Paulo Homem, a eterna
paixão pelos Gessos
Funcionais
Entrevista a Paulo Homem por António
Figueiredo – 22 Maio 2013
Enfº. Paulo Homem. Aposentado do
Hospital da Universidade de Coimbra em
1992, pertenceu ao grupo pioneiro e foi
um exímio executor de aparelhos
gessados, clássicos e funcionais. Aos 79
anos mantém acesa esta paixão pela
técnica que marcou a segunda metade da
sua brilhante e longa carreira, enquanto
Enfermeiro responsável pela Sala de
Gessos.
António Figueiredo (AF): Como surgiu a
ideia dos Gessos Funcionais no Serviço de
Ortopedia dos Hospitais da Universidade
de Coimbra (HUC)?
Em Coimbra desenvolveu-se nos anos 80
uma importante escola de Gessos
Funcionais, alicerçada nos trabalhos e
experiência de Fernandez Esteve do
Hospital La Fé, de Valência (Espanha).
Ao longo de demais de uma década foi
acumulada uma enorme experiência,
amplamente divulgada através de cursos,
apresentações em congressos, artigos
publicados e monografias.
Um número elevado de pacientes foi
adequadamente tratado pelo método até
que este quase caiu no esquecimento.
Para nos falar desta década dourada dos
Gessos Funcionais ninguém melhor que o
Paulo Homem (PH): A ideia partiu do
Director de Serviço, o Sr. Prof. Norberto
Canha, mas quem na realidade teve o
primeiro contacto com os gessos funcionais
foi o Sr. Prof. Adrião Proença.
AF: De facto Adrião Proença conheceu
Fernandez Esteve em Junho de 1979
quando participou num Seminário sobre
Gessos Funcionais no Alcoitão. Após uma
onda de entusiasmo inicial com a
osteossíntese preconizada pela Escola AO
instalou-se um clima de uma certa
desilusão. Surgiram nessa altura, nos anos
70, os Gessos Funcionais. Duas figuras
ganharam destaque: Fernandez Esteve em
Espanha e Augusto Sarmiento nos USA.
Qual foi o primeiro passo dado na
aproximação a essa nova realidade?
PH: O Prof. Canha convidou ainda em finais
de 1979 um grupo para se deslocar a
Valência, à cidade Sanitária “La Fé”, onde
trabalhava o Dr. Fernandez Esteve.
AF: Viriam a deslocar-se a La Fé em
Fevereiro de 1980. Fez parte desse grupo?
PH: O Prof. Canha convidou quatro
ortopedistas. Mas por sugestão do Dr.
Joaquim Rodrigues Fonseca um enfermeiro
da sala de gessos deveria integrar o grupo.
Como só havia quatro lugares disponíveis
um dos especialistas desistiu e cedeu-me o
lugar.
Madrid, reconheceu-nos e fez questão de
pagar o almoço. Foi algo que caiu do céu,
pois estávamos praticamente “tesos”.
Como médico tinha um suporte científico
como nunca vi outro. O seu livro editado
em 1980 é uma autêntica bíblia do
tratamento biológico das fracturas, até
hoje sem rival à sua altura.
AF: Era nessa altura o mais experiente em
gessos?
PH: Não, eu até era o mais jovem da equipa
chefiada pela Enfermeira Elisa (“Elisinha”).
Mas fui o único enfermeiro a aceitar esta
oportunidade.
AF: Para alguém que já era um bom
conhecedor dos gessos, o que o seduziu
nos funcionais?
PH: O Dr. Fernandez Esteve explicou-nos
detalhadamente o método, enfatizando a
necessidade da perfeita conformação dos
aparelhos gessados. O gesso deixou de ser
um mero cilindro para fazer corpo com o
membro. Isto trouxe conforto e permitiu a
libertação precoce das articulações,
aumentando desta forma a autonomia.
Mostrou-nos muitos pacientes satisfeitos
com a técnica. Parecia ser uma boa
alternativa ao tratamento cirúrgico das
fracturas que, especialmente na tíbia, tinha
nessa altura muitas complicações.
AF: Que tipo de pessoa era Fernandez
Esteve?
PH:. Como pessoa era uma simpatia. Uma
vez quando regressávamos de um curso
encontrou-nos num restaurante em
Capa do livro de Fernandez Esteve.
Edição de 1980
AF: Voltaram a Valência?
PH: Não, mas por diversas vezes nos
cruzámos com Fernandez Esteve em
Espanha, nomeadamente nos cursos de
Jaca, que se realizavam de 2 em 2 anos e
eram organizados pelo grupo dos gessos
funcionais do La Fé.
AF: Lembra-se de Fernandez Esteve ter
estado em Coimbra?
PH: Tenho ideia que esteve mas não me
lembro quando.«
AF: Esteve em Outubro de 1980. Coube-lhe
a Conferência sobre Gessos Funcionais
numa mesa redonda histórica, a cargo do
Serviço
de
Ortopedia
dos
HUC:
"Osteossíntese fechada dos ossos longos.
Que futuro?”. O grupo de Coimbra
rapidamente ganhou experiência no
método e foi muito activo na sua
divulgação…
AF: Com certeza que também tiveram forte
peso
dois
outros
factores:
o
desaparecimento ou aposentação dos mais
entusiastas pelo método e o ganho
crescente de popularidade da técnica de
encavilhamento centromedular fechado,
fresado e bloqueado, que entretanto
sofreu forte expansão após ter atingido a
maturidade.
PH: é verdade, fizeram-se muitas
comunicações em congressos em Portugal
e Espanha, publicaram-se artigos e
monografias, fizeram-se diversos cursos em
Portugal. Só num ano, em 1988, se fizeram
quatro.
PH: Talvez…
AF: Quem frequentava os cursos? Como
era a receptividade?
PH: Os cursos eram procurados por
médicos e alguns enfermeiros vindos de
todo o país, que neles participavam com
elevado interesse por terem um forte
componente prático.
AF: Quais eram as indicações do método?
PH: A maior parte das vezes era usado
como forma de tratamento primário de
fracturas, mas também o usámos
bastantes vezes no tratamento de atrasos
de
consolidação
e
pseudartroses,
sobretudo da tíbia, e como complemento
em osteossínteses duvidosas.
AF: O método acabou por entrar em
declínio e quase foi esquecido. Como
explica isso?
PH: O Dr. Rodrigues Fonseca dá a
explicação no prefácio de um dos meus
livros: “a velocidade dos tempos actuais em
que tudo o que se faz não se compadece
com a demora da sua execução. E talvez a
falta de criatividade que o treino da
modelagem dos gessos exige”.
AF: Acha que os gessos
continuam hoje a ter lugar?
funcionais
PH: São um método eficaz e económico. Em
tempos de crise económica com esta que
vivemos não me admira que regressem.
AF: Em países em que as técnicas de
osteossíntese percutânea não são ainda
uma forma corrente de tratamento das
fracturas podem ser uma boa forma de
tratamento…
PH: Países como Angola ou Moçambique
beneficiariam grandemente se o método
lhes fosse ensinado. Disso estou certo.
AF:
Publicou
recentemente
duas
monografias, uma sobre gessos clássicos
(2009) e outra sobre gessos funcionais
(2012). Como surgiu a ideia?
PH: Desde que me aposentei e reparei que
os meus sucessores estavam a deixar cair o
método no esquecimento tive vontade de
passar ao papel a experiência que
acumulei. A morte precoce de Adrião
Proença acelerou essa minha vontade de
preservação do conhecimento. Contactei
vários médicos para me ajudarem. Por falta
de tempo ninguém se mostrou disponível.
Deixaram-me sozinho e foi sozinho que
deitei mão à obra. Cada não que recebia
era para mim uma injecção de estímulo.
Repetia para mim, não vais parar…
Adrião Proença, um amigo que nunca
poderei esquecer pela sua lealdade,
dedicação e profissionalismo. O verdadeiro
motor dos Gessos Funcionais.
AF: Numa das suas monografias o prefácio
coube a Joaquim Rodrigues Fonseca e
numa outra colocou na capa uma
fotografia que mostra Adrião Proença. Isso
tem algum significado?
PH: Certamente. Rodrigues Fonseca foi o
responsável por eu ter ido em 1980 com os
Ortopedistas a La Fé. Estou-lhe muito grato
e não me canso de o repetir. É um amigo
sempre disponível, generoso e que
contribuiu por duas vezes para a realização
de um sonho: em 1980 e no ano passado
quando aceitou escrever o prefácio da
minha última monografia “Técnica de
Execução no Método Ortopédico /Funcional
de tratar fracturas”.
Em cima:
José Adrião Ribeiro Proença, em 2003, na
altura Presidente da Sociedade Portuguesa
de Ortopedia e Traumatologia. Faleceu em
13-02-2006, com 58 anos.
Ao lado:
Joaquim Rodrigues Fonseca
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Entrevista ao Enfº Paulo Homem