VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental
Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Sentidos dados à problematização no contexto de uma situação de
estudo: contribuições à educação ambiental crítica
Aniara Ribeiro Machado
Licenciada em Física, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica
UFSC, Florianópolis/SC,
[email protected]
Carlos Alberto Marques
Doutor em química, professor do Programa de Pós-Graduação em
Educação Científica e Tecnológica - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Ciências da Educação, Departamento de Metodologia de Ensino, Florianópolis/SC,
[email protected]
Rejane Maria Ghisolfi da Silva
Doutora em Educação, professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação Científica e Tecnológica - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Ciências da Educação, Departamento de Metodologia de Ensino, Florianópolis/SC,
[email protected]
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo apontar e discutir sentidos dados à
problematização de um tema ambiental, presentes no processo de planejamento de uma
proposta de reorganização curricular, denominada Situação de Estudo "Ambiente e Vida
- o ser humano nesse contexto". Ao evidenciar possíveis sentidos busca-se contribuir
com a discussão acerca da perspectiva da Educação Ambiental Crítica (EA crítica),
tendo em vista os reducionismos acerca da problematização e ambiente. Os registros
dos momentos interativos do planejamento, dos professores da escola, docentes
universitários e em formação inicial, da área de biologia, física e química, foram
analisados tomando como premissa a Análise Textual Discursiva. Os resultados iniciais
indicam a presença de quatro sentidos de problematização: comportamentalista de EA;
tomada de consciência de um problema ambiental; problematização como
potencializadora dos processos de mudança curricular e problematização como
impulsionadora de práticas experimentais.
Palavras-chave: Situação de Estudo, Problematização, Educação Ambiental Crítica.
Abstract:
This paper aims to point out and discuss meanings given to problematization of an
environmental theme, present in the process of planning a proposal for reorganizing
curriculum, called Study Situation "Environment and Life - humans in this context."
Highlighting possiblemeanings it intends to contribute to discussion about Critical
Environmental Education (Critical EE), considering noreductionism in problematization
and environment. Records of interactive planning moments in which teachers from
basic education, university and undergraduates, belonging to the areas of biology,
physics and chemistry, participated were analyzed addressing the Discursive Textual
Analysis. First results indicate four meanings of problematization: in behaviouristic EE;
means to be conscious of environmental issues; curricular changes intensifier and
experimental activities booster.
Keyword: Situation Study, Problematization, Environmental Education Critical.
Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar
1
Introdução
A temática ambiental vem sendo amplamente discutida no meio acadêmico,
encontrando-se uma variedade de tentativas pontuais para a sua inserção nos currículos
escolares (COELHO, 2010). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998)
apresentam os temas transversais como uma possibilidade para tal inserção, defendendo
que estes permitem um trabalho interdisciplinar e coletivo nas escolas. Ademais,
sugerem que as temáticas ambientais tem um papel fundamental na conscientização dos
sujeitos e sinalizam para a visão ingênua de ambiente que, ainda, permanece na
sociedade.
A presença dos problemas ambientais nos meios de comunicação alerta as
pessoas, mas não lhes assegura informações e conceitos científicos sobre o
tema. Exemplo disso é o emprego de ecologia, como sinônimo de meio
ambiente e a difusão de visões distorcidas sobre a questão ambiental. É
função da escola a revisão dos conhecimentos, sua valorização e
enriquecimento (BRASIL, 1998, p.41).
Tendo a escola à função de trabalhar com conhecimentos sistematizados e
aceitos pela comunidade científica, como assegurar que isso influenciará no modo de
agir dos sujeitos no meio em que vive? A partir desse e de outros questionamentos,
propostas de reorganização curricular vêm sendo amplamente discutidas, tendo como
premissa o desenvolvimento de temáticas nas escolas. Por exemplo, a Situação de
Estudo (MALDANER, ZANON, 2001; MALDANER, 2007), a Abordagem Temática
na perspectiva freiriana (DELIZOICOV, 2008; DELIZOICOV, ANGOTTI,
PERNAMBUCO, 2009), do ensino a partir de temas que envolvem as relações Ciência,
Tecnologia e Sociedade (SANTOS, MORTIMER, 2009; PINHEIRO, SILVEIRA,
BAZZO, 2007), entre outros estudos relevantes.
Essas propostas têm em comum a necessidade de levar para as escolas temas da
vivência dos estudantes, o que muda de uma para outra é a perspectiva teóricometodológica, sendo que algumas partem de um olhar mais global para o local e vice e
versa. De maneira geral as propostas citadas abordam, de forma direta ou indireta,
aspectos que permeiam a problemática ambiental.
Neste trabalho, utiliza-se uma Situação de Estudo (SE) como um exemplar1 para
a inserção de temáticas ambientais na formação escolar, pois a mesma privilegia
o conhecimento inter-relacional e contextual, com características
disciplinares e interdisciplinares, a SE tem o potencial de mudança profunda
no papel social do ensino de CNT2 e de força constitutiva do pensamento dos
escolares pelos conceitos referenciados nas situações do cotidiano e da
vivência (ZANON, MALDANER, 2010, p.111).
Como a SE se caracteriza pela busca do desenvolvimento pleno do ser humano
(BOFF, 2011), tendo como premissa que esse é o direito dos sujeitos, parte-se do
pressuposto que ao trabalhar com temas da vivência dos estudantes, como por exemplo,
um problema ambiental, ele passará a entender e olhar mais criticamente o meio do qual
ele faz parte (Ibid., 2011). Nesse ponto, ressalta-se que a visão de ambiente assumida
pelos autores deste trabalho é contrária a concepção naturalista, ou seja, entende-se que
1
Entende-se como exemplar nesse trabalho uma dada situação que é representativa de uma gama de
trabalhos, perspectivas de reorganização curricular, mas que de alguma forma destacam aspectos que
perpassam as reflexões e ações de situações semelhantes (DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO,
2009).
2
Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
2
o sujeito faz parte do meio, num sentido global (REIGOTA, 1994; CARVALHO,
2008).
Entretanto, ser um sujeito crítico não é uma garantia de que o mesmo vá agir e
transformar o meio em que vive. Nesse contexto, pesquisas têm sinalizado que a
problematização pode ser uma aliada nesse processo de constituição de um sujeito
crítico-transformador (GEHLEN, 2009; COELHO, 2010; TORRES, 2010). Tais
pesquisas estão balizadas pela perspectiva educacional freiriana e destacam que a
problematização tem papel fundamental para que os sujeitos saiam da condição de
oprimidos, para uma condição libertária e humanizadora (FREIRE, 2010a). Nessa
perspectiva a problematização está bem delineada, tendo sua função bem descrita,
porém parece haver um distanciamento ou reducionismo quando ela é utilizada nas
propostas de reorganização curricular. Por isso, o desenvolvimento de temas ambientais,
nomeadamente, nas escolas, não garante que os mesmos estejam sendo problematizados
junto aos estudantes para torná-los críticos. Isto pode ser na verdade um problema, o
que requer uma postura intelectual vigilante, ou seja, questionar-se até que ponto se está
de fato problematizando? Ou será que se está apenas buscando questionamentos a fim
de levantar dúvidas ou erros sobre o que os estudantes já sabem ou não sabe acerca do
assunto ou tema? Cabe à ressalva, entretanto, que a essa forma de prática pedagógica é
também útil, mas o que se critica é o fato de muitos trabalhos ficarem apenas no
levantamento do que os alunos já sabem, sem uma problematização contínua
(DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2009).
Com base no exposto, o presente trabalho tem como objetivo sinalizar os
sentidos dados à problematização no processo de planejamento de uma proposta que
visa o desenvolvimento de temáticas ambientais, no contexto escolar, por meio de uma
Situação de Estudo, implementada por professores da área de Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias. Ao se analisar tal processo, busca-se contribuir com as
discussões que visem a problematização da inserção das temáticas ambientais nos
currículos escolares, na tentativa de não apenas diagnosticar problemas e/ou limitações,
mas sim problematizar sentidos visando constituir uma crítica transformadora (FREIRE,
2010a, 2010b), tendo como base as discussões que permeiam a Educação Ambiental
Crítica (EA Crítica).
Situação de Estudo – contribuições para a abordagem de temáticas ambientais
A Situação de Estudo é uma proposta com características que a configura como
um processo de reorganização curricular, pois busca reestruturar o currículo escolar com
base em temas da vivência dos estudantes. Ou seja, não é uma proposta pontual e sim
dinâmica, ampla e complexa (ZANON, MALDANER, 2010).
Essa proposta foi inicialmente pensada e desenvolvida pelo Gipec-Unijuí3, sendo
que as primeiras foram desenvolvidas junto à formação inicial de professores de
Biologia e de Química daquela universidade, e depois foi se ampliando para escolas
municipais e estaduais. Com o passar dos anos, a SE foi se disseminando para novos
contextos, a exemplo dos trabalhos que são feitos na UESC e UFRPE4.
O primeiro tema abordado teve como foco a discussão sobre a reciclagem do
lixo nas escolas municipais, o que mais tarde deu origem a SE “Geração e
3
Grupo Interdepartamental de Pesquisas em Educação nas Ciências-Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
4
Universidade Estadual de Santa Cruz – BA e Universidade Federal Rural de Pernambuco.
3
Gerenciamento dos Resíduos Sólidos Provenientes das Atividades Humanas”. Nessa SE
defendia-se que
a formação de uma nova consciência ambiental, que vai permitir que as
pessoas questionem a realidade na escola ou em outros contextos e passem a
participar da solução dos problemas ambientais, exige um grande
envolvimento de todos. Não bastam intervenções rápidas [palestras e
oficinas] (GIPEC, 2003, p.10, grifos nossos).
Essa SE impulsionou o desenvolvimento de outras no ensino fundamental e
ensino superior. Porém, o grupo sentia a necessidade de ampliar essa discussão com o
descarte e a reciclagem do lixo em Ijuí-RS para o ensino médio. Desse modo, novas
ações e parcerias foram sendo instituídas junto a uma escola de ensino privado e quatro
escolas estaduais públicas, que passaram a se envolver nesse trabalho coletivo, tendo a
SE como base comum de discussão.
Algumas SE elaboradas para o ensino médio continuaram com outras discussões
acerca de questões ambientais, como por exemplo, “Aquecimento Global do Planeta”,
“Ar atmosférico”, “Água: fator determinante para a vida”, “Ambiente e Vida – o ser
humano nesse contexto”.
Entretanto, neste momento apresenta-se apenas a análise do processo de
elaboração/planejamento da SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto”, que
teve como base a primeira SE planejada e desenvolvida para o ensino fundamental
(citada anteriormente). Porém, essa SE foi pensada para o ensino médio, ou seja, traz
elementos/conceitos novos para serem aprofundados e debatidos com os estudantes.
A SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto” é uma proposta que se
aproxima em vários aspectos da perspectiva defendida pela EA Crítica. Segundo
Carvalho (2008) “o projeto político-pedagógico de uma EA crítica poderia ser
sintetizado na intenção de contribuir para uma mudança de valores e atitudes, formando
um sujeito ecológico capaz de identificar e problematizar as questões socioambientais e
agir sobre elas (p.156-157)”. Nesse mesmo contexto, Lima (2009) tece considerações
acerca da EA crítica, aproximando-se das discussões de Carvalho (2008), em que se
parte de uma visão humanizadora dos sujeitos, tendo como um de seus pressupostos a
educação libertária de Paulo Freire. Desse modo, a EA Crítica
(...) tende a rejeitar o antropocentrismo e consequente subordinação da
natureza; a fragmentação e a perda da interdependência inerente à existência;
o reducionismo e o objetivismo que acabam sacrificando tanto os aspectos
não racionais da realidade quanto toda a subjetividade humana; a pretensão
positivista de uma neutralidade ideológica e inalcançável; e o utilitarismo de
uma razão que instrumentaliza a exploração e dominação dos seres humanos
e da natureza. (...). Nesse sentido, revela a crise do paradigma moderno na
medida em que ele não responde aos problemas de alta complexidade da vida
contemporânea como é o caso dos problemas ambientais (LIMA, 2009,
p.155).
Ao questionar o antropocentrismo a EA crítica traz elementos que perpassam a
complexidade que envolve a sociedade (sujeito e ambiente), a exemplo, das questões
políticas, econômicas, éticas, enfim tudo que conjuga as relações entre o meio e o
homem (vista numa perspectiva dialética).
Cabe a ressalva de que a EA possui vertentes diferentes, apesar de que hoje uma
das mais defendidas é a perspectiva crítica/transformadora/libertadora (CARVALHO,
2008; LIMA, 2009). No âmbito da EA se tem a comportamentalista e conservacionista,
em que prevalece um olhar neutro e naturalista de ambiente, assim como, busca-se
4
defender um trabalho pedagógico com um viés positivista e em alguns casos bem
tecnicista (LIMA, 2009). Isso reforça a dicotomia entre a educação e a EA, sendo uma
subordinada a outra, sem uma reflexão contextualizada. Desse modo corrobora-se com
Loureiro (2003, p.48) em que “a falta de percepção da Educação Ambiental como
processo educativo, reflexo de um movimento histórico, produziu uma prática
descontextualizada, voltada para a solução de problemas de ordem física do ambiente,
incapaz de discutir questões sociais e princípios teóricos básicos da educação”.
Por anos perdurou o entendimento de que ao mudar o comportamento acerca do
ambiente, o mesmo já se tornava mais eficiente e produtivo, por exemplo, algo que
ainda persiste é reduzir o problema do lixo as atitudes, sendo a melhor solução a
reciclagem. Esse fato reforça o que Loureiro (2003) chama atenção acerca da resolução
de problemas de ordem física, como se o ambiente se reduzisse a isso.
No âmbito da SE a discussão das relações não dicotômicas entre Educação e EA
tem como premissa a inserção de temas para se trabalhar questões complexas, como é o
caso dos problemas/temas ambientais. Assim, afina-se ainda mais a SE e a perspectiva
da EA Crítica, ao compreender-se que
a finalidade de uma Educação Ambiental que assimile a perspectiva dos
sujeitos sociais excluídos não é o de reforçar as desigualdades de classes,
mas, através do reconhecimento de que elas existem, estabelecer uma
Educação Ambiental plena, contextualizada e crítica, que evidencie os
problemas estruturais de nossa sociedade e as causas básicas do baixo padrão
qualitativo da vida que levamos (LOUREIRO, 2003, p.51).
No trabalho com temas, como no caso da SE, também se busca questionar a
realidade em que os sujeitos estão imersos, considerando que o mesmo tenha condições
de sair da situação, pois segundo Freire (2010a) os sujeitos são históricos e
contraditórios.
Aspectos Metodológicos do Trabalho
O presente trabalho teve como foco de análise o processo de elaboração e
planejamento da SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto”, desenvolvido
por professores de Biologia, Física, Geografia, História, Matemática, Português e
Química de uma escola pública de Ijuí-RS, com o envolvimento de dois professores da
universidade e três professores em formação inicial (Biologia, Física e Química). Os
momentos interativos do processo de elaboração foram registrados em áudio e
posteriormente transcritos. Desse processo interativo resultou, também, um texto base
referente a SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto” (BOFF, 2011).
Na transcrição dos momentos de estudo/planejamento todos os sujeitos
participantes foram codificados, preservando suas identidades, tendo em vista os
princípios éticos da pesquisa. Desse modo, a codificação ficou da seguinte maneira:
DBQ (docente de bioquímica), DQ (docente de química), PB (professora de biologia).
PF (professora de física), PQ (professora de química), PG (professora de geografia), PH
(professor de história), PM (professor de matemática), PP (professor de português) e B
(bolsista-licenciando).
Utiliza-se como instrumento de análise do material empírico (transcrições das
reuniões de estudo e texto base) a Análise Textual Discursiva - ATD (MORAES;
GALIAZZI, 2007), um procedimento muito utilizado em pesquisas no ensino de
Ciências, a exemplo de Gehlen (2009), Gonçalves, (2009), Lindemann (2010), entre
outros estudos. As transcrições foram analisadas mediante leitura crítica/analítica.
5
Conforme Moraes e Galiazzi (2007, p. 13), “todo texto possibilita uma multiplicidade
de leituras, leituras essas relacionadas com as intenções dos autores, com os referenciais
teóricos dos leitores e com os campos semânticos em que se inserem”.
Tendo em vista que a pesquisa se caracteriza como qualitativa, busca-se também
por meio da ATD estabelecer uma relação crítico-dialética entre pesquisador e o corpus
que estará sendo analisado. E as etapas da ATD que constituíram esse processo foram:
(i) a unitarização que consiste na fragmentação do texto, a partir da qual obtêm as
primeiras unidades de significado; (ii) a categorização é o momento em que se
organiza, as unidades de significado, de acordo com as suas semelhanças, a
categorização pode ser a priori ou emergente; e (iii) os metatextos, em que, a partir da
categorização, o pesquisador realiza e desenvolve a análise usando seus argumentos em
interlocução com os teóricos. Ressalta-se que essas etapas não se dão de forma estática,
mas em um movimento de ir e vir, ou seja, em constantes ressignificações a partir do
material empírico.
As categorias no contexto desse trabalho são identificadas com base nos sentidos
dados a problematização, sendo que esses têm como embasamento teórico e orientador
a perspectiva da EA Crítica, principalmente aquela que tem os pressupostos filosóficos
e educacionais freireanos.
Sentidos dados à problematização no contexto da SE “Ambiente e Vida – o ser
humano nesse contexto”
A SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto” foi planejada para ser
desenvolvida junto a duas turmas da primeira série do ensino médio, sendo que a
mesma teve como referência o texto base publicado em 2003 da SE dos Resíduos
Sólidos (planejada e desenvolvida no ensino fundamental), como já comentado. A SE
planejada para o ensino médio teve como objetivo “proporcionar a construção de
conhecimentos que oportunizem a reflexão sobre as questões colocadas (...); fazer um
estudo que parte da observação e análise das condições ambientais do entorno da
comunidade escolar (TBVA5, 2007, p.1)”. O grupo de professores que estava
planejando a SE, tinha como premissa de que “Conhecer para Preservar é uma das
exigências do mundo atual na perspectiva de garantia da vida no Planeta Terra,
incluindo a da espécie humana (Ibid., p.2)”.
Nesse contexto, este tópico sinaliza para os sentidos de problematização
encontrados a partir da análise da SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse
contexto”. Partiu-se do pressuposto de que essa SE em alguns momentos reforça a
perspectiva comportamentalista da EA. Porém, enfatiza-se que isso não é culpa dos
professores, que estão planejando ou mesmo desenvolvendo essa SE, pois as discussões
sobre a EA pouco chegam às escolas e quando chegam, dificilmente são
problematizadas. Ou ainda, raramente são discutidas na formação inicial dos professores
(ROLOFF, 2011).
A partir da leitura do material empírico é possível inferir que na discussão do
tema “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto” a proposta dos professores era
explorar como os estudantes percebiam a produção de lixo, desde a origem até descarte
final dos materiais encontrados no ambiente, tendo em vista as implicações do mau
gerenciamento desses resíduo-materiais à saúde e ao contexto social, conforme a fala do
docente de bioquímica.
5
TBVA - Texto base Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto. Esse texto foi elaborado no
coletivo de professores (BOFF, 2011).
6
DBQ – Então, assim, para início do trabalho, compor um mapa da região em que se
localiza a escola. Então a ideia é fazer um passeio ao redor da escola, enfim, fazer um
mapa de localização da região ao redor da escola, no momento em que vai passeando,
descrever o ambiente por simbologia no mapa. Então, se tem árvores, se tem lixo, tudo
o que tiver nesse passeio vai anotando; observação do ambiente, árvores, arbustos,
grama, horta, lixo, lixeiras, córrego, terreno baldio, bosque, lavoura, e as condições
ambientais em que se encontram cada um dos locais, ai, estudo sobre os itens
observados, isso cada grupo poderia fazer um estudo sobre o que está observando,
exemplo, que normalmente vai se enxergar muito por ai, no chão, é lixo, se vai pegar
então o lixo, que é nossa ideia na SE. Esse grupo vai ter que especificar as fontes de
lixo e as consequências do mesmo para o meio ambiente; isso tudo os alunos podem
fazer, sugerir medidas que possam ser utilizadas no reaproveitamento e destino do
lixo; pesquisar sobre o lixo enfocando problemas: poluição do solo, da água e do ar;
proliferação de moscas, ratos, baratas...; transmissão de doenças. Destino final do lixo,
aterro, lixão; verificar cada tipo de tratamento dado ao lixo, ai sugere a visita ao lugar de
deposito de lixo de sua cidade, região, enfim.
A partir dessa proposta, os professores propuseram atividades sobre o lixo nos
planejamentos de ensino na perspectiva de que os alunos compreendessem as relações
que envolvem ambiente e vida, e possíveis implicações que ele (lixo) acarreta ao meio
ambiente, que podem ser benéficas ou maléficas. Para isso, a sugestão foi à realização
de uma caminhada no entorno da escola/bairro, sendo que essa serviria como base de
discussões futuras acerca das atitudes dos estudantes, tendo em vista que os mesmos se
reconhecessem como parte daquele contexto problemático ou não. A organização de tal
atividade tinha como propósito a observação e a identificação de problemas percebidos
no meio. Após destacariam as condições, as consequências e sugeririam medidas para
possíveis mudanças. Essa dinâmica dá indicativos da necessidade de problematizar
possíveis reducionismos acerca da EA, tendo em vista que se o passeio virar apenas
uma atividade de observação pode reforçar uma visão meramente comportamentalista
de ambiente.
Nesse ponto, em outra fala, o mesmo docente, dá um indicativo de um possível
sentido de problematização, pois na descrição de uma atividade que pode ser
desenvolvida, atribui-lhe um sentido que parece ir ao encontro de uma visão
comportamentalista de EA.
DBQ – Promover mudança de hábito, com relação ao destino do lixo, pinturas de
lixeiras, isso nós fizemos uma vez em uma escola, reciclagem, uso do lixo para fazer
brinquedos, que vocês já fazem; utilização do lixo para a melhoria do solo, que seria a
compostagem; então esse seria um roteiro geral que só no passeio, anotando tudo, ai
uma disciplina poderia se dispor a fazer isso, anotando tudo que enxerga, já daria um
trabalho pra cada grupo fazer a sua pesquisa, na geografia seria a construção de um
mapa, a história, não sei o que vocês pensam pra história agora.
Em linhas gerais, a visão comportamentalista de EA reduz as formas de trabalho
com e sobre o meio ambiente a questões de mudança de atitude, e um exemplo clássico
é olhar para o problema do lixo por meio apenas da reciclagem (CARVALHO, 2008).
Torres (2010, p.265), aponta para um trabalho desenvolvido nas escolas municipais do
Rio Grande do Norte que parece ir ao encontro desse apontamento acerca do tema lixo.
Os resultados apontaram para a predominância da perspectiva pedagógica
reducionista e comportamentalista no que tange à compreensão de Meio
Ambiente e EA, ou seja, uma abordagem conservadora de EA. Segundo o
autor de D76, uma das temáticas mais recorrentes trabalhadas em sala de aula
6
D7 – trabalho/pesquisa apresentado no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências.
7
se volta para a dimensão do lixo, com forte expressão nas atividades de
reciclagem e de limpeza do ambiente, o que não necessariamente, recebe o
aprofundamento que o assunto requer.
A crítica não é ao trabalho com o lixo e sim aos reducionismos, em que as
formas como se problematiza, bem como seu conteúdo pode ou não ser um
potencializador de discussões (complexas) que envolvem a temática.
No decorrer do planejamento os professores envolvidos vão revendo essa visão
comportamentalista. Eles começam a sinalizar para aspectos que permeiam a inserção
de temas e problemas ambientais, por exemplo, o como chamar a atenção dos
estudantes para tais problemas.
PG – Seria bom pra começar, tem aquele vídeo sobre o lixo, tinha que começar com
uma coisa pra chocar eles, ou trabalhar aquele.
B – “Ilha das flores”.
PG – Isso.
DBQ – É esse é interessante, vamos trazer esse vídeo, nós temos no Gipec.
DBQ – Tem o “Ta limpo”, também é muito bom pra começar.
DQ – Mas o “Ilha das flores” é melhor.
DBQ – Os dois são bons, os dois eu acho que daria pra passar, por que um é diferente
do outro.
PG – Eu acho que a gente teria que começar assim, com uma coisa mais.
DBQ – Então vamos iniciar com o “Ta limpo” e “Ilha das flores”.
PG – Junta bastante material, em jornais de Ijuí onde aparecem bastantes situações,
montar um painel, lançar um monte de ideias pra depois começar o trabalho, eu acho
que seria por ai, por que a gente.
PM – Eles poderiam montar um mural jornal.
DBQ – Tem bastante no globo repórter e ali no Gipec tem vários vídeos dessa área.
DQ – Mas eu acho que esse aqui, “Ilha das flores”, ele é antigo, mas ele é muito bom.
DBQ – Eu acho que teria que começar com o “Ta limpo” por que ele dá a ideia da
poluição toda e eu acho que é uns 10 minutos, e o “Ilha das flores” é um pouquinho
mais e é uma história diferente mas que também vai mostrar a questão dos seres
humanos que são colocados lá catar lixo com os porcos.
O professor de geografia chama a atenção para um ponto importante que é o
início das atividades com a SE “Ambiente e Vida – o ser humano nesse contexto”, na
visão dele não basta começar fazendo um passeio com alunos, para observar o meio,
mas se faz necessária uma tomada de consciência acerca do problema ambiental em que
eles estão inseridos. DBQ ao indicar um documentário com base na fala de PG parece
direcionar de certa forma o planejamento, ajudando nas reflexões acerca dos trabalhos,
isso sinaliza algumas dificuldades que perpassam o trabalho coletivo e, ao mesmo
tempo, reforça a necessidade de problematizar esse processo, sendo que o mesmo pode
ter como princípio a tomada de consciência da comunidade escolar (sujeitos envolvidos
no âmbito escolar).
Nesse sentido, destaca-se mais um sentido de problematização o qual se refere
à tomada de consciência de um problema ambiental, sendo que o mesmo se dá no
âmbito local e também global. Essa perspectiva vai ao encontro da EA crítica e,
também, de discussões acerca da conscientização apontada por Freire (2010), que de
certa forma estão relacionadas.
No âmbito da EA crítica à questão da tomada de consciência é um passo
importante para que os sujeitos passem a se enxergar como parte do problema
ambiental, ou seja, as atitudes dos sujeitos são problematizadas e não apenas apontadas
com vistas às mudanças (CARVALHO, 2008; TORRES, 2010). Nesse contexto a
conscientização não é apenas um instrumento, mas pode ser uma forma de ver e intervir
8
no meio. “Daí que seja a conscientização o aprofundamento da tomada de consciência,
característica, por sua vez, de toda emersão (FREIRE, 2010, p.118)”. Essa emersão
possibilita os sujeitos a enxergarem a realidade problemática em que estão inseridos.
Desse modo, entende-se que a problematização como tomada de consciência
acerca de um problema pode levar a níveis de conscientização e ação dos sujeitos, tendo
em vista o seu processo de humanização. “Conscientização, é óbvio, que não pára,
estoicamente, no reconhecimento puro, de caráter subjetivo, da situação, mas, pelo
contrário, que prepara os homens, no plano da ação, para a luta contra os obstáculos á
sua humanização (FREIRE, 2010, p.132)”.
Essa tomada de consciência se faz necessária e leva ainda para mais um sentido
de problematização no âmbito do planejamento de uma SE, e dos trabalhos que visem a
inserção de problemas ambientais. Ou seja, a problematização como potencializadora
dos processos de mudança curricular, o que se quer dizer com isso é que as
atividades pontuais nas escolas são necessárias, porém precisa-se estar alerta, pois
depois que essa atividade for concluída os professores podem voltar a trabalhar de
forma tradicional, com base no ensino transmissivo, ou mesmo, abordar as questões
ambientais de forma aleatória, sem uma discussão mais crítica e transformadora. A
problematização nesse processo de mudança pode ser potencializadora da EA Crítica,
tendo em vista os aspectos pedagógicos e epistemológicos que perfazem a EA como um
todo, sendo que a mesma possui características inter e transdisciplinares (CARVALHO,
2008; COELHO, 2010).
Entende-se, assim, que os trabalhos que visam uma mudança na estrutura
curricular, via abordagem temática, podem levar a reflexão crítica acerca dos currículos,
bem como o enfrentamento de problemas ambientais locais com vistas ao entendimento
e ação no âmbito global desses problemas.
Entretanto, essa mudança não é simples, pois exige tempo e espaço para que os
professores discutam e planejem, considerando que as reflexões possuem momentos de
estudo e investigação acerca da realidade local da escola, o que inclui a tomada de
consciência do próprio professor sobre essa realidade, problematizando suas visões e
saberes, momento este em que ele passa a ser educador-educando (FREIRE, 2010).
Aponta-se, assim, para uma preocupação recorrente dos professores quando vão inserir
temas, como nesse caso um tema ambiental. Conforme vai se delimitando as atividades
a serem desenvolvidas, os professores começam a sinalizar para os conceitos que podem
ser abordados e que ajudaram na compreensão das articulações entre “Ambiente e
Vida”, tendo como lócus o lixo. Dessa forma, a professora de física chama atenção para
os tipos de "energia", tendo em vista a natureza da mesma, pois no primeiro ano do
ensino médio só se inicia essa discussão com base na energia de movimento/mecânica.
Energia luminosa, cinética, potencial, em geral é trabalhada no final do segundo ano e
durante o terceiro. É o que se observa na sequência de diálogos:
PF – Mas é no terceiro ano que trabalho o consumo de energia e kW. É porque assim, o
primeiro ano trabalha energia de movimento, mas de onde provem a energia de
movimento, de várias formas, mas no primeiro ano as formas que é transformada em
energia de movimento que se trabalha é energia potencial gravitacional. Essa energia ela
não é lá trabalhando vamos dizer a transformação da química e tudo isso vai resultar em
uma mesma quantidade final, é só mais especificamente da energia de exposição
transformada em movimento, que é a energia mecânica, e toda essa energia leva a um
trabalho realizado que produz uma força de deslocamento. Ai entra com a idéia de
corpo, então eles tão trabalhando corpo pra depois entra na parte de energia. Então por
9
isso que não vejo muito os conceitos de física, por que os conteúdos que tão ai são
muito poucos
DBQ – Viu PF, talvez a gente poderia com o tempo ir pensando e mudando de lugar
esses conceitos que tu trabalhas no terceiro ano pra trabalhar na SE, começa e muda
gradativamente, por que pra trabalhar os conceitos de energia, que tu diz que trabalha no
terceiro, elétrica, química, as transformações, de repente vai ter que ir buscando pra
dentro da SE, e daí, bom, isso eu trabalhei aqui ai quando chegarmos em outra série, de
repente podes fazer a outra parte que de repente ficou de fora.
PF - No primeiro ano a gente situa eles, do que é energia nuclear, todos os tipos de
energia.
DBQ - Por que na verdade a gente está vendo que tudo lá do terceiro ta vindo muito
facilmente pro primeiro, então, quem sabe com o tempo a gente vai conseguindo fazer
essa inversão de alguns conceitos que são trabalhados lá, trabalha mais, é a mesma coisa
com a química orgânica, por que tem coisas que tão ali na cara e tu não pode deixar de
falar, então por que, que eu vou deixa lá pro terceiro se eu posso falar lá no primeiro.
PF - Só se a gente visse alguma coisa assim que poderia ser pra agora, alguma coisa
relacionada com a energia em função de reaproveitamento, nesse sentido.
Toda essa discussão acerca da necessidade de mudar a estrutura/organização
curricular acontece em função da inserção da temática ambiental nas aulas, via SE. O
professor de física está preocupado em que sentido a disciplina de física pode contribuir
com as discussões pretendidas na SE sobre o ambiente, problemas ambientais. Os
diálogos demonstram a dificuldade em “romper” com o currículo oficial já constituído,
neste caso, romper com a lista posta pelos livros didáticos. Ressalta-se que esses
diálogos vão ao encontro do sentido de problematização como potencializadora dos
processos de mudança curricular, e também com as discussões realizadas por Torres
(2010), que ao sinalizar a relevância da Abordagem Temática Freireana como um
possível referencial teórico-metodológico no âmbito da EA crítica, defende que essa
articulação na escola seja com base nos processos formativos e as (re)configurações
curriculares numa perspectiva transformadora.
A tomada de consciência dos problemas ambientais e o desvelamento sobre a
necessidade de mudança curricular são dois sentidos advindos da problematização, que
estão de certa forma relacionados. Durante o planejamento falou-se muito em criar
condições para tal tomada de consciência, o que leva a uma mudança de postura dos
professores diante de seus encaminhamentos. Desse modo, o criar condições por meio
da problematização tem-se imbricado a tomada de consciência dos estudantes e
professores em relação ao tema da SE, em que eles se reconheçam como fazendo parte
do meio, conforme segue o excerto do Texto base da SE “Ambiente e Vida”.
TBAV: Para propiciar o diálogo entre a vivência dos estudantes e as explicações das
Ciências como um saber estruturado é necessário criar condições para que eles
observem, problematizem e percebam que são agentes que podem contribuir para
a construção de um ambiente de maior qualidade de vida (p.2).
Ao criarem-se as condições para a tomada de consciência e a mudança
curricular, a comunidade escolar precisa estar atenta para possíveis reducionismos
acerca da EA. Nesse contexto, o observar-problematizar-perceber não são momentos
estanques na SE, nem está bem definido, o que pode levar as visões distorcidas da
mesma (GEHLEN, 2009). Entretanto, os idealizadores da SE parecem assumir aspectos
que perpassam tais momentos, mesmo que implicitamente ao defenderem que o papel
da escola “é o de investigar, problematizar e discutir os fatos, situações e coisas
presentes no dia-a-dia dos esducandos, de modo a lhes viabilizar novas formas de
10
compreensão das realidades vividas, à luz e através do acesso ao saber estruturado, a
ciência (MALDANER; ARAÚJO, 1992, p.20)”.
Vale ressaltar que o sentido de problematização com vistas à tomada de
consciência acerca dos problemas ambientais parece se aproximar da discussão
defendida na perspectiva da EA Crítica, pois contém na sua essência de gênese a
transformação não só das ideais, mas, também, da prática e da realidade do sujeito,
portanto, a práxis. Não se desconhece que outras perspectivas de EA, como a que
expressa uma visão naturalista de ambiente tenha incorporado a problematização como
eixo de discussões e abordagem dos problemas ambientais, todavia, essa reduz o
problema aos aspectos biológicos. Nesse sentido, como ressalta Lorenzeti (2008, p.240),
Essa característica da EA marcada hoje como visão naturalista, como
reducionismo biológico, ainda permeia o ambiente escolar, mas já se pode
localizar iniciativas mais condizentes com uma educação ambiental crítica,
transformadora e emancipatória que precisa ser melhor entendida e
incorporada pelos sistemas formais, na medida em que passa a olhar para as
questões ambientais, reconhecendo os aspectos naturais, sociais, econômicos
e políticos que estão em processos de interação e interdependência constante.
A SE ao apontar a necessidade de criação de condições para que a EA seja
difundida e problematizada, traz imbricado, mesmo que implicitamente, o sentido de
problematização que leva em consideração o agir e transformar o meio. Como se pode
evidenciar no texto base da SE “Ambiente e Vida” que segue no excerto abaixo.
TBAV - Analise as figuras e pesquise sobre as consequências ao ambiente sobre as
diferentes formas de contaminação apresentadas. Os lugares mostrados aos alunos ficam
próximo a residência de vários alunos da escola. Sugere-se que cada grupo de
estudantes busque informações e analise os problemas ocasionados nesse ambiente
propondo alternativas para reverter essa situação (p.6).
Os alunos são problematizados por meio de figuras/fotos da região onde eles
moram, com o intuito de pesquisarem sobre as consequências dos diferentes tipos de
contaminação ao meio ambiente. Entretanto, essa pesquisa não se limita apenas a
enxergar os problemas de contaminação. No momento que os alunos precisam refletir
sobre possíveis soluções, eles podem se ver como parte do problema. Assim, se aposta
na possibilidade de os estudantes desenvolverem uma consciência mais crítica e
transformadora, pois ao problematizarem as situações em que vivem, analisam-nas e
buscam alternativas para melhorias futuras.
Nesse contexto, na proposição de alternativas emerge mais um sentido de
problematização, ou seja, a problematização como impulsionadora de práticas
experimentais. Destaca-se uma das atividades propostas pelos professores, a qual
consta no texto base da SE “Ambiente e Vida”, essa diz respeito a montagem de uma
composteira. “Compostagem é um método de gerenciamento dos resíduos sólidos no
qual a matéria orgânica é biologicamente decomposta sob condições controladas, de
modo a beneficiar o ambiente (TBAV, 2007, p.7)”. Segue a descrição da atividade
proposta para que os alunos e professores desenvolvam na escola, tendo em vista o
melhor reaproveitamento do lixo naquele ambiente, para então pensar em ações mais
amplas e concretas.
TBAV – Para a realização de uma composteira utilize lixo úmido (restos de frutas,
legumes e alimentos em geral, cascas e papel sujo ou molhado) e alguns materiais
palhosos, que possibilitam boa aeração e manutenção da umidade, como folhas, gramas,
restos de podas e de varrição, palhas, serragem. O material pode ser disposto em uma
caixa de madeira (tipo as encontradas em fruteiras) ou em caixa de vidro. (...) é
11
importante coloca-los de forma alternada: uma camada de material palhoso e uma
camada de lixo úmido alternadamente. No decorrer do processo é importante observar
as transformações ocorridas prestando atenção em questões como: mudanças nas
características/propriedades dos materiais utilizados no frasco com o passar do tempo;
quais sofreram mudanças; que fatores influenciam na transformação destes materiais;
tempo de decomposição dos diferentes materiais (p.8-9).
Os alunos constroem uma composteira coletivamente. Essa atividade tem como
objetivo problematizar os alunos quanto a reutilização do lixo úmido. A composteira é
entendida como uma prática de natureza experimental, em que os estudantes se
envolvem na tentativa de buscar novas maneiras de gerenciar o lixo produzido. Desse
modo, entende-se que a problematização como impulsionadora de práticas
experimentais pode contribuir com a visão da EA crítica transformadora, pois a mesma
faz com que os alunos e professores pensem em possibilidades de ação, em um sentido
de práxis, como é o caso do exemplo da composteira/compostagem. Cabe ressalva, que
se entende por práticas experimentais aquelas que são elaboradas e desenvolvidas
coletivamente, ou seja, envolvendo estudantes e professores de forma dinâmica e que
tenham como premissa uma visão progressista de educação (GONÇALVES, 2009;
GONÇALVES e MARQUES, 2011).
A problematização como impulsionadora de práticas experimentais no âmbito
dos problemas ambientais parecem, ainda pouco, discutidas e utilizadas, o que leva a
crer que isso pode influenciar de alguma maneira o reforço de uma visão de EA
comportamentalista.
Considerações finais
Retoma-se aqui o objetivo do texto, o qual partiu de duas frentes sendo que uma
buscava sinalizar sentidos de problematização no âmbito de uma SE e a outra contribuir
com as discussões da EA crítica, apontando algumas possibilidades de inserção de
temas ambientais nas escolas. Assim, destacam-se os sentidos de problematização
sinalizados: problematização comportamentalista de EA; tomada de consciência de um
problema ambiental; problematização como potencializadora dos processos de mudança
curricular e; problematização como impulsionadora de práticas experimentais.
Tais sentidos se destacam a partir da necessidade de problematizar a temática
ambiental e não apenas questioná-la. Desse modo, considera-se que o processo de
planejamento de abordagens com temas ambientais pode ser preconizado por
perspectivas que visem à transformação dos currículos escolares, indo além de questões
pontuais. Assim, a EA crítica poderá contribuir de forma mais significativa com o papel
da escola na sociedade.
Dessa forma, defende-se a necessidade de repensar a inserção de temáticas
ambientais nas escolas, no sentido de não ser um „modismo‟ e sim uma necessidade
relevante para o contexto local e global, em que se aponta a SE como uma das
possibilidades para tal inserção, tendo em vista a complexidade que envolve a escola.
Ao se defender uma visão coletiva de problematização, como práticas
experimentais, está-se reafirmando e articulando os sentidos da mesma. Ou seja, os
sentidos estão intrinsecamente relacionados, pois a visão comportamentalista pode
sofrer rupturas a partir da tomada de consciência dos problemas ambientais, e isso no
contexto escolar necessita ser amplamente discutido no âmbito do currículo e formação.
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Sentidos dados à problematização no contexto da