Há homens que honram a sua época.
E há homens que vivem décadas à frente do seu tempo. São
precursores. Têm a visão no futuro e lutam para antecipá-lo. Por isso, honram
e dignificam não apenas o tempo em que vivem, mas também o que se projeta
além da própria existência. Roberto Rodrigues é uma dessas pessoas.
Fez da defesa da agricultura um desafio que conseguiu compartilhar com
muita gente. Não foi um mero sonho que tenha permanecido difuso e flutuante
no mundo nebuloso das idéias. Ao contrário, sua atuação lúcida sobre a
realidade se transformou num compromisso cotidiano, num enfrentamento
permanente, com ousadia, temperança e indestrutível fé em um mundo melhor.
Sua crença na capacidade do agricultor brasileiro, seu reconhecimento quanto
ao papel do conhecimento agronômico, seu otimismo quanto aos avanços das
ciências e da técnica, sua clareza quanto ao imprescindível apoio ao
empreendedorismo, para criar empregos, minorar a miséria e diminuir as
diferenças sociais, formam, no seu conjunto, uma concepção idealista, porém
factível, dos caminhos para perseguir uma sociedade menos desigual.
Empreendedor, Roberto Rodrigues, escolhido Ministro da Agricultura,
debruçou-se sobre o novo desafio e, à luz de sua enorme experiência, traçou
objetivos palpáveis. Com competência, seriedade e hombridade, em três anos
e meio, dignificou o alto cargo que ocupou. Não se viu nem se ouviu a menor
suspeita, indício ou denúncia de qualquer procedimento que trouxesse
qualquer dúvida quanto à sua decência e honradez. Neste mesmo período, os
ministros mais próximos do Presidente Lula foram defenestrados, um a um,
debaixo de acusações gravíssimas de crimes de responsabilidade, de abuso
do poder, incúria ou malversação de recursos públicos.
Como ministro, Rodrigues tinha consciência de que o tempo no exercício
de cargos públicos passa rápido, escoa celeremente como água entre os
dedos. Por isso, tinha uma pressa desesperada para implantar o biodiesel,
antevendo o papel que os biocombustíveis vão desempenhar cada vez mais
como alternativa, limpa e renovável, ao petróleo finito. Teve papel relevante na
gênese do G-20, grupo de países em desenvolvimento que lutam pela abertura
da agricultura mundial, contra o deslavado protecionismo dos países ricos.
Rodrigues contribuiu decisivamente para a revigoração da Embrapa e
estabeleceu no Ministério uma visão sistêmica de planejamento estratégico.
Agricultor, sabendo muito bem que, quando se perde a segurança,
começa o fim da produção e do desenvolvimento, defendeu com veemência
um dos basilares princípios democráticos: o direito de produzir com
tranqüilidade.
Infelizmente, nos dois últimos anos de seu mandato, segundo cálculos do
próprio Ministério, a perda de renda do agricultor foi de R$ 30 bilhões. No ano
de 2007, prevê-se um desempenho ainda pior. Como pode ter ocorrido tão
decepcionante resultado, se o Ministério da Agricultura estava sendo
conduzido por quem tanto conhece e é tão preparado para o exercício do
cargo?
A resposta é que Roberto Rodrigues fazia parte de um governo, no seu
conjunto, absolutamente improdutivo.
Um governo tíbio, lento, improdutivo. Um governo que não liberou os
recursos para comercialização das safras no prazo adequado, gerando uma
brutal queda dos preços no período imediatamente pós-colheita. Mais do que
isso: não liberou os recursos reclamados por Rodrigues para a fiscalização e
vigilância sanitária. Na época, Rodrigues protestou veemente, porque o então
Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, havia liberado apenas 0,24% das verbas
federais destinadas à fiscalização e controle prevenção de doenças.
Profundamente desgastado com o embate que vinha enfrentando com a
Fazenda pela liberação de verbas, Rodrigues chegou a pedir demissão e só
aceitou permanecer, em decorrência do momento de crise. Logo após o
aparecimento da aftosa, quando o malefício já tinha sido causado, só então o
presidente Lula determinou a Palocci que liberasse as verbas tão reclamadas.
Há quem diga que Roberto Rodrigues foi um ministro sem forças para
enfrentar a Fazenda e conseguir a liberação de verbas para a agricultura. Mas
quem é que dá ou não forças a um Ministro? É o Presidente da República. Se
o Presidente não tem a menor aptidão para exercer seu papel de magistrado,
com a prerrogativa da palavra final para solucionar os dissensos, é evidente
que o Ministro da Fazenda, dono da chave do cofre, adquire um poder
exagerado, hipertrofiado.
Como não bastasse tudo isso, Rodrigues ainda suportou estoicamente o
continuado desgaste e profundo desprestígio pessoal de pertencer a um
governo esquizofrênico, que partiu em duas a agricultura brasileira, deixando
as lavouras comerciais, as que produzem para o chamado “agronegócio”, sob
a responsabilidade do Ministério da Agricultura, e destinando a agricultura
familiar, de subsistência, para o Ministério do Desenvolvimento Rural. Caso
único em todo mundo.
A esquizofrenia não pára por aí. O Presidente Lula tem um Ministro das
Relações Exteriores formal, de direito, Celso Amorim, e ao mesmo tempo dois
ministros de fato, Samuel Pinheiro e Marco Aurélio Garcia, que também
decidem e falam pelo governo. O resultado é óbvio: a diplomacia brasileira,
antes famosa pela eficiência, hoje coleciona fracassos em série.
Rodrigues cansou-se de ser fiador de promessas não-cumpridas pelo
governo ao setor agropecuário. Já fora do governo, dando mais mostras de seu
desprendimento e de invulgar modéstia e dedicação, aceitou ir representar o
Brasil na Alemanha, em fórum sobre biocombustíveis. Isto porque os alemães
exigiram sua presença, deixando claro que era nele que confiavam para iniciar
um acordo com vistas à produção de etanol.
Com a saída do Roberto Rodrigues, o governo Lula perdeu um dos seus
melhores ministros, exemplo de conduta ética, retidão e patriotismo, atributos
que serão registrados reverenciados pela história.
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Há homens que honram a sua época. E há homens que vivem