dentre os argumentos utilizados com maior frequência para convencimento dos bancários à filiação sindical, além do reforço da luta por direitos, podemos constatar os serviços
jurídicos, os convênios, a capacitação profissional e o lazer proporcionado pelos espaços
sindicais(6). Analisando as matérias publicadas na Folha Bancária — FB, órgão de divulgação
do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo — SEEB/SP(7), a vinculação positiva
entre a sindicalização e um ou mais desses recursos oferecidos pelo sindicato aos filiados
está presente pelo menos em 337 das 418 edições pesquisadas, o que evidencia uma política
sistemática de fechamento social e promoção da sindicalização vinculada a benefícios diretos
e imediatos para o sindicalizado(8). Trecho de uma matéria que vinculam os serviços jurídicos
à sindicalização demonstra essa tática sindical:
O departamento jurídico do Sindicato só moverá ações trabalhistas, coletivas e
individuais, para sindicalizados. O objetivo da medida é valorizar as contribuições do
(5) Raras são as referências de mudanças nesse sentido observadas nas publicações de sindicatos ligados à CONTEC ou
nas entrevistas realizadas com seus dirigentes, compreensível coerência pois as suas práticas sindicais nas últimas décadas estiveram associadas justamente ao assistencialismo e patrimonialismo sindical.
(6) Segundo a Pesquisa Sindical IBGE (2002), 52% dos sindicatos de trabalhadores urbanos no país oferecem os mesmos
serviços disponibilizados pelos sindicatos dos bancários, pela ordem: jurídico (77%), convênios (45%), formação profissional (39%) e lazer (39%), além de outros que ocupam ordenamento diferenciado.
(7) A tiragem da FB durante os anos pesquisados variou entre 120 mil exemplares no primeiro período e 80 mil exemplares no segundo, mantendo a média de tiragem diária no primeiro período, 1997-1999, e de 3,6 números entre segunda e
sexta-feira no segundo período, 2000-2002.
(8) O recurso da premiação individualizada por sindicalização também é amplamente utilizado nos maiores sindicatos (o
sindicalizado pode ser premiado com aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos, viagens e até um automóvel, tal qual ocorrido em agosto de 2006 no Sindicato dos Bancários de São Paulo), entretanto não vou tratar disso neste texto.
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sócio e evitar perda de tempo com processos que têm pouca chance de obter julgamento
favorável, pois muitas vezes a Justiça não considera o Sindicato representante dos
não associados (Folha Bancária, 2.9.1997).
A partir de 1999, tornou-se frequente também a cobertura jornalística promocional
das decisões judiciais favoráveis às petições sindicais e a entrega de cheques de pagamentos
de indenização por reclamatória trabalhista passou a ser motivo de divulgação festiva com
a presença dos diretores mais importantes da entidade e mesmo convidados ilustres. A
mesma referência aos benefícios proporcionados pelas reclamatórias judiciais foi confirmada
em vários sindicatos pesquisados e pode ser considerada a prática mais frequente entre os
sindicatos de bancários para convencimento à filiação sindical. Tal dinâmica é consequência
direta, e bastante previsível, da acentuada demanda apresentada pelos trabalhadores em
função do descumprimento generalizado da regulamentação trabalhista por parte dos bancos
e das demais mazelas na regulação processual civil perpetuadas pelo judiciário brasileiro.
As recorrentes referências, nos impressos sindicais, aos convênios, os quais proporcionam principalmente descontos ou outras facilidades de atividades mercantis aos sindicalizados,
evidenciam o apelo sindical cotidiano aos seus benefícios para reforço da sindicalização(9).
Dentre as centenas de oportunidades de convênios proporcionados aos associados, pode-se apontar uma considerável diferença entre aqueles estabelecidos pelos grandes sindicatos
das áreas metropolitanas e os pequenos e microssindicatos. Entre os primeiros, preponderam
descontos e facilidades em centros de capacitação profissional, cursos de faculdades, cursos
técnicos de informática e matemática ou gestão financeira, línguas, escritórios de profissionais liberais, clubes de recreação, academias de atividades corporais, clínicas médicas,
dentárias e de estética; enquanto entre os demais podem ser observados com maior frequência convênios com pequenos comerciantes locais, tais como farmácia, restaurantes e lojas
de vestuário. Algumas iniciativas denotam o acentuado esforço para oferecer atrativos aos
sindicalizados, tais como um desconto na compra de um botijão de gás mediante vale de
R$ 0,83 a ser solicitado na sede do sindicato, e descontos em conserto de pneu de bicicleta,
banho e tosa em pet-shop, nas três primeiras sessões de bronzeamento artificial ou ainda
um adicional de detergente no aluguel de pressurizador de água para limpeza doméstica.
Além dos serviços jurídicos e dos convênios, também a capacitação profissional passou
a ser uma preocupação permanente nos maiores sindicatos. Dezenas de cursos(10), organizados em centros de formação profissional, são oferecidos aos sindicalizados com custos
parcialmente suportados por recursos diretos do sindicato ou por financiamento público
para essas atividades(11). A correspondência entre a motivação à sindicalização e a promoção
(9) Quando observadas cada uma das sentenças publicadas nas 418 edições da Folha Bancária do SEEB/SP, constata-se a
paridade de vínculos entre a expressão sindicato e direitos e entre sindicato e descontos e cursos, presentes em pelo menos mil
frases nas edições pesquisadas, representando assim uma média de três citações, respectivamente, em cada edição na qual
se verificam.
(10) Matemática financeira, contabilidade, análise de crédito, telemarketing, mercado financeiro e de capitais, cobrança de
créditos, oratória, gestão empresarial, marketing pessoal e de vendas, administração financeira e idiomas.
(11) Em 2002, o Sindicato dos Bancários de São Paulo — SEEB/SP mantinha o Centro de Formação Profissional, o
Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, o Instituto Educacional dos Bancários — IEB, o Sindicato dos Bancários de
Porto Alegre, o Centro Bancário de Formação e Qualificação Profissional e os demais sindicatos grandes e médios
mantêm iniciativas no mesmo sentido.
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de cursos de capacitação pode ser verificada em pelo menos 132 das 418 edições da Folha
Bancária analisadas, e a referência direta aos cursos oferecidos consta em 358 delas, evidenciando a preocupação continuada com a qualificação dos sindicalizados. Esse mesmo recurso
de associação pode ser verificado também nos demais sindicatos médios e grandes no país,
ocupando, em alguns períodos, considerável parcela da agenda sindical.
A análise estruturalista do sindicalismo, notadamente realizada por Offe (1994), aponta
como condição elementar nas estratégias de organização de classes o desenvolvimento de
mecanismos de elevação do preço geral da força de trabalho, mediante a aquisição de habilidades e qualificação específica, para proteção dos interesses dos trabalhadores. Um forte
contraditório se estabelece porque entre as habilidades a serem aprimoradas geralmente
se encontram aquelas destinadas a ampliar a produtividade, classicamente um mecanismo
redutor da participação do trabalho vivo na produção. Tal dinâmica alimenta um ciclo
pleno de contradições que são facilmente reveladas nas experiências imediatas daqueles
trabalhadores que buscam recursos avançados de conhecimento para ampliar sua capacidade
de gestão do capital e, mais especificamente, a gestão de uma parcela do capital disputada
exclusivamente entre capitalistas, como é o caso da administração do juro bancário.
Poucos analistas críticos desse processo poderiam crer que no cumprimento de seu
papel estrutural, o dever de defender legitimamente os interesses dos assalariados, as entidades sindicais evidenciassem tanto as contradições desse processo, tal qual pode ser observado
no enunciado publicitário de um curso de gestão empresarial realizado por um sindicato
de bancários:
Gestão Empresarial sob um Olhar Financeiro, centrado em Análise de Investimentos
em Projetos e Avaliações de Empresas, tem como objetivo principal capacitar o
indivíduo participante a adquirir desenvoltura e conhecimento nos princípios básicos
da administração financeira bem como capacitá-lo a determinar seus custos, despesas,
receitas e pôr fim em seu ponto de equilíbrio gerencial financeiro e estudos de políticas
de investimentos. Público-alvo: Empresários, assessores e analistas financeiros, gerentes,
administradores, investidores, executivos, ou seja, pessoas empreendedoras(12).
As oportunidades de lazer proporcionadas pelos sindicatos constituem outro importante recurso de motivação à sindicalização. São espaços de exibição e oficinas de cinema,
teatro, música, chácaras recreativas, organização de viagens e passeios promovidos ou incentivados pelos sindicatos, em grande parte associados aos convênios em que os sindicalizados
pagam menos.
As práticas sindicais relatadas até aqui podem ser observadas também em centenas
de sindicatos de outros grupos profissionais, guardadas as especificidades, e fazem parte
do cotidiano sindical, menos desenvolvidas e menos contraditórias evidentemente, há décadas. Entretanto, algumas categorias de trabalhadores, entre elas os bancários, têm atualizado
experiências que aparecem em alguns momentos na história do sindicalismo, tal qual o
crédito mútuo e as incorporações habitacionais, e que merecem uma reflexão crítica sobre
seu papel na institucionalização sindical e participação nos circuitos de gestão do capital.
(12) Texto extraído de folder promocional do Centro de Formação Profissional do SEEB/SP, também disponível em:
<http://www.spbancarios.com.br/profissionalcursos.asp?c=9> Acesso em: 2002 e 2006.
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Com atividades iniciadas em janeiro de 2001, a Cooperativa de Crédito dos Bancários
de São Paulo — BANCREDI foi comunicada à categoria como um serviço “dentro da
proposta do Sindicato Cidadão”(13) e durante mais de uma ano, evidenciando-se como uma
prioridade da diretoria dos bancários, foi objeto de pelo menos uma matéria a cada três
edições da Folha Bancária com manchetes geralmente semelhantes a “Ganhe mais e pague
menos: Cooperativa garante rendimento maior e empréstimo com juro menor”! A mesma
alquimia econômica prometida na manchete do jornal sindical em julho 2001 também
podia ser observada em julho de 2006 na página eletrônica da organização(14) que contava
então com 3.040 cooperados:
As concessões dos Empréstimos são de alta competitividade em relação ao mercado,
visando contribuir e facilitar a vida do cooperado. (...) Nosso objetivo é praticar o
crédito solidário, de trabalhador para trabalhador... Tudo isso sem deixar de proporcionar rendimentos melhores que os do mercado.
Experiência semelhante tem sido vivida pelos bancários de Curitiba, com a Cooperativa
de Crédito Mútuo dos Trabalhadores do Sistema Financeiro — COOPCREFI, coordenada
e sediada no Sindicato dos Bancários de Curitiba, assim como ocorre com Cooperativa de
Crédito Mútuo dos Bancários de Juiz de Fora.
Tal qual constituídas, as cooperativas de crédito envolvem os sindicatos diretamente
nos circuitos de valorização-especulação financeira contemporânea, pois em todas estas
iniciativas a gestão da expectativa de retorno dos investimentos implica a mobilização de
todos os estratos de classe envolvidos na condição de capital-dinheiro e, portanto, indiferentes às suas origens todos os envolvidos no processo se convertem em poupadores propulsores
da dinâmica histórica do crédito, ou seja, a geração de riqueza fictícia. Essa característica
estrutural, detalhada em Harvey (1990), estará inevitavelmente presente em qualquer gestão
de experiências de crédito mercantil concorrencial e, tal qual assumido pelos bancários,
implica uma delicada noção de concorrência e cooperação interclasses. Refiro-me mais
precisamente à ação de trabalhadores organizados, os investidores, convertendo sua massa
de poupança em meio de subordinação formal de outros trabalhadores, os tomadores,
mediante o comprometimento futuro de salário para pagamento dos juros que servirão
para remunerar indiferentemente o capital de outros investidores, trabalhadores ou
capitalistas. Entretanto, dir-se-ia que apenas os trabalhadores participam desse ciclo entre
investidor-recebedor e tomador-pagador de juros e, nesse caso, mais crítico se torna o
argumento aqui suscitado, pois a expropriação seria cíclica entre os salários dos
trabalhadores-investidores e trabalhadores-tomadores, sem a possibilidade de ambos
tentarem tirar a diferença no prejuízo de algum capitalista que estivesse envolvido na
transação.
Além das experiências de crédito cooperativo as experiências de cooperativas habitacionais podem ser observadas nos sindicatos de São Paulo (SP), Ilhéus (BA), Campinas (SP),
Muriaé (MG), Campos (RJ) e Rio de Janeiro (RJ). Dentre estas merece destaque o caso da
Cooperativa Habitacional dos Bancários — BANCOOP, pois, tal qual declarado por um
dirigente sindical, “A BANCOOP hoje é uma grande empresa de construção que atende
(13) Folha Bancária, edição de 9.1.2001.
(14) Disponível em: <http://www.bancredi.com.br/default.asp>.
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aos bancários”. Embora apresentada como um serviço do sindicato para os associados(15) a
instituição aceita a adesão de qualquer pessoa e nota-se que a criatura superou em dezenas
de vezes o tamanho de seu criador, pois seu orçamento era, em dezembro de 2005, superior
a R$ 460 milhões, tendo se configurado como a maior cooperativa habitacional em operação
no país com 14.000 cooperados e 8.500 imóveis construídos ou em construção(16).
Vinculada à BANCOOP estava a BANCON — Administradora de Condomínios e
Serviços que prestava serviços nos empreendimentos já realizados pelos bancários e vende
serviços no mercado para centenas de outros clientes, conforme declaração de um dirigente
sindical do SEEB/SP(17). Diferente da BANCOOP, a BANCON pouco é citada na FB(18) e
pouco é lembrada nos demais espaços de divulgação do sindicato. Entretanto, pode-se estimar que o porte uma terceirizadora de serviços em administração, segurança, limpeza e
conservação que atua em pelo menos uma centena de grandes edifícios de São Paulo seja
igual ou maior que o próprio sindicato.
As organizações constituídas na máquina sindical, citadas anteriormente, e a mobilização da categoria têm um suporte de comunicação em mais de oitenta jornais, entre tabloides e boletins, editados pelos sindicatos de bancários no país ligados à CUT e que, somados
aos demais veículos impressos dos sindicatos ligados à CONTEC, representam uma tiragem
conjunta próxima de um milhão de exemplares, embora a periodicidade seja variável. Dentre
estes, o caso mais expressivo é a Gráfica dos Bancários, a BANGRAF do Sindicato dos
Bancários de São Paulo. Com capacidade para produzir até um milhão de cadernos impressos
por dia, em apenas uma de suas rotativas, a BANGRAF é um dos maiores parques gráficos
da América Latina(19). O patrimônio da gráfica supera o patrimônio do próprio sindicato os
seus lucros representam aproximadamente a metade das receitas anuais da entidade sindical,
pois a outra metade, em média, corresponde às contribuições associativas conforme pode
ser observado nos balanços dos últimos dez anos.
Todos esses serviços descritos envolvem orçamentos milionários e muitos dirigentes-gerentes para sua realização e aprimoramento. A gestão competitiva de tantos recursos
patrimoniais e financeiros, conjugada com diversos outros fatores de ideologização neoliberal
e intenso refluxo da ação sindical direta, tem promovido tendências históricas de institucionalização e confirmado clássicos apontamentos teóricos críticos da burocratização sindical,
tal qual presentes em Simão (1981) ou Martins (1989).
Entre os sindicalistas a burocratização sindical ainda tem sido explicada parcialmente
pela baixa renovação no quadro de dirigentes sindicais e consequente envelhecimento e
apego dos “dinossauros” à máquina sindical. Entretanto, desde 2002, as diretorias sindicais
têm apresentado acentuada dinâmica de renovação em virtude da redução do número
de dirigentes oriundos dos bancos estatais, a emergência de novos dirigentes empregados
(15) Nas 418 edições da Folha Bancária pesquisadas, a BANCOOP é citada em 207 delas, ou seja, uma vez a cada duas
edições em média, invariavelmente associando o sindicato aos sucessos dos seus empreendimentos e à promoção da
qualidade de vida do “cidadão bancário”.
(16) Dados do Balanço Social da BANCOOP, publicação de julho de 2006.
(17) Busquei investigar se algum banco é cliente da BANCON, não obtive sucesso nas tentativas; entretanto, seria inusitado uma empresa “controlada” pelo sindicato prestar serviços terceirizados para uma instituição bancária.
(18) Referências à BANCON aparecem apenas duas vezes no período pesquisado.
(19) Dados sobre a BANGRAF podem ser obtidos na sua página eletrônica: <www.bangraf.com.br>.
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de bancos estrangeiros e, especialmente, com a migração dos “dirigentes históricos” para
cargos no governo federal após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da
República.
Verificada a renovação das direções sindicais, as reflexões recaem sobre as diferenças
no perfil dos novos dirigentes que ingressam nos sindicatos e a declaração de um dirigente
sindical é enriquecedora para compreensão das mudanças qualitativas que ocorrem
associadas ao observado entre os bancários:
Como o pensamento único neoliberal afetou muito o pensamento de esquerda, solidário impondo um pensamento de estado mínimo, competitivo e nós tínhamos que
ter dirigentes que refletissem a “nova” categoria que surgia com esse movimento, o
que é verdade, a categoria mudou muito e o dirigente tem mesmo que entender
isso, mas nós perdemos um pouco em consistência ideológica ao mesmo tempo que
criaram-se dirigentes que têm mais condições de acompanhar as empresas, as
mudanças...
Essa fase de renovação na direção sindical dos bancários não desmonta, contudo, o
apego histórico aos cargos existentes e suas facilidades, que são fatores recorrentes e sofrem
apenas mutações de complexidade. A análise dos textos dos congressos e conferências sindicais nacionais demonstra uma grande preocupação dos dirigentes com as restrições em
torno da liberação paga pelos bancos, com a sua participação nas formas de remuneração
variável. Algumas propostas apontam a necessidade de reorientação nos padrões de eficiência
nas direções sindicais e a sua profissionalização, tal qual expresso por um de seus dirigentes
mais influentes:
... nós precisamos uma reforma profunda, temos um número muito grande de
sindicatos, sem capacidade de representação, aí sim teremos a condição de criar uma
casta de dirigentes sindicais que possam ser profissionalizados, essa palavra é muito
ruim, nós tenhamos condições de mantê-los no movimento com profundo controle
da categoria, prestando contas para a base, com organização por local de trabalho
como tentamos construir na década de 80.
A fala do dirigente contempla os fatores da complexa transição vivida pelos bancários
situados em torno das angústias e das exigências do desempenho burocrático que se confrontam com o ideário de preservação de um perfil de luta e organização típicos dos anos
oitenta. Todavia a trajetória de metropolização da organização sindical, da prestação de
serviços e sua progressiva burocratização indica que a resolução desses conflitos dar-se-á
acentuando essas características e tornando o ideário um fator residual na memória dos
que viveram esse tempo, pelo menos até que o sindicalismo bancário trilhe os limites experimentados pelo movimento operário em diversas outras experiências históricas.
A ideologização observada entre os bancários confirma as clássicas formulações sobre
a subsunção real do trabalho no capital, Marx (1987 e 1995), em que as forças produtivas
são assimiladas como forças inerentes ao capital, ao qual o trabalho deve o seu empenho
para manter o dinamismo do sistema. Essa inversão absoluta na ordem dos fatores implica
a reivindicação do capital pelo trabalho, ou seja, o trabalho pede para trabalhar e, portanto,
deve dedicar-se com toda intensidade para a autovalorização do capital que se tornou seu
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provedor. Consagra-se, assim, a legitimidade imediata da exploração do trabalho e a
aceleração da produtividade compartilhada pelos trabalhadores, os quais alimentam sua
própria dispensabilidade em prol do capital sob a esperança de permanecerem integrados
ou serem os últimos dentre os que ficarão sem trabalho.
A geração exponencial da riqueza fictícia que unifica as necessidades dos grandes
capitalistas e se constituiu no amálgama da burguesia financeira é também o principal
elemento de atração para a sobrevivência individual dos trabalhadores integrados aos núcleos de gestão financeira e se reproduz no entrelaçamento progressivo dos sindicatos
com grandes massas de capital, seja para gerar e preservar relações de assalariamento,
para suplementar o orçamento da entidade ou para obter poder de constrangimento e
reconhecimento externo por meio dos grandes fundos de previdência, das sociedades incorporadoras habitacionais ou clubes de investimento de capital. Essa concepção de agente
sindical ativo no processo de gestão do capital é fundamental para compreender as escolhas
táticas dos bancários nas lutas operárias ou nas alianças por políticas públicas sem considerá-las desvios de compreensão histórica da luta dos trabalhadores, pois o são reflexivas e
calculadas pela fração de classe que representam.
3. MOBILIZAÇÕES E PROTESTOS SEM RISCOS PARA OS TRABALHADORES
As evidências e implicações da burocratização sindical discutidas anteriormente são
legitimadas pelos bancários não somente mediante a compra e venda de serviços gerais
nos sindicatos ou do apoio às máquinas sindicais erguidas pelos seus dirigentes-gerentes.
A construção desse sindicalismo que apontamos ocorre também no cotidiano das
mobilizações, resignificando permanentemente o ser sindicalizado e seu correspondente
ser dirigente. A burocratização tem uma face a mais nas novas lutas sindicais nas quais são
constituídas práticas, que se poderia chamar de serviços de mobilização, que alteraram o
perfil da ação sindical direta nos conflitos de interesses de classes entre os bancários. A
especificação dessa classe de serviços e do perfil de dirigente que o executa é apontada com
precisão na declaração de uma dirigente sindical:
Tem diferença sim de quem já estava no banco antes e os que entraram depois dessas
mudanças todas iniciadas com o Collor e o FHC e os estrangeiros também, mesmo
que o cara que entrou depois disso e tenha uma ideologia favorável para a gente ele
não vem, fica na dele, tem medo e dá apoio uma hora ou outra muito pontual, o que
ele quer mesmo é que o sindicato faça as coisas pra ele, alguns até cai a ficha e o cara
fala mesmo que tá pagando pra isso e até pergunta, meio brincando ou a sério não sei,
senão pra que pagar o sindicato? (...) Tá certo que ele elogia, até dá uma força quando
a gente faz as coisas mas se precisar dele a gente não tem muito como contar não, e
isso também em todos os bancos...
Durante toda a segunda metade dos anos noventa, as campanhas salariais foram
marcadas pelas “greves inteligentes” em pontos estratégicos. Essa tática ocultava parcialmente os refluxos dos bancários nos conflitos, sua indisposição para a ação direta e ainda
forçava seus dirigentes para assumirem posições historicamente cumpridas pelos militantes
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mais ativos, também chamados de piqueteiros. A substituição dos bancários por seus
dirigentes sindicais nos conflitos teve sua consagração como tática de ação nos preparativos
da campanha salarial de 1999, quando 1.500 dirigentes de todo o país, reunidos no Rio de
Janeiro, bloquearam o acesso a dezenas de unidades de trabalho e realizaram um protesto
no qual, simbolicamente, incorporavam de vez a demanda relatada pela dirigente no trecho
transcrito acima. Nos anos seguintes essa prática generalizou-se para os estados, e os
sindicalistas escolhiam então cidades-polo para protestos itinerantes na tentativa de
demonstrar aos banqueiros, e aos próprios bancários, o seu poder de ação. A postura dos
sindicalistas é assim explicada por um dirigente:
Até início de 90 nós tínhamos esquemas de troca de pessoal que ia ficar nas manifestações, o pessoal de um banco ia para outro fazer piquete e assim por diante, agora
quando a gente faz mobilização de banco isolado e ainda com as demissões apertando
cada vez mais criou-se a situação de que a participação efetiva do bancário traria um
desgaste para ele... ... então mudou o conceito, mudou e o sindicato para não comprometer o emprego do bancário acaba fazendo o papel que deveria ser feito pelo
bancário, o dirigente vai para frente do banco e faz uma paralisação de uma ou duas
horas sem expor e comprometer o bancário...
Assim, tornaram-se frequentes fotos nos jornais sindicais onde aparecem dois ou
três dirigentes, ou pessoas contratadas para esse fim, segurando alguma faixa de protesto
em frente ou até ao lado da entrada principal de uma agência bancária, sem a presença de
qualquer outro militante bancário. Progressivamente as paralisações foram sendo assimiladas pelas gerências locais que buscavam acordar sobre a sua duração e abrangência,
conforme descrito por outro dirigente sindical:
Na última campanha os banqueiros estabeleceram a tática seguinte: manifestação até
as 10 h tudo bem, tava liberado, depois o negócio é trabalhar. Deu prá aproveitar um
pouco aqui em SP e outros centros que o pessoal vem mais cedo e tem bastante gente,
mas nos sindicatos pequenos em geral o pessoal chega mesmo é às 10 h e quer entrar
para trabalhar, aí não teve campanha.
Alguns dos motivos da acomodação da ação sindical às condições patronais, revelados
na fala do dirigente bancário, são acidamente denunciados por um executivo da federação
nacional patronal em entrevista:
E por que faz acordo com o gerente? Porque é a única forma que ele tem de não sofrer
a contrapressão do banco, se ele ficar até onze horas o banco não faz nada, mas se ele
ficar o dia inteiro o banco vai usar seus meios também, tem aí o interdito proibitório,
a conversa com os empregados para dizer para ele que ele tem que trabalhar e tem
uma série de coisas que o banco pode fazer, é a contrapressão. Agora se faz um acordo
e é campanha salarial tudo bem, e na maioria das vezes funciona, mas às vezes dá
zebra e vem contrapressão, porque às vezes ocorre que os funcionários não estão
satisfeitos com algo específico e querem aproveitar a deixa para protestar o dia inteiro,
mas querem protestar com a proteção do sindicato, porque se fizerem isso sozinhos
no dia seguinte eles estão na rua, e daí que complica porque o sindicato fez um acordo,
e por que que fez acordo? Porque sem acordo vem contrapressão e dificilmente o
movimento se realizará. Por quê? Porque ele não é legítimo.
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Verifica-se, portanto, uma dinâmica, na qual o sindicalista assumiu a institucionalização
do protesto, que ficou registrada em centenas de manchetes dos jornais sindicais tais quais
“O sindicato paralisou a agência...”, “O sindicato mostrou aos banqueiros...” e tantas outras
em que o sindicato aparece como o autor-substituto da ação direta no conflito entre bancários
e banqueiros. Sem capacidade de mobilização direta dos trabalhadores, a prática sindical
conformou-se progressivamente com manifestações consentidas ou toleradas pelos gerentes
enquanto não inviabilizavam o atendimento, pois os eventuais transtornos geralmente são
compensados com a prorrogação dos serviços até o completo atendimento do movimento
do dia. A posição dos sindicalistas e dos manifestantes bancários bem comportados foi
assim considerada por um gestor patronal da área de relações trabalhistas de um banco:
Hoje, com a participação nos lucros e resultados, o banco parado significa prejuízo
para o próprio bancário, então o sindicato percebeu isso e modernizou suas técnicas
fazendo com que a unidade não pare, usando do seu poder de representatividade para
interromper parcialmente as atividades. O sindicato tem direito à paralisação com
representatividade e demonstrou objetividade e maturidade fazendo mobilizações
passivas e parciais, assim não interferiam nos negócios em si. Não vi de parte de
nenhum banco nenhuma animosidade com esse tipo de manifestação, um respeito
mútuo onde o sindicato foi respeitado no seu trabalho, onde o sindicato demonstrou
grande respeitabilidade, muita dignidade de luta, de representatividade, demonstrou que
consegue discutir sem barbarizar.
Desgastados com manifestações cuja presença de bancários era inexpressiva, os dirigentes sindicais intensificaram as campanhas institucionais-publicitárias envolvendo diretamente a pessoalidade de alguns banqueiros, suscitaram dúvidas sobre a boa prática bancária
dos principais bancos e sobre a credibilidade de algumas instituições conforme descrito
por um dirigente sindical:
Agora o movimento tá mais definido, é concentrar forças e atingir os bancos diretamente, é conseguir parar um banco enquanto todos estão funcionando e explicar o
porquê disso na população e atingir a confiança, a imagem da instituição bancária na
mídia, esse é o ponto entendeu, e nós temos força para isso se a gente quiser, podemos
fazer muitas coisas.
As instituições mais atingidas foram o Banco Itaú e o Unibanco. Os bancários aproveitaram a campanha publicitária do banco Itaú, cujo mote era o símbolo arroba com um i em
seu interior, associaram a inferno e reeditaram cadernos-almanaque com anedotas onde
“Bob Set”, em alusão a Roberto Setúbal, diretor-presidente do banco, aparecia sorridente
com chifres e tridente açoitando bancários e clientes em um caldeirão com a marca do Itaú.
O Unibanco, cujo presidente Gabriel Ferreira ocupava a presidência da FENABAN, chegou
a publicar nota explicativa na capa do Jornal Folha de S. Paulo, em 1º de novembro de 2001,
explicando-se à população sobre a pancadaria ocorrida dias antes na sede do banco
envolvendo força policial, solicitada pelo banco, e os bancários que realizavam dia de protesto.
A campanha salarial deste ano, intensamente preparada, foi um marco de esgotamento
para a tática dos dirigentes bancários. No dia nacional de protesto, ocorrido em 26 de
setembro de 2001, centenas de unidades bancárias tiveram seu funcionamento parcialmente
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paralisado nos moldes já descritos, porém a reação patronal surpreendeu dezenas de
dirigentes que foram presos e tiveram os equipamentos sindicais de agitação apreendidos
por força policial. Por orientação da Federação Nacional dos Bancos — FENABAN, diversos
bancos obtiveram liminares favoráveis a um recurso judicial, o interdito proibitório(20),
que vedava a presença dos dirigentes sindicais, carros de som ou quaisquer outros recursos
de mobilização coletiva nas proximidades das unidades bancárias.
Embora alguns bancos já tivessem utilizado este recurso em anos anteriores, a
generalização do interdito de aproximação e presença, e a consequente ameaça de prisão,
afetou negativamente a já reduzida capacidade de mobilização coletiva dos bancários,
desfavorecendo-os diretamente nas mesas de negociações. Ameaçados e temerosos os bancários apresentaram poucos focos de resistência e as propostas patronais foram aprovadas,
tanto neste ano quanto nos anos seguintes, sem recuperar as perdas salariais acumuladas
no salário fixo e ainda reduzindo direitos históricos dos bancários.
Evidenciou-se nestas campanhas a exaustão da capacidade de mobilização e constrangimento sem a participação direta dos trabalhadores nas ações de protesto, contudo o
remodelamento tático dos bancários levou-os a acentuar o uso de um conjunto de recursos
patrimoniais, informacionais e de participação político-institucional acumulados pelos
sindicatos.
Esta dinâmica foi classificada por um dirigente como “terceirização da ação sindical”,
pois, mesmo nos sindicatos menores, tornou-se comum os protestos dependerem da presença
de funcionários do sindicato ou de “outros apoiadores”(21), e os jornais e panfletos sindicais
serem distribuídos à categoria e aos clientes por empresas especializadas nesses serviços.
Apontou ainda, como práticas emergentes, a barganha com as gerências locais envolvendo
as contas sob controle ou influência da entidade e o levantamento de informações sobre a
fragilidade do sistema para serem utilizadas no constrangimento dos bancos ou empresas
em momentos específicos; tal qual ocorrido quando foram expostas nacionalmente as facilidades para a quebra de sigilo bancário, obtenção de documentos de cadastro e outras informações privilegiadas dos bancos, provocando escândalos com a exposição de extratos de
contas e dados cadastrais de personalidades públicas amplamente divulgadas na imprensa(22).
As diversas fases vividas pelo sindicalismo bancário neste período são compreensíveis
quando analisadas sob o referencial teórico das duas lógicas da ação coletiva na organização
dos interesses de classe, detalhadas por Offe (1984). Nesta perspectiva, os sindicatos têm a
gênese de seu poder de ação alocada no convencimento de seus associados para fazer e não
no fato de pagar para fazer, sendo este o motivo da completa anacronia presente na noção
(20) O interdito proibitório é um recurso liminar na forma de mandato por meio do qual um proprietário pode solicitar
força policial para combater ameaças de iminente tomada parcial de uma propriedade ou tomada total da propriedade, por
meio de atos violentos e/ou clandestinos.
(21) Expressão genérica que oculta a contratação de pessoas que inicialmente auxiliariam na logística das manifestação
mas que aparecem em diversas fotos como se fossem manifestantes bancários, segurando faixas ou “pirulitos” ou ainda
fazendo o papel de piqueteiros.
(22) A campanha provocou estado de alerta em diversas entidades e personalidades que temiam seus dados bancários
“vazados” ao público, especialmente aquelas envolvidas na simbiose bancos-mercados ilegais conforme apontado no
capítulo dois. Alguns títulos de matérias publicadas no jornal Folha de S. Paulo em abril de 2001: Terceirização fragiliza
o sigilo bancário; Febraban admite que terceirizado acessa dados; Advogado de Xuxa ameaça processar banco; Até movimentação e cadastro de FHC podem ser obtidos dos bancos.
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de cliente conferida ao sindicalizado por algumas experiências de planejamento estratégico
centrado no cliente adotadas em alguns sindicatos. Diferente da organização de interesses
patronais, cujo desafio é convencer o capitalista individual a pagar por sua associação, na
organização dos interesses dos assalariados a constituição do poder de ação implica necessariamente a coletivização dialógica da ação, pois as conquistas individuais do trabalhador
assalariado estão limitadas por barganhas marginais, obtidas em condições extemporâneas
do mercado de trabalho.
Ante o capitalista, o trabalhador assalariado somente negocia sua força de trabalho
em condições favoráveis quando se expõe aos riscos inerentes dos conflitos de interesses
de classes, especialmente o risco de ser substituído por outro trabalhador, possivelmente
terceirizado, que aceite as condições colocadas para a contratação. Portanto, é o posicionamento ativo do trabalhador no conflito que constitui o poder de ação sindical e jamais o
seu inverso.
Quando os trabalhadores e seus dirigentes relaxam da condição dialógica primária,
que exige a atuação direta do trabalhador nos conflitos, passam então a comprar e vender
serviços entre si, e o sindicato perde progressivamente sua condição de resistência aos
avanços da exploração do trabalho. Dessa forma constitui-se na burocratização monológica
um sindicalismo que somente se revela a si mesmo na exaustão de suas contradições e na
emergência de sua própria superação. Essa regra é válida inclusive para os mais recuados
objetivos de representar estritamente os interesses dos seus associados, perante os seus
respectivos empregadores, e manter a luta tão somente conformada nos patamares da
conjuntura econômica, sem provocar qualquer sobressalto que possa ameaçar o emprego
na sua categoria especificamente. Nesse sentido o sindicalismo bancário, centrado nos
grandes sindicatos metropolizados e constituindo grandes máquinas sindicais para prestação
geral de serviços e protestos institucionalizados, avançou progressivamente em um ciclo
de aproveitamento de oportunidades táticas, conforme a teoria sociológica do oportunismo(23).
Distante das condições favoráveis proporcionadas pela ação direta de confronto e
constrangimento à aceitação de suas propostas mais avançadas, os sindicatos buscam obter
vantagens apenas com a ameaça, ou a simulação, de mobilização e protestos. Segue-se,
pois, o princípio de acumular porte e recursos institucionais para promover o simulacro de
mobilizações e protestos que provoquem tanto o temor externo quanto a adesão interna.
Conjugando ambos os fatores, o sindicato obtém relativas conquistas ante os capitalistas
sem grandes conflitos e mantém-se ativo como organização representativa dos interesses
imediatos dos trabalhadores. Porém, esta tática tem seu limite quando, desprovidos da
capacidade de ação direta, os trabalhadores defrontam-se com a negativa do patronato em
ceder apenas com a ameaça.
Sob essas condições as noções de crise são sempre discutíveis, pois, como é o caso dos
bancários, para si o sindicalismo encontrou, ou está próximo de obter, um ponto satisfatório
(23) O termo oportunismo tem caráter estritamente analítico, refere-se fundamentalmente ao aproveitamento de oportunidades táticas em detrimento de princípios estratégicos. Segundo o autor: “O oportunismo, então, é um tipo de prática
organizacional que resolve os problemas ligados à coexistência precária das duas lógicas da ação coletiva que encontramos como elementos específicos da classe nas organizações operárias. A solução dada é o privilegiamento do padrão
monológico da ação coletiva” (OFFE, 1984, p. 106).
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entre o reconhecimento interno, que pode ser constatado pela estabilidade dos elevados
índices de sindicalização, e o reconhecimento externo que pode ser constatado pela aceitação
de um determinado padrão de ação sindical liberal, pela projeção de seus líderes aos
ambientes de regulação política e adicionalmente pela atuação bem-sucedida de suas
instituições no mercado. Assim, falar de crise no sindicalismo bancário só tem razão de ser
nas elaborações analíticas e na crítica política, pois esse é um assunto temporariamente
fora de questão para esses próprios trabalhadores. Tanto o é que a última vez que tal
assunto ocupou a pauta de discussões nos fóruns nacionais dos bancários foi em junho de
1997, no II Congresso da Confederação Nacional dos Bancários da CUT — CNB/CUT,
entidade antecessora da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro
— CONTRAF. Nas deliberações dos congressos e conferências que o sucederam, não constam referências críticas à qualquer crise na concepção, prática ou estrutura sindical dos
bancários. Dentre todas as teses apresentadas para o IV congresso, realizado em julho de
2003, consta apenas uma referência genérica de crise de representação em uma tese de
uma tendência minoritária. No mais, os bancários discutem todas as variantes de crises
possíveis no planeta: sindical dos outros segmentos, ambiental, econômica, ético-biológica,
saúde, educação e tantas outras.
A trajetória previsível para esse ciclo de aproveitamento de oportunidades táticas é a
superação histórica da organização e o retorno qualitativo ao estágio da ação direta “sob
nova direção” dos membros que se reorganizarem para sustentá-la após a sua recriação.
Até lá os bancários já apresentam ao país uma lição de ajustamento pragmático para ampliação da subsunção real do trabalho com suas elevadas taxas de sindicalização e suas
poderosas máquinas de prestação de serviços sindicais, entre os quais se incluem serviços
de mobilização e campanhas institucionais em defesa da categoria.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos anos noventa, os sindicatos dos bancários preservaram elevados os índices de
sindicalização relativa apesar da redução, pela metade, no estoque de emprego formal nos
bancos. Tal conquista só foi possível porque os sindicatos dispensaram do cálculo os terceirizados e continuaram representando estritamente aqueles trabalhadores formalmente reconhecidos como tal pelos empregadores. Evidenciou-se a competição estabelecida entre
vendedores de força de trabalho e entre esses e os compradores no mercado. Determinadas
frações entre os bancários transigiram um declínio progressivo das suas condições gerais
de contratação do trabalho em detrimento de outras frações que tiveram suas condições
rapidamente precarizadas para atenuar as exigências da massa salarial a cargo dos
financistas.
Constituído por aqueles trabalhadores formalmente integrados aos bancos, o sindicalismo novo dos bancários quase desapareceu nas micro e pequenas entidades e constituiu
grandes máquinas sindicais com serviços de apoio à capacitação para o trabalho, especialmente voltada para a gestão do capital, grandes empresas, cooperativas de serviços
de crédito, cooperativa incorporadora habitacional e outras iniciativas que lhes servem de
importante suplementação orçamentária. As novas máquinas exigiram também dirigentes
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sindicais aptos a gerenciá-las em conformidade com “o que realmente interessa para a
categoria”, conforme expresso por um dirigente em entrevista. Há, entretanto, um diferencial desse novo dirigente quando comparado com o clássico burocrata sindical, pois o
dirigente deste sindicalismo novo é também um hábil prestador de serviços de mobilização
e de campanhas institucionais que “protegem” o bancário dos riscos da exposição na luta
por melhores condições de trabalho.
A sustentação da sindicalização na venda de serviços sindicais, que tentam inclusive
substituir o próprio bancário na ação sindical, implica o enfrentamento desse sindicalismo
com os paradoxos do padrão monológico aplicado à ação coletiva. Ao comprar as campanhas
institucionalizadas como um produto que a máquina sindical aprendeu a fazer benfeito o
bancário destrói o fator constituinte do poder de ação dos trabalhadores, que é a coletivização
da ação.
Essa trajetória evidencia o ajustamento desses trabalhadores aos avanços do capitalismo fazendo pouco sentido persistir considerando a ação dos bancários como expressão
de qualquer crise reativa ou sem projeto estratégico, pois a parcela hegemônica desta
fração de classe superou tal condição convencida de que sua melhor escolha é este modelo
marcado pela gestão do realismo pragmático.
Finalmente é sempre importante considerar que os ciclos de mobilização operária
contra a exploração do trabalho historicamente implicaram progressivos avanços nas formas
de controle implantadas pelo capital, e é nessa perspectiva que se inscrevem as análises dos
mecanismos de ampliação da subsunção real do trabalho no capital no sistema financeiro.
As lutas operárias desconstituem e reconstituem as forças do capital, tal qual enunciado
em Marx (1987), e as alterações nas formas de subsunção são uma resposta necessária dos
capitalistas ao esgotamento provocado pelo trabalho nas condições formais da exploração.
Nesse sentido, os trabalhadores bancários se tornaram expressão de uma luta social que
tem o mérito de manter a organicidade de determinadas condições de intervenção nas
relações de trabalho e forçar mudanças na gestão capitalista, todavia, destituída do seu
caráter de classe e restrita às funcionalidades do capital, esta luta não ultrapassa os limites
do sindicalismo para alcançar com força a esfera política integradora das lutas sociais.
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POBREZA: REFLEXÕES ACERCA DO FENÔMENO
Poverty: Reflections on the Phenomenon
Adir Valdemar Garcia(*)
Paulo Sergio Tumolo(**)
RESUMO: O texto tem por objetivo apresentar reflexões em torno da pobreza no capitalismo. Destacamos
algumas das explicações oferecidas para o fenômeno, detendo-nos, em especial, nas de cunho social-democrata e naquelas de cunho marxista. Buscamos apresentar as limitações contidas nas explicações
dos autores social-democratas, principalmente no que diz respeito à compreensão destes com relação à
diminuição e, até, erradicação do fenômeno no interior deste sistema social. Tal processo de diminuição/
erradicação tem o Estado como elemento central e, como pressuposto básico, a possibilidade de controle
do capital. A compreensão marxista acerca do fenômeno parte do entendimento de que o capital é um
sistema incontrolável e de que a pobreza é condição deste sistema, não permitindo, portanto, uma
diminuição progressiva e sustentável e, em especial, sua erradicação. Neste sentido, os processos de
diminuição da pobreza são sempre localizados e conjunturais. A importância de reflexões sobre o tema é
incontestável, visto que as estatísticas globais apontam para o fato de, no início deste século, 50% da
população mundial viver nesta condição. Proposições descoladas de uma análise da lógica de produção e
reprodução do capital, mesmo que críticas, acabam por servir como instrumento de manutenção do
status quo. Neste sentido, refletir sobre tais proposições contribui para que tenhamos uma maior clareza
sobre as possibilidades de a humanidade superar este que tem sido considerado o maior dos seus
problemas. O artigo contém seis seções. A primeira se dedica à apresentação das diversas significações do
conceito de pobreza. A próxima seção trata das causas da pobreza na concepção social-democrata, enquanto
a terceira se refere às soluções apontadas para pobreza pela social-democracia. A quarta seção compreende
um conjunto de considerações críticas da definição de pobreza apontada pelos sociais-democratas, bem
como as saídas formuladas. A quinta seção contempla uma reflexão acerca da pobreza numa perspectiva
marxista. A sexta seção contém as notas conclusivas.
Palavras-chave: Pobreza, Capital, Social-democracia, Marxismo.
ABSTRACT: This article aims at presenting reflections on poverty in capitalism. Some accounts of the
phenomenon are highlighted with special focus on the socio-democratic and Marxist ones. The limitations
of the accounts put forth by the socio-democrats are shown, particularly in respect to their understanding of
the reduction, or even the elimination, of the phenomenon within the social system of capitalism. Such a
process of reduction or elimination has the State as its central element and as its basic presupposition the
possibility of the capital control. The Marxist account of the phenomenon departs from the understanding
that the capital is an uncontrollable system and that poverty is a condition of the system, which goes
against the proposition that it allows for a progressive and sustainable reduction of poverty, or its
eradication. In this respect, the processes of reduction of poverty are always specific to places and situations.
The importance of discussion on the issue is indisputable in that the global statistics point to the fact that,
in the first years of the current century, 50% of the world population lives in this condition. Propositions
dissociated from an analysis of the logic of production and reproduction of the capital, even when critical,
eventually serve as instruments of maintenance of the status quo. Thus, reflecting on such propositions
contribute to a better understanding of the possibilities of humankind to overcome poverty, considered
one of its most serious problems. This article is structured in six sections. In the first one we present
several concepts of poverty, in the next two sections the core is, respectively, the social-democracy and
Marxist views. The fourth section comprehends a critical discussion on the social democracy approach
and its public policy propositions while the fifth deepens the marxist perspective. Finally the sixth section
presents our conclusions.
Keywords: Poverty, Capital, Social democracy, Marxism.
(*) Professor Doutor das Faculdades Energia — Brasil. Rua Saldanha Marinho, 51. Florianópolis. E-mail: <[email protected]>.
(**) Professor doutor do Centro de Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina — Brasil. E-mail: <[email protected]>.
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A pobreza é um fenômeno social histórico e complexo e, como tal, exige cuidados
para não ser interpretado de um modo reducionista. No capitalismo, tal fenômeno ganha
contornos diferenciados, exigindo novas explicações. Na atualidade, a condição de
insustentabilidade da vida em que tem sido posta uma boa parcela da população mundial
tem suscitado muitas preocupações por parte de intelectuais, governos e entidades não
governamentais. Essas preocupações surgem, principalmente, porque o pauperismo que,
em alguns países, tinha sido equacionado agora volta a tomar força, o que, de certa forma,
põe em xeque as estratégias utilizadas para lidar com o problema.
A pobreza tem sido analisada a partir de diferentes matrizes teóricas, o que leva à
especificação de causas e soluções diferenciadas. De modo mais abrangente, podemos destacar três matrizes teóricas que analisam este fenômeno diferentemente: a liberal/neoliberal,
a social-democrata e a marxista.
A corrente social-democrata é a que consegue exercer maior domínio em termos
políticos, contrapondo-se tanto ao liberalismo clássico/neoliberalismo — apesar de assumir
seus princípios(1) — como ao marxismo. Porém, entendemos ser a teoria marxista a que
oferece um conjunto de argumentos que consegue explicar a pobreza a partir da análise da
produção e reprodução do capital, contrapondo-se, por sua vez, ao liberalismo clássico/
neoliberalismo e à social-democracia.
As análises feitas em relação ao fenômeno pobreza no capitalismo, em sua ampla
maioria, espelham uma crítica à forma como as sociedades conduziram, até o momento, os
processos de produção e reprodução da vida de seus membros, principalmente pelo fato de
estas sociedades sempre conviverem, em graus diferentes, com um determinado número
de indivíduos vivendo nesta situação. A partir da década de 1970, grande parte das críticas
é feita por autores de linhagem social-democrata em contraposição, principalmente, aos
“neoliberais”. Neste artigo trataremos especificamente das explicações do fenômeno pobreza
oferecidas pela social-democracia e pelo marxismo.
1. SIGNIFICAÇÕES DA POBREZA
A pobreza é um fenômeno histórico e tem sido analisada de formas diferentes. Ela já
foi considerada um fenômeno natural; entendida como resultante do baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas; tomada, de modo mais enfático, como uma condição resultante da responsabilidade individual, passando a ser entendida como um fenômeno social,
o que não significou o abandono de análises sobre a responsabilidade individual por tal
condição. Todavia, a ênfase é dada, sem dúvida, à acepção da pobreza como resultado das
relações sociais.
Também é um fenômeno que só pode ser apreendido por comparação, sendo que sua
significação, em geral, expressa negatividade, “falta” de algo necessário para a própria
vida(2), o que leva à necessidade do estabelecimento de medidas.
(1) Entendemos que a matriz teórica social-democrata parte dos princípios do liberalismo, mas difere-se deste fundamentalmente quanto ao papel atribuído ao Estado no que diz respeito à solução dos problemas sociais e à regulação do
sistema.
(2) Dizemos “em geral” porque ela pode ser tomada positivamente, posição defendida por Tévoédjré (1982), desde que
não represente miséria ou indigência, mas sendo assumida como o “padrão possível” para toda a humanidade, o que
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As necessidades “mínimas” ou “básicas”(3) se constituíram em parâmetros estabelecidos
pelas diversas sociedades em diferentes momentos históricos, para definir quantos de seus
membros não estariam aptos, por falta de condições, a estarem “socialmente integrados”.
A ampla maioria dos autores social-democratas, bem como dos liberais/neoliberais, faz
referência à “exclusão social”, o que entendemos constituir-se em um equívoco. As pessoas
não estão excluídas das sociedades, mas de dinâmicas específicas dessas sociedades, sendo
que a condição de cada um reflete o modelo de organização social. É o estabelecimento dos
parâmetros de medição da pobreza que se constitui como um dos elementos centrais de
apreensão e compreensão do fenômeno.
Em relação a sua significação, parece haver um consenso, ou seja, significa “falta de
algo”. No entanto, entre os aqui denominados social-democratas, aparecem dissensões em
relação ao que “falta”, ou melhor, em relação a qual elemento faltante é o fundamental.
Alguns definem a pobreza como “falta de recursos materiais para a manutenção da vida”, o
que denominamos como uma tendência que enfatiza a “dimensão econômica” do fenômeno(4);
outros, como “falta de cidadania”, tendência que enfatiza a “dimensão política” como a mais
importante(5). Esta hierarquização, de certa forma, compartimenta os elementos que configuram o fenômeno, o que dificulta sua compreensão. Os autores não tratam estas dimensões
como excludentes, mas só o fato de hierarquizá-las acaba provocando uma sensação de que
o econômico está separado do político, e, por isso, as soluções podem se dar a partir da
vontade política dos governantes em implantar um modelo econômico que propicie a diminuição/erradicação da pobreza(6), ou a partir da politização dos indivíduos com vistas a se
tornarem cidadãos. Esta hierarquização, ao que parece, resulta do fato de os autores, ao
não conseguirem equacionar o problema a partir de suas assertivas, buscarem apresentar
soluções que não sejam dependentes daquilo que, na nossa compreensão, é uma única dinâmica e não depende de “vontades” individualizadas de governos ou de “candidatos a cidadão”.
Isto faz com que a significação da pobreza que, a princípio, poderia ser tomada como
simples, enquanto “falta de algo”, expresse-se em toda a sua complexidade. Passamos,
então, a tecer alguns comentários sobre as causas da pobreza a partir da perspectiva social-democrata.
2. AS CAUSAS DA POBREZA A PARTIR DA PERSPECTIVA SOCIAL-DEMOCRATA
Os autores social-democratas destacam como causas da pobreza elementos referentes
a dimensões individuais e sociais, nacionais e globais, o que também expressa a complexidade
do fenômeno. Desemprego; má distribuição de renda; precarização do trabalho e diminuição
significa abrir mão do que é considerado “supérfluo”. Este autor não faz uma separação das dimensões econômica e
política como o fazem os demais aqui apresentados. Apesar de sua visão do fenômeno ser diferenciada, coloca-se no
campo social-democrata quando aponta a necessidade de reformas para a construção de uma outra forma social.
(3) Sobre o debate em torno das necessidades “mínimas” ou “básicas” ver: Pereira (2002), Sposati (1998), Dieterlen
(2002).
(4) A exemplo de Abranches (1987); Barros, Henriques e Mendonça (2000), Rocha (1995 e 2000); Alayón (1995 e 2004);
Soares (2001); Cohen (1998); Schwatzman (2004); Bauman (1999); Dupas (1999); Chossudovsky (1999); Venanzi (2002);
Pochmann et al. (2004); Fraser (2002).
(5) A exemplo de: Demo (1996); Telles (2001); Costa (1998); Fernandes (1998).
(6) A compreensão de Soares (2001) é exemplar. A autora aponta a “opção política” como fundamental para solucionar a
pobreza, mesmo que a situação econômica não seja favorável. Ver também Dieterlen (2002).
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dos níveis salariais; crescente especialização em termos de capacidade profissional, o que
condena muitos a estarem excluídos do mercado de trabalho; subordinação ao imperialismo,
o que faz com que algumas regiões não se desenvolvam, permanecendo pobres; falta de um
Estado de Bem-Estar Social que garanta políticas sociais eficientes e universais; a “globalização
excludente”; a falta de cidadania, que por sua vez dá origem à “pobreza política”, calcada na
falta de poder do pobre para se libertar dessa condição; a impossibilidade de colocação de
todos no mesmo patamar de consumo em função das próprias limitações socioambientais,
o que coloca grupos populacionais em condição bem inferior, enfim, todas essas causas são
apontadas como estando relacionadas à aplicação do “receituário neoliberal”.
As causas da pobreza podem derivar de questões locais, nacionais ou globais. Em
termos local e nacional, as causas destacadas estão relacionadas à escolha de um determinado
modelo econômico que, por sua vez, reflete uma determinada opção política. Isto possibilita
compreender que um governo local ou nacional teria como solucionar a pobreza a partir
da adoção de um “outro” modelo econômico, o que expressaria uma “outra” opção política.
O que parece é que os autores social-democratas querem expressar que há uma “maldade”
implícita, ou uma “intencionalidade”, na adoção de um modelo econômico e político que
não dê conta de solucionar a pobreza. Por isto, as críticas dos “social-democratas” são
remetidas diretamente aos liberais/neoliberais. É de se esperar, portanto, que governos
contrários ao liberalismo/neoliberalismo optem pelo favorecimento dos considerados
pobres.
No que diz respeito à tomada do fenômeno na sua dimensão global, a análise não se
afasta muito disso. Continua vigorando a compreensão de que existe uma certa “maldade”,
ou intencionalidade, na escolha das políticas globais que favorecem alguns países em detrimento da ampla maioria dos demais. Essas críticas são dirigidas ao “colonialismo”, ao
“imperialismo”, ao “protecionismo”, à “dominação”, etc. Tal compreensão também deriva
do fato de haver, globalmente, uma dominação, por parte dos países mais ricos, pautada nas
“políticas neoliberais”.
A globalização é posta como tema central nos debates atuais sobre a pobreza. Se para
alguns, a exemplo de Dupas (1999) e Chossudovsky (1999), é um processo que tem influência
direta — principalmente quando tratada como “globalização financeira” — sobre a ampliação da pobreza, para outros, como no caso de Cohen (1998), Pochmann et al. (2004),
Hirst e Thompson (1998), não deve ser considerada a “causa”, ou seja, para estes autores a
globalização não tem a influência apontada por outros, no que diz respeito à ampliação da
pobreza.
Cabe destacar que, independentemente de as causas da pobreza terem sido apontadas
a partir da “dimensão econômica” ou da “dimensão política”, e de terem sido caracterizadas
como causas com viés individual ou social, elas estão relacionadas a cinco pontos centrais:
1) à empregabilidade; 2) à distribuição de renda; 3) à possibilidade de o Estado solucionar
o problema; 4) à necessidade de um reordenamento da distribuição material e de poder em
termos globais; e 5) à necessidade de possibilitar o pleno exercício da cidadania. São estes
pontos que servirão de base para a proposição de soluções para a pobreza, como apresentamos a seguir.
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3. AS SOLUÇÕES DA POBREZA A PARTIR DA PERSPECTIVA SOCIAL-DEMOCRATA
Os autores social-democratas procuram explicar as dinâmicas que favorecem a
manutenção e ampliação da pobreza. Como vimos, alguns destacam as questões econômicas
e outros, as questões políticas. Em seus estudos fazem referência a “problemas estruturais”
do capitalismo, mesmo que não especifiquem quais são. Porém, ao proporem soluções com
vistas à diminuição substancial e mesmo erradicação da pobreza, relativizam o “papel”
desses “problemas estruturais”. A ampla maioria dos autores com os quais dialogamos
aqui vislumbra a possibilidade de solucionar a pobreza, com exceção de Demo (1996), que
não vê esta possibilidade, mas, apesar disso, ressalta a necessidade de erradicação da “pobreza
política” como solução, o que permitiria o pleno exercício da cidadania. Isto causa uma
certa confusão, pois a possibilidade do exercício da cidadania representa a possibilidade de
vivenciar uma “vida digna”, o que colocaria as pessoas fora da condição de pobre, considerando o estabelecimento de linhas de pobreza. Cabe lembrar que ninguém é “cidadão”
tendo apenas “poder político”, ou seja, sem ter também satisfeitas as suas necessidades
materiais.
No centro das soluções apontadas pelos autores social-democratas, encontra-se o
Estado, a quem cabe atuar como regulador/dinamizador das políticas econômicas e efetivador de políticas públicas, especialmente, das sociais. Isto simboliza um rompimento com
a perspectiva liberal/neoliberal que coloca o mercado como locus de resolução dos problemas
sociais. Em âmbito nacional, os governos devem propiciar um desenvolvimento econômico,
prioritariamente associado à distribuição de renda, indicada como a forma mais rápida de
erradicar a pobreza. O resultado desse desenvolvimento econômico seria o aumento da
empregabilidade, que por sua vez favoreceria a saída de muitos das linhas de indigência e
pobreza. Em âmbito global, além da necessária destruição das formas de dominação, seria
necessária a construção de uma “entidade supranacional” para coordenar a indispensável
equidade entre os países para que todos possam se desenvolver.
4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PERSPECTIVA SOCIAL-DEMOCRATA SOBRE A POBREZA
O que podemos apreender é que os autores aqui apresentados, assim como muitos
outros, entendem que o sistema capitalista pode ser controlado. Controle este que pode e
deve ser exercido nos níveis local, nacional e global. O controle local ou nacional depende
de políticas de governo que objetivem a resolução de problemas que dependam mais de
posturas governamentais do que de uma dinâmica mais ampla do sistema, por exemplo,
investimento em políticas sociais mais amplas. Ao mesmo tempo, podem investir em políticas
específicas de combate à pobreza de caráter emergencial. Isto, logicamente, está relacionado
à escolha de um determinado modelo econômico, posto como uma opção governamental.
As críticas feitas pelos vários autores apresentados levam a compreender que, tanto
no Brasil como na América Latina, a escolha de determinado modelo econômico e social
esteve e está relacionada a uma salvaguarda do poder de uma classe dominante. É necessário
que fique claro que as críticas são direcionadas a um determinado modelo que causa cada
vez mais desigualdade e que destrói o meio ambiente. A solução para problemas como a
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pobreza está na “correção” desse modelo que, em primeiro plano, passa por escolhas
governamentais voltadas ao interesse de todos.
Mesmo que críticas sejam direcionadas ao capitalismo, enquanto sistema de produção
e reprodução da vida, há uma aceitação desse modo de produção. O capitalismo passa a ser
visto como “a ordem” e não como “uma ordem”. Demo (1996), Tévoédjré (1982), e Pereira
(1986)(7), ao dirigirem críticas mais diretas ao sistema capitalista, vislumbram a possibilidade
de um socialismo. Mas, para os três autores, a construção de outro modelo (socialista)
depende de uma reorganização do modelo capitalista. As reformas seriam o caminho, posição
que se aproxima mais da social-democracia do início do século XX.
Aos países ditos “em desenvolvimento” cabe atingir o nível daqueles considerados
“desenvolvidos”, o que se caracteriza como uma tarefa governamental. Devem ser estabelecidas políticas que estimulem o crescimento econômico, o que permitiria atingir um
dos elementos centrais de produção/ampliação da pobreza, ou seja, o desemprego.(8) O
crescimento econômico tende a retirar, imediatamente, uma parcela de pessoas da linha de
pobreza. Aliado à distribuição de renda, como mostraram, mais especificamente, Barros,
Henriques e Mendonça (2000) e Rocha (1995 e 2000), poderia retirar da pobreza todos aqueles
que se encontram nesta condição.(9)
Enquanto esse nível de desenvolvimento não é alcançado, ou em momentos de crise,
a pobreza existente ou a pobreza criada(10) deve ser atacada com políticas sociais específicas.
Lembramos que esta perspectiva de controle do capitalismo se baseia em duas possibilidades. Uma representada pela condição da sociedade estadunidense, onde a opção pelo
oferecimento de postos de trabalho deu sustentação a um controle e diminuição —
pelo menos durante um certo tempo — da pobreza. A outra reflete o oferecimento de
políticas sociais universais, postas em prática pelo Estado de Bem-Estar Social, o que tem
sido mais defendido.
Essas soluções são tomadas como possíveis no âmbito do próprio sistema capitalista.
Expressam as reivindicações de várias organizações sociais e também estão no centro das
defesas da ampla maioria dos partidos e governos de “esquerda”. É de extrema importância
(7) Pereira (1986) assume uma perspectiva claramente marxista em relação à análise das desigualdades. Porém, posteriormente, resgata argumentos que se caracterizam como social-democratas.
(8) Não é sem motivo a grande preocupação com o desemprego. O problema é que ele é tomado como uma preocupação
para com o indivíduo/família e não como um elemento inerente ao processo de produção e reprodução do capital.
(9) Reportagem publicada na Folha de S. Paulo de 24 de abril de 2004/A7 tem como título “Nem crescimento acaba com
a miséria no Brasil, diz Bird”. Escrevendo do escritório da Folha em Washington, o jornalista Fernando Canzian diz que o
Banco Mundial afirmou, um dia antes da publicação desta reportagem, “(...) que a situação de miséria no Brasil deve
persistir por muito mais tempo na comparação com o resto do mundo, mesmo que o país volte a crescer a taxas muito
mais elevadas do que as atuais”. Isto se deve, segundo o Bird, à disparidade na distribuição de renda. Segundo dados da
instituição, apresentados na reportagem, o Brasil tem um dos piores índices de distribuição de renda da América Latina.
Em torno de 20% da população mais pobre, é detentora de apenas 2% da renda. Este último percentual na Argentina é de
3,1% e na Bolívia alcança 4%. Para a Índia, este percentual subiu para 8,9%. Os dados também mostram que a China
conseguiu cortar, nos últimos 20 anos, de 61% para 16% o número de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia, o que
levou a um rebaixamento da média mundial. Apesar de ter diminuído nos últimos 25 anos, a pobreza na China voltou a
aumentar em 2003, conforme aponta uma reportagem entitulada El repunte de la pobreza en China, publicada no site:
<www.socialismo-o-barbarie.org> Acesso em: 4.2.2005.
(10) Na compreensão de Abranches (1987), uma pobreza estrutural e uma pobreza cíclica, respectivamente.
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destacar este aspecto, pois um modo social de produção que “permita” que seus integrantes
possam estar fora do que foi convencionado como “linha de pobreza” necessita de “correção”
quando isto não acontece. Dessa forma, o fenômeno pobreza pode ser resolvido, caso exista,
principalmente, com vontade política para tal.
Os autores aqui apresentados — até mesmo Demo (1996), que questiona a possibilidade
de solução da pobreza no interior do capitalismo, e Tévoédjré (1982), que vê a pobreza
como a própria solução —, destacam a necessidade de “correção” das “falhas” do sistema
capitalista e apontam o Estado como responsável por isso. Se os problemas apresentados
relacionam-se à falta de renda para um provimento autônomo, causada pelo desemprego
ou pelo recebimento de baixos salários, e se eles são fruto da falta ou baixa escolaridade/
qualificação, a solução é criar empregos e escolarizar/qualificar os que têm déficits nesta
área. Para tal, políticas públicas de escolarização e qualificação devem ser efetivadas. Se o
Estado “falha”, entram em cena outros atores, como ONGs e sindicatos, para cumprir este
papel. Essa complementação não significa, para estes autores, uma substituição, mas uma
forma de participação da “sociedade civil”. O Estado continua desempenhando um papel
central. Isto se diferencia da defesa feita em prol da chamada “terceira via”. Se o problema
é a má distribuição de renda, cabe ao Estado criar políticas de distribuição. Se o problema é o
baixo nível de crescimento e desenvolvimento, cabe ao Estado possibilitar a superação de
tal problema. Isto não é apresentado pelos autores de modo tão simples, mas esta síntese é
representativa.
As críticas à existência/persistência e, neste momento, ampliação da pobreza são
contundentes, mas, como em outros momentos, as soluções para o problema ainda são buscadas no interior do próprio sistema capitalista, ou seja, respeitando sua estrutura.(11) Os
autores com os quais dialogamos não apontam nenhuma possibilidade de rompimento da
estrutura do sistema e da sua destruição, mas sim a necessidade de reformá-lo. Lembramos
novamente que, na visão da maioria destes autores, o capitalismo passa a ser assumido
como “a ordem” e não como “uma ordem”.
Não nos parece que os autores citados tenham tido a intenção de defender o capitalismo,
mas fica claro que eles não veem uma outra possibilidade que não uma reestruturação
desse sistema para que as desigualdades não sejam tão gritantes. Isto é possível, na opinião
de muitos, desde que haja uma regulação do sistema, e implicaria em: uma “reflexão” do
próprio capital em relação a sua responsabilidade — conforme Bauman (1999) — o que
levaria a uma busca menos enfurecida por lucros, pelo menos a uma busca menos “antissocial”; e uma tomada de “decisão política” — e, neste caso, a política aparece dissociada da
economia — sob o comando do Estado com o intuito de estabelecer regras que garantam
a maior igualdade possível. Neste sentido, o grande exemplo são os Estados de Bem-Estar
Social desenvolvidos na Europa, principalmente os dos países escandinavos.
Podemos questionar a primeira possibilidade, pois mesmo que acreditemos ou defendamos que os capitalistas tenham “obrigações sociais”, uma “reflexão do capital em torno
de sua responsabilidade”, historicamente, não tem se constituído em um dado real, pelo
(11) Isto não significa dizer que uma tentativa de superação de um dado sistema não se dê no seu interior.
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menos em termos de regra. Já a segunda possibilidade, além de ter se constituído como
uma realidade histórica, adquiriu o status de exemplo a ser atingido por todos os países.
Porém, atualmente, discutem-se os problemas enfrentados pelos Estados de Bem-Estar
Social que têm sido reestruturados, e alguns sofrido desmonte significativo. A busca de
alternativas demonstra a insustentabilidade do modelo keynesiano, e a solução parece se
encaminhar para a estruturação da denominada “terceira via” que, mesmo questionada,
vem ganhando força junto aos social-democratas, que continuam rejeitando o mercado
como o locus de solução da pobreza, bem como continuam passando ao largo de proporem
um rompimento do sistema capitalista.
Muitos desses “críticos do capitalismo”, ao apontarem soluções, de certa forma,
recorrem a alguns elementos da análise marxista do capital, o que resulta numa “mescla
teórica” que, muitas vezes, gera confusões. Esses autores conseguem fazer uma descrição
dos acontecimentos, mas as análises não dão conta de explicar o que é descrito.
Cabe destacar que os autores social-democratas, ao abandonarem a perspectiva revolucionária no início do século XX, começam a apresentar suas diferenças em relação às análises
de Marx e seus seguidores.(12) Ao assumirem, inicialmente, as reformas como o caminho
para o socialismo e, posteriormente, para a construção de um “capitalismo humanizado”,
pautado na equidade, os social-democratas tiveram de abrir mão de pressupostos importantes. Daí os questionamentos em relação às classes sociais, ao papel do Estado, à centralidade do trabalho. Difundem-se tentativas de explicação da realidade a partir do “micro”,
do “individual”, do cotidiano, abandonando as explicações macro, decretando o fim das
“metanarrativas”.
As maiores críticas dos social-democratas ao marxismo estão relacionadas ao fato de
este ver apenas a revolução como saída para um outro modelo social. Para os que defendem
e acreditam em um “capitalismo humanizado”, como o fizeram e fazem muitos social-democratas, Marx é “economicista” e, ao “separar” estrutura e superestrutura, atribuiu à segunda
um papel subordinado. Por isso, não deu a devida atenção às possibilidades de mudança
que não dependessem de uma ruptura do modelo econômico, ou seja, possibilidades de
controlabilidade do capital, em especial, a partir da intervenção estatal. Outra crítica diz
respeito à não efetivação das “previsões” de Marx em relação ao papel revolucionário do
proletariado mundial.(13) Se o proletariado não fez a revolução mundial, então é porque
isto não se constituía em uma possibilidade real.(14) A prova é a não sustentabilidade do
socialismo nos poucos lugares onde a revolução proletária ocorreu. Não existem
discordâncias em relação ao fato de o capitalismo, até o momento, se constituir em um
modo de produção “excludente”, e em relação a isso, dizem que Marx foi um grande analista.
O problema foi que ele não viu saída dentro da ordem.
(12) Bernstein é o social-democrata mais representativo dessa tendência. Luxemburgo (2003) estabelece um diálogo crítico
com ele, condenando a perspectiva reformista que este defendia dentro do Partido Social-democrata Alemão — SPD.
(13) Análises deste tipo são feitas, por exemplo, por Schwartzman (2004).
(14) Esta análise é feita de modo mais claro, ou digamos, mais evidente, por autores liberais. Dahrendorf (1992, p. 20)
assim coloca: “os marxistas passaram por momentos terríveis para aceitar o desaparecimento do proletariado revolucionário. Na prática, o historicismo faz com que se observe fixamente a revolução como o único meio para ‘mudanças reais’
e, desse modo, perde as contínuas mudanças da realidade das pessoas comuns. A teoria de Marx é arrumada demais para
ser útil; é um modelo que pouco tem a ver com a experiência da história.”
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5. A POBREZA A PARTIR DA PERSPECTIVA MARXISTA
Entender a pobreza a partir da perspectiva marxiana exige, necessariamente, a
retomada dos elementos centrais da análise de Marx em relação ao capitalismo. Alguns
estudiosos têm tomado como referência certos aspectos desta perspectiva de análise, outros
a põem completamente de lado. O resultado, considerando muitos dos que partilham elementos dessa corrente teórica, é uma tendência a “consertar” e “adaptar” a análise marxiana,
executando uma “acrobacia teórica” cuja finalidade é contornar o que Marx apontou como
“elementos estruturais”(15) do modo de produção capitalista, mesmo que, para isso, seja
necessário abandoná-los. É isto que fazem os aqui denominados social-democratas. Por
isso, uma enorme quantidade de estudos indica a necessidade da distribuição de renda, da
retomada do Estado como regulador da economia e como protetor social, implicando, em
última instância, um “controle do sistema”, como se o Estado não compusesse o sistema,
podendo agir por fora dele para “consertá-lo”.
Alguns autores, no entanto, insistem em utilizar a contribuição marxiana como sendo
ainda uma teoria que dá conta de explicar muitos fenômenos da realidade que vivenciamos,
dentre eles, a pobreza. Poucos estudos visam a destacar a compreensão de Marx em relação
à pobreza, bem como também são poucos os que intentam um estudo do fenômeno a partir
da teoria marxiana. Muitos marxistas referem-se ao fenômeno, fazem observações a respeito
da sua condição de elemento estrutural do sistema de produção e reprodução do capital,
mas não têm por objetivo pô-lo como objeto central de suas análises, não se constituindo
em objeto específico de estudo.
Citamos dois autores que se propuseram a analisar a pobreza na teoria marxiana:
Rosdolsky (2001) e Soto (2003). Com relação ao primeiro, podemos dizer que sua grande
contribuição foi a de evidenciar que Marx não formulou uma “lei do empobrecimento”. O
fato de muitos entenderem que isto tenha ocorrido implica um descrédito em relação aos
estudos de Marx sobre o capitalismo. Rosdolsky é categórico ao afirmar que Marx não formulou uma “lei do empobrecimento”. O que ele fez foi uma crítica enérgica à concepção do
denominado “mínimo existencial fisiológico” e também à “lei de bronze dos salários”, criada
por Lassale.(16) Para ele, ao fazer esta crítica, Marx não poderia “(...) imaginar uma teoria do
empobrecimento absoluto e inevitável da classe trabalhadora” (ROSDOLSKY, 2001,
p. 251).
O fato de Marx dar relevo ao progressivo empobrecimento da “classe trabalhadora”
não significa ignorar que grupos que compõem esta classe possam vivenciar experiências
diferentes. Aliás, é necessário destacar que são estes grupos que acabam servindo de referência para que seja preservado um grau de esperança em torno da possibilidade de que
todos possam, em algum momento, melhorar sua condição, o que tende a evitar confrontos
sociais, sem esquecer, é claro, do desenvolvimento da caridade e das políticas sociais que
também aplacam descontentamentos sociais.
(15) Destacamos como elementos estruturais as leis gerais da acumulação capitalista, o Estado capitalista, a incontrolabilidade do sistema.
(16) Segundo Rosdolsky, esta lei implica o fato de que os salários devem ser necessariamente fixados conforme o valor
dos meios de subsistência mais necessários, ignorando elementos importantes, como o papel do exército industrial de
reserva e a categoria “salário relativo”. Por isso, Marx se contrapunha a ela.
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É necessário, contudo, destacar a observação feita por Rosdolsky sobre as “tendências
de empobrecimento” relacionadas ao aumento do exército industrial de reserva e à
exploração dos países subdesenvolvidos pelos países desenvolvidos. Essas tendências
provocam um aumento da pobreza, mas não um empobrecimento absoluto de toda a classe
trabalhadora. Rosdolsky não se propôs a esmiuçar o processo de empobrecimento e a pobreza
em si, mas demonstrar que Marx não desenvolveu uma “lei do empobrecimento”.
Soto (2003), por sua vez, objetivou precisar teórica e metodologicamente o conceito
de pobreza no âmbito do capitalismo, a partir da perspectiva marxiana. Na nossa compreensão, a autora incorre em alguns “problemas de interpretação” que suscitam uma revisão,
objetivando uma “maior aproximação” do pensamento de Marx.
A autora destaca que o tema pobreza, no capitalismo, aparece na obra de Marx desde
os Manuscritos de 1844. Utiliza-se da compreensão de Marx de que o movimento da história
engendra as relações sociais, para afirmar que o fenômeno pobreza só pode ser compreendido,
no capitalismo, se se partir de uma perspectiva de totalidade para entender o movimento
histórico que o produz. Neste caso, a pobreza deve ser compreendida “(...) como uma construção
social transitória e mutável, fruto e parte do movimento da sociedade capitalista” (ibidem,
p. 8, tradução nossa). Ela também deve ser explicada a partir da compreensão do desenvolvimento das forças produtivas, bem como das relações sociais específicas que permeiam
esse desenvolvimento, o que faz com que os homens não sejam vistos como espectadores
de sua história, mas como seus construtores.
Sintetizando a compreensão de pobreza a partir desta perspectiva teórica, a autora
afirma que “(...) a pobreza não é uma categoria simples, eterna, imutável; pelo contrário,
submetida a uma análise científica se define como uma categoria complexa, histórica e
mutável. Quer dizer, uma categoria relacional que só se explica a partir do entendimento
do movimento da totalidade social” (ibidem, p. 10, tradução nossa).
A pobreza tem, então, um duplo papel na sociedade capitalista: é efeito do regime de
acumulação desse modo de produção e também é condição determinante desse processo
de acumulação.(17) Isto significa dizer que o aumento da pobreza indica o aumento da
concentração de riqueza nas mãos de um grupo cada vez menor de capitalistas.
Para Soto, entender a pobreza a partir da teoria marxiana exige compreender as leis
gerais que regem o regime de acumulação capitalista, sendo a lei geral a da produção de
mais-valia, ou seja, a produção de um excedente para além daquilo que é pago ao trabalhador
ou, como afirma a autora, o que é criado a partir do “trabalho não retribuído” (ibidem, p. 12,
tradução nossa). Isto possibilita compreender que a pobreza do trabalhador se constitui
em consequência e condição necessária da existência do regime, e é justamente essa condição
de necessidade que a coloca como base essencial da riqueza; neste sentido, esta condição
é determinante e fundamental, pois nos indica que a miséria é condição de existência
da sociedade capitalista, esta só existe porque se cimenta na miséria (ibidem, tradução
nossa).
(17) Soto (2003, p. 11) lembra que a pobreza, “(...) como condição ou efeito, expressa sempre o caráter antagônico do
regime” (tradução nossa).
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O modo de produção capitalista, para a satisfação de seus interesses, necessita proceder
a adaptações do número de trabalhadores. Isto resulta na criação de um exército industrial
de reserva e na miséria de um número cada vez maior de trabalhadores, tanto daqueles que
estão em atividade como dos que se encontram desempregados, o que permite, segundo a
autora, distinguir graus de condição de vida em que são colocados os trabalhadores.(18) O
grupo mais desprovido do exército industrial de reserva compõe, para Marx, o “pauperismo”.
Porém, Soto (2003) equivoca-se, na nossa compreensão, em dois aspectos que levanta.
Quando diz que Marx aponta a transformação do “processo de troca” em “processo de
troca de não equivalentes” e, quando entende que o que ocorre é a venda do próprio
trabalhador ao capitalista e não apenas a venda de sua força de trabalho.
Não é possível discutir estes aspectos de maneira detalhada neste texto, mas é
importante frisar que, mesmo que a autora tenha tido uma compreensão correta sobre a
definição de pobreza, equivoca-se ao referir-se às causas. Assume a definição de pobreza
como “falta” do que é considerado necessário, pela própria sociedade, para viver dentro dos
padrões estabelecidos por ela. Significa dizer que não é apenas falta de recursos materiais
para a manutenção da vida, visto que o alcance ou não destes recursos dependerão dos
níveis de relação estabelecidos. Isto mostra que Marx não desconsiderava as questões
políticas, preocupando-se apenas com as econômicas.
No que diz respeito às causas da pobreza, a autora é clara quando diz que estas não
são conjunturais, apesar de condições conjunturais poderem influenciar em seu nível. A
causa, em si, é a própria dinâmica de produção e reprodução do capital. Isto significa que
qualquer perspectiva de erradicação da pobreza — independentemente de como é estruturada a linha de pobreza — só é possível com o fim desta dinâmica. O problema na explanação
de Soto reside no fato de ter entendido que Marx compreende que o vendedor da força de
trabalho não é livre, e que as trocas efetuadas no mercado são trocas desiguais. Entender
desta forma compromete, de maneira clara, a análise da pobreza. É significativamente
diferente dizer que o vendedor da força de trabalho é pobre porque não é livre e porque a
troca da sua força de trabalho por salário é uma troca desigual, do que dizer que a pobreza
reina em meio à liberdade e em meio a trocas de equivalentes, o que, na nossa compreensão,
Marx (1985) buscou provar.(19)
Para além destas análises, cabe destacar que Marx não via o Estado como elemento
capaz de resolver problemas sociais como a pobreza, visto ser este um problema estrutural
do sistema de produção e reprodução do capital. Para ele, a função do Estado é proteger,
em última instância, os interesses do capital. O Estado, enquanto elemento constitutivo e
fundamental da ordem capitalista, tem desempenhado o papel de equilibrador das expectativas sociais, o que não significa que funcione como órgão de conciliação das classes, lembrando que, quando necessário, este equilíbrio é obtido mediante o uso da força e da coerção.
É, portanto, um órgão de dominação de uma classe sobre outra.(20)
(18) Esta posição da autora está de acordo com a leitura feita por Rosdolsky (2001).
(19) Uma análise detalhada do texto de Soto (2003), cotejada com a obra de Marx, é feita por Garcia (2005).
(20) Sobre o Estado na teoria marxista ver, dentre outros: Codato e Perissinotto (2001); Lênin (1986); Mandel (1982);
Mészáros (2002). Como base, ver: Marx e Engels (2002); Marx e Engels (1986).
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Também cabe destacar que, para Marx, a ordem do capital é incontrolável, o que
impede a aplicação de medidas que corrijam sua própria lógica. Mészáros (2002) dá especial
atenção a este aspecto. Ancorado pelas premissas marxianas, diz que não podemos compreender o capital como uma “entidade material” e muito menos como um “mecanismo racional
controlável”, mas sim como “uma forma incontrolável de controle sociometabólico” (ibidem,
p. 96, grifo do autor).
Considerando todos os aspectos aqui levantados na perspectiva marxista, a pobreza
no capitalismo é um fenômeno cuja diminuição não pode se dar de modo sustentável e cuja
erradicação é impossível. Pensar de modo contrário é aceitar a possibilidade de controle do
incontrolável.
6. NOTAS CONCLUSIVAS
Destacamos anteriormente que a pobreza é um fenômeno histórico, que ganha contornos diferenciados no capitalismo. Em termos de definição do que é a pobreza, as matrizes
teóricas convergem. Pobreza é sempre tomada como “falta de algo”. Divergências existem,
principalmente entre os social-democratas, na definição do elemento faltante.
Também vimos que os autores social-democratas atribuem grande responsabilidade
ao Estado como controlador do capital e solucionador dos problemas sociais. Neste caso, o
Estado deveria promover a igualdade social, não apenas em termos legais, mas em relação
à realidade material dos indivíduos. Para Marx e para os marxistas, isto é impossível em
termos gerais, mesmo que algumas experiências tenham mostrado tal possibilidade. O
problema é quando se imagina que a experiência dos Estados de Bem-Estar Social, em
especial, dos escandinavos, ou mesmo a dos não tão avançados, possa ser estendida a todas
as sociedades.
Dois problemas podem ser diretamente referidos. O primeiro é que o sistema de
produção e reprodução do capital não permite tal distribuição, já que a gênese deste sistema
é a acumulação. Portanto, para que alguns acumulem, necessariamente, outros devem perder.
Isto serve tanto para uma análise nacional como também global. O segundo está relacionado
ao fato de o Estado capitalista ser apontado como o elemento a propiciar tal distribuição
por meio deste “possível controle”. Ora, o Estado capitalista não pode ser chamado a resolver
os problemas sociais — aqui, em especial a pobreza — visto que ele é parte fundamental do
complexo que causa tais problemas. Insistir no papel do Estado como regulador do sistema
e como responsável por “corrigir seus defeitos” é uma forma de ocultar a incontrolabilidade
desse sistema, portanto, uma forma de protelar, ou mesmo impedir, qualquer movimento
que leve à sua superação. A perspectiva social-democrata tem servido para mascarar esta
realidade. Neste caso, apontamos a teoria marxista como a que descortina as bases reais
em que se assenta o desenvolvimento e manutenção da pobreza.
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QUEM SÃO E PARA ONDE VÃO OS MIGRANTES NO BRASIL?
O PERFIL DO MIGRANTE INTERNO BRASILEIRO
Who are they and where go Migrant in Brazil?
The Profile of the Brazilian Internal Migrant
Wellington Ribeiro Justo(*)
Raul da Mota Silveira Neto(**)
RESUMO: A partir dos microdados dos Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000, o trabalho
fornece evidências a respeito do perfil do migrante interno brasileiro de acordo com a região de
destino. Mediante a estimação de um modelo logit multinomial para a decisão de migração e de
escolha de região de destino, os resultados permitiram apontar as diferenças entre os migrantes e
não migrantes e entre os próprios migrantes de acordo com a região de destino para todos os anos
censitários considerados. Entre as evidências obtidas, mostra-se que: i)qualquer que seja a região de
destino e o período de migração entre 1980 e 2000, o migrante brasileiro apresenta perfil distinto
daquele do não migrante: é mais escolarizado, mais jovem, sobretudo do sexo masculino e provém
com maior probabilidade de UF em condição social relativamente precária; e ii) enquanto no período
1980-1991 há elevação das diferenças entre migrantes de acordo com a região de destino, entre
1991-2000, os migrante tornam-se regionalmente mais semelhantes. O artigo reúne três seções. A
primeira seção realiza uma análise da magnitude e padrão regional da migração no Brasil no período
de 1980 a 2000. A segunda seção corresponde ao estudo do destino dos migrantes brasileiros por
meio de análise multivariada. A seção final é dedicada às conclusões.
Palavras-chave: Migração, Regiões de Destino, Perfil do Migrante.
ABSTRACT: By using Demographic Census micro data for the years of 1980, 1991 and 2000, the work
obtains evidence about Brazilian migrant characteristics for each regions of destine. The results, that
derive from the estimation of a logit multinomial model that considers both the decision of migration
and chose of regions of destine, point out that i) for any region of destine, between 1980 and 2000, the
Brazilian migrant can be differentiated from non-migrant: is has a higher level of school, is younger
than non-migrant, are most of them of masculine sex and comes from states in relatively economic
and social bad conditions and ii)while during the period 1980-1991 there were more clear differences
among migrants according destine regions, during the period 1991-2000 there was a tendency for
these difference to disappear. The article congregates three sections. The first section carries through
an analysis of the magnitude and regional standards of migration in Brazil during the period of 1980 to
2000. The second section corresponds to the study of the destination of the Brazilian migrants by
means of multivariate analysis. The final section is dedicated to the conclusions.
Key-words: Migration, Regions of Destine, Migrant Characteristics.
(*) Professor Doutor da Universidade Regional do Cariri — URCA. Rua Cel. Antonio Luiz 10026 — Pimenta — Crato
(CE). E-mail: <[email protected]>.
(**) Professor Doutor da Universidade Federal de Pernambuco — CCSA — Departamento de Economia — Cidade
Universitária — Recife -PE. E-mail: <[email protected]>.
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Provavelmente motivado pelos movimentos recentes de redistribuição espacial das
atividades produtivas, num ambiente de maior abertura, competição e estabilidade de preços,
o fato é que, recentemente, parece haver um renovado interesse dos economistas sobre os
movimentos internos migratórios no Brasil. Por exemplo, Neto Júnior, Moreira, Araújo e
Figueiredo (2003) apontaram as principais macrotendências da migração interna brasileira
no período 1950-2000. Por sua vez, Santos Júnior, Cavalcanti e Menezes (2005), de forma
inédita, apresentaram evidências convincentes de que os migrantes internos brasileiros
são, em suas habilidades produtivas, positivamente selecionados ou diferenciados em relação
não migrantes. Ainda mais recentemente, as evidências obtidas por Justo e Silveira Neto
(2006) permitiram evidenciar o papel das rendas estaduais esperadas e dos efeitos vizinhança
na explicação dos destinos dos migrantes internos brasileiros.
Apesar de representar um corpo de evidências recentes importantes sobre o processo
migratório brasileiro, seja porque os trabalhos fazem uso de um banco de dados incompleto
espacialmente e temporalmente limitado (SANTOS JÚNIOR et al., 2005) ou porque utilizam
informações agregadas por unidades da Federação (NETO JÚNIOR et al., 2003; JUSTO e
SILVEIRA NETO, 2006), as evidências derivadas destes trabalhos não permitem responder duas questões fundamentais a respeito dos movimentos migratórios brasileiros: como
os migrantes, ao longo do tempo, têm se diferenciado dos não migrantes, e como os primeiros
se diferenciam entre si segundo as regiões de destino. Note-se que tais questões se revelam
fundamentais em face, por um lado, das importantes alterações do ambiente econômico no
período 1980-2000 e, por outro lado, das conhecidas disparidades sociais e econômicas
regionais brasileiras.
Este trabalho pretende iniciar o preenchimento desta lacuna. De forma inédita, objetiva
fornecer evidências que permitam caracterizar o perfil do migrante interno brasileiro de
acordo com a região de destino, utilizando para tal os microdados dos Censos Demográficos
de 1980, 1991 e 2000. A utilização dos microdados dos Censos Demográficos, diferentemente daqueles das PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), permite incluir
inteiramente a região Norte do país, de importância crescente como destino dos migrantes
brasileiros. Adicionalmente, a consideração de três anos censitários permite capturar
potenciais mudanças de individuais dos migrantes sob conjunturas bastante distintas.
Além desta introdução, o trabalho foi estruturado em mais quatro seções. Na próxima,
fornece evidências sobre as magnitudes e tendências dos saldos e fluxos migratórios brasileiros no período 1980-2000. Na terceira seção, para os três anos censitários, são, primeiro,
discutidos os dados e estatísticas descritivas a respeito do perfil do migrante segundo a
região de destino e, segundo, apresentadas estimativas dos parâmetros de um modelo logit
multinomial para as decisões de migrar e de escolha da região de destino. As conclusões
são apresentadas na quarta e última seção do trabalho.
1. MIGRAÇÃO INTERNA NO BRASIL NO PERÍODO 1980-2000: UMA BREVE DESCRIÇÃO
DE SUA MAGNITUDE E DE SEU PADRÃO REGIONAL
Com o objetivo de dimensionar a importância dos fluxos migratórios internos
brasileiros, de início, a partir dos microdados dos Censos Demográficos de 1980, 1991 e
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2000, a Tabela 1, a seguir, apresenta, para os correspondentes anos, o total de migrantes
interestaduais brasileiros e sua magnitude em relação à população do país.
Tabela 1 — A dimensão da migração interna no Brasil — 1980-2000
Fonte: Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.
Imediatamente perceptíveis a partir dos números acima, há duas evidências gerais a
destacar na análise dos fluxos migratórios internos no Brasil no período 1980-2000.
Primeiro, durante todo o período, e também para os dois subperíodos 19980-1991 e 1991-2000, o número de migrantes cresceu mais que a população brasileira. Como se nota, mais
de 15 milhões de pessoas viviam fora de seu estado de origem em 1980, montante que
atinge mais de 25 milhões e quinhentas mil pessoas em 2000, o que representa um crescimento de 66,8% durante todo o período, bem acima da taxa de crescimento populacional
(em torno de 44,5%). Assim, os migrantes brasileiros têm aumentado seu peso na população
brasileira.
Uma outra evidência diz respeitos às diferenças observadas entre os períodos 1980-1991 e 1991-2000. Não obstante o crescimento da importância do número de migrantes
na população brasileira nos dois períodos, é importante destacar o maior crescimento da
população de migrantes no primeiro destes dois períodos, mesmo quando se considera o
maior horizonte de tempo envolvido. De fato, enquanto entre 1980 e 1991 a população de
migrante apresentou um acréscimo de 6 milhões de pessoas (taxa de crescimento anual de
3,8%), entre 1991-2000, tal população de migrantes apresenta um acréscimo de pouco
mais de 4 milhões de pessoas (taxa de crescimento anual de 1,6%). Ou seja, ainda que mantendo um ritmo de expansão acima daquele verificado para a população como um todo, há
uma evidente desaceleração da expansão da população de migrantes no período mais recente.
Como mostraram recentemente Justo e Silveira Neto (2006), ainda que fatores locais
específicos afetem parte dos fluxos migratórios internos observados no país, são as diferenças
regionais de oportunidades econômicas que explicam a maior parte dos movimentos interestaduais de pessoas no Brasil. Tal motivação, em conjunção com as tendências recentes de
desconcentração espacial da atividade econômica no país(1), ajuda a entender a configuração
regional quanto ao saldo de migrantes apresentada na Tabela 2, a seguir.
(1) A este respeito, ver, por exemplo, Silveira Neto (2005).
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Tabela 2 — Padrão e dimensão regional da migração no Brasil — 1980-2000
Fonte: Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.
De acordo com as evidências de Justo e Silveira Neto (2006), os números da tabela
permitem identificar um padrão histórico conhecido: em termos absolutos, por um lado, a
região Nordeste é a região com maior perda líquida de população (mais de 8 milhões e quinhentas mil pessoas); por outro lado, também em termos absolutos, a região Sudeste é a
grande receptora líquida (saldo positivo de mais de 5 milhões e quinhentas mil pessoas).
Note-se, a partir da segunda coluna da Tabela 2, além disto, que as respectivas perdas
(NE) e elevações (SE) ocorrem em ritmos acima daqueles verificados para o crescimento
das populações regionais. Todavia, de forma mais geral, a partir das cinco regiões
consideradas, e tomando o saldo de migrantes em todos os três anos, é possível identificar
três distintos padrões regionais. Primeiro, há o referido padrão nordestino de déficit crônico
no fluxo de migrantes, com um saldo líquido sempre negativo. No outro extremo, as regiões
Norte, Sudeste e Centro-Oeste são aquelas que apresentam saldos regularmente positivos.
Por fim, há o caso da região Sul que, embora até 1980 tenha apresentado um saldo positivo,
nos anos 1991 e 2000, junta-se ao Nordeste como região com saldos negativos de migrantes.
Não exploradas aqui por motivos de foco e espaço, é importante apontar, contudo, que
há dissonâncias intrarregionais importantes aos padrões acima apontados. De fato, ainda
que as regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentem todos os seus estados com saldos,
respectivamente, negativos e positivos de migrantes, nas demais regiões há estados com
saldos de migrantes com sinais opostos àqueles verificados para as respectivas regiões. Em
termos absolutos, o caso mais o importante é de Minas Gerais, que, ainda que aponte uma
tendência recente de diminuição de seu saldo negativo, apresentava um déficit crônico no
saldo de migrantes, de quase 2,8 milhões pessoas, por exemplo, em 2000. Na região Sul, por
sua vez, o caso do estado do Paraná explica a mudança qualitativa quanto ao saldo apresentado
pela região entre os anos 1980 e 1991: com saldo positivo de mais de 1 milhão de migrantes
em 1980, este estado, acompanhando o padrão verificado regularmente para Santa Catarina
e Rio Grande do Sul, passa a apresentar déficit no saldo de migrantes já em 1991.
Apesar de revelarem as mudanças nas magnitudes e os padrões regionais dos saldos
migratórios observados no país entre 1980 e 2000, por considerarem saldos acumulados
de migrantes, as evidências apresentadas acima não revelam com propriedade mudanças
importantes ocorridas quanto aos destinos dos movimentos migratórios neste período, de
particular interesse deste trabalho. No sentido de revelar as significativas alterações e
apontar novas tendências na distribuição dos migrantes entre as regiões de destino, a
Tabela 3, a seguir, apresenta, para os anos de 1980, 1991 e 2000, a distribuição dos migrantes
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entre as regiões de destino considerando apenas as pessoas com até 3 anos na respectiva
região de destino.
Tabela 3 — Distribuição dos migrantes entre as regiões de destino
(%) — 1980-2000
Fonte: Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.
Foram considerados os migrantes com até 3 anos na região de destino.
A partir dos percentuais para os anos polares de 1980 e 2000, é possível identificar
dois diferentes padrões quanto à evolução das participações das regiões no destino final
dos migrantes. Por um lado, há perda de importância das regiões mais ricas do Sudeste e
Sul do país (juntas, eram destinos de 60% dos migrantes em 1980, enquanto que em 2000
tal percentual estava reduzido a 39,4%); por outro lado, as demais três regiões, mais pobres
e com menores participações nos destinos dos migrantes em 1980, apresentam elevações
destas participações, sendo em 2000 destinos de cerca de 60% dos migrantes.
Há, porém, também aqui, importantes diferenças entre as evoluções das participações
das regiões nos períodos 1980-1991 e 1991-2000. Neste sentido, note-se que a região
Centro-Oeste é a única com tendência monotônica (crescimento), contrastando com dois
grupos distintos: enquanto as regiões Norte, Nordeste e Sul apresentam reduções e
posteriores elevações de participações, respectivamente, entre 1980-1991 e 1991-2000, a
região Sudeste apresenta elevação e depois forte redução de sua participação nestes referidos
períodos. De toda a forma, é importante destacar que a substancial perda de importância
da região Sudeste como destino de migrantes no período 1980-2000 ocorre exclusivamente
nos anos 90 do século passado e esta se processa em meio a elevações das participações de
todas as outras regiões do país. Tal fato explica a distribuição mais igualitária dos migrantes
entre as regiões de destino em 2000.
Tais mudanças no padrão de distribuição dos migrantes entre as regiões de destino,
ao lado das conhecidas disparidades regionais ambientais e sociais do país, sugerem não
só a possibilidade de existência de diferentes perfis de migrantes de acordo com as regiões
de destino, como também apontam para possíveis mudanças nestes perfis ao longo do
tempo. Pouco exploradas na literatura empírica sobre migração no país, tais diferenças e
potenciais mudanças são o foco de interesse deste trabalho na seção a seguir.
2. O PERFIL DO MIGRANTE INTERNO BRASILEIRO SEGUNDO A REGIÃO DE DESTINO
Derivadas da relação entre as características pessoais dos indivíduos e o conjunto de
atributos regionais oferecidos pelas regiões no momento da arbitragem espacial quanto à
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região de residência por parte dos primeiros, presume-se que há, entre os indivíduos migrantes,
diferenças de perfis de acordo com as regiões de destino, além da diferenciação dos migrantes em relação aos indivíduos não migrantes, esta já parcialmente identificada (SANTOS
JÚNIOR, MENEZES FILHO e CAVALCANTI, 2005).
Tal hipótese de diferenciação do migrante de acordo com a região de destino é facilmente fundamentada nos modelos que associam a decisão de migrar às características
individuais (BORJA, 1987; CHISWICK, 1999) quando se considera a influência de fatores
regionais, que não a renda, no bem-estar dos migrantes (por exemplo, no espírito de Roback,
1982, as amenidades locais). A migração é considerada, pois, aqui ao mesmo tempo uma
decisão de investimento e arbitragem entre diferentes alternativas de destino. Neste sentido,
por exemplo, é de se esperar um maior peso dos jovens entre os migrantes para regiões de
maiores oportunidades econômicas, dada a forte dimensão do investimento da migração
nesta faixa etária, um contingente relativamente maior de pessoas idosas possivelmente
deve procurar regiões com maiores amenidades climáticas.
Para formalizar tais ideias e obter uma especificação econométrica que permita a
obtenção de evidências a respeito do perfil do migrante interno brasileiro de acordo com
a região de destino, assume-se um modelo de escolhas não ordenadas obtido a partir da
seguinte função utilidade indireta do indivíduo i na região j:
onde X é um vetor de variáveis que determinam ou condicionam o bem-estar nas regiões
e varia de acordo com as regiões e indivíduos e ε apreende fatores não observáveis afetando
o bem-estar. Se o migrante escolhe como destino uma região j particular, Uij deve ser máxima entre as n + 1 alternativas. As evidências a serem obtidas derivam de um modelo
estatístico em que:
(2)
para toda localidade k ¹ j.
Com Yi sendo uma variável aleatória indicando a escolha do indivíduo entre as regiões
de destino, como mostrou MacFadden (1974), se os n +1 termos aleatórios não observáveis
na equação (1) forem independentes e identicamente distribuídos segundo uma distribuição
de Weibull (único valor extremo), então a probabilidade de escolha da opção (região) j é
dada pelo seguinte modelo logit multinomial:
(3)
Há, ao menos, duas características a ressaltar a respeito deste modelo, fundamentais
para o entendimento das evidências a serem obtidas a partir da estimação de seus parâmetros.
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A primeira, como ocorre de forma geral com os modelos logit multinomial, diz respeito à
possível diferença entre o sinal do coeficiente estimado e o efeito marginal da variável
sobre a probabilidade de migração para as variáveis com diferentes valores entre os
indivíduos (por exemplo, características pessoais). Especificamente, para variáveis
assumindo diferentes valores para os indivíduos, os efeitos marginais podem ser obtidos
como
, onde os parâmetros em negrito indicam vetores (e,
assim, os efeitos dependem dos demais coeficientes e probabilidades).
Uma outra importante propriedade do modelo é a denominada Independência das
Alternativas Irrelevantes (IAI). Assume-se que Pj/Pk sejam independentes das outras
alternativas de escolha, ou seja, de que a escolha entre duas alternativas não depende do
conjunto de alternativas envolvido, o que pode ser uma limitação analítica. Neste sentido,
faz-se uso do teste proposto por Hausman e McFadden (1984), que sugere que se um
subconjunto de escolha verdadeiro é irrelevante, deve ser omitido do modelo e, em seguida,
verifica-se tal expediente altera sistematicamente as estimativas dos parâmetros.
Esta última propriedade é útil porque permite, por exemplo, a comparação entre os
logaritmos das razões de probabilidades (log odds ratios) entre duas categorias (ex.: mais
escolarizados/menos escolarizados) de duas diferentes regiões de destino. De acordo com
o modelo da equação (3), para dois destinos, j e k, o log. da razão de probabilidades é obtida
como
.
2.1. DADOS E ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS
Para consecução dos objetivos desta seção, foram utilizadas amostras aleatórias
correspondendo a 20% do número de observações dos microdados censitários. Tais amostras
restringem-se aos indivíduos de 20 a 70 anos de idade, sendo considerados apenas como
migrantes os indivíduos que haviam migrado até 3 anos em relação aos anos censitários.
Adota-se o mesmo procedimento que Kauhanem e Tervo (2002) minimizando possíveis
mudanças nos atributos pessoais (escolaridade, estado civil, por exemplo), uma vez na
região de destino. Tais expedientes levaram aos seguintes números de observações:
1.902.524, 1.055.286 e 1.055.286 indivíduos para os anos de 1980, 1991 e 2000,
respectivamente. Nestes universos, os percentuais de migrantes, para os correspondentes
anos, ficaram em 3,3%, 2,70% e 2,22%(2). Como evidências iniciais, são apresentadas, a
seguir, estatísticas descritivas para o primeiro conjunto de indivíduos.
Como pode ser apreendido a partir da Tabela 4, a seguir, que apresenta as distribuições
de migrantes segundo as regiões de destino e não migrantes por características pessoais
(sexo, idade, escolaridade, raça, estado civil e existência de filho) e por características das
unidades federativas de origem (UF deprimida/não deprimida e UF relativamente desenvolvida/relativamente não desenvolvida) para o ano 1980, as primeiras evidências sugerem
significativas diferenças de perfil entre migrantes e não migrantes e dentro do próprio
universo de migrantes de acordo com a região de destino.
(2) Tais percentuais são próximos àquele encontrado e utilizado por Ezzet-Lofstrom (2003), por exemplo, em trabalho
sobre a migração interna nos Estados Unidos (em torno de 3%).
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De fato, das oito características consideradas na Tabela 4, apenas quanto ao sexo e
idade é possível apontar um padrão homogêneo de diferenciação entre migrantes e não
migrantes, independentemente da região de destino dos primeiros. Mais especificamente,
não importando a região de destino dos migrantes, estas primeiras evidências indicam que
estes são, em geral, preponderantemente do sexo masculino e mais jovens que os não migrantes. Note-se que, mesmo aqui, é possível apontar diferenças importantes entre os
migrantes de acordo com a região de destino. Entre estas, talvez a mais importante seja o
relativamente maior peso dos jovens entre os migram para a região Sudeste, uma evidência
que, considerando a migração como um investimento, sugere a provável maior importância
das oportunidades econômicas como força de atração para esta região.
Há também uma importante diferenciação entre os migrantes de acordo com a região
de destino no se refere à escolaridade: enquanto os migrantes que se destinam às regiões
Sul e Centro-Oeste encontram-se numa posição mais favorável quanto à escolaridade, os
migrantes que se destinam ao Sudeste do país apresentam níveis relativamente mais baixos
de escolaridade, o que é em grande parte explicado pela origem nordestina destes migrantes.
A diferenciação entre os migrantes segundo as regiões de destino de acordo com a
escolaridade é bem menor, porém, que aquela observada no respeito à raça. Aqui, nota-se
que os migrantes que se destinam às regiões Sudeste e Sul do país eram, em sua grande
maioria, de indivíduos da raça branca; por outro lado, os que se destinavam às regiões
Norte e Nordeste eram, em sua maioria, indivíduos pardos e negros.
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Tabela 4 — Distribuições de migrantes segundo regiões de destino e de não
migrantes por características pessoais e características locais da UF de origem
(%) — 1980
Fonte: Censo Demográfico de 1980. Consideram-se como UFs relativamente deprimidas aquelas com renda esperada
abaixo da média nacional; já são consideradas UFs relativamente desenvolvidas aquelas com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) abaixo da média nacional.
Exceto para os migrantes que se destinam à região Sudeste, é possível observar que
os migrantes para demais regiões do país apresentam-se em maior presença no estado civil
de casado que os não migrantes. Tal diferenciação da região Sudeste seguramente é, ao
menos em parte, explicada pela já apontada maior juventude dos migrantes que se destinam
a esta região. Há diferenciações marcantes entre os migrantes segundo as regiões de destino
também no que diz respeito à condição de ter ou não filho: os migrantes que se destinam
ao Centro-Oeste têm, em sua grande maioria, filhos; situação oposta àquela dos migrantes
que se destinam à região Norte do país.
Finalmente, nota-se uma diferenciação importante entre os migrantes de acordo com
a condição econômica da UF de origem (relativamente deprimida/relativamente não
deprimida): cerca de 90% dos migrantes que se destinam às regiões Norte, Nordeste e
Sudeste saem de UFs relativamente deprimidas, um percentual que é de apenas 61,7% no
caso dos migrantes que se destinam à região Sul. Considerando a posição da UF de origem
do migrante com respeito ao IDH, tais diferenças são acentuadas, destacando-se as diferenças
entre os migrantes que se destinam ao Nordeste (mais de 80% tendo como UF de origem
estados de IDHs relativamente baixos) e os que se destinam à região Sul (mais de 90%
tendo como UF de origem estados de IDHs relativamente altos).
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2.2. ANÁLISE MULTIVARIADA: MIGRAÇÃO E REGIÃO DE DESTINO DO MIGRANTE BRASILEIRO
Nesta subseção, as evidências obtidas acima são complementadas mediante a
apresentação das estimativas dos parâmetros e dos efeitos marginais do modelo logit multinomial introduzido no início da seção [Equação (3)], para os três anos censitários, 1980,
1991 e 2000. Analiticamente, o novo conjunto de evidências permite observar os efeitos
parciais das variáveis quando demais influências são controladas; por sua vez, a extensão
da análise para diferentes anos permite observar a evolução das influências das variáveis
na probabilidade de migração de acordo com a região de destino. Em todas as estimativas,
os indivíduos não migrantes, ou seja, a alternativa de não migrar, são tomados como grupo
de referência.
O conjunto de variáveis utilizados corresponde àquele presente na Tabela 4,
apresentada na subseção anterior e são utilizadas dummies para as diferentes categorias.
Do ponto de vista analítico, as variáveis escolaridade e idade apreendem o capital humano
dos indivíduos e, sabidamente (BORJA, 1987; CHISWICK 1999), afetam a decisão de migrar
em sua dimensão econômica (investimento), embora, principalmente a idade, possam
condicionar a arbitragem locacional em função, por exemplo, das amenidades regionais.
No caso da escolaridade, toma-se como grupo de referência os indivíduos menos
escolarizados, formando-se dois grupos de referências: 8 a 11 anos de estudos (Méd_escol)
e mais de 11 anos de estudos (Alta_escol). Para a variável idade, o grupo de referência é
composto das pessoas com mais idade, sendo os seguintes os outros grupos de referência:
até 30 anos (Jovem_idad) e entre 30 a 40 anos (Meia_idad).
Todas as demais variáveis incluídas podem ser vistas como três diferentes tipos de
controles que condicionam a decisão de migração e a escolha da região de destino para
indivíduos de mesma escolaridade e idade. Assim, inclusão das variáveis sexo e raça representa a introdução de controles para níveis potencialmente diferentes de descriminação
entre mercados de trabalhos regionais. Para a variável sexo, omite-se para referência os
indivíduos do sexo feminino; já para a variável raça, omite-se para referência os indivíduos
das demais raças que não a branca.
O segundo conjunto de variáveis de controles introduzido visa a apreensão das influências das diferentes condições familiares na decisão de migrar e na escolha da região de
destino. Aqui, são considerados o estado civil (omitindo-se para referência a condição
de solteiro), a condição de paternidade (toma-se como referência os indivíduos sem filhos)
e o grau de responsabilidade sobre o domicílio (a referência omitida é o grupo dos indivíduos
que não são responsáveis pelo domicílio).
Por fim, assume-se que diferentes condições de mercado de trabalho ou econômica e
de bem-estar social nas unidades da Federação de origem podem influenciar a decisão de
migração e escolha da região de destino para além das características pessoais dos indivíduos.
O terceiro conjunto de controles apreende, assim, as particularidades das UFs de origem
correlacionadas com sua situação econômica ou com seu bem-estar social. Para estas duas
condições, toma-se como referência (categorias omitidas) as UFs não deprimidas e as UFs
desenvolvidas.
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A MIGRAÇÃO NO PERÍODO 1977-1980
Na Tabela 5, são apresentadas as estimativas para coeficientes e os respectivos efeitos
marginais, já em variações percentuais, do modelo logit multinomial da Equação (3) apreendendo a decisão de migrar e a escolha da região de destino no ano de 1980. Analiticamente
útil, em todas as possibilidades, não foram rejeitadas as hipóteses de independência das
alternativas irrelevantes (IAI).
Considerando primeiro as estimativas para as variáveis de capital humano, nota-se
que pertencer ao grupo dos mais escolarizados (Alta_escol) ao invés de ser do grupo dos
menos escolarizados aumenta a probabilidade de migração para todas as regiões do país,
um efeito mais significativo para a região Centro-Oeste: elevação de 0,87% da probabilidade
de migração. Por outro lado, pertencer ao grupo de escolaridade média (Méd_escol), ao
invés de ser do grupo dos menos escolarizados, aumenta a probabilidade de migração para
todas as regiões do país, exceto para a região Sudeste; para esta região há diminuição de
0,26% na probabilidade de migração. Tal resultado é importante porque diferencia regionalmente parte dos migrantes que se dirigiam ao Sudeste, mais importante destino neste
período. Ao contrário da migração para demais regiões, esta região atraía indivíduos nos
dois extremos quanto à escolaridade (menos escolarizados e mais escolarizados).
Com respeito à idade, aqui, os migrantes em geral se diferenciam dos não migrantes
e as evidências apontam para um resultado esperado: indivíduos mais jovens e de meia-idade, em relação aos indivíduos de mais de 40 anos, apresentavam maior probabilidade
de migração em 1980, resultado vinculado à estratégia de migração como investimento e
que confirma o padrão da literatura empírica sobre migração (BORJAS,1996; EZZETLOFSTROM, 2003). O destaque é, novamente, para o impacto da condição de mais jovem
na região Sudeste: pertencer ao grupo de mais jovens, ao invés de ser do grupo dos mais
idosos, aumenta a probabilidade de migração em 1,6%.
De acordo com as evidências para anos mais recentes obtidas por Santos Júnior et al.
(2005) e Justos e Silveira (2006), esta diferenciação geral do migrante em relação ao não
migrante também ocorre quanto ao gênero: ser do sexo masculino aumenta a probabilidade
de migração para todas as regiões, embora tal condição seja menos importante para as
regiões Sul e Nordeste (elevações, respectivamente, de apenas 0,01% e 0,04% na probabilidade de migração).
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Tabela 5 — Estimativas para modelo logit multinomial para migração inter-regional no Brasil: 1977-1980. Variável dependente é a probabilidade de migrar
para as diferentes regiões (destinos) do país
Fonte: FIBGE — Censo Demográfico de 1980. Todas os coeficientes estimados representam efeito em relação à condição
de não migrante, tomada como referência. Desvio-padrão entre parêntesis, *, ** e *** indicam significância estatística a
1%, 5% e 10%, respectivamente. Os efeitos marginais estão em percentual. Foram realizados testes para verificar
a hipótese da IAI e em todas as cinco possibilidades não foi rejeitada a IAI.
Por outro lado, quando são consideradas as estimativas para o parâmetro de raça, há
evidentes diferenciações regionais: enquanto ser da raça branca eleva a probabilidade de
migração para as regiões Sul e Sudeste, pertencer a tal grupo diminui a probabilidade
de migração paras as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Um resultado que tende a
reforçar o padrão racial de distribuição espacial da população brasileira. Presumivelmente,
tais diferenças, que, como se mostra adiante, diminuem ao longo tempo, podem estar
vinculadas a maiores dificuldades de integração social de acordo com a raça e região de
destino em função, por exemplo, de mercados de trabalhos segmentados ou menos
competitivos no período ou de teias prévias de relações sociais.
Há, também, diferenciações regionais quanto aos condicionamentos familiares ou
domiciliares considerados. A presença de filho, que tende a gerar um conflito potencial
entre a proximidade da família e a necessidade de arbitragem mais decidida no mercado de
trabalho, aumenta a probabilidade de migração para as regiões Sudeste e Centro-Oeste,
mas diminui a probabilidade de migração para as regiões Norte e Sul, o que pode estar
associado à maior distância dos estados em relação a estas duas últimas regiões. Por sua
vez, a condição de casado, que potencialmente diminuiria o ímpeto de migração em sua
dimensão econômica, já que pode denotar melhor condição financeira, diminui a probabilidade de migração apenas para a região Sudeste (queda 0,59% na probabilidade de
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migração), o que sugere maior peso relativo da dimensão investimento/econômica
na migração para esta região. Por fim, a condição de chefe do domicílio (Respons.) diminui
a probabilidade de migração para as regiões Norte, Sudeste e Sul, e aumenta esta
probabilidade para as regiões Nordeste e Centro-Oeste.
As evidências obtidas para as influências das condições econômicas e sociais das UFs
de origem dos indivíduos (UF relativamente deprimida,UF_Dep. e UF relativamente subdesenvolvida, UF_subd.) apontam para resultados, em geral esperados. Ter como UF de
origem um estado relativamente socialmente menos desenvolvido, ao invés de socialmente
desenvolvido, eleva a probabilidade de migração para todas as regiões, e diferencia, de
forma geral, o migrante do não migrante. Tal efeito é maior para região que recebia no
período mais migrantes, o Sudeste: aumento de 3% na probabilidade de migração. A condição
relativa estritamente econômica da UF de origem tem um efeito, porém, diferen-ciado
entre as regiões: Ter como UF de origem um estado com renda esperada relativamente
maior que a média, ao invés de relativamente maior, eleva a probabilidade de migração
para as regiões Norte, Nordeste e Sudeste, mas diminui tal probabilidade para as regiões
Sul e Centro-Oeste. Esta diferença, que, como se nota adiante, se mantém no tempo, pode
estar relacionada à migração dos indivíduos das UFs da região Sudeste para estas duas
regiões.
A MIGRAÇÃO NO PERÍODO 1988-1991
Como se notou a partir da Tabela 3, em relação ao período anterior, a migração do
período 1988-1991 apresenta uma maior concentração na região Sudeste e uma elevação
significativa da participação das UFs da região Centro-Oeste como região de destino, com
as demais regiões perdendo importância com destinos migratórios no país. Mais especificamente, juntas, as duas primeiras regiões passam a ser destino de cerca de 68% dos
migrantes brasileiros no período 1988-1991.
As evidências encontradas para este período, de forma geral, tendem a refletir tais
mudanças: há uma maior diferenciação do migrante que se dirige à região Sudeste em
relação aos migrantes para demais destinos, embora esta diferenciação seja menor para os
que têm o Centro-Oeste como meta. Da mesma forma que obtido para o período anterior,
em todas as possibilidades, também não foram rejeitadas as hipóteses de independência
das alternativas irrelevantes (IAI).
De fato, a evidência mais notável com respeito às influências das variáveis de capital
humano na probabilidade de migração no período 1988-1991, apresentadas na Tabela 6, a
seguir, diz respeito à escolaridade: apenas para a região SE, tanto pertencer ao grupo de
escolaridade média (Méd._escol.) como ao grupo de alta escolaridade (Alta_escol.), ao invés
de ser do grupo dos menos escolarizados, implica diminuição de probabilidade de migração
(diminuições de 0,2% e 0,08%, respectivamente). Resultados em direção oposta são encontrados para as demais regiões. Por um lado, tal padrão de diferenciação sugere elevação da
complementaridade produtiva entre a região SE e as demais, algo presente também no
período anterior; por outro lado, o fato da probabilidade de migração para esta região ser
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menor para indivíduos de mais alta escolaridade também sugere certa exaustão das
oportunidades para indivíduos mais qualificados nesta região. Neste sentido, é interessante
apontar o maior valor encontrado para o efeito de pertencer ao grupo de mais escolarizados,
ao invés de fazer parte do grupo de menos escolarizado, para a região NE (elevação de
0,19% da probabilidade de migração).
Tabela 6 — Estimativas para modelo logit multinomial para migração inter-regional no Brasil: 1988-1991. Variável dependente é a probabilidade de migrar
para as diferentes regiões (destinos) do país
Fonte: FIBGE — Censo Demográfico de 1991. Todas os coeficientes estimados representam efeitos em relação à condição de não migrante, tomada como referência. Desvio-padrão entre parêntesis, *, ** e *** indicam significância estatística a 1%, 5% e 10%, respectivamente. Os efeitos marginais estão em percentual. Foram realizados testes para verificar a
hipótese da IAI. Em todas as cinco possibilidades aceitaram-se a IAI.
Com respeito à idade, porém, as diferenciações gerais entre migrantes e não migrantes
se mantêm, quaisquer que sejam as regiões de destino: em relação aos indivíduos com mais
idade, tanto os indivíduos mais jovens como os de meia-idade apresentam maior
probabilidade de migração. Para a categoria dos mais jovens, novamente, o destaque é o
maior efeito quando o destino é a região SE: elevação de 0,51% da probabilidade de migração.
Exceto quando o destino é a região Sul, as evidências obtidas com respeito às influências da variável sexo na decisão de migração de acordo com a região de destino apontam,
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de forma geral, no sentido conhecido do período anterior: indivíduos do sexo masculino
apresentam maior probabilidade de migração. O resultado obtido para a região Sul pode
estar associado à importância da migração originária da região SE e da potencial maior
capacidade de arbitragem das mulheres desta região; como se mostra adiante, entretanto,
tal resultado não se mantém no tempo.
Quanto às evidências obtidas para outra categoria sujeita à potencial discriminação
no mercado de trabalho, a raça, a modificação a ressaltar em relação ao período anterior diz
respeito ao perfil do migrante que se destina à região CO. Agora, pertencer à raça branca
aumenta a probabilidade de migração para esta região, efeito no mesmo sentido daquele
encontrado para as regiões SE e Sul, e em sentido contrário àqueles verificados para as
regiões NO e NE. Tal mudança provavelmente é explicada pelo maior peso da migração
para CO de pessoas originárias no SE e Sul no período.
Há, contudo, maior desacordo em relação às evidências obtidas para o período anterior
no que diz respeito aos efeitos das variáveis de condicionamento familiar ou domiciliar. O
fato de ter filho, agora, eleva a probabilidade de migração apenas para a região NO (elevação
de 0,015%), diminuindo tal probabilidade para as regiões SE e CO, resultados que são
bastante distintos daqueles encontrados para o período 1977-1980. Por sua vez, a condição
de casado, que antes diminuía a probabilidade de migração para o SE, agora passa a diminuir
a probabilidade de migração também para as regiões NE e CO. Por fim, ser chefe do domicílio
(Respons.) aumenta a probabilidade de migração para regiões NE, Sul e CO e diminui esta
probabilidade para as regiões NO e SE.
Como não foi possível diferenciar, agora, para as UFs as condições de relativamente
menos desenvolvida e de relativamente economicamente deprimida, as influências das condições social e econômica da UF de origem são captadas no período 1977-1980 de forma
conjunta sobre a probabilidade de migração(3). As evidências indicam que, exceto para
a região Sul, uma situação relativamente desfavorável econômica ou socialmente eleva a
probabilidade de migração, e tal efeito é mais significativo para a região SE: elevação de
3% na probabilidade de migração. Um resultado, dado o conhecido maior desenvolvimento
econômico da região, em sintonia com a elevação da importância da região como destino
verificada no período.
A MIGRAÇÃO NO PERÍODO 1997-2000
Comparado com os dois períodos antes considerados, neste período há uma evidente
tendência de desconcentração com respeito às regiões de destino dos migrantes. Destino
de quase 50% dos migrantes entre 1988 e1991, a região SE, por exemplo, passa a ser destino de
apenas 24,3% dos migrantes. As demais regiões ganham espaço como destino, sendo o
destaque a região CO, que passa a ser, agora, o mais importante destino dos migrantes internos
brasileiros. Como se nota adiante, tal desconcentração quanto aos destinos é acompanhada
de uma maior homogeneidade regional quanto às características dos migrantes. A Tabela
7, a seguir, apresenta as estimativas dos coeficientes e dos efeitos marginais das variáveis
(3) Uma UF relativamente subdesenvolvida era sempre também deprimida economicamente.
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para modelo logit multinomial. Como verificado para períodos anteriores, aqui também,
em todas as possibilidades, não são rejeitadas as hipóteses de independência das alternativas
irrelevantes (IAI).
Tabela 7 — Estimativas para modelo logit multinomial para migração inter-regional no Brasil: 1997-2000. Variável dependente é a probabilidade de migrar
para as diferentes regiões (destinos) do país
Fonte: IBGE — Censo Demográfico de 2000. Todas os coeficientes estimados representam efeitos em relação à condição
de não migrante, tomada como referência. Desvio-padrão entre parêntesis, *, ** e *** indicam significância estatística a
1%, 5% e 10%, respectivamente. Os efeitos marginais estão em percentual. Foram realizados testes para verificar
a hipótese da IAI. Em todas as cinco possibilidades aceitaram-se a IAI.
Tal maior homogeneidade é evidente quando são consideradas as estimativas para as
variáveis de capital humano. Diferentemente do obtido antes para as variáveis de escolaridade, agora, para todas as regiões, inclusive o SE, ter mais de 8 anos de estudos aumenta
a probabilidade de migração qualquer que seja a região de destino.Ter 12 ou mais anos de
estudos (Alta_escol.) ao invés de no máximo 8 anos de estudos aumenta, por exemplo, a
probabilidade de migração para o SE em 0,3%. Há quanto à escolaridade, portanto, uma
aproximação entre os perfis dos migrantes regionais, o que provavelmente pode ser explicado pelas maiores exigências dos mercados de trabalho regionais.
Como nos períodos anteriores, também para este período mais recente ter menos de
40 anos eleva a probabilidade de migração, qualquer que seja a região de destino. O maior
efeito é encontrado para a categoria dos mais jovens (menos de 30 anos, Jovem_idad.)
quando o destino é a região CO: ter menos de 30 anos, ao invés de mais de 40 anos, eleva a
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probabilidade de migração para esta região em 0,79%, o que sugere a maior importância
da dimensão econômica/investimento na migração para esta região(4).
Como verificado para a migração no período 1977-1980, ser do sexo masculino também
eleva a probabilidade de migração para todas as regiões. Tal maior homogeneidade também se verifica para a categoria raça. Agora, exceto quando o destino é a região NO,
pertencer à raça branca eleva a probabilidade de migração para todas as demais regiões. O
fato de, agora, isto também acontecer para a região NE, região de maior contingente relativo
de pardos e negros, representa uma mudança importante em relação aos anos anteriores e
sugere a elevação da importância dos migrantes oriundos das regiões SE e Sul. De fato, em
relação ao período 1986-1991, nos cinco anos entre 1995 e 2000, o número de migrantes
do SE e Sul que tinham o NE urbano como destino aumentou cerca de 13,3%, bem acima
do crescimento do total de migrantes destas duas regiões que se dirigiram para o setor
urbano das demais regiões do país (em torno de 4%).
Quanto aos efeitos das variáveis de condicionamento familiar ou domiciliar, nota-se
que o fato de ter filho afeta, agora, apenas a probabilidade de migração para o CO (aumento
de 0,07% na probabilidade de migração), não diferenciando o migrante para demais regiões
do não migrante. Tal resultado, em parte, provavelmente pode ser explicado pelo relativo
menor número de filhos das famílias no período. O fato de os casamentos ocorrerem em
idade relativamente mais avançada, o que significa maior probabilidade de se estar inserido
satisfatoriamente no mercado de trabalho, também parece ser parte da explicação para a
influência da condição de casado na migração: exceto para a região Sul, estar casado diminui
a probabilidade de migração para todas as demais regiões. Por fim, nota-se que a condição
de ser chefe de família afeta apenas a probabilidade de migração do migrante que se destina
às regiões NE e Sul, não diferenciando o migrante para demais regiões do país do não
migrante. De toda a forma, também para este conjunto de variáveis, percebe-se maior
homogeneidade nas características que diferenciam os migrantes para diferentes regiões
do país do não migrante.
O padrão de influência das características das UFs de origem na migração, de acordo
com a região de destino, para este período mais recente é bastante semelhante àquele verificado para o período 1977-1980. Pertencer a uma UF de origem economicamente menos
próspera aumenta a probabilidade de migração para as regiões NO, NE e SE e diminui a
probabilidade de migração para o Sul e CO do país. Já pertencer a uma UF em condições
sociais relativamente desvantajosas aumenta a probabilidade de migração para todas as
regiões do país. Percebe-se que, aqui, mais uma vez tomando o lugar antes do SE, o maior
efeito é encontrado para a região CO (elevação de 3,7% na probabilidade de migração).
CONSOLIDAÇÃO
As evidências a respeito do perfil do migrante regional brasileiro apresentadas para
três diferentes períodos permitem uma série de inferências adicionais. Por razões de espaço,
apenas duas destas são destacadas aqui.
(4) Note-se que, nos dois períodos anteriores, tal efeito era maior para a região SE, o que sugere a perda de posição desta
região em relação às maiores oportunidades econômicas.
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A primeira evidência a destacar diz respeito aos movimentos de elevação e diminuição
das diferenças entre os migrantes de acordo com a região de destino que acompanham,
respectivamente, a elevação e diminuição da concentração regional quanto aos destinos
dos migrantes. Assim, enquanto entre 1980 e 1991 o movimento de aumento da importância
do SE como região de destino dos migrantes é acompanhado de maior diferenciação entre
os migrantes de acordo com a região de destino, a desconcentração quanto aos destinos
verificada entre 1991 e 2000 se dá em meio a uma tendência de maior homogeneidade do
migrante segundo as regiões de destino.
Um segundo ponto a merecer destaque diz respeito às mudanças mais importantes
no tempo quanto ao perfil do migrante brasileiro. Para evidenciá-las, na Tabela 8, a seguir,
são apresentados os diferentes perfis regionais obtidos a partir dos Censos Demográficos
de 1980 e 2000.
Tabela 8 — Perfil do migrante regional brasileiro — 1980 e 2000
Fonte: IBGE — Censos Demográficos de 1980 e 2000. A ausência de uma região em qualquer categoria indica efeito
estatisticamente não significante desta variável sobre a probabilidade de migração.
De forma geral, a desconcentração regional quanto aos destinos dos migrantes
verificada entre 1980 e 2000 foi acompanhada da elevação e homogeneidade quanto à
escolaridade do migrante, da continuidade na maior presença de homens e jovens, de maior
presença de pessoas da raça branca, da perda de importância da presença de filho, da mudança
de impacto positivo para negativo da condição de ser casado e da perda de importância da
condição de ser chefe do domicílio e da continuidade dos efeitos positivos sobre a migração
de condições econômica e social desfavoráveis nas UFs.
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Neste quadro de mudanças, é interessante apontar que, de forma geral e de acordo
com as variáveis consideradas, o perfil do migrante que se destina à região mais pobre do
país, o NE, torna-se bastante próximo àquele do migrante que se destina à região mais
rica do país, o SE.
3. CONCLUSÕES
Do que é conhecido pelos autores, este trabalho representa um esforço inédito na
literatura empírica sobre migração no Brasil. A partir da utilização dos microdados dos
Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000, obteve-se um amplo conjunto de evidências a
respeito do perfil do migrante brasileiro de acordo as regiões de destino.
De forma geral, os resultados indicam que, qualquer que seja a região de destino e o
período de migração entre 1980 e 2000, o migrante brasileiro apresenta perfil distinto
daquele do não migrante: é mais escolarizado, mais jovem, sobretudo do sexo masculino e
provém com maior probabilidade de UF em condição social relativamente precária.
Há, contudo, diferenciações importantes no tempo e entre os migrantes de acordo
com as regiões de destino. Como se observou, enquanto se eleva a participação do SE como
destino do migrante entre 1980 e 1991, há uma tendência de maior diferenciação entre os
migrantes de acordo com a região de destino (ex.: os migrantes para esta região passam a
ser relativamente menos escolarizados do que migrantes que escolhem outras regiões do
país); por outro lado, a desconcentração regional com respeito aos destinos verificada entre
1991 e 2000 é acompanhada de maior homogeneidade entre os perfis regionais dos
migrantes.
REFERÊNCIAS
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UM ESTUDO DO PERFIL DOS CURSOS DE
PSICOLOGIA DO TRABALHO NO BRASIL(*)
An Inquiry of Organizational Psychology Courses Profile in Brazil
Carolina Chahad Secco(**)
RESUMO: Na atual sociedade de regime capitalista, o trabalho é a atividade mais valorizada, realizada
pelo ser humano. Existe uma relação mútua entre trabalho, organizações, indivíduo e sociedade a
qual está em constante transformação. Desta forma, pesquisas e estudos nessa área mostram-se
relevantes e a Psicologia torna-se uma área importante para intervir nos processos e relações existentes
entre as esferas acima citadas, já que todas elas dependem do ser humano. A formação e educação
do Psicólogo são as bases para sua atuação e as Instituições de Ensino Superior têm que estar sempre
em constante atualização para formar indivíduos que possam atuar nas diferentes áreas da Psicologia.
Por isso, a importância de se estudar a área da Psicologia Organizacional e do Trabalho e a nossa
iniciativa de fazer um levantamento do perfil dos cursos de Psicologia do Trabalho no Brasil, com o
objetivo de mostrar seu alcance, sua abrangência e outros detalhes relativos a seu conteúdo. Para
atingir esses objetivos, o presente texto foi estruturado da seguinte forma. A primeira seção traça
um breve histórico da evolução do conceito do trabalho, mostrando sua importante relação com a
Psicologia, como fator constituinte do ser humano. Já a segunda seção descreve as origens da Psicologia do Trabalho, tanto no cenário brasileiro quanto internacional, seguida da terceira seção, que
aponta os campos de atuação dessa área. A seção quatro tece uma descrição da atual situação dos
cursos de Psicologia Organizacional e do Trabalho no Brasil, em 2006, apresentando o conteúdo dos
programas das IES, os temas estudados e seu alcance nacional. Uma análise crítica é realizada na
seção cinco, apontando para os aspectos legais brasileiros da disciplina e apresentando uma
comparação desta no Brasil e no exterior. A seção final traz as considerações finais.
Palavras-chave: Psicologia, Psicologia Organizacional, Psicologia do Trabalho, Psicologia Industrial,
Recursos Humanos, Educação, Mercado de Trabalho, Trabalho.
ABSTRACT: In the capitalist society, the work is one of the most valued activities. There is a mutual
relationship between labor, organizations, person and society, that is always in transformation. In
this way, studies and surveys in this area are very relevant and the Psychology is very important to
speak in the process and relations mentioned above. The education and graduation of the psychologist
are the basis for his action and the Universities have to be always updated to graduate people that
could act in the different psychology areas. For this reason, is important to study the Organizational
Psychology area and our initiative to do a Survey of Organizational Psychology Courses Profile in
Brazil, with the aim to show the scope, coverage and other details of this courses. To hit this aim this
study was structured in the follow way. The first section give a brief history of the evolution of the concept
of work, demonstrating its important relationship with psychology, as a constituent of the human
being. The second section describes the Labor Psychology origins in the Brazilian and international
canary, flow by the section third that point the actuation fields of this area. The four section presents
a description of the current situation of courses in Organizational Psychology and Labor in Brazil,
presenting the content of Universities, the subjects studied and its national scope. A critical analysis
is carried out in section fifth, pointing to the Brazilian legal aspects of discipline and presenting a
comparison of in Brazil and abroad. Section sixth brings the Final Considerations.
Key words: Psychology, Organizational Psychology, Labor Psychology, Industrial Psychology, Human
Resourses, Education, Labor Market, Work.
(*) Pesquisa de caráter voluntário, realizada com o apoio institucional da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho
(ABET), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e do Departamento de Economia da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). A autora agradece a participação
do Professor Titular da USP José Paulo Zeetano Chahad por sua colaboração na elaboração e revisão deste texto, assim
como na busca dos dados e informações.
(**) Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), pesquisadora FIPE/USP. E-mail:
<[email protected]>.
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Na atual sociedade de regime capitalista, o trabalho é uma das atividades mais
valorizadas, senão a mais, realizada pelo ser humano. Sua importância se dá desde a formação
da identidade e da subjetividade do indivíduo até sua subsistência. Passando também pelas
organizações, que são fundamentais para o funcionamento desta sociedade capitalista, pois
o indivíduo está em contato constante com organizações para manter sua qualidade de
vida, como veremos no decorrer do texto.
Essa relação mútua que existe entre trabalho, organizações, indivíduo e sociedade
está em constante transformação. Desta forma, pesquisas e estudos nessa área mostram-se relevantes e a Psicologia torna-se uma área importante para intervir nos processos e
relações existentes entre as esferas acima citadas, já que todas elas dependem do ser humano.
No final do século XIX, início do século XX, os médicos começaram a estudar os problemas de comportamento do indivíduo trabalhador no ambiente de trabalho, então com o
nome de Psicologia Industrial. No Brasil, a Psicologia do Trabalho surge por volta da
década de 30, decorrente da crescente industrialização.
A formação e educação do Psicólogo são as bases para sua atuação e as Instituições de
Ensino Superior têm que estar sempre em constante atualização para formar indivíduos
que possam atuar nas diferentes áreas da Psicologia.
Mais de 100 anos depois do início da atuação dos psicólogos na área da Psicologia
Industrial, com a evolução do mercado, das tecnologias e dos meios de produção, essa área
está em constante crescimento para acompanhar as demandas expressas pela sociedade, pelos
indivíduos, pelo governo e pelas organizações. Como veremos em nosso estudo, as atividades
do psicólogo do trabalho vêm aumentando cada vez mais conforme o crescimento da área.
Por isso, a importância de se estudar a área da Psicologia Organizacional e do Trabalho e
a nossa iniciativa de fazer um levantamento do perfil dos cursos de Psicologia do Trabalho
no Brasil, com o objetivo de mostrar seu alcance, sua abrangência e outros detalhes relativos
a seu conteúdo.
Para atingir esses objetivos, o presente texto foi estruturado da seguinte forma. A
Seção 2 traça um breve histórico da evolução do conceito do trabalho, mostrando sua
importante relação com a Psicologia, como fator constituinte do ser humano. Já a Seção 3
descreve as origens da Psicologia do Trabalho, tanto no cenário brasileiro, quanto
internacional, seguida da Seção 4, que aponta os campos de atuação dessa área. A Seção 5
faz uma descrição da atual situação dos cursos de Psicologia Organizacional e do Trabalho
no Brasil, apresentando o conteúdo dos programas das IES, os temas estudados e seu
alcance nacional. Uma análise crítica é realizada na Seção 6, apontando para os aspectos
legais brasileiros da disciplina e apresentando uma comparação desta no Brasil e no exterior.
A Seção 7 traz as Considerações Finais e a Seção 8, as Referências Bibliográficas.
1. A HISTÓRIA DO TRABALHO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A PSICOLOGIA DO TRABALHO
1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE TRABALHO E SEUS SIGNIFICADOS
Para mostrarmos a importância de se estudar a Psicologia Organizacional e do
Trabalho e entender os seus temas e conceitos, se faz necessária uma breve descrição
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histórica da evolução do conceito do trabalho. Por meio desta, discorreremos sobre a
valorização do trabalho em nossa sociedade e seus significados.
Desde os primórdios da humanidade, existe “trabalho”, naquele tempo como meio de
subsistência. Com a evolução do homem e da sociedade, este foi adquirindo diferentes
significados, passando pela filosofia clássica, greco-romana, a qual classificava o trabalho
apenas como as atividades braçais, exercidas de forma degradante pelos escravos e seres
inferiores.
A valorização do trabalho começou na Idade Média, com a Igreja Católica, momento
no qual o trabalho tinha um significado religioso, apenas como forma de subsistência e
porta de entrada para o céu. Seguiu, de uma forma diferente, com a Reforma Protestante,
a qual colocava que o trabalho era uma contribuição para a sociedade, dignificando aquele
que trabalha e permitindo a obtenção do lucro. Isso porque, com o fim do feudalismo e o
início das atividades mercantes, surgiu a necessidade de acúmulo de capitais e obtenção de
lucro.
Hoje, como sistema capitalista, o trabalho continua sendo muito valorizado pela nossa
sociedade, já que o ideal capitalista, após o desenvolvimento das teorias fordista e taylorista,
é de se obter cada vez mais lucro, ou seja, uma produção maior em um menor espaço de
tempo.
“Quem detém, portanto, os meios de produção é o capitalista. O indivíduo desprovido
destes meios não tem como reproduzir sua existência.” (ZANELLI, BORGES-ANDRADE e BASTOS, 2004)
A única maneira de reproduzir sua existência, então, é vender sua força de trabalho,
contribuindo assim com a produção, tão valorizada pela sociedade. Portanto, quem trabalha,
ou vende sua força de trabalho, é visto como um indivíduo digno e cidadão, pois só assim,
está contribuindo para a sociedade.
Assim, o trabalho é muito relevante para a formação do indivíduo, como ser social,
pois, segundo Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004):
“(...) para compreender-se a psicologia, é preciso compreender o trabalho (...) O trabalho
permite, constrói e expressa o indivíduo.”
Poderíamos discorrer muito sobre a história da valorização do trabalho, pois em cada
época, com suas ideias e sua cultura, o trabalho exerceu um papel e uma função, sempre
presente, tanto para a subsistência, quanto para a colocação do homem na sociedade.
Acreditamos, porém, que não se faz necessário, uma vez que queríamos apenas apontar
para essa valorização do trabalho, mostrando a importância que este tem para nossa sociedade e para o ser humano, despertando nosso interesse em desenvolver um estudo nessa
área da Psicologia.
1.2. ORGANIZAÇÕES, SOCIEDADE E INDIVÍDUO
Além da importância do trabalho para a formação da identidade e da subjetividade do
indivíduo, as organizações são fundamentais para o funcionamento de nossa atual sociedade,
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pois o indivíduo está em contato constante com organizações para manter sua qualidade
de vida. Aqui faz-se necessária uma pausa para definir organização.
As organizações são fenômenos complexos e existem inúmeras abordagens para explicá-las e defini-las. Esta complexidade torna-se mais um fator que aponta para a importância da
Psicologia de pesquisar e aprofundar mais os estudos na área organizacional e do trabalho.
De uma forma simples e objetiva, podemos dizer que as organizações não são só
empresas industriais, produtoras de bens materiais e ações, são todos os organismos que,
de alguma forma, oferecem serviços para a sociedade e para os seres humanos: creches,
escolas, universidades, postos de saúde, hospitais, organizações não governamentais, entidades comunitárias, órgãos públicos, lojas, empresas, etc.
O bom funcionamento das organizações é, então, tão importante para estas realizarem
uma boa produção de serviços e para seu sucesso, quanto para a sociedade e o indivíduo
que dependem desses serviços para seu bem-estar e qualidade de vida. Sem a força de
trabalho humana ou com ela defasada, a organização não sobrevive ou não alcança o sucesso
e vice-versa.
Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) afirmam que as organizações “subsistem no
tempo para além das pessoas que as integram”, ou seja, estas avançam no tempo, sobrevivendo a diferentes administrações, passando por diferentes valores, missões e políticas, que
são criadas pelos indivíduos. Assim, as ideias e os valores criados pelos homens são elementos
fundantes de uma organização. Neste sentido, a organização não é estática, mas sim vive em
constante transformação com o passar do tempo e o desenvolvimento da cultura.
O indivíduo trabalhador passa a maior parte de seu tempo dentro da organização,
produzindo bens e serviços que serão utilizados por outros indivíduos e pela sociedade.
Passa, portanto, a maior parte de seu tempo vivendo experiências que afetam tanto sua
vida pessoal, quanto o funcionamento da organização na qual está inserido, e da sociedade.
Em razão dessa relação mútua que existe entre trabalho (com todos os seus significados
e valores), organizações (com toda sua complexidade), indivíduo (com sua identidade e
subjetividade) e sociedade (com sua história e cultura), que está em constante transformação,
pesquisas e estudos nessa área, mostram-se relevantes e a Psicologia torna-se uma área
importante para intervir nos processos e relações existentes entre o trabalho, as organizações, a sociedade e o indivíduo.
Segundo Krumm (2005) a Psicologia Organizacional e do Trabalho surgiu primeiramente nas indústrias. Com o crescimento da área, porém, outros tipos de organizações (como
os citados acima) começaram a se utilizar dos conhecimentos, pesquisas e atuação desta.
2. AS ORIGENS DA PSICOLOGIA DO TRABALHO
2.1. SUMÁRIO HISTÓRICO DO SURGIMENTO
A Psicologia Organizacional e do Trabalho (como hoje é denominada no Brasil),
surgiu no final do século XIX, início do século XX, então com o nome de Psicologia
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Industrial, para estudar os problemas relacionados ao trabalho, com o foco no
comportamento do trabalhador no ambiente de trabalho (KRUMM, 2005).
Entre os nomes citados como os pioneiros dessa área estão Walter Dill Scott e Hugo
Münsterberg (WALTHER, 1929; KRUMM, 2005; ZANELLI, BORGES-ANDRADE e
BASTOS, 2004). O primeiro era psicólogo professor da Nortwestern University, publicou
artigos e livros na área. De acordo com Walther (1929), Scott estava preocupado em aumentar
o rendimento operário na indústria, estudando fatores que poderiam atingir este objetivo,
como: imitação, emulação (competição), lealdade recíproca entre operários e patrões,
concentração no trabalho, diminuição da fadiga profissional, salários justos e gosto e amor
pelo trabalho.
Já o segundo, psicólogo alemão, discípulo do Wundt, lecionava em Harvard, tendo
criado testes voltados para seleção de pessoal, para ajustamento do indivíduo em cargos
adequados às suas capacidades. Ainda na última década do século XIX, Münsterberg publicou
testes, com o objetivo de estudar as manifestações das diferentes profissões na “organização
psíquica” em cada ser humano (WALTHER, 1929). Müsterberg foi, também, o autor do
primeiro livro publicado na área da psicologia industrial, Psychology and industrial efficiency
(WALTHER, 1929; KRUMM, 2005).
As duas grandes guerras favoreceram o desenvolvimento e o crescimento dessa área
(WALTHER, 1929; SAMPAIO, 1998; ZANELLI, BORGES-ANDRADE e BASTOS, 2004;
KRUMM, 2005). Nesses períodos, as ações são muito intensificadas para preencher a defasagem de mantimentos e armamentos causados pela guerra. As nações envolvidas querem
superar sua produção em relação a seus inimigos para obter vantagem na luta. De acordo
com Walther (1929), esse aumento da carga de trabalho produz consequências para a saúde
do ser humano e acaba prejudicando o nível de produção. Foi necessário, então, que
especialistas, como médicos, psicólogos e fisiologistas, dessem mais atenção ao homem em
seu local de trabalho.
Além disso, durante esses períodos, os testes psicológicos foram extensamente utilizados para selecionar e avaliar recrutas adequados para cada cargo dentro do exército
americano, em virtude das constatações de que, em cada posição, era preciso aptidões
especiais. Foram então desenvolvidas atividades como seleção, treinamento, avaliação de
desempenho, trabalho com motivação e adequação dos equipamentos.
No período pós-guerra, as indústrias e empresas continuaram então utilizando todos
os conhecimentos e atividades desenvolvidos durante as guerras.
Segundo Krumm (2005), é nesse momento que a Psicologia Industrial volta-se também
para o lado organizacional, pois não se preocupa mais apenas com o comportamento do
indivíduo em relação ao cumprimento de sua tarefa, mas sim, com a realização de um
trabalho pelos indivíduos e pelo grupo que compõe a organização.
Durante o período entre as guerras, durante as décadas de 1920 e 1930, a Psicologia
Industrial continuou a se desenvolver e os psicólogos dessa área começaram a se preocupar
com o bem-estar dos trabalhadores. Estudos como Hawthorne(1), iniciado em 1924, começaram a
(1) Consultar, entre outros, Krumm (2005).
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voltar suas atenções para os fatores interpessoais e sociais existentes no ambiente de
trabalho, surgindo então o movimento das “relações humanas”.
Após a Segunda Guerra Mundial, por volta da década de 1960, a Psicologia Industrial/
Organizacional (I/O) começou a ser aplicada não só nas indústrias, mas em outros tipos de
organização, como hospitais e escolas (KRUMM, 2005). Atualmente, os Psicólogos I/O
atuam em diferentes tipos de instituições e organizações (Quadro 1).
Quadro 1. Onde os Psicólogos I/O Atuam
Fonte: Elaboração da autora a partir de informações em Krumm (2005), p. 17.
2.2. A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO NO BRASIL
No Brasil, a Psicologia do Trabalho surge por volta da década de 1930, quando ocorre
a migração da zona rural para os centros urbanos que começavam a crescer com a
industrialização.
Como em todo o resto do mundo, o início dessa área no Brasil, até meados do século
XX, foi marcado pela forte atuação do psicólogo na utilização de testes psicológicos voltados
para seleção de pessoal, sendo as principais atividades recrutamento, seleção, treinamento
e avaliação de desempenho (ZANELLI, BORGES-ANDRADE e BASTOS, 2004).
Conforme o crescimento da industrialização, do capitalismo e da competitividade do
mercado em nosso país (principalmente por causa da globalização e da chegada de empresas
multinacionais), a Psicologia voltada para o trabalho também cresceu e começou a se desenvolver, de maneira que o psicólogo do trabalho passou a exercer cada vez mais atividades
(Quadro 2).
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Quadro 2. Atividades Desenvolvidas pelos Psicólogos do Trabalho no Brasil
Fonte: Sampaio (1998), p. 36.
Em 2001, foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho, com a finalidade de “promover a produção e divulgar o conhecimento científico e
tecnologias na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho”(2).
Atualmente, no Brasil, a área da Psicologia voltada para o trabalho é denominada de
Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), pois
“... busca compreender o comportamento das pessoas que trabalham tanto em seus
determinantes e suas consequências, como nas possibilidades da construção produtiva
das ações de trabalho, com preservação máxima da natureza, da qualidade de vida e
do bem-estar humano.” (ZANELLI, BORGES-ANDRADE e BASTOS, 2004)
Segundo Sampaio (1998), no Brasil, os psicólogos dessa área se utilizam do termo
psicólogo do trabalho ou psicólogo organizacional, pois o termo psicólogo industrial caiu
em desuso. Ao longo desta pesquisa essa ideia é confirmada, já que, conforme veremos, os
cursos da Psicologia do Trabalho em nosso país utilizam principalmente as seguintes
nomenclaturas: Psicologia Organizacional, Psicologia do Trabalho e Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Podemos dizer, então, que nos primórdios, quando surgiu na Europa e nos Estados
Unidos, a Psicologia Industrial tinha o foco no comportamento das pessoas voltado exclusivamente para os problemas relacionados ao trabalho, no ambiente de trabalho. A preocupação
maior era com a produção. Hoje, esse foco de atuação se expandiu, a Psicologia Organizacional e do Trabalho estuda o comportamento das pessoas que trabalham. Atualmente,
(2) Informações disponíveis em: <www.sbpot.org.br>.
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entretanto, não se preocupa somente com a situação de trabalho e com a produção, mas,
também, com diversos fatores dentro e fora do ambiente de trabalho que possam interferir
na qualidade de vida do indivíduo e da organização.
3. OS CAMPOS E AS ATIVIDADES DA PSICOLOGIA DO TRABALHO
3.1. PSICOLOGIA INDUSTRIAL VERSUS PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL VS PSICOLOGIA DO TRABALHO
Com o desenvolvimento da área da Psicologia do Trabalho e o crescimento dos campos
de estudo, interesse e atuação do psicólogo nessa área, a Psicologia do Trabalho acabou
desenvolvendo 3 faces: A Psicologia Industrial, a Psicologia Organizacional e a Psicologia
do Trabalho (SAMPAIO, 1998). Essas três faces são definidas por este autor da seguinte
maneira:
1 — Psicologia Industrial: “atua nos postos de trabalho e não se envolve com a
organização” (sic). Esta face ainda se preocupa com a maximização da produção e não
tanto com o indivíduo trabalhador.
2 — Psicologia Organizacional: trabalha não só com indústrias, mas com outras
organizações do mercado de trabalho (hospitais, bancos, escolas, comércio, etc.). Além
disso, a Psicologia Organizacional trabalha com toda a estrutura das organizações e
não só com o comportamento do indivíduo em determinado posto de trabalho.
3 — Psicologia do Trabalho: se volta mais para o homem trabalhador, buscando
compreender seu comportamento, sentimento, saúde e bem-estar, resultantes de seu
trabalho, dentro e fora das organizações, individual e em grupos.
Já para Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004), a Psicologia Organizacional e do
Trabalho, no Brasil, compreende os seguintes campos: a Psicologia do Trabalho, a Psicologia
Organizacional e a Gestão de Pessoas (também conhecida como Gestão de Recursos
Humanos). Esses autores descrevem estes campos da seguinte maneira:
1 — A Psicologia do Trabalho estuda a relação do indivíduo com o trabalho. Estuda
os fatores psicossociais e pessoais que afetam o bem-estar, a qualidade de vida e a
saúde do trabalhador, afetando consequentemente seu comportamento no trabalho.
2 — A Psicologia Organizacional preocupa-se com a relação do comportamento
no trabalho e na organização. Busca compreender como o comportamento humano
interfere no funcionamento da organização e vice-versa.
3 — A Gestão de Pessoas tem como foco a relação entre o ser humano e a organização.
Aqui são realizadas atividades para que os empregados e colaboradores da organização trabalhem de acordo com os valores, objetivos e a missão da organização. Essas atividades
vão desde a captação de profissionais com o perfil adequado para trabalhar na organização,
até a capacitação, qualificação, desenvolvimento e treinamento dos empregados.
Krumm (2005) classifica os três campos de especialização da Psicologia Industrial Organizacional, nos Estados Unidos, da seguinte maneira: Psicologia Pessoal, Psicologia
Organizacional e Engenharia dos Fatores Humanos (Ergonomia).
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1 — A Psicologia Pessoal equivale ao do campo de Gestão de Pessoas descrito por
Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004).
2 — A Psicologia Organizacional de Krumm tem o mesmo foco da Psicologia
Organizacional de Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004), levando em conta como o
grupo de trabalho e a organização interferem sobre os sujeitos trabalhadores
considerados individualmente.
3 — A Ergonomia ou Engenharia dos Fatores Humanos tem como foco principal
a relação entre o homem e outros elementos de um sistema, em uma situação de trabalho, com o objetivo de melhorar o desempenho de trabalho e o bem-estar do
trabalhador. Estuda temas como ambiente no local de trabalho, desenho dos
equipamentos e programas de segurança.
A Ergonomia é conhecida principalmente nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil,
a formação nessa área ocorre em nível de pós-graduação lato sensu, ou seja, apenas como
especialização. Envolve disciplinas como Anatomia, Fisiologia, Organização do Trabalho,
Design e Métodos Tecnológicos, além da Psicologia.
3.2. ATIVIDADES E PAPEL DO PSICÓLOGO DO TRABALHO
Nessa sessão, desenvolveremos um pouco mais sobre as atividades realizadas pelo
Psicólogo do Trabalho.
Como vimos anteriormente, as atividades do Psicólogo do Trabalho vêm aumentando
cada vez mais conforme o crescimento da área. Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) afirmam que, por muito tempo, a seleção de pessoal e o uso de testes psicológicos foram as
atividades mais realizadas pela Psicologia Organizacional e do Trabalho. Sampaio (1998)
concorda com essa observação, acrescentando que até hoje essas são as atividades mais
exercidas pelo psicólogo organizacional, pois os cursos para sua formação ainda são muito
focados em tais atividades.
Por meio da análise dos textos dos autores Sampaio (1998), Zanelli, Borges-Andrade e
Bastos (2004) e Krumm (2001), elaboramos os Quadros 3A, B e C, expondo as divisões e
descrições das atividades realizadas pelos psicólogos, dentro das áreas da Psicologia do
Trabalho. Como as atividades da área de gestão de recursos humanos ainda são as mais
exercidas e por isso as mais estudadas, elas se encontram também descritas mais detalhadamente.
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Quadro 3A — Psicologia Organizacional
€ Ambiente
Organizacional
€ Estrutura
Organizacional
€ Diagnóstico
€ Estratégia
€ Análise
Organizacional
Organizacional (formulação, concepção, implementação)
de Clima e Cultura
€ Diversidade
Organizacional
€ Comunicação
€ Processos
Organizacional
Grupais
€ Comportamento
Organizacional (motivação, liderança)
€ Hierarquia
€ Poder
€ Burocracia
€ Consultoria
Fonte: Elaboração da autora com base em Sampaio (1998), Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) e Krumm (2001).
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Quadro 3B — Gestão de Recursos Humanos
Fonte: Elaboração da autora com base em Sampaio (1998), Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) e Krumm (2001).
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Quadro 3C — Psicologia do Trabalho
Fonte: Elaboração da autora com base em Sampaio (1998), Zanelli, Borges-Andrade e Bastos (2004) e Krumm (2001).
A incorporação de novas atividades, ao longo do tempo, nessa área, mostrou a
necessidade de parceria da Psicologia com outras disciplinas. Como, por exemplo, a Medicina
por causa do estudo de doenças relacionadas ao trabalho; a Administração em virtude das
atividades organizacionais; a Economia em razão da importante relação entre o mercado
de trabalho; a Psicologia do Trabalho, assim como da Filosofia, Sociologia e Antropologia.
4. A PESQUISA SOBRE O PERFIL DOS CURSOS DE PSICOLOGIA DO TRABALHO
4.1. DESCRIÇÃO DO CONTATO
Para iniciarmos essa pesquisa, realizamos um levantamento, por intermédio do site
do Ministério da Educação (MEC), de todas as Instituições de Ensino Superior (IES)
cadastradas, as quais ministram os cursos de Psicologia. Na ocasião, foram levantadas 210
Instituições no total(3), assim distribuídas por todo o país:
(3) A lista completa das IES consultadas para este estudo encontra-se no Anexo I do texto completo publicado como
Contribuição Especial nos Anais do X Encontro Nacional da ABET — Balanço e Perspectivas do Trabalho no Brasil, Salvador,
11 a 14 de novembro de 2007 (CD-ROM).
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Gráfico 1 — Brasil: Distribuição Regional das IES de Psicologia,
2006 (total de 210 Instituições)
Fonte: Cadastro IES do MEC, disponível em: <www.mec.gov.br>.
Estabelecemos, então, contato via e-mail com todas as instituições (210) levantadas,
com exceção de dez, as quais foram contatadas via correio, pois os e-mails cadastrados não
estavam ativos. Neste contato, havia uma solicitação dos dados necessários para que fosse
realizado o estudo, entre eles, programa da disciplina Psicologia do Trabalho ou assemelhada
(graduação e pós-graduação), tempo em que a disciplina é ministrada, nome e formação do
docente responsável por tal disciplina. Esse contato foi realizado 4 vezes, com intervalos
em média de 15 dias para maximizarmos a possibilidade de resposta e adquirirmos amostra
para a qualidade do estudo(4).
No total, das 210 Instituições contatadas, 82 (cerca de 40%) responderam à solicitação
realizada, enviando algum tipo de resposta com material.
(4) A íntegra dessa correspondência, para os níveis de graduação e pós-graduação, encontra-se no Anexo II do texto
completo publicado como Contribuição Especial nos Anais do X Encontro Nacional da ABET — Balanço e Perspectivas do
Trabalho no Brasil, Salvador, 11 a 14 de novembro de 2007 (CD-ROM).
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4.2. O PERFIL DO UNIVERSO INVESTIGADO
Gráfico 2 — Porcentagem de IES participantes que possuem cursos na área de
Psicologia Organizacional e do Trabalho, 2006
Fonte: Elaboração da autora.
O curso de Psicologia Organizacional e do Trabalho tem dimensão nacional (é
lecionado em todas as regiões), com concentração maior no Sudeste.
Gráfico 3 — Brasil: Distribuição Regional dos Cursos de Psicología
do Trabalho, 2006 (Total de 66 IES)
Fonte: Elaboração da autora.
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A maior concentração dos Cursos de Psicologia Organizacional e do Trabalho que
estão sendo implantados é no Sudeste, com pouca discrepância entre as regiões:
• 39% se encontravam na região Sudeste (5)
• 23% se encontravam na região Nordeste (3)
• 15% se encontravam na região Sul (2)
• 15% se encontravam na região Norte (2)
• 8% se encontravam na região Centro-Oeste (1)
Apenas três IES responderam que ministravam o curso de Psicologia do Trabalho
em pós-graduação. Todas estão localizadas na região Sudeste.
Das três IES que, gentilmente, nos responderam, informando que não ministravam
nenhum curso voltado para essa área, duas estão localizadas no sul e uma no nordeste.
4.3. DESCRIÇÃO DO PERFIL DOS CURSOS SUPERIORES DE PSICOLOGIA DO TRABALHO NO
BRASIL
4.3.1. O CONTEÚDO DOS PROGRAMAS/TEMAS ESTUDADOS
Ao iniciarmos essa pesquisa, trabalhávamos com o nome de Psicologia do Trabalho.
Mas, conforme o estudo foi se aprofundando, percebemos o crescimento da área de atuação
do psicólogo nessa área e, portanto, da necessidade da nova denominação de Psicologia
Organizacional e do Trabalho.
O mesmo ocorreu em relação à denominação dada pelas IES para a área, que varia
basicamente entre Psicologia do Trabalho, Psicologia Organizacional e Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Os temas levantados, que constam no programa de ensino dos cursos dos IES,
abordados nos cursos de Psicologia, são os seguintes(5):
Geral
• Atuação e papel do psicólogo nas Organizações
• História do Trabalho, das Organizações e da área da Psicologia Organizacional e do
Trabalho
• Ética Profissional
• Relações Interdisciplinares (Economia, Medicina, Sociologia, Antropologia, Filosofia)
• Psicologia Social
• Conceitos de Administração
(5) Divisão por campos da Psicologia Organizacional e do Trabalho elaborado pela autora de acordo com presente
estudo, com base nas informações obtidas nos programas enviados pelas IES.
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Psicologia do Trabalho
• Significado do Trabalho
• Trabalho e identidade, subjetividade
• Saúde do Trabalhador (física e mental, acidentes, CIPA)
• Relações do Indivíduo no Trabalho
• Relações (de satisfação ou sofrimento) do Indivíduo com o Trabalho
• Desemprego
• Aposentadoria
• Mercado de Trabalho (trabalho informal, trabalho infantil, trabalho doméstico,
empresa familiar)
• Trabalho e Lazer
• Álcool e Drogas no Trabalho
• Socialização
• Integração
• Qualidade de Vida
• Autogestão
• Psico-higiene
• Assédio Moral
• Criatividade
Gestão de Recursos Humanos
• Gestão de Pessoas
• Recrutamento e Seleção
• Treinamento e Desenvolvimento
• Avaliação de Desempenho
• Orientação Profissional e Planejamento de Carreira
• Salários e Benefícios
• Descrição de Cargo
• Mapeamento de Competência
• Gestão dos Talentos
• Desligamento
• Programa de Gestão de Pessoas
• Aplicação de Testes Psicológicos
• Rotação de Pessoal
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• Absenteísmo
• Ergonomia
• Ergologia
Psicologia Organizacional
• Clima e Cultura Organizacionais
• Conceitos Organizacionais e Pressupostos Teóricos e Filosóficos da Área
• Consultoria Interna e Externa
• Estrutura e Ambiente Organizacional
• Diagnóstico Organizacional
• Contextos Organizacionais (empresas, indústrias, hospitais, escolas, 3º setor,
cooperativas, etc.)
• Nível Micro e Macro Organizacionais
• Técnicas, Instrumentos e Projetos de Intervenção
• Comportamento Organizacional
• Diversidade Organizacional (sexo, idade, raça, portadores de deficiência)
• Novos Cenários Organizacionais
• Qualidade Total
• Grupos
• Poder e Conflito
• Motivação
• Responsabilidade Social
• Liderança
• Hierarquia
• Negociação
• Comunicação
• Comportamento do Consumidor
• Empresa Familiar
• Psicologia Ambiental
• Endomarketing
• Burocracia
• Teoria da Administração X/Y
• Job Design
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Quanto à concentração desses conteúdos, percebe-se que os temas relacionados à
área de Recursos Humanos ainda são os mais estudados.
Os temas que constam em maior concentração nos programas das IES são os seguintes:
história da evolução da Psicologia Organizacional do Trabalho (81%), papel do psicólogo
(80%), saúde do trabalhador (78%), recrutamento e seleção (75%), clima e cultura organizacional (69%), treinamento e desenvolvimento (68%) e avaliação de desempenho (56%).
Apesar de a área de Recursos Humanos representar ainda a mais forte, mediante uma
análise dessa concentração, podemos ver também o crescimento da Psicologia Organizacional. Assuntos como o diagnóstico e intervenção organizacional (58%), motivação (51%),
qualidade de vida no trabalho (48%), novos cenários e contextos organizacionais (46%)
também estão muito presentes nos programas dos cursos de Psicologia. Por volta de 43%
das IES apresentaram uma programação de estágios práticos na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Existe uma grande variedade, em relação à quantidade de matérias estudadas em
cada IES, voltadas para a Psicologia Organizacional e do Trabalho. Existem instituições
que apresentaram programas de apenas uma (1) matéria, enquanto outras apresentaram
um número maior, chegando até a 14 matérias da área ministradas por uma instituição. A
maioria das instituições (58%), porém, apresenta em seu currículo entre uma (1) e três (3)
matérias.
As instituições que ministram cursos de Psicologia Organizacional e do Trabalho
também abrangem todos os campos acima citados. Mostrando mais uma vez a evolução
desta área. A amostra é muito pequena, entretanto, para podermos avaliar a concentração dos
assuntos estudados.
5. UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O PERFIL ENCONTRADO
5.1. ASPECTOS LEGAIS
Para assegurar uma boa qualidade de um curso superior, de maneira que este cumpra
sua finalidade, formando profissionais competentes, é importante que as instituições de
Ensino Superior sigam as normas e legislações impostas pelo Ministério da Educação.
Baseamo-nos, então, em alguns pontos da Resolução n. 8, de 7 de maio de 2004 —
Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia — desenvolvida pela
Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação do MEC para verificarmos
a relação dos cursos de Psicologia Organizacional e do Trabalho com os aspectos legais.
Primeiramente, é importante ressaltar que não é obrigatório que o curso de formação
superior em Psicologia possua uma matéria relacionada à área aqui pesquisada, já que o
art. 11 da mencionada Resolução apresenta sete ênfases curriculares(6), das quais é necessário
(6) Art. 10, Resolução n. 8/04: “conjunto delimitado e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos e estágios em algum domínio da Psicologia”.
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que a instituição ofereça apenas duas. Entre as sete ênfases curriculares a principal com
relação à Psicologia Organizacional do Trabalho é:
Art. 11, § 1º-C: Psicologia e processos de gestão que abarca a concentração em competências
definidas no núcleo comum da formação para o diagnóstico, planejamento e uso de procedimentos e técnicas específicas voltadas para analisar criticamente e aprimorar os processos de
gestão organizacional, em distintas organizações e instituições.
Neste sentido, podemos notar que, mesmo sem ser uma disciplina obrigatória, a maioria
das IES (80%) apresenta-a em seu currículo, apontando mais uma vez para o fato do
crescimento da área da Psicologia do Trabalho em razão da necessidade que o mercado
tem trazido.
5.2. UMA COMPARAÇÃO ENTRE OS CURSOS DE PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO
NO BRASIL E NO EXTERIOR
Como foi dito no início do estudo, sendo o ser humano um ser social, seus atos dependem da cultura onde esse está inserido e vice-versa.
Mesmo contemporaneamente, existem diferentes culturas, já que o espaço também é
um determinante desta.
Dessa forma, os valores do trabalho e a forma como este tema é abordado em cada
país podem ser diferentes. Por isso, acreditamos que fazer um breve relato de como esse
tema é abordado em Instituições de ensino de outros países, portanto em outras culturas,
poderá enriquecer ainda mais nosso trabalho.
Nesta edição, realizamos um levantamento das cinco melhores Universidades dos
Estados Unidos, dos três melhores cursos de Psicologia Industrial/Organizacional neste
mesmo país e das duas melhores Universidades do Reino Unido(7).
Partindo do princípio, a nomenclatura utilizada para designar a área da Psicologia do
Trabalho, já encontramos diferenças nos três países: no Brasil, como já apresentamos em
sessões anteriores, a área chama-se Psicologia Organizacional e do Trabalho; nos Estados
Unidos, o nome utilizado é Psicologia Industrial Organizacional (I/O) e, no Reino Unido,
dá-se o nome de Psicologia Ocupacional.
5.2.1. BRASIL VERSUS ESTADOS UNIDOS
No Brasil, o ensino superior é chamado de graduação e é uma etapa muito valorizada,
bem como importante para a formação do profissional. Apenas um diploma de graduação
já habilita o indivíduo a exercer a profissão. Por isso, os cursos de graduação apresentam
uma vasta quantidade de matérias e cursos.
Já nos Estados Unidos existe o nível undergratuate e o graduate, que poderíamos dizer
que correspondem à graduação e à pós-graduação respectivamente. Naquele país, a graduação, ou undergraduate, é num nível muito básico e, de maneira geral, os cursos de Psicologia
(7) Informações disponíveis em: <www.usnews.com/usnews/edu/college/rankings>.
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I/O são ministrados na pós-graduação e, muitas vezes, em parcerias com outros departamentos,
da Universidade, como, por exemplo, a de Administração (Business School).
Por ser uma formação de pós-graduação, os estudos da área, nos Estados Unidos,
envolvem muita pesquisa e prática, de maneira que todas as Universidades enfatizam em
seu programa que o estudante adquirirá importantes habilidades para a prática e pesquisa
na área da Psicologia I/O.
Segundo a Sociedade de Psicologia Industrial e Organizacional (Society for Industrial
and Organizational Psychology — SIOP), dos Estados Unidos, o psicólogo I/O ajuda a
elaborar estratégias para a construção de organizações melhores, contribuindo para melhoria
da performance desta. Para a SIOP, o psicólogo I/O atua em diferentes campos:
— junto aos funcionários: aplicação de testes psicológicos; seleção; contratação;
entrevistas; treinamento; planejamento de carreira; avaliação de desempenho; atitudes,
satisfação e motivação dos indivíduos;
— na área de desenvolvimento organizacional: processos grupais; produção e qualidade; planejamento de estratégias; clima e cultura; estrutura organizacional;
diversidade na força de trabalho; impactos da tecnologia no ambiente de trabalho; job
design;
— na área de Recursos Humanos: questões legais; saúde do trabalhador; compensação
e benefícios; comportamento do empregado; questões com os sindicatos; relações no
trabalho; programas de qualidade de vida; avaliação de desempenho;
— na realização de pesquisas.
Existe uma dificuldade em se conseguir os programas dos cursos ministrados pelas
Universidades, pois estas apresentam, na maioria das vezes, apenas as grandes áreas da
Psicologia — Psicologia Cognitiva, Psicologia do Desenvolvimento, Neuropsicologia, Psicologia Clínica e Psicologia Social — dando uma descrição geral do que cada área envolve.
Quando é apresentada uma listagem mais específica de cada curso, o conteúdo não é descrito
de forma tão detalhada como os programas dos cursos brasileiros.
Entre as melhores Universidades do país, não encontramos nenhum conteúdo
significativo para descrição da área da Psicologia Industrial e Organizacional nas Universidades de Yale, Princeton e Stanford.
Já a Harvard University apresentou os seguintes temas nos programas divulgados de
seus cursos: trabalho em equipes; liderança; processos, comportamento e desempenho do
grupo e pessoal em organizações; relações no ambiente de trabalho; comunicação; conflitos;
como o indivíduo afeta o grupo e vice-versa; bem-estar; negociação; psicologia social de
guerra e agressão; psicologia social de inter-relação e etnias; como o indivíduo e o grupo
afetam a organização e vice-versa; poder e política.
Foi possível obter maiores informações sobre os estudos na área por meio dos
programas apresentados pelas três primeiras Universidades colocadas no ranking de melhor
programa de Psicologia I/O, da US News, em 2006: Michigan State University, University
of Minessota e Bowling Green State University.
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A 1ª colocada no ranking, a Michigan State University , apresenta programas de pós-graduação (phD, mestrado, doutorado), juntamente com Academia de Administração
(Academy of Management) e a Escola de Relações do Trabalho e da Indústria (School of
Labor and Industrial Relations), pertencente à Faculdade de Direito.
No programa de doutorado dessa Universidade, são abordados os seguintes temas:
recursos humanos, comportamento organizacional; estratégias de administração de recursos
humanos; relações de trabalho; mercado de trabalho; políticas de emprego.
Já os programas dos cursos da School of Labor and Industrial Relations apresentam os
seguintes tópicos: relações do indivíduo e dos grupos nas organizações; planejamento em
RH; sistema de compensação e benefícios; igualdade de oportunidade empregatícias; diversidade na força de trabalho; desenvolvimento organizacional; estratégias de administração
organizacional; relações trabalhistas; programas de treinamento; desenvolvimento e mudança organizacional; liderança; softwere e programa de dados para RH; mercado de trabalho,
inclusive em diferentes nações; negociação; leis trabalhistas; questões do setor público;
globalização.
A Michigan State University ainda ministra em seus cursos temas como: comportamento
organizacional; motivação; recrutamento e seleção; entrevistas; estrutura organizacional;
tecnologia; treinamento; desenvolvimento profissional; avaliação; transferência.
A University of Minessota, 2ª colocada no ranking, ministra um curso de “Introdução
à Psicologia Industrial/Organizacional”, cujo conteúdo do programa é: comportamento
no trabalho; recrutamento; seleção; treinamento; motivação; performance no trabalho; grupos
de trabalho; liderança; atitudes e emoções; ética; Psicologia do Trabalho militar e no Século
XXI.
Segundo a história do desenvolvimento do programa de Psicologia Industrial e
Organizacional da Bowling Green State University, podemos notar como foi o crescimento
desta área. Esta Universidade aprovou o programa do curso de Psicologia Industrial em
1965. Já em 1971, foi introduzido o conteúdo Organizacional neste programa, conforme
vimos a evolução histórica desta área. Em 1985, a Psicologia da Saúde Ocupacional também
começou a ser ministrada pela Universidade dentro deste programa e, em 1988, tal programa
foi reconhecido, pela Ohio Board of Regents Awards, como excelente.
Nos programas dos cursos ministrados pela Bowling Green State University encontramos o seguinte conteúdo: princípios psicológicos que influenciam o comportamento
humano no trabalho; impacto do ambiente organizacional no indivíduo; job design; clima
organizacional; motivação; liderança; satisfação no trabalho; identificação, desenvolvimento
e evolução de desempenho do indivíduo, do grupo e da organização; recrutamento e seleção
de pessoal; treinamento; avaliação de desempenho; promoção; esforço; metas; experiência
prática.
Como podemos constatar, os conteúdos dos programas dos cursos ministrados pelas
mais conceituadas Universidades americanas são semelhantes aos conteúdos encontrados
nos programas das IES brasileiras. Existe, porém, uma diferença na maneira de se ministrar
estes cursos, já que nos Estados Unidos, o foco em áreas específicas, como a Psicologia I/O,
só é trabalhado nos cursos de pós-graduação. Existe também uma ligação mais explícita
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entre a psicologia e outras áreas, como, por exemplo, a administração, já que muitas vezes
os cursos de Psicologia I/O são ministrados juntamente com outros departamentos, como
foi descrito.
5.2.2. A PSICOLOGIA OCUPACIONAL NO REINO UNIDO
Segundo a British Psycological Society (BPS) — Sociedade Britânica de Psicologia —, a
Psicologia Ocupacional é a área da psicologia que se preocupa com a performance das pessoas
no trabalho, com o funcionamento das organizações e como os indivíduos se comportam no
trabalho. O objetivo dessa área e melhorar a eficiência das organizações e melhorar a
satisfação do indivíduo no trabalho.
O psicólogo ocupacional pode atuar em grandes empresas (públicas e privadas), em
setores de serviço público, em consultorias privadas e em centros de treinamento.
Para um psicólogo poder atuar na área ocupacional ele deve adquirir uma espécie de
“licença” ou “título”. Para tanto, ele deve se formar em um curso de graduação (undergraduate)
reconhecido pela BPS e realizar um curso de pós-graduação (graduate) na área de Psicologia
Ocupacional, envolvendo etapas de prática supervisionadas, desenvolvendo conhecimentos
e habilidades, até poder atuar sem supervisão.
As duas mais famosas Universidades do Reino Unido, a University of Cambridge e a
Oxford University, apresentam apenas alguns cursos de undergraduate reconhecidos pela
BPS.
A University of Cambridge não tem um curso de Psicologia. Nesta Universidade, matérias relacionadas à psicologia são ministradas em dois cursos: Ciências Naturais e Ciências
Políticas e Sociais. A British Psycological Society (BPS) reconhece esses cursos, considerando
que estes dão uma base suficiente para começar um treinamento profissional na área de
Psicologia.
O Curso de Ciências Naturais dá ênfase à Psicologia Experimental, tratando mais de
questões biológicas da psicologia, de forma que não há nada que aponte para uma relação
deste curso com a Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Já o Curso de Políticas e Ciências Sociais traz mais matérias voltadas para a Psicologia e mostra maior proximidade para a especialização em Psicologia Ocupacional, pois
trata mais de questões sociais.
Na Oxford University, encontramos o Departamento de Psicologia Experimental —
que como na University of Cambridge é bem voltado para as questões biológicas da Psicologia
— e a Escola de Psicologia, Filosofia e Fisiologia. A BPS só reconhece alguns cursos de
Psicologia da Oxford como base para ser um psicólogo ocupacional. Após a formação nesses
cursos, é necessário uma continuação nos estudos (pós-graduação) para desenvolver uma
carreira profissional nessa área.
Na lista dos cursos de pós-graduação reconhecidos oficialmente pela BPS, os quais
habilitam o psicólogo a trabalhar na área de Psicologia Ocupacional, essas duas Universidades não se encontram.
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Esses cursos de pós-graduação para a formação do psicólogo ocupacional devem
oferecer conhecimento em oito diferentes áreas, das quais o psicólogo deve desenvolver
habilidades práticas em no mínimo cinco. Essas áreas são as seguintes:
1. Interação homem-máquina;
2. Design de ambientes de trabalho: saúde e segurança;
3. Seleção de pessoal;
4. Avaliação de performance e desenvolvimento de carreira;
5. Aconselhamento e desenvolvimento pessoal;
6. Relações de trabalho e motivação; e
7. Desenvolvimento organizacional e mudança.
Mediante esse levantamento, podemos notar que a Psicologia Organizacional e do
Trabalho estudada no Brasil abrange todas essas áreas exigidas pelo Reino Unido para
que um psicólogo atue na área ocupacional (equivalente à organizacional brasileira). Estas
áreas estão descritas de maneira muito ampla pela BPS, de forma a não ser possível afirmar
se todo o conteúdo que apresentamos nos programas das IES do Brasil está também incluído
nos estudos britânicos.
Apesar de as áreas as quais os profissionais devem estudar e desenvolver no Reino
Unido se aproximarem mais da área organizacional de nossa Psicologia do Trabalho, podemos notar que o processo de educação e a formação de um psicólogo organizacional e do
trabalho no Brasil é muito diferente do mesmo processo naquela nação.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde os primórdios, o homem precisou trabalhar para sobreviver. Com o passar do
tempo e a evolução da história, o trabalho foi adquirindo diferentes significados para a
humanidade, dentro dos diferentes contextos em que estava inserida.
Com a evolução do mercado de trabalho e surgimento do capitalismo, a Medicina e
Psicologia passaram a estudar com maior profundidade o fenômeno trabalho e produção.
Com o desenvolvimento da área da Psicologia do Trabalho e o crescimento dos campos de
estudo, interesse e atuação do psicólogo nessa área, a Psicologia do Trabalho acabou desenvolvendo diferentes faces, de modo que essa área passou a ser denominada de Psicologia
Organizacional e do Trabalho. Essas faces podem ser denominadas de formas diferentes
em cada cultura — como, por exemplo, Psicologia Pessoal, Psicologia Organizacional e
Engenharia dos Fatores Humanos (KRUMM, 2005) ou Psicologia Industrial, Psicologia
Organizacional e Psicologia do Trabalho (SAMPAIO, 1998) —, porém dizem respeito
sempre aos mesmos temas.
Embora haja essa divisão, os assuntos referentes a essa área funcionam como um
todo, tornando-se difícil de dividi-los na prática, pois todos os campos se intercalam sempre
estudando o relacionamento do homem com o trabalho.
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Neste texto, traçamos o perfil dos cursos de Psicologia do Organizacional e do
Trabalho com base nos programas dos cursos superiores, desta área, por meio de consulta
à de 65 Instituições colaboradoras.
Como resultado deste levantamento, podemos concluir que a Psicologia do Trabalho
realmente evoluiu de modo que se tornou necessário uma atualização de sua nomenclatura,
a qual se transformou em Psicologia Organizacional e do Trabalho.
As instituições de Ensino Superior abordam uma vasta gama de assuntos, cercando
todas as faces por nós estudadas. Ocorre, porém, que o foco desta área ainda é maior nos
Recursos Humanos, em atividades como recrutamento (75%) e seleção e treinamento e
desenvolvimento (68%).
Não diferentes dos cursos de graduação, os cursos de pós-graduação da área aqui
pesquisada também apontam para essa evolução, pois seus programas abrangem todos os
campos da Psicologia Organizacional e do Trabalho.
A educação para a formação de um profissional desta área é diferente em culturas
distintas. Por meio de um levantamento sobre os cursos da área dos Estados Unidos e do
Reino Unido, podemos concluir que a nomenclatura utilizada nessas três nações —
Psicologia Organizacional e do Trabalho (Brasil), Psicologia Industrial Organizacional
(EUA) e Psicologia Ocupacional (UK) — é diferente, assim como a estrutura da formação
profissional, pois tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido para se tornar um profissional da área é preciso se especializar na pós-graduação, enquanto no Brasil, a pós-graduação é um refinamento e não uma exigência. Podemos notar, porém, que os temas
estudados são os mesmos, pois um profissional dessa área exerce as mesmas atividades nos
três países em questão.
Pudemos então, mediante a presente pesquisa, notar um grande crescimento da área
da Psicologia que estuda a relação entre o homem e o trabalho, desde o início do capitalismo
até os dias de hoje. O levantamento do perfil dos cursos de Psicologia do Trabalho nas IES
apontam para o fato de que estas instituições acompanharam, de forma geral, este
crescimento.
Mesmo não sendo obrigatória a inclusão desta área no currículo do curso superior de
Psicologia(8), a maior parte das instituições que participaram desta pesquisa (77%) apresentou o curso de Psicologia Organizacional e do Trabalho em seu currículo. Outros 15%
das IES participantes estão implantando o curso e apenas 4% responderam que não ministram o curso.
O fato de a grande maioria das instituições participantes apresentarem um curso de
Psicologia Organizacional e do Trabalho, às vezes com mais de uma matéria envolvida e
estágios supervisionados, mesmo sem a obrigatoriedade de fazê-lo, reforça ainda mais o
crescimento e a importância da área no Brasil. Mostra também como o ensino para a
formação de bons profissionais é essencial e tem evoluído de forma crescente nesta área.
(8) Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia, da Resolução n. 8, de 7 de maio de 2004, desenvolvida pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação do MEC.
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REFERÊNCIAS
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&pageid=icb.page14991>.
KRUMM, Diane. Psicologia do trabalho. Uma introdução à psicologia industrial/organizacional. Rio
de Janeiro: LTC, 2005.
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Disponível em: <www.mec.gov.br>.
OXFORD UNIVERSITY. Disponível em: <www.psy.ox.ac.uk>.
PRINCETON UNIVERSITY. Disponível em: <http://weblamp.princeton.edu/%7Epsych/
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SAMPAIO, Jader dos Reis (org.). Qualidade de vida no trabalho e psicologia social. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004.
SAMPAIO, Jader dos Reis ; GOULART, Iris Barbosa (orgs.). Psicologia do trabalho e gestão de recursos
humanos: estudos contemporâneos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
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WALTER, Leon. Psicologia do trabalho industrial. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; BASTOS, A. V. Psicologia, organizações e trabalho no
Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
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Normas Revista ABET
A Revista da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET) — Brazilian
Journal of Labour Studies é uma publicação periódica semestral, indexada e com Conselho
Editorial de Arbitragem. Os artigos recebidos são submetidos ao Conselho Editorial e
avaliados por dupla arbitragem anônima.
1 — Apresentação de Tabelas
a) numeração deve ser independente e consecutiva;
b) o título é colocado na parte superior, precedido da palavra Tabela e de seu número
de ordenação, em algarismos arábicos.
Exemplo:
Tabela 10 — Número e percentagem de mulheres segundo a religião e uso de métodos
anticoncepcionais (MAC), distrito de São Paulo, 1996.
c) as tabelas devem ser fechadas no alto e embaixo por linhas horizontais, sendo
abertas à direita e esquerda. Deve-se evitar traços verticais e horizontais para separar
as colunas e linhas no corpo da tabela;
d) as fontes e notas, quando citadas, aparecem no pé da tabela, após linha de fechamento.
2 — Apresentação de Gráficos e Equações Matemáticas
Os gráficos devem ser apresentados com título abaixo, precedido da palavra Gráfico
acompanhado do número de ordem tendo-se o cuidado de apresentar as respectivas legendas
e indicação de fonte se for o caso.
Os gráficos, mapas e outros elementos gráficos devem ser apresentados na forma de
arte-final, sendo sua nitidez requisito indispensável.
As equações matemáticas devem ser alinhadas à esquerda e numeradas sequencialmente à direita. Devem ser digitadas no próprio texto com o uso do processador de equações
do Microsoft Office Word. Deve ser utilizada a convenção-padrão daquele programa para
formatação dos diferentes tipos de entidades que aparecem nas equações (símbolos
matemáticos, texto, vetores etc.).
3 — Apresentação de Quadros
Os quadros compreendem ilustrações que contêm informações textuais e aparecem
com os quatro lados fechados.
Os quadros devem ser apresentados com título abaixo, precedido da palavra Quadro
acompanhado do número de ordem.
As fontes e notas, quando citadas, aparecem após o título.
Exemplo:
Quadro 1 — Áreas de estudos e laboratórios
Fonte: Universidade Brasil Central. Biblioteca Central, 2004. p. 8.
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4 — As citações no interior do texto
a) se no corpo do texto em referência a obra de algum autor, a apresentação deve
obedecer os parâmetros definidos no modelo abaixo:
Segundo Martins (2006), a falta de informação acerca dos impactos ambientais da
queimadas ...
b) outra possibilidade de citação no interior do texto
Alguns autores apontam que o desmatamento tem sérias implicações sobre as
condições climáticas (MARTINS, 2006; SOARES, 2003).
c) outra possibilidade de citação:
As alterações climáticas preocupam diversas autoridades governamentais, inclusive
um importante documento foi assinado contendo diversos compromissos dos países no
intuito de controlar o desmatamento (MARTINS, 2006, p. 8).
5 — Citações
a) longas (mais de 3 linhas):
Devem constituir um parágrafo independente, recuado 4 cm da margem esquerda,
com linhas separadas por espaço simples, letra menor que a do texto e sem aspas.
b) curtas:
As transcrições no texto até 3 linhas devem ser apresentadas entre aspas duplas.
6 — Apresentação das seções
O texto pode ser dividido em seções que devem ser numeradas progressivamente.
Vale observar que:
a) o indicativo da numeração precede o título de cada seção alinhando-o à esquerda,
separado por um espaço de caractere;
b) o texto deve começar em outra linha;
c) deve usar algarismos arábicos;
d) os títulos das seções devem ser destacados usando-se o recurso negrito.
Exemplo de numeração progressiva das seções em um texto:
1. Tipos de Documentos
1.1. Documentos convencionais
1.1.1. Monografias no todo
7 — Apresentação de Palavras-chave
Exemplo:
Palavras-chave: Natureza, Ambiente, Tempo.
8 — Apresentação do Resumo ou Abstract
O resumo ou abstract devem ser apresentados no início do texto antecedidos pela
palavra Resumo ou Abstract em negrito. Logo após essas palavras, se introduz dois pontos
e inicia-se o texto.
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Exemplo:
Resumo: O objetivo deste texto é investigar o impacto ambiental das queimadas
realizadas nas florestas tropicais.
8.1. Conteúdo do resumo
O resumo deve conter obrigatoriamente o conteúdo das seções do artigo. O artigo
deve conter um resumo de cerca de 100 palavras — em português e em inglês — que
permita uma visão sumária do seu objetivo, metodologia empregada e s principais resultados
alcançados.
9 — Introdução do Artigo
A introdução dos artigos não é considerada seção e dispensa-se o uso da palavra
introdução.
10 — Apresentação Título e Palavras-chave
O artigo deve ter título em inglês, assim como palavras-chave em inglês e português.
11 — Apresentação das referências
Não utilizar as palavras referências bibliográficas, mas somente a referência.
A referência completa de todos os textos citados deverá ser apresentada no fim do
artigo, em ordem alfabética, contendo: no caso de livros — nome completo do autor, título
completo, nome e número da série ou coleção (se houver), edição, local, editora, ano da
publicação; e, no caso de artigos de periódicos — nome completo do autor, título completo
do artigo, título completo do periódico, local, número das páginas, mês e ano da publicação.
Exemplos:
HICKS, John Richard. Value and capital. Oxford: Clarendon, 1974.
______ . Mr. Keynes and the “classics”: a suggested interpretation. Econometrica, v. 5,
n. 3, p. 147-155, abr. 1937.
______ . Ricardo’s theory of distribution. In: PESTON, Maurice Harry; CORRY,
Bernard (eds.). Essays in honour of Lord Robbins. London: Weidelfeld, 1972.
12 — Apresentação do(s) nome(s) do(s) autor(es)
Em nota de rodapé os autores devem informar titulação, vínculo profissional, endereço
profissional e endereço eletrônico.
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Conselho Editorial
Arnaldo Lopes Süssekind (Academia Nacional de Direito do Trabalho)
Carlos Minayo Gomes (Fundação Osvaldo Cruz)
Carlos Romero (Universidad Central de Venezuela)
Elísio Estanque (Universidade de Coimbra)
Eduardo Luiz Gonçalves Rios-Neto (UF Minas Gerais)
Huw Beynon (Cardiff University)
Hildete Pereira de Melo Hermes Araújo (UF Fluminense)
João Luiz Maurity Sabóia (UF Rio de Janeiro)
Jorge Jatobá (UF Pernambuco)
José Paulo Zeetano Chahad (Universidade de São Paulo)
Ivan Targino Moreira (UF Paraíba)
Marco Aurélio Santana (UF Rio de Janeiro)
Maria Cristina Cacciamali (Universidade de São Paulo)
Martha Novick (Universidad de Buenos Aires)
Nadya Araujo Guimarães (Universidade de São Paulo)
Oscar Ermida Uriarte (Universidad de la República del Uruguay)
Paulo Eduardo de Andrade Baltar (Universidade Estadual de Campinas)
Pierre Salama (Paris XIII)
Ricardo Antunes (Universidade Estadual de Campinas)
Russel Smith (Washburn School of Business)
Santos Miguel Ruesga Benito (Universidad Autónoma de Madrid)
Sonia Maria Rodrigues da Rocha (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade)
Ulrich Beck (Munich University e London School of Economics)
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Volume 08 — nº 1