1199600125
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PRESSÃO EXTERNA E ABERTURA COMERCIAL NO BRASIL
Banca Examinadora
Prof Orientador Luiz Carlos Bresser Pereira
Prof
_
Prof
_
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE S~O PAULO
MARIANNE NASSUNO
PRESSÃO EXTERNA E ABERTURA COMERCIAL NO BRASIL
FundaçãO
Getulio
Vill •.g~5
Escola de Adminisnç.aO
de Empresas de Sêo Psulo
Biblioteca
~
.
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1199600125
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação da FGV IEAESP
Área de Concentração: Economia
e Finanças Públicas
como requisito para obtenção do título de
mestre em Administração
Pública
Orientador: Prof. Luiz Carlos Bresser Pereira
SÃO PAULO
1995
NASSUNO,
EAESPIFQV,
Marianne.
Pressão
externa
1995. 90p. (Dissertação
e abertura
de Mestrado
comercial no Brasil. São Paulo:
apresentada
ao Curso de Pós-
Graduação da EAESPIFGV, Área de Concentração: Economia e Finanças Públicas).
Resumo:Esta dissertação tenta analisar a influência da pressão externa sobre a abertura
comercial brasileira. Define as condições nas quais a pressão externa se expressa, a partir da
teoria da dependência e de autores de política internacional denominados "realistas". A
pressão externa pode ser econômica ou ideológica.
Em seguida, são apresentados eventos ocorridos no sistema internacional, como o declínio
relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos países recentemente industrializados
(NICs), a globalização da economia mundial, a crise da dívida, que aumentaram o potencial
de conflito do Brasil com os países desenvolvidos nos anos 80. Para verificar se a pressão
externa foi efetiva, a vulnerabilidade
econômica e ideológica do Brasil foram também
analisadas.
Palavras-Chaves: Dependência - Retaliações Comerciais - Condicionalidades - Declínio da
Hegemonia Norte-Americana - Ascensão dos NICs - Vulnerabilidade Econômica - Crise da
Divida Externa - Globalização
••
.•.
ii
sUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
CAPÍTULO 1
23
CAPÍTULO 2
59
CO~NTÁRIOS
FINAIS
ABSTRACT
~,
REFERENCIAS
BmLIOGRAFICAS
77
82
. 83
iii
AGRADECIMENTOS
A elaboração desta dissertação não teria sido um processo tão interessante e gratificante, se
não tivesse contado com a contribuição e o estímulo de várias pessoas.
Agradeço especialmente ao prof Luiz Carlos Bresser Pereira, meu orientador,
que me
incentivou a continuar a pesquisa, apesar de algumas discordâncias. Aos membros da banca
de qualificação, profa. Lourdes Sola e prof Yoshiaki Nakano agradeço pelos comentários;
e à profa. Regina Pacheco e aos colegas do curso de orientação monográfica pelo apoio
moral.
Agradeço aos meus pais pelo apoio e incentivo constante.
Agradeço a Marcos Antonio de Macedo Cintra pelas sugestões bibliográficas e a Walter
Simon pela ajuda na revisão e formatação.
Agradeço à Coordenadoria de Intercâmbio Internacional, organizadora do programa com a
Hochschule St. Gallen e à CAPES pelo financiamento do Mestrado.
1
INTRODUÇÃO
o
objetivo desta introdução é apresentar o tema da dissertação,
a justificativa para sua
escolha, e a metodologia utilizada para sua análise; assim como, a forma como o tema será
tratado nos diversos capítulos.
Na década de oitenta e no início da de noventa verificou-se um processo de redução das
tarifas e eliminação das barreiras não-tarifárias no Brasil, que representou uma mudança na
direção da política de importações
adotada
até então.
Simultaneamente,
no sistema
internacional ocorreram e se consolidaram alterações na economia mundial, que levaram a
um aumento da importância de políticas ligadas à redução da intervenção do Estado e à
abertura
dos mercados,
que inclusive faziam parte do receituário
das agências de
financiamento internacional.
A ocorrência desses eventos no Brasil e no exterior suscita algumas questões, entre outras:
•
em que medida o processo brasileiro está relacionado com a mudança na configuração do
sistema internacional? Através de que canais eventos externos podem ter influenciado as
políticas adotadas no Brasil?
o presente
trabalho pretende contribuir para a discussão de algumas dessas questões, mais
especificamente, procura analisar a influência da pressão externa sobre o processo de
abertura comercial no Brasil.
o
processo de abertura comercial tratado neste trabalho iniciou-se em 1988, quando
Comissão de Política Aduaneira CCPA) realizou uma reforma com o objetivo de tornar a
tarifa o instrumento principal da política de importações
1
.
Essa reforma envolveu a redução
das alíquotas de importação; a eliminação de regimes especiais de importação, com exceção
dos vinculados a acordos internacionais, drawback, BEFIEX, desenvolvimento
•
regional,
I A proposta da CPA se inseria no âmbito do Plano de Controle Macroeconômico. que complementava o
assim denominado plano Bresser. Nesse plano era apresentada uma mudança na estratégia de
industrialização com o reconhecimento da importância das exportações (Braga, 1987). Para a promoção das
exportações era prevista, de um lado, a agilização da administração da sistemática de exportações e o acesso
a insumos a preços internacionalmente competitivos. De outro lado, era prevista a racionalização da política
de importações. As diretrizes básicas da política de racionalização compreendiam: a reforma tarifária. a
diminuição das isenções e reduções tarifárias, a redução gradual das barreiras não-tarifárias e a utilização de
instrumentos modernos de defesa contra as práticas desleais de comércio de outros países (Ministério da
Fazenda, 1987: 69).
..
-
2
compras do Tesouro Nacional e incentivo à exportação; e a incorporação nas tarifas do
imposto sobre operações financeiras (IOF, que incidia sobre operações de contrato de
câmbio), do adicional ao frete para renovação da marinha mercante (AFRMM) e da taxa
para melhoria dos portos (TMPf
Em 1989, o processo de revisão da política comercial prosseguiu, em função até de
compromissos estabelecidos nas discussões da reforma anterior, quando deixou-se claro que
novos estudos seriam realizados para aprimorar a tarifa. Essa nova reforma visava manter o
espírito da anterior, de não promover uma desproteção generalizada, mas sim de garantir
uma proteção adequada à indústria brasileira e reduzir o custo de produção. Devido à
exiguidade do prazo para sua realização, foram priorizados setores estratégicos da
economia brasileira como o metalmecânico, o químico, papel e celulose, construção civil,
têxtil e calçados, e agroindústria. A nova revisão tarifária resultou numa redução da tarifa
média e numa modificação da estrutura tarifária: 80% dos ítens passaram a ter alíquota igual
ou inferior a 40%; anteriormente, esse grupo representava 54% dos ítens. Além disso, a
reforma de 1989 promoveu reduções nas barreiras não-tarifárias, como a flexibilizaçãodos
prazos mínimos de financiamento externo e a redução dos produtos inclusos na relação de
produtos com guia de importação suspensa, o anexo C, criado em 1975 (Calmon Leme,
1989).
Em março de 1990, com o início do governo Collor, foram extintos o anexo C (lista de
produtos com importação suspensa), os programas de importação por empresa, a anuência
prévia para importação"; foi reduzido e posteriormente extinto o AFRMM (Adicional ao
Frete para Renovação da Marinha Mercante), foi extinto o Adicional de Tarifa Portuária
(ATP, criado em 1988 em substituição à Taxa de Melhoria dos Portos); e foram revogados
os regimes especiais de importação". A lista dos produtos de informática que necessitava de
anuência prévia para importação foi reduzida'.
A reforma proposta mantinha a redundância tarifária em níveis menores, apesar de resultar numa redução
do custo de importação para todos os grupos de produtos. Kume e Patrício (1988), considerando urna
amostra de 705 produtos, constataram urna redução da tarifa redundante de 41,2% para 17.8%. o que
significava a manutenção da proteção existente.
3 Portaria 56 do Ministério da Economia. Fazenda e Planejamento. de 15/3/90.
4 Lei 8032. de 12/4/90. Foram mantidos apenas o drawback, programas para bens de informática. zonas de
livre comércio e de processamento de importações. Essa lei regulamentou a Medida Provisória 158. de
15/3/90.
5 Decreto-lei 99541, de 21/9/90.
2
3
Em 1991, foi anunciado o cronograma inicial de redução gradual das tarifas de importação
para o período 1991-19946. Nesse cronograma previa-se tarifas nulas para bens com
evidente vantagem comparativa de custos ou sem similar nacional, tarifas de 10/15% para
produtos ao longo das cadeias produtivas, tarifas de 20% para a maioria dos produtos, e
tarifas na faixa de 30% a 40% para produtos como trigo, automóveis e bens de informática.
A tarifa média reduzir-se-ia gradualmente passando de 32,2% em 1990 para 25,3% em
1991,21,2%
em 1992, 17,1% em 1993 e 14,2% em 1994. O cronograma de redução das
tarifas foi antecipado
7
:
a redução prevista para janeiro de 1993 foi realizada em outubro de
1992 e a redução prevista para janeiro de 1994, em julho de 1993 (Lobo, 1993)8.
A tabela 1 permite verificar a situação da tarifa nas diferentes reformas realizadas e as
alterações realizadas pelo governo Collor.
Tabela 1. Evolução da estrutura tarifária brasileira (1987-1993)
Média
Moda
Amplitude
1987*1
51
30
0-105
1988
41
40
0-85
1989
35
40
0-85
1990
32,2
40
0-85
1991
25,3
20
0-105
1992",2
21,2
20
01110/92
17,1
20
01107/93
14,2
20
.
Obs.
0-40
*
.1
valores prevalecentes antes da reforma de 1988
previstos no Programa de Abertura Comercial. Os valores contidos na
última coluna estavam previstos para vigorar a partir de 01/01/93 e 01/01/94,
respectivamente, mas foram antecipados para as datas indicadas no Quadro.
Fonte: Oliveira, 1993
*2 valores
,",'
Portaria 58 do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 31/1/9l.
Portaria 131 do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 18/2/92.
8 As medidas adotadas pelo governo Collor foram objeto de críticas no sentido de tinham eliminado os
instrumentos do regime de comércio anterior, sem definir um novo modelo de política industrial e
tecnológica. A política comercial estaria sendo utilizada apenas como instrumento da política de
estabilização (Fritsch, 1991; Suzigan, 1991). A política do governo Collor foi criticada sobretudo pela forma
como foi conduzida e não pela direção apontada.
6
7
••
4
o
processo descrito anteriormente representa a mudança ocorrida na política comercial
brasileira que este trabalho pretende estudar. A forma de análise será discutida a seguir.
A política comercial é um instrumento de intervenção do Estado que provoca alterações na
alocação de recursos tanto intra países quanto entre países. Por essa razão, modificações na
política comercial podem ser explicadas a partir da verificação de qual esfera foi beneficiada
com a mudança: se a doméstica ou a internacional. Se a mudança da política comercial
beneficiou a esfera doméstica, a análise enfocará fatores domésticos. Se a mudança na
política comercial beneficiou o sistema internacional, a análise das relações com os outros
países e com as organizações internacionais será a abordagem adotada.
Como liberalização das importações pode beneficiar tanto o interesse nacional e os grupos
domésticos, quanto os países estrangeiros, o critério de escolha - esfera favorecida com a
mudança - não é suficiente para a definição do nível de análise a ser adotado para o estudo
da abertura comercial. Assim, a escolha do nível de análise vai ser determinada por aquilo
que se pretende analisar e não em função de características intrínsecas ao tema. Este
trabalho vai analisar o papel do sistema internacional na mudança da política comercial.
Com a escolha desse tema, não se está assumindo que fatores externos representam o único
ou o principal determinante da mudança. A liberalização das importações ocorrida no Brasil
pode ser explicada do ponto de vista doméstico, com o esgotamento do modelo de
substituição de importações. A percepção do esgotamento do modelo de desenvolvimento
anterior foi necessária para que novas políticas pudessem ser adotadas.
A necessidade de mudança da política comercial com o esgotamento do modelo de
substituição de importações foi analisada em vários aspectos. Para Camargos Moreira e
Barbosa de Araújo (1984), o acúmulo de instrumentos na política de importações - tarifas,
sobretaxas, regimes especiais de importação, barreiras não-tarifárias - inconsistentes e
contraditórios, porque eram destinados a atender diferentes objetivos, geraram a
necessidade de tomar a política comercial mais racional. Segundo Suzigan (1991), a
manutenção do processo de substituição de importações durante a década de 80, apesar de
seu esgotamento, fez com que a competitividade da indústria brasileira fosse baseada em
&tores "espúrios", havendo a necessidade de adotar uma política para adequar a estrutura
da indústria brasileira ao novo padrão industrial internacional. Fritsch e Franco (1990)
criticaram o processo de substituição de importações adotado por ter gerado ineficiência e
5
por ser inadequado para a implantação de novas indústrias de alta tecnologia no país.
Segundo Tavares de Araújo Jr. e outros (1990), a base industrial brasileira era
competítiva'',
havendo necessidade de rever a proteção generalizada. Bresser Pereira
(1993d) afirma a existência de uma crise do Estado nos anos 80. Essa crise se expressou na
regulamentação excessiva da atividade econômica, que passou a gerar ineficiência e na
incapacidade de ação do Estado, decorrente de problemas de financiamento, tomando
inviávela manutenção do modelo de desenvolvimentoadotado até então.
Apesar de existirem fatores domésticos que explicam a mudança, a escolha por centrar o
foco de análise da mudança no papel da pressão externa se justifica pelo fato de a
importância de fatores externos ter aumentado durante a década de 80, sobretudo com a
crise da dívida, que alterou a relação de poder entre os pJães devedores e credores. O peso
das instituições financeiras internacionais e países credores nas decisões de política interna
dos países devedores tomou-se maior. Adicionalmente, ocorreram ou se consolidaram
outras mudanças na economia mundial, entre elas, a crescente internacionalização das
economias nacionais, o declínio da hegemonia norte-americana e a ascensão dos países
recentemente industrializados (NICs) e, além disso, a estrutura do sistema internacional e as
instituições internacionais também estiveram em processo de modificação. Em 1985, a
abertura comercial foi incorporada às condicionalidades para a concessão de empréstimos
pelo Banco Mundial; em 1986, iniciou-se uma nova rodada de negociações no âmbito do
GATT; em 1988, a legislação comercial norte-americana tomou-se mais rigorosa com
parceiros comerciais que prejudicassem interesses dos EUA; e, durante a década de 80,
consolidou-se o modelo neoliberal. Esses elementos mostram uma profunda alteração no
contexto internacional no qual o Brasil se inseria.
Apesar disso, as análises sobre as políticas adotadas nesse periodo enfatizaram o papel dos
fatores domésticos. Nelson(1989), ainda que reconheça a existência de fatores externos, dá
maior ênfase às especificidades internas de cada país, pois quer analisar as respostas
individuais e diferenciadas dos países à crise. Considera, entre outros, os seguintes fatores:
a percepção da crise pelos governos à luz da experiência passada; a capacidade técnica e
administrativa dos governos; a estrutura das instituições políticas e regras do jogo político;
os padrões de liderança, coalizões políticas e base de apoio do governo.
9 Com algumas exceções no complexo metalmecânico (naval), agroindústria (laticínios e álcool), têxtil e
calçados (couro e peles), etc.
..
-
6
Bresser Pereira (1993e), na análise do processo de ajuste dos países latino-americanos após
a crise da dívida também considera variáveis domésticas. Inclui a existência de um grupo
estável e capaz de técnicos no governo, a dimensão da crise, a existência de um consenso na
sociedade sobre o ajuste, a existência de uma liderança no governo e o fortalecimento do
governo pós-eleições.
Sola (1993) reconhece a importância de fatores externos, sem entretanto analisá-los. Para
explicar porque as reformas entraram para a agenda do governo Collor, o autor considera a
hipótese da influência de quatro elementos: as condicionalidades das agências financeiras
internacionais e países da OECD, a consciência dos novos desafios para a recuperação do
crescimento,
relacionada
à exaustão
do modelo
anterior;
o temor
de uma
crise
hiperinflacionária; a legitimidade que as eleições diretas para a presidência conferiram a
Collor" (Sola, 1993: 253).
Alguns autores discutiram a influência externa nas mudanças das políticas adotadas pelos
países devedores durante a década de 80, entretanto, sem destacar a existência da pressão
externa. É em relação a esse tipo de visão que este trabalho procura se contrapor.
Kahler (1992) considera que, apesar da mudança nas condições econômicas internacionais e
do aumento da importância das instituições financeiras internacionais, sua capacidade de
influenciar as políticas adotadas pelos países devedores através da condicionalidade não foi
grande.
O autor afirma que o papel das instituições
internacionais
não pode
ser
completamente compreendido com base na noção de que a concessão de empréstimos é um
lever usado para forçar mudanças nas políticas adotadas pelos devedores.
Segundo esse autor, a noção de empréstimo como lever é utilizada pelo "modelo de
barganha". Nesse modelo, a principal questão é como fazer cumprir contratos estabelecidos
entre bancos e devedores, que são países soberanos. Esses contratos são cumpridos pela
10 Segundo Sola (1993), o ingresso dos temas - liberalização comercial, desregulamentação e privatização na agenda governamental não foi resultado de uma nova correlação interna de forças favorável a essas
mudanças, pois as reformas foram apoiadas por coalizões governamentais instáveis integradas por
parlamentares e governadores que apresentavam pouca afinidade com o conteúdo liberalizante das políticas.
Ao contrário, a mudança foi resultado de uma decisão das elites governamentais, em resposta às quais os
grupos de interesse organizados tiveram que se adaptar. Essa idéia é confirmada por Barrionuevo (1995).
Na análise sobre a atuação do setor empresarial brasileiro no processo de abertura comercial, o autor afirma
que não havia entre os empresários uma expectativa consensual sobre a liberalização das importações após
as reformas de 88 e 89, devido à existência da dívida externa e da necessidade de geração de excedentes
cambiais; e que mesmo as associações que participaram da elaboração do programa pró-eleitoral de Collor
não esperavam as reformas implementadas (Barrionuevo, 1995: 143).
7
existência de uma ameaça de rompimento da relação financeira e pela existência de cross-
conditionality, através da qual a concessão de empréstimo por um credor é vinculada à
concessão pelos demais.
Segundo Kahler, não se pode explicar a influência da pressão financeira (condicionalidades
do FMI e Banco Mundial) sobre as mudanças nas políticas adotadas pelos países devedores
na década de 80 a partir desse modelo, porque as instituições financeiras internacionais não
conseguiram de fato implementar a condicionalidade. Foram incapazes de fornecer um mix
consistente de suporte financeiro e condicionalidade
aceitável pelos países devedores, de
controlar fontes alternativas de recurso e de monitorar do cumprimento do acordo pelos
devedores. Constata que a influência das instituições financeiras foi melhor sucedida quando
existia um compromisso do governo com a mudança, o que tomava desnecessário o uso das
instituições financeiras internacionais como "bode expiatório".
Assim, Kahler descarta a importância da condicionalidade explícita com base na ineficácia
do
próprio
instrumento
e na
incapacidade
dos
credores
de
implementá-lo.
Se
considerarmos, entretanto, que a condicionalidade foi uma forma de influência que afetou
todas as fontes de recursos externos disponíveis aos países devedores, configurando-se
assim numa condicionalidade implícita 11, pode-se dizer que a condicionalidade constituiu
um instrumento de influência de fato e importante.
Este trabalho procura mostrar a existência da pressão financeira e argumentar que a
explicação para sua influência reduzida sobre a mudança está na situação dos países
devedores, pouco vulneráveis a ela. Considera-se que a condicionalidade não teve influência
sobre a mudança não porque ela deixou de ser implementada, como afirma Kahler; mas sim,
porque mesmo tendo ela sido implementada, os países devedores eram pouco vulneráveis.
Apesar de considerar a condicionalidade
pouco importante para determinar a mudança,
Kahler não descarta a influência das instituições financeiras internacionais. Essa influência é
exercida através do diálogo, da persuasão e solução conjunta de problemas entre membros
das instituições financeiras internacionais e membros do governo dos países devedores, no
qual é construída uma base comum de conhecimento.
A influência das instituições
internacionais ocorre no que o autor denomina aprendizado social. "If policy change can be
11 A influência da condicionalidade implícita pode ser constatada pela redução do influxo de recursos
externos aos países na década de 80, conforme será comentado a seguir.
8
related to leaming, external actors, such as the IFIs12,may be able to influence or accelerate
such leaming" (Kahler, 1992: 125).
Kahler considera que o diálogo é, entretanto, insuficiente para induzir mudanças, na
ausência de esforços para se aliar diretamente com aqueles agentes dos governos nacionais
que estejam alinhados com as políticas preferidas pelas instituições financeiras
internacionais. Esses aliados referem-se a tecnocratas que estudaram no exterior. Nesse
ponto, o seu argumento aproxima-se ao dos autores que utilizaram a teoria da dependência,
que também será comentada neste trabalho.
No argumento de Kahler, a influência das instituições financeiras internacionais ocorre no
nível das idéias. "The IFIs and other externaI agencies have a strong interest in shaping the
process of leaming by national governments in directions that will lead to a greater
alignment with externaI policy preferences. Consensual knowledge, agreement on the
underlying features of the national economy and on the policy prescriptions best suited for
adjustment may explain the likelihood of cooperative outcomes between national
governments and the IFIs" (Kahler, 1992: 125).
o argumento desenvolvido nesta dissertação também procura mostrar, entre outros, o papel
das idéias do consenso neoliberal na mudança da política comercial. Entretanto, ao
contrário de Kahler, que considera a difusão das idéias como um processo de aprendizado
neutro, este trabalho considera uma forma de pressão na qual os atores se diferenciam na
relação de poder e de dependência. E, além da crise da dívida e a resultante pressão
financeira, outras mudanças ocorridas no sistema internacional e outras formas de pressão
também são levadas em conta.
A explicação de Kahler implica também em considerar que o novo modelo de
desenvolvimento dos países devedores é o do consenso de Washington. Ainda que não seja
o objeto deste trabalho, nele considera-se que esse novo modelo de desenvolvimento ainda
está em formação.
12
Instituições financeiras internacionais.
9
ABORDAGEM TEÓRICA E DEFINIÇÕES PARA ANÁLISE DO TEMA
o fato
de a abertura comercial ser uma política que atende tanto a interesses domésticos
quanto externos, implica a necessidade de se definir um método que permita enxergar a
influência dos fatores externos em separado, pois os fatores domésticos estão atuando na
mesma direção. Por isso, a discussão sobre a influência da pressão externa na mudança da
política comercial brasileira deve incluir inicialmente a determinação
das condições nas
quais a pressão externa se expressa, que permitirão a apreensão isolada desse fator.
A pressão externa pode ser definida como a capacidade de um país A de forçar um país B a
fazer algo que não faria, sem a existência de pressão. Essa definição tem como pressuposto
a idéia de que a pressão externa leva um determinado país a seguir uma direção contrária
aos seus interesses, ou seja, a pressão externa e o interesse nacional são elementos opostos
na determinação de políticas. Para analisar a influência da pressão externa isoladamente é
preciso assumir assim que a pressão externa é o único determinante da mudança, mesmo no
caso brasileiro onde a abertura comercial pode ser explicada por fatores domésticos.
Entretanto, o fato de a abertura comercial atender a interesses domésticos não exclui a
possibilidade de influência da pressão externa no processo.
Esta parte apresenta uma discussão sobre o método utilizado na análise da influência
externa sobre a mudança da política comercial. Para determinar as condições nas quais a
pressão externa se expressa serão utilizadas duas abordagens
externos: a assim chamada "teoria da dependência't"
que consideram fatores
e as análises de política internacional
dos autores conhecidos como "realistas".
Serão comentadas inicialmente análises de autores que utilizaram a teoria da dependência,
incorporando fatores externos para explicação de políticas em países dependentes,
que
constituem o ponto de partida para a determinação das condições de expressão da pressão
externa. Entretanto, a análise pela teoria da dependência não é suficiente para explicar todos
13 Além da teoria da dependência, a abordagem patron-client
tem sido utilizada para explicar as relações
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. "Cliency is a mutually beneficiai, security-oriented
relationship between the states of two countries known as the patron and the client, which differ greatIy in
size, wealth, and military and políticaI power. (...) Cliency relationships are determined by conditons
bearing on the security of the patron and the client, such as the existence of hostile neighbors and the
protection of vitally-important resources" (Gasiorowski, 1986: 52). A abordagem patron-client dá maior
ênfase a forças políticas internacionais e questões de segurança nacional para compreender a política dos
países latino-americanos, enquanto que pela teoria da dependência, a análise de questões políticas deve ser
iniciada com o estudo da posição do país na economia mundial. Este trabalho dá maior ênfase a fatores
econômicos, e por essa razão, utiliza a abordagem da teoria da dependência.
..
10
os elementos envolvidos com a situação de pressão externa, como a nova situação de
conflito no sistema internacional na década de 80 e o uso de instrumentos específicos de
pressão. Para a análise desses fatores serão utilizados autores de política internacional
"realistas".
Stallings (1992) analisa a influência de fatores externos sobre as mudanças nas políticas de
ajuste dos países endividados na década de 80 sob a perspectiva da teoria da dependência.
Os fatores externos que explicam as mudanças ocorridas são as relações econômicas
internacionais, a existência de idéias e interesses comuns entre as elites dos países
desenvolvidos e em desenvolvimento (linkage) e a assimetria de poder entre os países no
sistemainternacional (leverage).
As relações econômicas internacionais dos países em desenvolvimento representam fatores
de influênciaporque os países em desenvolvimento necessitam de recursos externos". Esses
recursos externos podem ser obtidos através de empréstimos e investimentos dos países
desenvolvidos, e através de exportações. Os países desenvolvidos representam a principal
fonte de recursos financeiros e também o principal destino das exportações dos países em
desenvolvimento. Os recursos externos, provenientes de receitas de exportação não
dependem apenas das quantidades vendidas, mas também dos preços no mercado
internacional,sendo os países em desenvolvimento "price-takers".
A dependência econômica dos países em desenvolvimento se expressa pela influência dos
países desenvolvidos às duas formas de obtenção de recursos financeiros externos: os
empréstimos e investimentos, e as exportações. Além disso, a integração por intermédio da
transferência de capitais externos restringe a autonomia do sistema econômico nacional e as
decisões de políticas de desenvolvimento. IIOS mecanismos de controle da economia
nacional escapam parcialmente do âmbito interno na medida em que certas normas
universais do funcionamento de um sistema produtivo moderno, impostas pelo mercado
universal, não permitem alternativas: a unificação dos sistemas produtivos leva à
padronização dos mercados e a seu ordenamento supranacional11 (Cardoso e Faletto, 1970:
130).
14 Esses recursos dizem respeito tanto a recursos financeiros quanto tecnologia. A análise de Stallings
restringe-se aos recursos financeiros. A questão tecnológica está incorporada no capítulo I, onde é
comentada a globalização da economia mundial.
11
A teoria
da dependência,
mais do que incorporar
fatores
externos. na explicação,
considerando os processos domésticos como um reflexo direto e imediato dos externos,
está preocupada em caracterizar "o modo de relação entre os grupos sociais no plano
nacional, que depende do modo de vinculação ao sistema econômico e aos blocos políticos
internacionais" (Cardoso e Faletto, 1970: 21). A existência de grupos sociais domésticos
que estão vinculados ao sistema internacional faz com que a situação de dependência tenha
uma contrapartida interna, de forma que "os interesses externos radicam cada vez mais no
setor de produção para o mercado interno (sem anular, por certo as formas anteriores de
dominação) e, consequentemente,
se alicerçam em alianças políticas que encontram apoio
nas populações urbanas. Por outro lado, a formação de uma economia industrial na periferia
do sistema
capitalista
internacional
minimiza os efeitos da exploração
tipicamente
colonialista e busca solidariedade não só nas classes dominantes mas no conjunto dos
grupos sociais ligados à produção capitalista moderna: assalariados, técnicos, empresários,
burocratas, etc." (Cardoso e Faletto, 1970: 142).
A existência
de interesses
desenvolvimento
comuns
é denominada
entre
grupos
nos paises
desenvolvidos
e em
linkage por Stallings (1992). Esses grupos incluem
empresários, tecnocratas, militares e a classe média. Têm relações de interesse econômico
complementadas por experiências educacionais comuns e viagens, de forma que incorporam
o paradigma dominante no conhecimento específico relevante para a sua profissão, além dos
padrões de vida e de consumo. No caso dos mais ricos, os interesses
adicionalmente
complementados
comuns são
com a propriedade de bens no exterior. Ambições de
consumo e estilo de vida dos paises desenvolvidos são difundidos também através da mídia.
Moon (1987) explica a semelhança da política externa dos paises dependentes com a dos
EUA através dessas relações de interesse e visões de mundo comuns entre grupos nos dois
paises. Afirma que a política externa dos paises dependentes coincide com a dos dominantes
porque existe um consenso entre esses países. Esse consenso é criado pois, em primeiro
lugar, o pais dependente é ligado por relações econômicas ao pais dominante, através das
quais, eventos externos exercem sua influência. Em segundo lugar, as elites dos países
dependentes
e dominantes
são vinculadas
por relações
econômicas
de comércio
e
investimento e absorvem valores e percepções do mundo, através de educação no exterior.
A educação e a transmissão de informações aumentam a possibilidade da criação do
consenso. Os princípios de economia política e política internacional são transmitidos pelos
sistemas educacionais dominados pelas idéias dos paises dominantes. Através de serviços de
12
informação, dados diários sobre os eventos mundiais são difundidos, de forma que "world
as seen from dependent states is remarkable similar to the world seen by the North
American population" (Moon, 1987: 308). O problema da análise de Moon é que não
explica porque, apesar da existência de coincidência de interesses, o país dominante tem que
usar instrumentos de pressão externa especificos, como a concessão de ajuda externa, para
exercer influência.
A partir do que foi dito até agora sobre a teoria da dependência, a mudança na política
comercial pode ser explicada pela mudança nas condições vigentes na economia
internacional, na década de 80, e pela formação do consenso neoliberal. Surge uma nova
concepção para o papel do Estado e através da linkage ela é transportada para os países
dependentes. Dessa forma, a mudança das políticas de ajuste estrutural pode ser explicada
mais pela existência de um consenso de interesses entre os paises em desenvolvimento e os
desenvolvidos.Esses elementos não explicam totalmente a existência da pressão externa.
A situação de dependência nas nações subdesenvolvidas é, entretanto, mais complexa.
Existem vinculos econômicos e de interesse entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento mas esses não são os únicos determinantes da situação econômica dos
países dependentes. Constitui-se uma situação ambígua: "a situação de subdesenvolvimento
nacional supõe um modo de ser que por sua vez depende de vinculações de subordinação
ao exterior e da reorientação do comportamento
social, político e econômico em
função de interesses nacionais" (Cardoso e Faletto, 1970: 30, grifos meus). Dessa forma,
coexistem nos países dependentes dois conjuntos de forças contraditórias
mas
interdependentes: os relativos a pressões e vinculações externas, e os relacionados ao
interesse nacional. Existe a possibilidade de o interesse nacional de países dependentes não
ser coincidente com o dos países dominantes. O conflito de interesses daí resultante, pode
ser resolvido com o uso de recursos de poder.
Isso é incorporado na análise de Stallings (1992) com a consideração de um terceiro fator
externo, além das relações econômicas internacionais e da linkage, para explicar a mudança
nas políticas adotadas nos países endividados: a assimetria de poder no sistema internacional
(leverage). Leverage "involves the direct use of power, with a promise of reward (or a
threat of punishment) for carrying out (or not) a desired policy. Leverage is most effective
when resources are scarce, creditors are unified, and the incentives they offer are credible"
(Stallings, 1992: 55).
\
'j
-I
1
13
o
fato de Stallings apontar condições nas quais a pressão é mais efetiva, indica que a
circunstância de poder representa uma relação situação-específica. Isso explica porque a
relação dos paises em desenvolvimento com os desenvolvidos mudou entre a década de 70
e a de 80, apesar dos paises em desenvolvimento serem dependentes nos dois periodos. Um
dos elementos que caracteriza a dependência é a necessidade de recursos externos. Essa
necessidade se verifica tanto nos anos 70 quanto nos 80; o que muda é a relação de poder.
Segundo Stallings (1992), nos anos 70, as possibilidades de obter recursos externos pelos
paises em desenvolvimento eram maiores. As elevadas taxas de crescimento dos países
desenvolvidos ampliaram o mercado para exportações dos países em desenvolvimento, e,
sobretudo, havia uma disponibilidade maior de empréstimos externos. A abundância de
empréstimos externos nos anos 70 reduziu a influência das empresas multinacionais, os
atores mais importantes segundo a teoria da dependência, e possibilitou que os governos
dos países em desenvolvimento tomassem autonomamente decisões de investimento. Do
J
I
lado da saída de recursos, as taxas de juros eram menores. Esses fatores compensaram a
deterioração dos termos de troca. Nos anos 80, a queda do crescimento econômico nos
países desenvolvidos, a redução dos empréstimos estrangeiros, a manutenção da
deterioração dos termos de troca, de um lado, e, de outro, o aumento das taxas de juros
internacionais, fizeram com que as restrições potenciais externas passassem a representar
restrições de fato.
Assim, se o capital é abundante e quem tem capital não tem instrumentos para exercer
influência, a propriedade do capital não confere poder para influenciar políticas adotadas
domesticamente. A década de 70 foi uma década de abundância de recursos na qual a
propriedade de recursos não representou poder. Os principais fornecedores de recursos, os
1•
bancos comerciais privados, não tinham interesse ou instrumentos para impor condições
sobre políticas domésticas. "After reappearing on the scene in the 1970s as a major source
of finance for the Third World, the private banks disbursed large amounts of loans and
attached very few strings to them. In general they had neither the will nor the capacity to
impose conditions. The goal was to turn their new petrodollars deposits into profits, not to
reform Third World economies. In fact, they undermined the attempts of the Bank and the
Fund to do so" (Stallings, 1992: 56). A propriedade de recursos toma-se poder apenas a
partir da crise da dívida, quando os recursos tomam-se escassos e os bancos desenvolvem
uma estratégia de ação conjunta com as instituições financeiras internacionais e os governos
credores.
14
Apesar de considerar a importância da assimetria de poder no sistema. internacional e
identificar uma circunstância específica em que é alterada nos anos 80 - a crise da dívida -,
Stallings não determina a forma como a assimetria de poder no sistema internacional pode
ser um determinante da mudança porque considera apenas um dos lados envolvido na
relação de poder: o dos credores. Para que o poder explique a mudança é preciso verificar
se do lado dos devedores (paises em desenvolvimento) havia vulnerabilidade. Além disso, a
análise do autor concentra-se em elementos financeiros, não considerando explicitamente
outras mudanças e situações de conflito no sistema internacional que ocorreram durante a
década de 80. Mais especificamente, no escopo da teoria da dependência, não considera a
nova estratégia das empresas multinacionais com a gIobalização da economia mundial. um
elemento mais estreitamente relacionado com a necessidade de abertura comercial. Essa
estratégia, que provocou um aumento no comércio intra-firma, impôs a necessidade de
abertura comercial sob pena de os paises, que não a adotassem, ficarem excluídos desse
processo. A globalização e a sua relação com o processo de abertura comercial serão
tratadas no capítulo 1.
Uma abordagem que tenta especificar melhor a relação entre assimetria de poder no sistema
internacional, o uso de instrumentos
específicos de pressão e mudanças nas políticas
domésticas é a dos autores "realistas": a teoria da estabilidade hegemônica (Gilpin, 1981,
1987; Krasner,
1976; Keohane,
1984). Esses autores assumem como ator o Estado
nacional, que age como ente autônomo para maximizar o interesse nacional.
o foco
da análise da teoria da estabilidade hegemônica é o sistema internacional: estudam o
papel do poder e das instituições internacionais e como esses elementos influenciam as
relações entre os Estados. Enfatizam, ainda, o uso de pressão externa para restrição de
certas ações e a existência de compromissos. Os autores estão preocupados em explicar a
cooperação no sistema internacional e identificam a cooperação com a ordem econômica
liberal sob a hegemonia da Inglaterra no seco XIX e dos Estados Unidos no seco XX (Gilpin,
1987). Na anarquia do sistema internacional, políticas nacionalistas tendem a prevalecer,
gerando conflito e perda de bem estar, porque o principal objetivo dos Estados diz respeito
ao seu interesse próprio. Essa situação, em termos de comércio internacional, significa que
do ponto de vista de cada Estado individualmente, a melhor opção de política é proteger a
sua indústria e ter livre acesso aos mercados dos demais países. Como resultado da ação de
Estados nacionais tentando maximizar o interesse nacional, os Estados passam a proteger o
seu mercado, gerando uma situação que é prejudicial a todos.
'''I
15
Os autores realistas divergem quanto a possibilidade de manutenção do livre comércio no
sistema internacional. Para Gilpin (1981, 1987) é preciso que um país hegemônico crie as
instituições e regras que garantam essa ordem e fiscalize e puna os países transgressores,
através de incentivos positivos e negativos. Para outros autores (Keohane, 1984; Krasner,
1976), existem outras possibilidades: a fiscalização e punição dos transgressores
realizada pelo conjunto
de países interessado
na sua manutenção,
pode ser
ou seja, existe
possibilidade de manutenção do livre comércio "after hegemony".
Segundo os autores realistas, o país hegemônico cria e mantém a ordem econômica liberal
porque dela obtém beneficios líquidos, que são entretanto decrescentes.
De um lado, o
controle sobre o sistema internacional pelo país hegemônico aumenta o seu poder à medida
que mais recursos tomam-se disponíveis e passam a existir ganhos proporcionados
por
economias de escala. De outro lado, manter a ordem internacional envolve o dispêndio de
recursos em forças militares, financiamento de aliados, ajuda externa e outros custos
associados com a manutenção dessa ordem. O uso desses recursos não é economicamente
produtivo. Por isso, a dominação requer a existência contínua de um excedente econômico.
No início, esse excedente cresce mais do que os custos da expansão, pois caso contrário,
não haveria incentivo para expandir. Com o tempo, os custos aumentam e os recursos
diminuem, limitando a continuação
da expansão.
Toma-se
mais dificil gerar receitas
suficientes para cobrir os custos de proteção e esses, aumentam com o tempo.
Ainda que a ordem econômica
liberal reflita basicamente
os interesses
do Estado
hegemônico, ela proporciona oportunidades de crescimento e expansão a outros Estados.
Num primeiro momento, denominado
polarização,
ela gera beneficios
para o poder
hegemônico; depois, na difusão, gera beneficios para os demais Estados (Gilpin, 1987: 94).
o
crescimento diferenciado de poder entre os Estados aumenta consideravelmente
os
beneficios potenciais ou diminui os custos potenciais para um ou mais Estados ascendentes
procurarem mudar o sistema internacional.
O poder dominante combate a ameaça de
mudança pelo poder ascendente no sistema internacional alterando suas políticas para tentar
recuperar o equilíbrio no sistema internacional. O poder dominante tem duas estratégias de
ação possíveis para recuperar o equilíbrio do sistema: atuar sobre os recursos ou sobre os
compromissos e os custos a eles associados (Gilpin, 1981).
16
Atuar sobre os recursos pode significar: (1) procurar gerar novos recursos diretamente
através de aumento da tributação doméstica e extração de tributos de outros Estados; ou
(2) utilizar meios indiretos, como, por exemplo, fazer uso de políticas inflacionáriase tentar
manipular os termos de troca com outros Estados; (3) aumentar a eficiência no uso dos
recursos existentes. Através de inovações organizacionais, tecnológicas e outras, o Estado
pode economizar os recursos à sua disposição ou aumentar o montante total de recursos
disponíveis.
Atuar sobre os custos pode significar: (1) eliminar a causa dos aumentos dos custos. O
poder declinante pode lançar uma guerra preventiva para destruir ou enfraquecer o Estado
ascendente enquanto a vantagem militar ainda está ao seu favor. (2) Continuar o processo
de expansão. O poder dominante espera reduzir os seus custos de longo prazo obtendo
posições defensivas menos custosas. (3) Reduzir os compromissos de política externa, para
o que existem três possibilidades: (3.1) abandono unilateral de alguns compromissos
externos. (3.2) Formar alianças ou procurar aproximação com poderes médios. Isso
..
significa fazer concessões a outro Estado e concordar em repartir os beneficios do status
quo em troca da repartição dos custos de sua manutenção. (3.3) Fazer concessões ao poder
ascendente.
O poder hegemônico declinante deixa de manter a ordem liberal porque ela não mais atende
seus interesses. Para recuperar a sua posição no sistema internacional, o Estado hegemônico
pode adotar práticas predatórias: fazer uso de poder para atingir seus próprios interesses de
forma prejudicial aos demais Estados. "It can become coercive and attempt to improve its
own position through the use of optimum tariffs, currency manipulations, or other
interferences in economic relations" (Young citado por Gilpin, 1987: 89).
Os autores realistas concordam que o declínio do poder hegernônico provoca um aumento
do conflito no sistema internacional, mas divergem no que diz respeito às consequências
desse aumento do conflito. Para Gilpin, o declínio do poder hegemônico leva a um aumento
do conflito no sistema internacional de forma que a cooperação fica comprometida. O
equilíbrio no sistema será recuperado através de uma guerra hegemônica. Para Keohane e
Krasner, a cooperação pode existir sem um país hegemônico, pois o aumento do conflito
potencial faz com que os países tenham interesse em atuar coordenadamente.
,.
17
Para Keohane, o aumento do conflito no sistema internacional decorrente do declínio do
poder hegemônico e da ascensão de outros países, é agravado com a crescente
interdependência econômica. A interdependência leva os países a expandirem a atuação do
Estado para proteger a economia nacional das flutuações da economia mundial. "When this
state activity takes the form of seeking to force the costs of adjustment onto foreigners,
international discord results" (Keohane, 1984: 6). E, com a ampliação do conflito
internacional, aumenta o interesse dos Estados em ajustar suas ações para reduzi-lo. Por
essa razão, o autor considera a cooperação possível.
A situação no sistema internacional com o declínio do poder hegemônico, ascensão de
novos poderes e crescente interdependência é diferente da harmonia. "Harmony refers to a
situation in which actors' policies (pursued in their own self-interest without regard for
others) automatically facilitate the attainment of others' goals" (Keohane, 1984: 51). Na
inexistência de harmonia é necessário que os Estados individuais realizem ajustes nas suas
políticas através de negociações para que os efeitos negativos da política de um Estado
sobre os demais sejam evitadas, reduzidas ou contrabalançadas (Keohane, 1984: 51). No
processo de negociação os Estados procuram induzir uns aos outros, através de pressão, a
ajustar as políticas para permitir o alcance do seu interesse próprio. O uso de pressão
externa para os Estados tentarem influenciar as políticas uns dos outros está ligado assim à
existência de conflito.
Segundo a teoria da estabilidade hegemônica, o uso de pressão externa para induzir
mudanças nas políticas pode representar tanto a prática de um país hegemônico declinante,
utilizando-se de instrumentos predatórios para maximizar o interesse próprio, quanto
representar formas de induzir à cooperação num sistema internacional interdependente,
onde ocorre aumento do conflito.
A partir dos autores realistas, as condições nas qUaISa pressão externa se expressa
envolvem a existência de conflitos entre países. Esses conflitos geram o interesse em
pressionar. A pressão se efetiva caso um país tenha capacidade para exercer pressão e outro
país, pressionado, seja vulnerável.
Capacidade de pressão pode ser definida como um conjunto de instrumentos e instituições
que permitem a realização de ações sobre outros países. Além disso, está ligada à
organização da ação coletiva pelos agentes, que determina posições de poder. O interesse é
18
definido em termos de aumento de beneficios e/ou redução de custos. A vulnerabilidade é
relativa. Na existência de uma relação de interdependência, mais vulnerável é a parte é mais
prejudicada com o rompimento da relação. A vulnerabilidade à pressão é importante para
explicar se a pressão tem ou não influência sobre a mudança. Mesmo que ocorram ações
concretas, ou seja, que um país tenha capacidade e interesse em pressionar, se não houver
vulnerabilidade, essas ações concretas não passarão de tentativas de influência.
Para a análise do interesse e capacidade dos países desenvolvídos na abertura comercial
brasileira serão considerados os elementos do sistema internacional que explicam porque o
conflito no sistema internacional amplia na década de 80, aumentando assim o interesse dos
desenvolvídos em pressionar. A utilização de pressão externa na área comercial pode surgir
em diversas situações: quando um país perde competitividade;
quando surgem novos
competidores no sistema internacional; e quando as oportunidades dos produtos dos dois
países se encontrarem
(e disputarem)
mercado
aumentam.
O interesse
dos países
desenvolvídos em pressionar os países em desenvolvímento para abrir os seus mercados está
ligado assim ao declínio da economia norte-americana,
recentemente industrializados) como exportadores
à ascensão
dos NICs (países
de manufaturados,
e ao processo de
globalização da economia.
A crise da dívída é outro elemento que aumentou a possibilidade de utilizar pressão externa.
Nas negociações sobre a dívída externa, o poder ficou do lado dos credores, que com isso
puderam exigir dos devedores a adoção das políticas por eles preferidas. Ainda que no
início, os credores usassem pressão para a manutenção do pagamento do servíço da dívída que passou a ser realizado concretamente com a obtenção de superávítscomerciais,
através
do aumento das restrições às importações - à medida em que essa estratégia prejudicou
interesses de exportadores e produtores domésticos dos países desenvolvídos que tiveram o
acesso ao mercado dos devedores restrito, ou que enfrentaram a competição nos mercados
domésticos, aumentou a importância da liberalização comercial".
15 Adicionalmente,
a crise da dívida foi incluída neste trabalho porque ela representa uma situação de uso de
pressão externa com duas finalidades diferentes: garantir a manutenção do pagamento do serviço da dívida
pelos devedores e provocar mudança nas suas políticas domésticas. Como a mudança da política comercial
brasileira pode ser explicada tanto por fatores domésticos como por externos, para avaliar-se a importância
relativa desses dois fatores, é necessário ter uma referência de comparação na qual os mesmos fatores
estejam envolvidos. A influência relativa da pressão externa no processo de abertura comercial brasileira vai
ser avaliada em relação à sua influência relativa para o pagamento do serviço da dívida.
/
...
19
Williamson (1989), no início do artigo que abre a coletânea de análises sobre as reformas
adotadas pelos países devedores reconhece a relação entre a questão da dívida e as
reformas. "No statement about how to deal with the debt crisis in Latin America would be
complete without a call for the debtors to fulfill their part of the proposed bargain by setting
their
houses
in
order,
conditionality"(Williamson,
o
undertaking
policy
reforms,
or
submitting
to
strong
1989: 7).
interesse em pressionar se expressa através de instrumentos concretos de pressão em
situações de conflito. Os instrumentos aqui analisados serão as retaliações comerciais e as
condicionalidades. Serão consideradas as possibilidades de retaliação comercial previstas no
Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), em caso de subsídios e
dumping; na legislação comercial norte-americana; e o uso de condicionalidades com a crise
da dívida. Esses instrumentos expressam a pressão econômica - comercial e financeira -, que
só será efetiva se o país apresentar vulnerabilidade econômica.
A pressão econômica não é, entretanto, a única forma de pressão. Existe também a pressão
ideológica, discutida a seguir. A pressão ideológica, da mesma forma que a econômica, só é
efetiva se for complementada
pela existência de vulnerabilidade
ideológica
no país
pressionado.
Instrumentos de pressão econômica como retaliações comerciais e condicionalidades são,
segundo Baldwin (1985),
instrumentos
de economic statecraft. Economic statecraft
representa tentativas dos governos de influenciar outros atores no sistema internacional com
o uso de instrumentos econômicos.
A escolha por instrumentos econômicos para exercício da pressão é feita levando em
consideração custos e beneficios a eles associados, e em relação aos beneficios líquidos
associados a outros instrumentos para exercer influência, como a diplomacia e a intervenção
militar. Baldwin considera a pressão econômica importante pela sua relação custo-beneficio.
Usar instrumentos de pressão econômica é maís barato do que a intervenção militar e é mais
efetivo do que a diplomacia.
Com relação aos beneficios, afirma que é necessário considerar que a pressão econômica
tem um objetivo maior além de causar um eventual prejuízo econômico.
O prejuízo
econômico é um objetivo intermediário na tentativa de influência. "Economic sanctions may
I
20
have diplomatic, psychological, political, military, or other effects even when their economic
effect is niIl" (Baldwin, 1985: 63).
Para Baldwin, o principal beneficio a ser considerado para avaliar a pressão econômica é
aquele relacionado com a mensagem que ela transmite. A pressão econômica tem um efeito
simbólico importante. É instrumento para a transmissão de mensagens de advertência, de
desacordo, da menor tolerância, ou de prescrição de determinadas políticas. "Economic
instruments may be used to signal narrowly specific intentions or to project general foreign
policy orientations" (Baldwin, 1985: 102).
À medida em que entre os países com interesse em utilizar pressão externa surge um
consenso sobre um conjunto de políticas a serem prescritas, a mensagem contida na pressão
econômica assume o caráter de ideologia. A pressão econômica transforma-se assim, em um
instrumento de pressão ideológica, identificada na análise de Baldwin, sem utilizar esse
nome.
Com o consenso neoliberal, uma série de medidas visando a redução da intervenção do
Estado na economia, incluindo a liberalização comercial, passaram a ser consideradas
"certas'i". A necessidade de redução da intervenção do Estado para um determinado padrão
estava ligada à globalização. Para reduzir os efeitos de variáveis externas sobre a economia
nacional ou aumentar os beneficios resultantes da ampliação do mercado mundial e da
internacionalização
do capital, os Estados poderiam adotar políticas para atrair capital e
investimentos. Essas políticas aumentariam o bem-estar econômico do pais que as adotasse
com a globalização, à custa dos demais e só seriam bem-sucedidas se o pais for o primeiro
e/ou o único a adotá-las. A pressão ideológica pela redução da intervenção do Estado
estava relacionada
com a manutenção
da estabilidade global, mas também
com a
maximização do interesse próprio de alguns poucos países, desincentivando os países a usar
políticas que poderiam reduzir os beneficios dos demais países.
16 O assim denominado "consenso de Washington" incluía, além da liberalização das importações para
reduzir o custo do insumo importado e para eliminar a ineficiência decorrente da proteção, as seguintes
medidas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos, sobretudo dos subsídios; reforma fiscal,
preferencialmente aumentando a base de tributação e mantendo as taxas marginais do imposto moderadas:
definição da taxa de juro pelo mercado; manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, consistente com o
objetivo de permitir um aumento das exportações; privatização, com base na idéia de que a empresa privada
é mais eficiente que a pública; desregulamentação; para aumentar a competição; proteção dos direitos de
propriedade intelectual; permissão para o ingresso de investimentos estrangeiros diretos (Williamson,
1989).
•..
21
A pressão ideológica é subjacente à pressão econômica pois, conforme Baldwin (1985), os
atos concretos de pressão externa são importantes para expressar uma mensagem de um
país para outro. A mensagem contida nos atos de pressão econômica assume o caráter de
ideologia quando consolida-se entre os países desenvolvidos um padrão para a atuação do
Estado e a restrição da ação estatal a esse padrão atende aos interesses desses países.
A
mensagem
concreta
contida
na
condicionalidade
dos
organismos
financeiros
internacionaís incluía a liberalização comercial, a privatização e a desregulamentação.
Na
resolução de controvérsias do GATT, dizia respeito à redução de barreiras ao comércio; no
código de subsídios e dumping, à redução das práticas desleais de comércio, à redução da
penetração nos mercados externos e ao questionamento da política protecionista.
A pressão externa analisada neste trabalho está assim relacionada com a existência de
conflitos entre países e inclui a pressão econômica e a pressão ideológica. A pressão
econômica pode ser subdividida em comercial e financeira, dependendo do instrumento
utilizado para exercer a pressão,
se retaliações
comerciais
ou se condicionalidades
associadas a empréstimos. A pressão ideológica é subjacente à econômica, à medida em que
representa uma das formas dos países transmitirem mensagens uns aos outros. A pressão
ideológica não é, entretanto,
exclusivamente
associada à econômica, podendo assumir
outras formas.
Para verificar a ocorrência de pressão externa no caso brasileiro é necessário assim analisar,
de um lado, elementos do sistema internacional que explicam o aumento do conflito com
outros países e seu interesse na abertura comercial brasileira. Os instrumentos pelos quais
esses interesses são colocados, referem-se às retaliações comerciais e às condicionalidades.
De outro, para verificar a efetividade da pressão externa é preciso analisar a existência de
vulnerabilidade no Brasil, tanto econômica quanto ideológica. A análise sobre a pressão
externa na abertura comercial brasileira será dividida da seguinte forma.
No capítulo I serão abordadas as principais mudanças ocorridas no sistema internacional,
que provocaram aumento do conflito internacional, do interesse e da capacidade dos países
desenvolvidos em utilizar a pressão externa. Essas mudanças referem-se ao declínio da
hegemonia norte-americana, à ascensão dos NICs, à globalização da economia, à crise da
dívida e à formação do consenso neoliberal.
22
No capítulo 2 serão analisados fatores domésticos para verificar se o uso dos instrumentos
de pressão externa pelos países desenvolvidos representa pressão de fato. Esses fatores
dizem respeito à vulnerabilidade
econômica do Brasil - comercial e financeira - e à
vulnerabilidade ideológica. Para análise da vulnerabilidade econômica foram levantados
dados sobre as relações comerciais e financeiras do Brasil com os países desenvolvidos para
avaliar qual o país que mais perderia com o rompimento da relação. Constata-se que havia
vulnerabilidade comercial, mas não financeira. No caso da vulnerabilidade ideológica, serão
apenas indicados os elementos que podem configurar tal situação, com base em análises de
outros autores.
Nas Considerações
Finais serão retomados
os principais elementos
que explicam a
influência da pressão externa sobre a mudança na política comercial brasileira.
'I
23
CAPÍTULO 1
Neste capítulo, eventos ocorridos no sistema internacional, que aumentaram o conflito com
outros países durante a década de 80, serão tratados. Esses eventos provocaram tanto o
aumento do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos
em pressionar, quanto
alterações na economia mundial, que reduziram as alternativas à disposição dos países em
desenvolvimento.
o interesse
representa, segundo os autores "realistas", a razão pela qual um país exerce
pressão sobre o outro. Um país exerce pressão sobre outro para maximizar o interesse
nacional e quando se encontra numa situação de conflito com outros países. O declínio
relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos NICs, a globalização da economia
mundial, e a crise da dívida são os elementos que explicam o aumento do conflito no
sistema internacional.
Dado o caráter amplo dos eventos considerados neste capítulo, a análise aqui realizada vaí
se ater apenas aos elementos que permitem a compreensão do tema discutido, qual seja, a
pressão externa e a abertura comercial .
.•
24
DECLÍNIO RELATIVO DA HEGEMONIA NORTE AMERICANA
o declínio
relativo da hegemonia norte-americana pode ser verificado na diminuição da sua
participação no Pffi e nas exportações
mundiais;
no aumento do seu déficit comercial
(Tabela 2).
Tabela 2. EUA: Indicadores da situação econômica.
Participação
no
Participação
PIB mundial
nas
exportações
(%)
mundiais
1965
40,1
-
1966
1970
-
1981
Balanço comercial
(US$ bilhões)
(%)
16,8
-
15,4
-
29,2
14,3
(39,6)
1985
36,7
10,7
(148,5)
1986
32,3
9,7
(169,8)
1987
29,7
10,6
(169,8)
1988
28,5
12,0
(143,4)
1989
25,8
11,9
(144,6)
.
Fonte: Banco Mundial, Relatóno sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios;
Boletim do Banco Central.
Esse declínio está ligado ao fato de que os compromissos externos, assumidos pelos EU A a
partir da 2a. Guerra Mundial,
quando
se tomou
o poder
hegemônico
do sistema
internacional, tomaram-se maiores do que os recursos à disposição do pais para mantê-los.
Os compromissos externos dos EUA foram assumidos ao longo do tempo e, na maioria dos
casos, a razão da presença norte americana não diminuiu. Assim, os EUA tinham na década
de 80 aproximadamente a mesma série de obrigações pelo mundo que há 25 anos atrás,
entretanto, sua parcela do PNB mundial, da produção manufatureira, do dispêndio militar e
com pessoal das forças armadas eram muito menores (Kennedy, 1989).
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I
25
Segundo Gilpin (1987), o declínio é uma situação inerente à condição de país hegemônico.
No caso dos Estados Urudos, ocorreu pela combinação de vários fatores. Os EUA
aproveitaram o fato de que sua moeda era a principal divisa internacional, para financiar sua
posição global. Criaram liquidez internacional através de déficits no balanço de pagamentos,
financiados pela Europa Ocidental e pelo Japão. Em troca, os EUA toleravam não apenas a
discriminação contra suas exportações pela CEE e pelo Japão, mas também suas estratégias
agressivas de exportação. Entretanto, a persistência desse déficit no longo prazo acabou por
minar a confiabilidade do dólar e o seu papel como divisa internacional. Resultou na
aceleração da inflação, no desequilíbrio das taxas de câmbio, na perda de confiança no dólar
e no aumento da especulação, redundando no fim do sistema de taxas fixas de câmbio. A
mudança para o sistema de taxas de câmbio flexíveis e a integração
dos mercados
financeiros ampliou significativamente o impacto das políticas macroeconômicas
norte-
americanas sobre o resto do mundo.
Nesse contexto, a política orçamentária adotada pelo governo Reagan realizou aumentos
em grande escala com defesa e reduções consideráveis nos impostos, sem diminuir os
gastos federais em outros setores, provocando
um aumento do déficit público. Para
financiá-lo, os EUA absorveram volumes elevados de capital externo, que provocaram a
valorização do dólar e exerceram efeitos negativos sobre as exportações norte-americanas e
sobre setores da indústria norte-americana. (Gilpin, 1987).
O declínio da indústria do país não ocorreu apenas em setores tradicionais (têxteis, ferro,
aço e construção
naval), mas também em setores de alta tecnologia. Adicionalmente,
surgiram novos concorrentes ao setor agrícola: a Comunidade Européia e em menor escala
os países subdesenvolvidos.
Como resultado, os preços mundiais caíram, assim como as
exportações norte-americanas.
A falta de competitividade dos produtos industriais norte-
americanos no exterior e as exportações
agrícolas decrescentes produziram o elevado
déficit comercial.
A piora na situação comercial provocou um aumento do sentimento protecionista.
"Os
defensores de uma maior proteção queixam-se de que práticas desleais pelos estrangeiros,
de dumping de artigos a preços abaixo do custo no mercado norte-americano, e de enormes
subsídios aos agricultores estrangeiros, o que, sustentam eles, só pode ser respondido com
o abandono da política de laissez-faire no comércio exterior e a adoção de rígidas contramedidas" (Kennedy, 1989: 498).
26
Bhagwati (1993) afirma que a percepção do declínio da hegemonia americana é maior do
que a realidade. Os EUA estão sofrendo da "síndrome do gigante diminuído" (diminished
giant syndrome), que é reforçada pela existência dos déficits comercial e público e pela
redução no crescimento do padrão de vida na década de 80. A percepção do declínio tem,
entretanto,
consequências reais sobre a política econômica internacional
dos EUA. A
política comercial e as concessões comerciais norte-americanas a seus parceiros comerciais
são consideradas maiores do que as que recebeu em troca. Essa crença leva à posição de
que os EUA precisam adotar uma política de demandar concessões unilaterais dos outros
países.
Assim, o declínio da hegemonia, provocou o aumento do conflito dos EUA com seus
parceiros comerciais, seja sob acusação de práticas desleais (dumping,
porque a troca de concessões
entre os EUA e seus parceiros
subsídios), seja
não foi considerada
equilibrada, passando a exigir reciprocidade nas trocas de concessão.
O interesse nacional dos EUA declinante passou a ser atendido por práticas predatórias. Na
área de comércio exterior isso significou: forçar a abertura de mercado de seus parceiros
comerciais, ou seja, combater práticas protecionistas dos outros países mesmo que fizesse
uso das mesmas práticas; e utilizar as regras existentes de comércio de forma distorcida,
como o uso de medidas contra dumping e subsídios sob alegações falsas.
Adicionalmente, com a expansão global do setor de serviços, especialmente financeiros e de
telecomunicações e das indústrias de alta tecnologia, que constituíam os setores dinâmicos
da economia norte-americana, os EUA passaram a demandar que os outros países abrissem
suas economias para as empresas de serviço norte-americanas e garantissem os direitos de
propriedade intelectual.
Assim, durante a década de 80, com o aumento do conflito comercial decorrente
declínio da hegemonia norte-americana,
do
aumentou o interesse dos EUA em utilizar os
dispositivos de sua legislação comercial para realizar atos de pressão comercial. Durante
esse período inclusive, ocorreu uma modificação na sua legislação comercial que ampliou a
sua capacidade de pressão.
A legislação comercial norte americana prevê seis casos para o governo realizar ações
contra os parceiros comerciais (GATT, 1990). Três deles correspondem
previstos no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio:
a instrumentos
27
- Salvaguardas (seção 201 do Trade Act de 1974, emendada), se as importações causarem
dano material à indústria doméstica. Está prevista a realização de ações diretas sobre as
importações (imposição de sobretaxas, restrições quantitativas; negociação de um acordo
de restrição voluntária, etc.), bem como, a adoção de incentivos ao ajuste da indústria ou
setor prejudicado pelas importações.
O prazo de vigência máximo dessas medidas foi
alterado pelo Omnibus Trade Act de 1988, de 5 para 8 anos.
- Dumping (subtítulo B do título VII do Tariff Act de 1930, emendado), se os importados
estiverem sendo comercializados a valor abaixo do valor justo e provocarem dano material
à indústria doméstica ou dificultarem o estabelecimento de uma indústria.
- Subsídios (subtítulo A do título VII do Tariff Act de 1930, emendado e seção 303 do
Tariff Act de 1930), se a competitividade dos bens importados for decorrente de subsídio e
causar dano material à indústria doméstica'". Com a modificação na legislação comercial
norte-americana, em 1988, foram introduzidas várias emendas para facilitar a utilização de
taxas anti-subsídios e amidumping.
Os demais casos para a realização de ações contra os parceiros comerciais são específicos
da legislação norte-americana. Incluem:
- Práticas desleais de comércio (seção 301 do Trade Act de 1974, emendada). Esse caso
autoriza e requer que o Executivo
18
tome medidas retaliatórias para ampliar o acesso de
bens e investimentos norte-americanos em mercados estrangeiros, e para proteger direitos
de propriedade intelectual. No Ato de 1988 foi introduzida a provisão "super 301" visando
combater práticas de comércio através da identificação de práticas e países prioritários, com
vigência até 1990. Os países incluídos nesse grupo teriam de eliminar ou compensar os
EUA da prática prejudicial em até três anos, caso contrário, eram previstas retaliações.
Foram também incluídas a provisão "special 301" para investigações contra violações nos
direitos de propriedade intelectual e uma nova lei "Telecommunications Trade Act of 1988"
para a negociação com países prioritários sobre comércio em telecomunicações. Nesses dois
casos também estavam previstas retaliações.
17 No caso da seção 303, a tarifa anti-subsídio pode ser imposta mesmo se não houver dano material: vale
para países não signatários do Código de Subsídios da Rodada de TÓQuio.
18 O Ornnibus Trade Act de 1988 transferiu a autoridade para determinação, tomada de decisão e
implementação de medidas sob a seção 301 do presidente para a USTR. Com essa mudança, questões de
política externa mais ampla tornaram-se menos importantes. As decisões passaram a ser tomadas com base
preponderantemente em elementos comerciais.
28
- Práticas desleais de importação (seção 337 do Tariff Act de 1930). O uso dessa seção
concentrou-se
introduziu
em casos de desrespeito
a patentes. O Omnibus Trade Act de 1988
várias emendas incluindo a eliminação da necessidade
de dano material,
aumentou a abrangência da aplicação da seção para firmas estrangeiras atuando nos EUA e
reduziu o prazo para o início da aplicação de penalidades para 90 dias após o início das
investigações.
- Ruptura de mercado (seção 406 do Trade Act de 1974) refere-se a procedimentos
de
salvaguarda contra importações de países comunistas.
Segundo Finger (1991), com exceção da seção 201 os demais casos da legislação comercial
norte-americana
envolvem a alegação de práticas desleais de comércio e portanto podem
ser usadas com fins protecionistas. Mecanismos Jair trade sempre existiram mas não foram
utilizados até a década de 70 porque a política comercial dos EUA era tratada pelo governo
como um instrumento diplomático, e se sustentava a idéia de que o livre comércio seria
importante para a manutenção da paz mundial. Os EUA eram vistos como o "estabilizador"
do sistema internacional. Durante a guerra fria com a URSS, a idéia foi ampliada: se os
EUA não permitissem o acesso das exportações dos outros países ao seu mercado, eles
adeririam ao bloco comunista. Adicionalmente, a manutenção da postura pró livre-comércio
foi sustentada por fatores econômicos: nos anos 50 e 60 os EUA apresentaram crescentes e
substantivos superávits comerciais. A revisão da legislação comercial norte-americana, em
agosto de 1988, representou
assim, uma reação dos EUA à diminuição de seu poder
econômico no comércio internacional.
A concepção que a fundamentou
foi que esse
declínio resultou de práticas comerciais injustas adotadas pelos seus parceiros comerciais.
O uso da provisão "super 301" da lei de 1988 é denominado por Bhagwati de unilateralismo
agressivo. Os EUA podem usar a provisão para forçar seus parceiros comerciais a abolir
algumas práticas que prejudiquem
reflects clout and concentrated
interesses norte-americanos.
"In particular,
since it
pressure, there is a strong likelihood that the targets of
Section 301 actions will satisfy american demands by diverting trade from other countries
(with small political clout) to the United States, satisfying the strong at the expense of the
weak" (Bhagwati, 1991b: 55). A seção 301 visou e foi usada para defender os interesses
dos exportadores norte-americanos.
Dos 47 casos concluídos em 1988, 27 resultaram na
eliminação de alguma restrição às importações no país acionado (Finger, 1991).
29
o declínio relativo
da hegemonia norte-americana provocou assim um aumento no interesse
e na capacidade dos Estados Unidos de utilizar pressão externa. A abertura do mercado dos
parceiros comerciais, tanto no setor de bens, quanto no setor de serviços e investimento,
passou a representar o principal interesse comercial norte-americano.
Visando o seu
alcance, legislação comercial foi alterada, ampliando a capacidade de pressão.
ASCENSÃO DOS NICS
Os NICs são um grupo de países que aumentou rapidamente sua participação na produção e
exportação mundial de manufaturas na década de 70. Desse grupo faziam parte: Hong
Kong, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Brasil e México e quatro países do sul da Europa
(Grécia, Portugal, Espanha e Iugoslávia). Entre 1963 a 1977, a participação dos NICs na
produção industrial mundial aumentou de 5,4 para 9,3%, enquanto que entre os países
desenvolvidos, com exceção do Japão, verificou-se um declínio na participação. Os EUA
reduziram sua participação na produção industrial mundial de 40 para 37%; a Alemanha de
°
1 para 9%; a França de 6,3 para 6,1% e o Reino Unido de 6,5 para 4% (OECD, 1979).
A participação dos NICs na exportação mundial de manufaturas aumentou de 2,5% em
1963 para 7,1% em 1976, superando
o aumento
da participação
na produção
de
manufaturados. O Brasil, que exportava 0,05% das manufaturas mundiais em 1963, passou
a exportar
0,51%,
em 1976. Aumentos
expressivos
ocorreram
na exportação
de
manufaturas pelos países do leste asiático. No mesmo período, Hong Kong aumentou sua
participação nas exportações mundiais de manufaturas de 0,8 para 1,2%; a Coréia do Sul de
0,05 para 1,2%; Taiwan de 0,2 para 1,2% (OECD, 1979).
A pauta de exportações desses países alterou-se:
participação,
enquanto
que manufaturados
transporte aumentaram (Tabela 3).
os produtos primários reduziram sua
elaborados
como máquinas
e material de
30
Tabela 3. Composição da pauta de exportações de NICs. (%)
Produtos
Máquinas e
Outras
primários
material de
manufaturas
Têxtil e
' •
vestuano
1
transporte
1965
1989
1965
1989
1965
1989
1965
1989
Brasil
92
48
2
20
7
32
1
3
HongKong
6
3
7
23
87
73
52
39
Coréia do Sul
40
7
3
38
56
55
27
23
Cingapura
65
27
10
47
24
26
6
5
1
,
.
,
Têxteis e vestuano e um subgrupo de outras manufaturas
Fonte: World Development Report, 1990
o
A
surgimento de novos atores no comércio internacional aumentou a competição nos
mercados externos e ameaçou a posição de fornecedores tradicionais, gerando um aumento
de demandas por proteção. "Trade tensions with longer-established countries have been
exacerbated, leading to cries of unfair trading and calls for protection from the latter"
(Murphy, 1990: 12).Nos anos 80, ocorreram inúmeros conflitos entre a Comunidade
Européia e os EUA, de um lado, e os NICs, especialmente do leste asiático, de outro. Os
EUA e a Comunidade Européia pressionaram para a estabilização do balanço bilateral
através do aumento das importações. Em função disso, a necessidade de liberalizar
importações e estimular a demanda doméstica ficou em evidência.
O aumento da participação dos NICs na economia mundial, em especial, na exportação de
produtos manufaturados, provocou aumento do conflito com os países desenvolvidos
porque coincidiu com um periodo de baixa atividade econômica e com a alta dos preços do
petróleo, que resultaram numa ampliação do protecionismo nos paises desenvolvidos.
O protecionismo dos países desenvolvidos a partir da década de 70 diferenciou-se do
vigente até a segunda guerra mundial, que era caracterizado pela utilização de tarifas. Essas
tarifas, no caso de produtos industriais, foram reduzidas nas sucessivas rodadas de
negociação realizadas no âmbito do GATT, com base no princípio da nação mais
favorecida.
31
No assim chamado
"novo protecionismo"
foram utilizados novos instrumentos
tarifários como os acordos voluntários de restrição às exportações
não-
e aplicados direitos
antidumping e compensatórios (anti-subsídios) sob alegações falsas de comércio desleal. As
negociações comerciais foram conduzidas sob a perspectiva de reciprocidade,
da troca
recíproca de concessões entre países. Novos temas como o setor de serviços, direitos de
propriedade
intelectual e investimentos passaram a ser objeto de disputas comerciais.
Retaliações comerciais foram utilizadas para defender o interesse nacional dos países
(acesso ao mercado de serviços, proteção de patentes), relativos a esses setores. Aumentou
a utilização de políticas de incentivo setorial como subsídios à exportação
indústria
decadente.
O "novo protecionismo"
representou
um
e proteção à
aumento
do poder
discricionário dos governos para influenciar padrões de comércio e a locação global das
atividades econômicas. (Bhagwati, 1991a; Hauser, 1991; Gilpin, 1987). Não por acaso, os
elementos do novo protecionismo
constituíram
os principais temas das discussões
e
negociações da Rodada Uruguai, iniciada em 1986.
Com o desempenho exportador dos NICs, os países desenvolvidos passaram a questionar
crescentemente
sua manutenção no grupo dos países subdesenvolvidos
com direito a
tratamento especial nas regras do GATT19• Os NICs passaram a ser vistos como jree riders
do sistema internacional de comércio, podendo beneficiar-se das concessões
tarifárias
negociadas entre países industrializados (pela cláusula da nação mais favorecida) sem ter
que retribuir.
A expansão das exportações de manufaturados dos países recentemente industrializados
(NICs) e a impossibilidade de ter acesso a seus mercados - de bens e nos novos setores
dinâmicos da economia mundial - fortemente protegidos, aumentaram o interesse dos países
desenvolvidos na liberalização comercial e, com isso, a utilização de instrumentos
de
pressão comercial.
O Brasil, segundo Soares de Lima (1990), passou a submeter-se crescentemente
às regras
do regime de comércio, em vista da pressão exercida pelos países desenvolvidos. A adoção
de uma postura defensiva"
pelo Brasil foi resultado do processo
de industrialização
19 A parte IV do GATI isenta os países subdesenvolvidos da concessão de tratamento recíproco nas
negociações com países desenvolvidos (GATI, 1986).
20 Por postura defensiva a autora entende a aceitação das regras do GATI pela pressão dos países
desenvolvidos. "O país submeteu-se à regras emergentes do regime de comércio em vista da existência de
instrumentos coercitivos manipulados pelos países mais fortes" (Soares de Lima, 1990: 20)
..
32
ocorrido no país, que capacitou-o a produzir e exportar produtos manufaturados; e da
crescente pressão exercida pelos países industrializados como reação à emergência dos
NICs. O processo de industrialização e a exportação de manufaturas pelo Brasil não
provocaram apenas o aumento do conflito com os países desenvolvídos, mas também
diminuirama coesão interna do grupo dos países subdesenvolvídos, no qual o Brasil exercia
uma posição de liderança.
O comportamento do Brasil assumiu o caráter defensivo pois, juntamente com os demais
NICs foi considerado um carona do regime internacional de comércio. Esses países foram
"os principais alvos de medidas que vísam condicionar os eventuais beneficios resultantes
das negociações multilaterais à aceitação dos deveres e obrigações do regime de comércio.
Tais iniciativas, englobadas na denominação genérica de políticas de graduação, implicam
tanto a retirada de tratamento diferencial e preferencial aos semi-industrializados, quanto a
condicionalidadedo acesso aos mercados industrializados à adoção de políticas comerciais
consideradas apropriadas na perspectiva dos principais atores do regime de comércio'!"
(Soares de Lima, 1990: 21). O Brasil submeteu-se às regras do regime de comércio para
que o acesso de suas exportações aos mercados externos não fosse interrompido.
O aumento do conflito comercial no sistema internacional decorrente do declínio da
hegemonia norte-americana e da ascensão de novos países na exportação mundial de
manufaturas se refletiram sobre o Brasil, com o aumento de pressões através de
instrumentos comerciais dos países desenvolvídos, especialmente os EUA, para que o país
modificasse suas políticas comerciais.
Relações Brasil-EUA
A política protecionista, implantada no Brasil após a 2a. Guerra Mundial foi tolerada pelos
EUA porque o acesso ao mercado brasileiro através de investimentos era uma alternativa
interessante. Mudanças econômicas ocorridas a partir da década de 70 refletiram em
mudanças na inserção tanto do Brasil quanto dos EUA no sistema internacional. De um
lado, a hegemonia norte-americana iniciou seu declínio, de outro, o Brasil, além de outros
países recentemente industrializados, tomou-se competitivo em mercados até então não21
Mudanças no Trade and Tariff Act norte-americano ocorridas em 1984 representam um exemplo do
processo de graduação. Entre os critérios para a revisão anual dos países e produtos beneficiários do Sistema
Geral de Preferências, foram incluídos: a competitividade da economia, o nível de desenvolvimento, o
acesso ao mercado, proteção à propriedade intelectual, práticas distorcidas em relação ao investimento,
barreiras ao comércio de serviços, etc.
33
tradicionais para países subdesenvolvidos (primo Braga e Silber, 1986). Esse processo pode
ser verificado na balança comercial entre os dois países (Tabela 4).
Tabela 4. Balança comercial Brasil-EUA (US$ milhões)
Exportações
Brasil
Importações
Brasil
Saldo Comercial
1970
676,1
918,1
(242,0)
1975
1.337,3
3.380,4
(2.043,1)
1980
3.496,2
4.626,4
(1.130,2)
1985
6.950,5
2.824,7
4.125,8
1986
5.776,1
3.414,6
2.361,5
1987
7.183,1
3.328,9
3.854,2
1988
8.376,6
3.229,6
5.147,0
1989
7.708,2
4.358,1
3.350,1
Fonte: UNSO Comtrade in GATT Trade Policies Review Mechanism TPRM, 1992
De 1970 a 1975, verificou-se um aumento do déficit comercial do Brasil com os EUA que
alcançou, em 1975, o valor de US$ 2.043,1 milhões. A partir de então, essa tendência se
alterou: as importações
de produtos
norte-americanos
pelo Brasil se reduziram e as
exportações brasileiras para os EUA se ampliaram. Na década de 80, o saldo da balança
comercial Brasil-EUA tomou-se um superávit em favor do Brasil.
o aumento
das exportações brasileiras para os EU A foi acompanhado de uma modificação
na sua composição. No início da década de 70, os produtos básicos correspondiam a mais
da metade da pauta de exportações brasileiras para os EUA. Na década de 80, os produtos
manufaturados que passaram a ser o principal item da pauta de exportação para os Estados
Unidos (Tabela 5).
34
Tabela 5. Composição das exportações brasileiras para os EUA por tipo de produto (%)
Básicos
Semi-manufaturados
Manufaturados
1972
62,5
7,5
29,3
1975
50,3
7,3
40,0
1977
41,8
9,8
48,0
1979
35,6
12,7
51,5
1980
40,0
12,3
47,6
1981
31,5
8,2
60,2
1983
20,1
8,0
71,6
1985
17,2
7,7
75,1
1986
15,7
11,8
72,5
1988
6,2
6,3
87,5
1989
3,8
5,9
90,3
Fonte: Dados de 1972 a 1985, CACEX in Primo Braga e Silber (l986)~ dados de 1986 a
1989, CACEX, cálculos próprios.
A existência de um déficit comercial crescente dos EUA com o Brasil, causado em grande
parte pela expansão das exportações de manufaturados brasileiros sem a contrapartida de
aumento de importações brasileiras de produtos norte-americanos, fez com que
aumentassem os conflitos comerciais entre Brasil e EUA. Esses conflitos justificaram
pressões dos EUA para que o Brasil modificasse sua política comercial altamente restritiva
às importações+, O conflito comercial do Brasil com os Estados Unidos não se restringiu
apenas ao setor de bens. Com a crescente importância do setor de serviços e de alta
tecnologia, os EUA passaram a pressionar pela abertura desses novos mercados e pela
proteção dos direitos de propriedade intelectual.
O Estados Unidos pressionaram o Brasil para a assinatura do Código de Subsídios na
Rodada de Tóquio. "A posição do Brasil frente aos EUA no contexto puramente bilateral
ficaria insustentável dada a pressão norte-americana a menos de uma flexibilização da
Conforme será visto adiante, o crescente superávit comercial do Brasil com os EUA foi resultado também
da política adotada pelo governo com a crise do balanço da pagamentos. Essa política, que incluía medidas
de redução de importações e promoção de exportações, feriu interesses de exportadores produtores norteamericanos, que pressionaram o Congresso dos Estados Unidos para rever a estratégia de negociação da
dívida.
22
35
posição brasileira. O Brasil concordou
assim, em descontinuar
os créditos-prêmio
às
exportações até o final de 1983 e com o congelamento dos níveis de subsídio" (paiva
Abreu, 1994: 327, 328).
A seção 301 da legislação comercial norte-americana
foi utilizada como instrumento de
pressão contra o Brasil, segundo Arslanian (1994). Com o fim da Guerra Fria, os Estados
Unidos utilizaram crescentemente a seção 301 para garantir a formação de mercados leais e
abertos a seus interesses. As ações dos EUA para maximizar o interesse nacional através de
instrumentos unilaterais foi balizada pela capacidade do país-alvo de implementar medidas
contra-retaliatórias ou de alternativas reaís para neutralizar o poder de força representado
pelo recurso unilateral à seção 301. A presença dos grandes parceiros comerciaís dos EUA
como Alemanha e Japão no mercado
mundial representava
uma ameaça maior aos
interesses norte-americanos, mas eles detinham capacidade de contra-retaliar ou neutralizar
as ações norte-americanas. Assim, os países mais expostos a ações unilaterais dos EUA
foram aqueles, como o Brasil, para quem os EUA constituíam um mercado importante para
as exportações e, que pela pequena importação de produtos norte-americanos,
capazes de contra-retaliação.
não eram
"Em suma, embora dirigida a qualquer país cujas práticas
constituam séria barreira às exportações dos Estados Unidos, os dispositivos da Seção 301
tiveram, ao menos à luz da experiência passada, efeitos tênues, quando não inexistentes,
para parceiros - como a União Européia e o Japão - que são os verdadeiros responsáveis
pelas tensões da política comercial norte-americana, porém danosos para aqueles - como o
Brasil - que não pouparam esforços pelo entendimento no seu diálogo sobre comércio com
o governo dos Estados Unidos" (Arslanian, 1994: 123).
O Brasil foi objeto de 6 do total de 87 investigações iniciadas sob a seção 301, no periodo
de 1975 a 1991. A partir de 1987, os dispositivos da seção 301 foram acionados contra o
Brasil em decorrência das investigações abertas pelo USTR sobre a reserva de mercado de
informática e a não-concessão de patentes farmacêuticas. O Brasil foi o único país em
desenvolvimento a sofrer retaliações, em 1988 (GATT, 1992). Na primeira ação substantiva
sob a seção 301 da lei de 1988, referente às telecomunicações,
lista de observação pelo painel consultivo juntamente
o Brasil foi colocado numa
com a Itália, Holanda, Finlândia,
Inglaterra, Espanha e Taiwan (Business Week, 1989). Em 1989, foi aberta ação "super 301"
em razão de barreiras amplas contra exportações norte-americanas. Com o anúncio da nova
regulamentação
brasileira de comércio exterior,
em março de 1990, que eliminou as
restrições quantitativas às importações, a ação "super 301" foi encerrada. Adicionalmente, o
36
Brasil foi mantido entre 1989 e 1993 em lista de observação prioritária soba seção "special
301" e o governo norte-americano ameaçou com a imposição de sanções comerciais caso o
Congresso Nacional não aprovasse o projeto de lei sobre propriedade industrial.
As investigações realizadas pelos EU A contra o Brasil demonstram que o interesse norteamericano em modificações
na legislação
brasileira resultou na realização
de ações
concretas de pressão.
o aumento
da pressão externa sobre o Brasil verifica-se também com os processos abertos
contra o país sobre o uso de dumping e subsídios. O uso de instrumentos para combater
dumping e controlar os subsídios segue determinações do GATT (l986a, 1986b). Direitos
compensatórios
e taxas antidumping podem ser impostos por um país se, após uma
investigação ficar comprovado que o subsídio ou o dumping provocou dano material a uma
indústria estabelecida ou impediu o estabelecimento de uma indústria doméstica. Sobretaxas
podem ser impostas temporariamente
até o fim da investigação se forem apresentadas
evidências que comprovem a acusação.
Ao final da investigação, podem ser ou não
efetivadas.
Direitos
compensatórios
e taxas antidumping constituem
o que Bhagwati
(1991 b)
denomina mecanismos Jair trade. Segundo ele, esses mecanismos devem fazer parte das
regras que garantem uma estrutura de comércio aberta, porque os beneficios de um país
praticar o livre comércio serão prejudicados,
se os seus parceiros comerciais usarem
medidas como subsídios ou dumping para ganhar mercado. Os mecanismos Jair trade
permitem a utilização de tarifas retaliatórias para que um pais force o seu parceiro comercial
a mudar suas políticas.
Mecanismos Jair trade podem converter-se
em instrumentos
protecionistas
se forem
utilizados sob alegações falsas de comércio desleal (unJair trade), uma prática comum na
década de 80. O uso de mecanismos Jair trade sob alegações falsas de comércio desleal
ocorre pelo fato de no âmbito do GATT não haver penalidades para queixas improcedentes
e pelo fato de a comprovação (ou não comprovação) da ocorrência de subsídio ou dumping
e sua relação com o dano material a determinada indústria não ser clara (Bhagwati, 1988).
O fato de mecanismos Jair trade poderem ser usados como instrumentos de proteção indica
que a mensagem por eles transmitida não se refere apenas à indicação de uma prática
37
desleal, mas ao descontentamento com uma excessiva competição do produto importado no
mercado do país que propõe a ação.
Tavares de Araújo e Naidin (1989) afirmam que os mecanismos Jair frade foram usados
contra o Brasil com objetivos protecionistas.
Entre julho de 80 e junho de 87, as
exportações brasileiras foram submetidas a 33 investigações de subsídios e 56 de dumping,
abertas pelos EUA, Comunidade Européia,
Canadá e Austrália,
conforme
pode ser
verificado na tabela 6.
Tabela 6. Dumping e subsídios: processos abertos contra o Brasil. (1980-1987)
Dumping
Subsídios
Total
EUA
23
23
46
Comunidade Européia
12
5
17
Canadá
12
3
15
9
2
11
56
33
89
Austrália
Total
..
Fonte: Conussão de Política Aduaneira in Tavares de Araújo Ir. e Naidin, 1989, p.33
No período entre 1980 e 1987, o Brasil foi o país que mais sofreu processos entre os países
subdesenvolvidos e, em termos relativos (ponderado pelo valor médio de exportações),
também sofreu mais processos do que os países desenvolvidos (Tavares de Araújo Jr. e
Naidin, 1989). De julho de 1980 a maio de 1991, o Brasil foi objeto de 25 investigações de
dumping pelos EUA, das quais 11 resultaram em sanções definitivas. Na lista de países que
sofreram investigações de dumping norte-americanas, o Brasil ocupa a sexta posição, atrás
do Japão, Alemanha, China, Taiwan e Coréia (lEDI, 1992).
Segundo Tavares de Araújo Jr. e Naidin (1989), confirmando uma tendência internacional,
apenas uma parte dos processos abertos contra o Brasil (19 de dumping e 10 de subsídios)
foram concluídos com a aplicação de sobretaxas definitivas, até 1986. Tal fato representa
para os autores evidência de que os códigos estão sendo usados como instrumentos de
proteção. Reforçando essa impressão, constatam que as ações contra o Brasil estiveram
concentradas em segmentos como produtos siderúrgicos, alimentos e calçados, que eram
particularmente competitivos nos mercados dos países industrializados.
38
Os autores realizaram uma pesquisa que confirma a utilização de mecanismos fair trade
contra o Brasil com fins protecionistas. Analisaram a evolução de 25 produtos submetidos a
44 processos durante o período 1976-1987, concluindo que o fato gerador do processo era
o
crescimento da parcela de
mercado
absorvida
pelos
produtos
brasileiros,
independentemente do comportamento dos preços. Os produtos foram submetidos a mais
de um processo pelo país importador, seja simultaneamente ou após a conclusão
desfavorável de um deles. No caso dos produtos siderúrgicos, os processos norteamericanos foram encerrados ou cessaram após concluído um acordo de restrições
voluntárias às exportações. O uso de processos antidumping e anti-subsídios com intenções
protecionistas pode ser resumido da seguinte forma: "ao perceber um crescimento
inesperado de importações que estejam prejudicando o desempenho de alguma indústría
local, o governo identifica, com auxílio dos produtores nacionais, os fornecedores externos
responsáveis pelo desequilíbrioe abre uma investigação de dumping e/ou subsídios; se esta
providência não for suficiente, abre um novo processo; quando houver um acúmulo de
processos para socorrer um único setor, o governo os transforma em um VRA23 "(Tavares
de Araújo e Naidin, 1989: 36).
O fato de o Brasil ter-se tornado um exportador de manufaturados, juntamente com outros
países em desenvolvimento, provocou uma reação nos países desenvolvidos no sentido de
exigir mudanças nas políticas comerciaís. A reciprocidade na troca de concessões
comerciais passou a ser a tônica das relações. Para conseguir essa reciprocidade foram
utilizados diversos instrumentos como o unilateralismo agressivo norte-americano e os
códigos de subsídios e dumping de forma distorcida.
23
Voluntary Restraint Arrangement: acordo voluntário para redução de exportações
39
GLOBALIZAÇÃO
A globalização refere-se ao processo de integração dos mercados internacionais, que se
acentuou na década de 80, e verificou-se nas áreas comercial, financeira e tecnológica.
Kahler (1992) afirma que o processo de integração verificado no mercado de capitais e de
bens não ocorreu no mercado de trabalho. Esse fato influenciou a estratégia das
corporações transnacionais, que passaram a desenvolver fornecedores e ter instalações em
várias partes do mundo. As empresas, explorando as oportunidades criadas com os avanços
tecnológicos nas telecomunicações e microeletrônica e com a globalização financeira
organizaram suas estratégias em relação às atividades de pesquisa e desenvolvimento,
inovações, financiamento, produção, distribuição e vendas finais, segundo uma perspectiva
global. A internacionalização das empresas foi acompanhada de um aumento do fluxo de
investimentos diretos, que se verificou inclusive, embora em menor grau, nos países em
desenvolvimento (Tabela 7).
Tabela 7. Estoques de investimento direto (todos os setores). Dados para o fim do período.
(US$ bilhões)
para \de
EUA
CE
Japão
Países
industrializados
Países em
desenvolvimento
Mundo
EUA
Comunidade
Européia
Total*
198
21
1980
39
80
2
1990
240
321
8
1980
4
3
1990
100
40
-
1980
58
193
8
1990
404
687
33
1980
65
204
9
1990
431
722
35
157
338
162
685
12
167
387
1.422
410
1.493
61
222
114
456
48
212
92
789
15
27
63
230
137
530
297
1.735
144
560
331
1.850
1980
1990
80
6
-
..
Países industrializados
Japão
-
-
Obs: * total inclui Investimentos dos países em desenvolvimento,não incluídos na tabela.
Fonte: extraído de Laubier in IEDI, 1994: 45
o
surgimento de uma rede de investimentos estrangeiros aliada à redução do custo dos
transportes aumentou a competição no mercado doméstico e internacional. Este contexto
incentivou conflitos comerciais. "[E]veryone tends now to be in everyone else's backyard,
making import competition in one's own market and in third markets, even more fierce. In
40
this atmosphere (...) suspicions of unfair trade advantage accruing to one's rivals arise
readily and fester"(Bhagwati, 1991b: 16).
Com a realização de investimentos cruzados e fusões e aquisições de empresas domésticas e
transnacionais, as empresas multinacionais perdem o seu caráter de multi domésticas, cuja
estratégia visava mercados nacionais distintos e largamente independentes, que prevaleceu
até meados da década de 70 (IEDI, 1993). A indústria global visa otimizar globalmente a
locação das atividades, para aproveitar as vantagens de cada pais, procurando em escala
mundial o suprimento de insumos à produção. Adicionalmente, com a evolução no setor
tecnológico, como a microeletrônica, são definidos novos fatores de competitividade como
o conhecimento e a redução dos custos de transação e de gestão.
Surge um novo elemento para aumentar o potencial de conflito no sistema internacional,
que não decorre de questões comerciais. A vantagem competitiva das nações deixa de ser
representada pela dotação fixa de fatores de produção, e passa a poder ser construída pelos
Estados (Thorstensen e outros, 1994). Em função da globalização, "pequenas diferenças nas
...
práticas políticas ou institucionais, no regime fiscal e monetário,
ou nos fatores de
competitividade podem ter amplos efeitos nos fluxos de comércio e de investimento de um
país. (...) Com a capacidade global das empresas multinacionais
de transferirem
ou
diversificarem regionalmente as suas atividades, surgiu um novo tipo de competição entre
os países, a competição locacional. Como a mobilidade locacional dos fatores de produção
tem aumentado, ampliar a competitividade sistêmica, particularmente dos fatores de menor
mobilidade, está se tomando prioridade estratégica dos governos nacionais
11
(Thorstensen e
outros, 1994: 20, destaque dos autores).
A nova estratégia das empresas multinacionais, que resulta no aumento do comércio intrafirma gera assim uma pressão externa para a liberalização comercial, que tem caráter
estrutural. A abertura comercial passa a ser uma pré-condição
para que os países se
integrem ao processo de globalização e atraiam investimentos das empresas multinacionais.
Sem dúvida, a abertura comercial, nesse contexto, permite o alcance do interesse nacional
porque retira um impedimento para a atração de empresas multinacionais, mas, no que diz
respeito à pressão externa, o que é relevante é que esse interesse nacional é definido a partir
da mudança
das condições
internacionais.
Mais especificamente,
das características
organizacionais e das decisões estratégicas específicas de um ator externo, as empresas
multinacionais.
41
As diferentes respostas dos governos nacionais ao processo de globalização é analisado por
Cooper (1986). O processo de globalização tem efeitos sobre a capacidade de intervenção
do governo na economia: ela diminui a eficácia de políticas econômicas que dependem da
fragmentação de mercados. Em vista disso, os governos podem adotar diferentes respostas
para tentar neutralizar os efeitos da interdependência
podem
ser passivas
(passive),
de exploração
sobre as economias nacionais, que
(exploitattve),
defensivas
(defensive),
agressivas (aggressive) e construtivas (constructive).
Uma resposta passive
significa aceitar a perda da autonomia econômica doméstica e
abandonar qualquer tentativa de empreender ações independentes das determinadas pelos
países aos quais o país está ligado por laços financeiros
e comerciais. A resposta
exploitattve significa tirar vantagem da crescente interdependência através de medidas que
gerem ganhos apenas para os primeiros que as adotarem e se forem adotadas por poucos
países. Apenas enquanto alguns países puderem oferecer condições favoráveis para alguns
tipos de negócios, eles serão capazes de atraí-los. Se todos os países utilizarem essas
medidas, não haverá influência sobre a localização da atividade econômica e os beneficios
serão absorvidos
pelas atividades
favorecidas
pela medida, à expensa de governos,
consumidores e trabalhadores em geral. O sucesso com a resposta exploitative é alcançado
apenas pelo país que começa o processo
implementam
também.
A
resposta
e dura enquanto
defensive
envolve
interdependência econômica preservando ou recuperando
os demais países não a
tentativas
de
reduzir
a
a autonomia dos mercados. A
resposta aggressive procura ampliar o controle nacional sobre os fatores móveis onde quer
que eles estejam, ao invés de reduzir a sua mobilidade. A resposta constructive representa a
tentativa dos governos
de estabelecer
suas políticas conjuntamente
de forma que a
mobilidade dos recursos entre os países que cooperam deixa de representar uma forma de
escapar da jurisdição governamental (Cooper, 1986: 9 passim).
Como exemplo de ação exploitative na política comercial pode-se citar a política comercial
estratégica. A política comercial estratégica parte da constatação de que em mercados de
competição
imperfeita
dominados
por oligopólios,
a produção
em larga escala, a
experiência acumulada e a inovação tecnológica são os fatores que explicam o comércio,
mais do que a clássica constelação de fatores. Com essa constatação,
o argumento pró
livre-comércio perde um pouco sua validade. "The rethinking of the basis of trade policy
(...) suggests two ways in which an activist trade policy can benefit a country relative to free
trade, perhaps at the expense of its competitors.
The first is through the ability of
42
government to secure for a nation a larger share of rent; the second is through the ability of
these policies to get the country more extemal economies" (Krugman, 1986: 12). Segundo
Krugman (1986), em mercados imperfeitos existem "rents" - retornos mais elevados com o
uso de um insumo em certas atividades do que em outro uso alternativo. Nesses mercados a
"rent" é apropriada pelo primeiro que entra no mercado, desincentivando a entrada de
novos competidores. Vantagens, por exemplo, como ganhos de escala fazem com que a
entrada de um novo competidor no mercado não seja lucrativa. O governo pode atuar
utilizando subsídios ou proteção para garantir que a empresa do país seja uma daquelas que
participe desse mercado restrito.
Uma resposta exploitative como a adoção de política comercial estratégica representa um
aumento de potencial de conflito no sistema internacional. Como ela só gera ganhos de
bem-estar para o primeiro país que a adota, pode gerar uma competição entre os países para
adotá-la primeiro e um aumento da pressão para que não seja adotada pelos demais. Para o
país que adota a política comercial estratégica, o ideal é que a resposta dos demais países
seja passiva. Um exemplo de resposta passiva é a abertura comercial.
A crescente interdependência aumenta a influência potencial que políticas domésticas de um
país tem sobre os outros. A distinção entre política doméstica e política externa se torna
mais tênue. Nas relações internacionais a tarefa principal passa a ser controlar as reações à
crescente interdependência que sejam do tipo exploitative, defensive e aggressive, que se
generalizadas restringem o processo de globalização. O protecionismo constitui uma
política defensiva.
A relação entre o processo de globalização da economia e aumento da pressão externa para
abertura de mercados é identificada por Lawrence (1991). Esse autor acrescenta inclusive
que o processo de globalização envolve não apenas demandas para a "integração fraca",
como a referente a redução de tarifas e barreiras não-tarifárias, mas também a "integração
profunda", visando a eliminação de políticas domésticas que possam discriminar
involuntariamente os demais países. O autor analisa as consequências para os países em
desenvolvimento de quatro cenários para a evolução do sistema de comércio que
representam respostas possíveis para o processo de globalização da economia. Os quatro
cenários são: (1) manutenção do regime de comércio baseado no GATT~ (2)
desenvolvimento de blocos do comércio regional; (3) evolução de um sistema de comércio
regulado; (4) aprofundamento do sistema do GATT com maior integração econômica
-,
43
(Lawrence, 1991: 55). Nos diferentes cenários o acesso dos países em desenvolvimento ao
mercado internacional será diferente, assim como serão diferentes as obrigações a serem
cumpridas
para esses países terem facilidade
de acesso
ao mercado
internacional.
Entretanto, o autor conclui que "con independencia dei escenario que prevalezca en el
sistema de comercio mundial, las presiones que se van producir sobre los países en desarollo
para que incrementen su integración global - y las consiguientes reducciones de soberania y
deI grado de control- se incrementarán" (Lawrence, 1991:56).
A globalização provoca um aumento no conflito internacional e no interesse dos países em
influenciar as políticas uns dos outros em quatro aspectos. Em primeiro lugar, aumenta a
competição entre produtos domésticos e importados porque amplia as possibilidades que
eles se confrontem no mercado internacional.
Em segundo lugar, em segmentos
do
comércio mundial com mercados altamente concentrados e dominados por oligopólios, em
que há ganhos de escala, complementaridade
entre empresas de um mesmo setor e
diferenciação de produto, a utilização de pressão por um país visa garantir que os demais
países adotem comportamentos passivos. Em terceiro lugar, em setores em que domina o
comércio intra-firma,
a pressão é de caráter
estrutural:
a estratégia
das empresas
multinacionais influencia as políticas adotadas pelos países. Finalmente, em quarto, o
conflito potencial aumenta também porque crescem os pontos de contato entre as várias
economias
nacionais, de forma que políticas
domésticas
passam
a ter implicações
internacionais, havendo uma necessidade de pressão para padronização.
CRISE DA DíVIDA
A crise da dívida foi outro elemento que provocou o aumento da pressão externa porque
resultou numa alteração da relação de poder entre países devedores e credores, ampliando a
capacidade dos credores de impor condições aos devedores. A análise da crise da dívida
aqui realizada vai ater-se à discussão do aumento da capacidade dos credores em impor
condições. Outras questões referentes à crise da dívida como a adequação para os países
devedores das estratégias adotadas e políticas prescritas não serão abordadas de forma mais
abrangente neste trabalho.
A crise da dívida representou uma situação de conflito entre devedores e credores, na qual a
resposta individual racional de credores e devedores poderia levar a uma piora na situação
•
44
de ambos. As negociações poderiam tomar quatro caminhos: (1) os bancos cessarem
empréstimos e os devedores repudiarem as obrigações; (2) os devedores declararem a
moratória e os bancos manterem o fluxo de recursos; (3) os devedores manterem o
pagamento do serviço da dívida e os bancos interromperem o fornecimento de crédito; (4)
os bancos fornecerem crédito e os devedores seguirem políticas prescritas para aumentar
sua capacidade de pagamento. O conflito se estabeleceu à medida em que a preferência dos
credores pelas estratégias foi diferente da dos devedores. Os credores preferiam em
primeiro lugar a estratégia 3 e depois a 4; os devedores preferiam a 2 e depois a 4
(Aggarwal, 1987).
Quando a crise da dívida tomou-se geral nos países da América Latina e África em 1982,
existia um conjunto estabelecido de procedimentos para lidar com os poucos devedores,
que no período anterior procederam à renegociação multilateral da dívida. Esses
procedimentos, que tratavam principalmente de débito oficial, haviam sido determinados
por um coletivo de credores para lidar com poucos devedores problemáticos, colocados
nessa posição por fatores específicos (secas, queda no preço de exportações, etc.) ou por
má administração. Esses países tinham poder de barganha reduzido e, como a maior parte
do débito era oficial, a crise não colocava em risco o sistema financeiro internacional
(Griffith-Jones, 1988).
Ainda que o precedente e a iniciativa estivessem em favor dos interesses dos credores,
quando a crise global da dívida ec1odiu, os devedores tinham mais poder do que os
credores, aparentemente. "Banks could [not] coerce continued payments. They could not
threaten to expropriate the assets ofa sovereign debtor, as they could for a private one. Nor
were banks, acting individually,able to restrict the debtor's access to capital in the future.
Repudiation by any major debtor would have forced the banks to write off their loans,
thereby decimatingthe capital of some ofthe largest banks" (Aggarwal, 1987: cap.1).
Os bancos, entretanto, desenvolveram uma estratégia de negociação que reverteu o poder
para o seu lado, modificando alguns procedimentos em relação ao padrão anterior (GriffithJones, 1988). Foram formados comitês diretores pelos bancos privados para negociar com
os governos devedores, compostos pelos maiores bancos dos países industrializados, que
detinham maior parcela do débito. Os comitês coordenaram as ações dos vários bancos,
representando-os nas negociações; conseguiram que novos créditos fossem concedidos e
que o débito fosse restruturado. Nesse processo tiveram importância as organizações
45
oficiais internacionais e os bancos centrais dos paises credores. A pressão do FMI, dos
bancos centrais dos países credores, e dos maiores bancos determinou o montante e forçou
os bancos
credores
a concederem
empréstimos
involuntários.
Esses
empréstimos
involuntários eram no interesse do coletivo dos credores, à medida em que impediram a
interrupção
dos pagamentos.
Entretanto,
o seu montante era inferior ao pago pelos
devedores em serviço da dívida, o que gerou uma transferência de recursos negativa para os
países devedores. Os comitês diretores foram funcionais para o interesse dos grandes
bancos porque implicaram em coesão entre eles e subordinação das ações e interesses dos
pequenos bancos aos deles. Conferiram unidade à posição negociadora dos bancos.
Em contraste com a organização de um coletivo de credores, os devedores aceitaram ou
foram forçados a negociações individuais, que deu vantagens aos credores. A cooperação
entre os devedores
foi impedida porque constituíam países soberanos,
não havendo
autoridade superior que forçasse a cooperação; eram países adversários competindo por
fundos; enfrentavam internamente diferentes restrições políticas que impediam (ou não) a
adoção de planos de ajuste; tinham entre si uma grande variação no tamanho da dívida; e os
países pequenos, que eram os mais interessados na cooperação, não tinham recursos para
implementá-la. Os bancos, governos credores e organizações internacionais trabalharam
contra a formação de um cartel de devedores, oferecendo vantagens maiores aos países que
negociassem individualmente (Aggarwal, 1987). Os representantes dos governos devedores
não romperam com o padrão de negociação definido pelos credores apesar de terem
discutido coletivamente o problema da dívida desde o início de 1984. Entre 1982 e 1986, a
estratégia dos maiores devedores foi requerer dos credores a restruturação
novos empréstimos
ao invés de uma ação unilateral. Tussie (1988),
da dívida e
que analisa a
coordenação da ação dos países devedores com a crise da dívida, afirma que durante o
processo
ocorreu
um aumento da organização
dos devedores
que tentaram
propor
mudanças na estratégia definida pelos credores. Esse aumento da organização, entretanto,
não mudou a relação de poder com os credores.
Através da organização do cartel dos credores, os interesses das instituições financeiras e os
seus critérios foram dominantes na administração
da crise da dívida. A solução foi
encaminhada para garantir que os devedores mantivessem o pagamento do serviço da
dívida. A percepção da crise como um fenômeno financeiro temporário, que não implicava
na necessidade de mudanças estruturais nas políticas de desenvolvimento
adotadas,
no
sistema financeiro internacional e no contexto das negociações, condicionou a atuação dos
46
devedores: a melhor alternativa a seguir nessas circunstâncias era contrair temporariamente
mais empréstimos e manter a sua credibilidade. "At the start of the debt crisis, debtor and
creditor govemments were virtually unanimous in adopting the liquidity view of the problem
and in their concern to prevent a crisis of confidence in the banking system" (Kenen, 1989:
78).
Os credores consideraram necessário que os países devedores realizassem ajustes na sua
economia para que o pagamento do serviço fosse mantido. Esse ajuste envolvia a redução
da demanda doméstica, geralmente através de redução do gasto público ou aumento da
tributação e desvalorização cambial, de forma a gerar os recursos para o pagamento. O FMI
desempenhou um papel importante, concedendo pacotes de refinanciamento do serviço da
dívida vinculados à adoção de programas de austeridade. Não apenas o financiamento para
o ajuste concedido pelo FMI mas também a concessão de novos créditos pelos bancos
credores eram vinculados a um programa de políticas prescrito pelo Fundo.
O instrumento de atuação do FMI que vinculou a concessão de empréstimos à adoção de
um determinado
pacote
de políticas é denominado
condicionalidade.
A vinculação
empréstimos-prescrição de políticas existiu desde a criação do Fundo e tinha a finalidade de
garantir que os países membros obedecessem às regras prescritas para manter a estabilidade
monetária internacional".
"The Fund's credit mechanism was designated to back up the
observance by members of the Fund's code of behavior and to discourage them from
resorting to measures destructive ofnational or internacional prosperity" (polak, 1988: 45).
A estratégia visando garantir o pagamento do serviço com a concessão de empréstimos
involuntários
pelos bancos dependia da retomada
rápida do crescimento
nos países
devedores de forma que a capacidade de pagar os empréstimos tomados se tomasse maior
do que a dívida contraída com essa finalidade. Entretanto, a solução adotada para a crise da
dívida fez com que ao invés de ocorrer restruturação
involuntários,
houvesse uma transferência
da dívida com novos empréstimos
líquida dos países da América Latina
credores, que foi disfuncional ao crescimento e desenvolvimento
aos
dos países devedores",
24 Nem todos os empréstimos tomados do Fundo são submetidos à condicionalidade,
apenas os referentes às
três tranches de crédito superiores (upper credit tranches), a acordos stand-by e linhas de crédito especiais
como a extendedfundfacility (EFF) e a structural adjustmentfaci/ity (SAF). O acesso à tranche de reserva
e à primeira tranche de crédito é praticamente livre de condições.
25 Os efeitos negativos da estratégia de resolução da dívida para o Brasil serão tratados no próximo capítulo.
47
assim como prejudicou atores não-financeiros nos países desenvolvidos, como os
exportadores, que se beneficiavamcom o crescimento na região.
Baer e Coes (1989) afirmam que a resposta adotada para a crise da dívida dos países latinoamericanos - manutenção do pagamento dos juros pelos devedores - gerou conflitos
internos nos EUA. De um lado, os setores internos, que competiam com importações
provenientes da América Latina, passaram a demandar a eliminação de programas de
incentivo às exportações nesses países; de outro, os setores exportadores queriam que os
países latino-americanos liberalizemsua política de importação.
Dada a relutância dos credores em emprestar, o pagamento dos juros nos países da América
Latina foi proporcionado com a geração de superávits comerciaís. Num primeiro momento,
esses superávits foram conseguidos por políticas de restrição às importações, por
desvalorizações cambiais e queda na taxa de crescimento da economia. A América Latina
constituía um importante mercado para as exportações norte-americanas, especialmente de
..
manufaturas, e assim, as medidas adotadas pelos países devedores prejudicaram
exportadores dos EUA. Num segundo momento, as políticas de promoção de exportação
de bens manufaturados tomaram-se bem sucedidas, ameaçando produtores norteamericanos no seu próprio mercado, no caso de setores como o de aço, têxtil, de máquinas,
vestuário, calçados e equipamentos de transporte. Os produtores domésticos que
enfrentavam concorrência dos importados no mercado norte-americano passaram a
apresentar queixas contra países latino-americanos sob alegação de práticas desleais de
comércio.
A estratégia de garantir o pagamento do serviço da dívida através da redução da absorção
interna foi crescentemente questionada pelos países devedores e pelos agentes nos países
desenvolvidos que se beneficiavam do crescimento da região. Passou-se a enfatizar a
necessidade de empréstimos de longo prazo para estimular o crescimento econômico pelos
organismos financeiros internacionais, ao invés de empréstimos associados ao ajuste do
balanço de pagamentos. Essa nova concepção de solução para a crise da dívida foi
,.
concretizada com o Plano Baker em 1985.
o plano Baker foi anunciado no encontro
anual do FMI e Banco Mundial, em outubro de
1985, sendo endossado pelos demais países industrializados na Conferência de Tóquio, em
maio de 1986. O plano afirmava que a crise da dívida só poderia ser resolvida com
-
48
crescimento nos países devedores. A ênfase na austeridade seria prejudicialno longo prazo.
Convocou bancos privados e instituições multilateraís para aumentarem seus empréstimos
aos países devedores'". O acesso dos devedores a esses recursos ficou condicionado à
adoção de um conjunto de medidas. "Debtors will have to make firm commitments to
further strengthen their economies by adopting additional market-oriented economic
policies, relying more heavily on supply side actions such as tax and labour reforms,
transfering ineficient state enterprises to the private sector, liberalizing trade practices and
adopting policies designated to attract more foreign investment" (Bogdanowicz-Bindert,
1986:34).
O plano foi criticado por não oferecer nada de novo e não ser capaz de aumentar os
empréstimos para os países por ele considerados. "The plan amounted to no more than the
hope that the existing strategy could be played out longer" (The Economist, 1991: 17). O
incentivo ao crescimento assim como a política de austeridade propostos visavam produzir
moeda estrangeira para pagar as obrigações com o serviço da dívida e não promover a
recuperação econômica dos países devedores; e a promessa de novos créditos também fazia
parte da estratégia anterior, através dos empréstimos involuntários.
Adicionalmente, apesar do plano, os países devedores não tiveram acesso a novos recursos.
Os bancos comerciais permaneceram relutantes em conceder novos empréstimos, e inclusive
a exposição dos bancos norte-americanos aos 15 países diminuiu de US$ 90,5 bilhões para
US$ 89,2 bilhões nos seis meses que seguiram o anúncio do plano. A transferência de
recursos líquidos dos 15 países considerados pelo plano Baker continuou em 1986.
Segundo estimativas do Overseas Development Council, esses paises transferiram no total
US$ 27,7 bilhões, dos quais, US$ 26,9 bilhões para os bancos privados e US$ 1,2 bilhões
para o FMI (Bogdanowicz-Bindert, 19 : 41,42). Segundo Bogdanowicz-Bindert (1986), o
principal resultado do plano Baker foi desestimular a discussão sobre a formação de um
cartel de devedores na América Latina.
Apesar disso, o plano Baker teve novas implicações sobre o instrumento de pressão
econômica dos organismos financeiros internacionais: as políticas prescritas passaram a
incorporar não apenas as ligadas à estabilização mas também as ligadas ao ajuste estrutural
26 Os bancos comerciais foram solicitados a manter empréstimos aos 15 maiores devedores e a aumentar sua
exposição a no mínimo 2,5% aoano. No sua contribuição total ao plano era de US$ 20 bilhões em três anos.
O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento deveriam aumentar seus empréstimos aos
maiores devedores em 500/0, totalizando US$ 9 bilhões (Bogdanowicz-Bindert, 1986)
49
da economia, num conjunto de propostas que foi denominado o. "consenso de
Washington?". Outra implicaçãofoi a de que, a partir do plano Baker, a atuação do Banco
Mundial na concessão de empréstimos vinculados à condicionalidade, os Structural
Adjustment Loans (SALs) e os Sectoral Adjustment Loans (SECALs) foi reforçada.
Em maio de 1989, a gestão do problema da dívida externa sofreu uma ruptura em relação
aos esquemas anteriores, passando a incorporar a possibilidade de redução da dívida, com o
plano Brady". Para a inclusão da redução da dívida na estratégia foi importante a
participação do Congresso norte-americano, que envolveu-se na discussão da crise da
dívida com o aumento de queixas sobre a invasão de produtos latino-americanos no
mercado dos EUA e os cortes nas importações desses paises decorrentes da estratégia
adotada até então (Roett, 1989). Em meados de julho de 1987, o Congresso norteamericano aprovou resoluções solicitando ao Executivo implementar ações visando a
redução da dívida dos países subdesenvolvidos altamente endividados (Bresser Pereira,
1994: 346). A incorporação da redução da dívida na estratégia para solução da crise
também representou uma demanda dos devedores, que os credores, em função do fracasso
da estratégia anterior, passaram a adotar>.
Na nova estratégia, a ênfase na necessidade de políticas de ajuste estrutural permaneceu: ela
passou a ser condição para os países devedores fossem candidatos a programas de redução
da dívida. "[N]a proposta Brady ficava evidente que o processo de desvalorização estaria
associado a um aprofundamento das condicionalidades dos organismos financeiros
internacionais. As discussões no Congresso norte-americano sobre este aspecto
concentraram-se na remoção dos obstáculos ao livre fluxo de comércio e investimentos e na
eliminação de práticas protecionistas e discriminatórias ao capital estrangeiro. Também se
fez menção explícita a reformas dos sistemas financeiros internos e à sustentação dos
programas de conversão de dívidas em investimentos. A importância das condicionalidades
A formação do consenso neoliberal e suas implicações sobre a atuação das instituições financeiras
internacionais serão tratados a seguir.
28 A redução da dívida envolvia quatro elementos: a constituição de garantias com recursos oficiais para o
principal e para o pagamento dos juros, que referiam-se sobretudo a débitos com os bancos privados; a
possibilidade de suspensão por prazo determinado de cláusulas aplicadas em contratos de reescalonamento
de dívidas com bancos privados, que limitavam a efetivação da desvalorização; a alteração da legislação
bancária dos países credores e a concessão de incentivos fiscais para incentivar a desvalorização contábil
dos ativos; e a desvinculação de desembolsos do FMI da normalização das relações entre países devedores e
bancos credores Baer, 1993).
29 Sobre a iniciativa brasileira para a redução da dívida através de sua transformação em novos títulos, ver
Bresser Pereira (1992a, 1994).
27
50
não se restringia, no entanto, à postura norte-americana, mas era um dos aspectos de maior
insistência das autoridades alemãs e japonesas, entre outras" (Baer, 1993: 20).
Independente da adequação ou não das estratégias de solução da crise da dívida com os
planos Baker e Brady, para efeito deste trabalho, essas estratégias são importantes porque
tiveram efeitos sobre a capacidade de pressão dos credores, à medida em que provocaram
uma alteração no instrumento
de pressão por eles adotado.
Se considerarmos
que a
capacidade de persuasão de um instrumento de pressão é determinada pelo beneficio líquido
em ceder à pressão,
as mudanças com os planos Baker e Brady visaram tomar
a
condicionalidade mais persuasiva, pois aumentaram os beneficios potenciais de adotar as
políticas prescritas (aumento de empréstimos e redução da dívida).
Durante a década de 80, o Banco Mundial concedeu 3 empréstimos setoriais de ajuste ao
Brasil. Dois na primeira metade da década, totalizando 655 milhões de dólares e um na
segunda metade, no valor de 500 milhões de dólares. Os empréstimos de ajuste do Banco
Mundial para o Brasil apresentaram um padrão diferente em relação a outros paises latinoamericanos: na segunda metade da década de 80 foram menores do que na primeira,
enquanto que nos outros países o nível de empréstimo aumentou (Tabela 8).
Tabela 8. Empréstimos de ajuste do Banco Mundial, 1980-89 (US$ milhões)
1980-85
Argentina
1985-1989
O
1.150
Brasil
655
500
Chile
O
750
Colômbia
O
850
25
180
352
3.315
Costa Rica
México
Fonte: Banco Mundial In Stalhngs, 1992, p.78
O fato de os empréstimos do Banco Mundial terem sido de ajuste setorial (e não de ajuste
estrutural) e terem diminuído no decorrer da década pode dar a impressão de que o Brasil
foi menos sujeito à condicionalidade que os outros países latino-americanos. Entretanto, a
condicionalidade implicou num tipo de recompensa: os países que adotassem as políticas
BOEOECl(ER
51
prescritas seriam recompensados com empréstimo, e os que não adotassem, .seriam punidos.
O fato de o Brasil ter recebido menos empréstimos do Banco Mundial pode ser visto como
uma punição por não adotar as políticas prescritas. Esse padrão de recompensa determinado
pela condicionalidade foi aplicado não apenas pelos organismos financeiros internacionais,
mas também pelos bancos credores e empresas dos países desenvolvidos. Stallings (1992)
afirma que a condicionalidade não constituiu apenas um elemento explícito na negociação
do Banco Mundial e do FMI mas sim um elemento implícito das negociações
com os
bancos privados, agências bilaterais de ajuda e corporações multinacionais.
O fato de a condicionalidade ter determinado o padrão de negociação
dos países em
desenvolvimento com todas as fontes de recursos externos disponíveis, criou a situação
singular
em
que
condicionalidade:
os
países
em
desenvolvimento
sempre
ficaram
à
submetidos
se conseguiam recursos, que envolvia a aplicação de condicionalidade
explícita e se não conseguiam novos recursos,
o que representava
a aplicação
de
condicionalidade implícita.
A aplicação da condicionalidade implícita sobre o Brasil pode ser verificada na evolução da
conta de capitais do balanço de pagamentos. A conta de capitais engloba transferências
oficiais, investimento
direto, investimento
em carteira, outros capitais, financiamento
especial, além de erros e omissões. A partir de 1990, essa conta tomou-se positiva (Tabela
9). Assim, pode-se dizer que a redução de empréstimos e investimentos estrangeiros no
Brasil, na década de 80, representou a aplicação sobre o Brasil de uma condicionalidade
implícita.
Tabela 9. Brasil. Balanço de Pagamentos: conta de capitais.(US$ bilhões)
Ano
Conta de capitais
1988
(2,92)
1989
(0,11 )
1990
4,28
1991
1,07
1992
8,40
Fonte: FMIIBalance ofPayments Yearbook
52
A reversão da conta de capitais do Brasil, a partir de 1990, indica a aplicação durante a
década de 80 da condicionalidadeimplícita. No ano em que o país iniciou a realização de
reformas de ajuste estrutural, ocorreu a retomada do influxo de recursos externos. A
retomada do influxo de recursos externos pode ser entendida como resultado da redução do
risco do país para investimentos estrangeiros, para o que contribuíram tanto a adoção de
reformas estruturais quanto a perspectiva próxima da finalização de um acordo da dívida
externa (EI-Erian, 1992; Kuczynski, 1992). "Just as inappropriate economic policies,
together with adverse exogenous developments, were major contributors to the emergence
of debt problems, the sustained implementation of adjustment policies has been the critical
factor in the restoration of voluntary access. In effect, appropriate macroeconomic and
structural reform policies have reduced perceptions of country transfer risk" (EI-Erian,
1992: 184)30.
Krugman (1995) confirma a importância da adoção de reformas de orientação de mercado
para a retomada do influxo de recursos externos nos países devedores da década de 90.
Esse autor identifica a relação entre um processo auto-alimentado ocorrido no mercado
financeiro e a adoção das políticas de ajuste estrutural. Uma pequena recuperação das
perspectivas das economias no final dos anos 80 possibilitou ganhos de capital aos que
investiram nas bolsas dos países em desenvolvimento. Seu sucesso atraiu outros
investidores, aumentando ainda mais os ganhos, de forma que, os fundos de mercados
emergentes popularizaram-se nos anos subsequentes. Ao mesmo tempo em que esse
processo auto-alimentado ocorria nos mercados financeiros, com a consolidação das idéias
do consenso neoliberal, a adoção pelos governos dos países em desenvolvimento de
políticas de ajuste estrutural passou a ser recompensada pelos mercados com o aumento do
ingresso de recursos externos. "This was a political economy cycle, in which governments
were persuaded to adopt Washington consensus policies because markets so spectacularly
30 Outro argumento que procura explicar a retomada do financiamento externo na década de 90 é o aumento
do rendimento das aplicações nos países devedores. O financiamento externo na década de 90 retoma sob a
forma de investimento de portfólio: venda de títulos no mercado internacional, dos quais 94% referem-se a
títulos de renda fixa. Os principais investidores estrangeiros que adquirem títulos brasileiros de renda fixa
são os institucionais e os administradores de grandes fortunas: 52% dos títulos emitidos pelo Brasil foram
comprados por administradores de fortunas pessoais; 28% obtidos por fundos emergentes e fundos de alto
rendimento; 17,5% tomados por investidores institucionais tradicionais (fundos de pensão, seguradoras e
empresas de leasing) e 2,5% por outros investidores (Barros e Fernandes Mendes, 1994). Pelas
características das instituições - private banks e investidores institucionais tradicionais - a redução do risco
do país com a adoção de políticas de ajuste também foi um parâmetro importante na decisão de
investimento, o que reforça a idéia da aplicação da condicionalidade implícita no período anterior.
53
rewarded them, and in which markets were willing to supply so much capital because they
thought they sawan stoppable move toward policy reform" (Krugman, 1995: 34)31.
A condicionalidade
internacionais
é justificada
pelos argumentos
produzem conhecimentos
de que os organismos financeiros
e informações,
que constituem
bens públicos
internacionais; que os organismos financeiros internacionais sabem o que os devedores
devem fazer; que a condicionalidade reduz o risco moral dos empréstimos. (Vaubel, 1991)
o
argumento da redução do risco moral afirma que a condicionalidade impede que os
governos
devedores desperdicem
os recursos, obrigando-os
a utilizar os recursos nas
políticas "certas". A justificativa da prevenção do risco moral pressupõe, portanto, que os
organismos financeiros internacionais sabem ou podem determinar as políticas "certas".
Para determinadas políticas serem consideradas "certas", existe a necessidade da formação
de um consenso sobre elas. Por isso, a capacidade de pressão do organismos financeiros
internacionais está ligada ao surgimento do "consenso de Washington". A informação e o
conhecimento produzidos pelos organismos financeiros internacionais são fundamentados
pelo consenso sobre o que é considerado "certo". Com isso, os organismos financeiros
internacionais passam a atuar como produtores e divulgadores de ideologia. "IMF programs
often deviate from neutrality to the extent that they reflect the prevailing ideological beliefs
ofthe U.S. administration in power" (Sachs, 1989: 117).
Um exemplo dessa atuação é a inclusão da liberalização comercial no programa prescrito
pelo Banco Mundial usando como exemplo a performance econômica dos países asiáticos.
O tema da liberalização comercial foi incorporado pelo consenso neoliberal como um dos
elementos da critica à intervenção do Estado na economia. Para essa incorporação ocorrer,
teve papel importante Anne Krueger, que assumiu o papel de economista chefe do Banco
Mundial no início dos anos 80. "She had a good argument - trade liberalization. To support
it she adopted an ingenious rhetoric strategy. She and several other economists identified
trade liberalization with export-orientation
and market orientation, in this way coopting the
extraordinary economic performance of the Asian tigers to the neoliberal ideas" (Bresser
Pereira, 1993: 18).
31 Para Krugrnan (1985), esse movimento auto-alimentado
era baseado em expectativas otimistas demais em
relação às políticas adotadas. O autor não nega a necessidade da liberalização de comércio, mas afirma que
a melhora do desempenho econômico dos países que a adotaram não foi pelos méritos da política em si, mas
porque provocou um aumento na confiança dos investidores.
54
Assim, a capacidade de pressão das instituições financeiras internacionais,
que aumenta
após a crise da dívida com a formação do cartel de credores, é adicionalmente ampliada
com a formação do consenso neoliberal. Pela existência de um conjunto de prescrições de
política considerado "certo", cresce sua capacidade de atuar como criadores e divulgadores
de ideologia.
Consenso neoliberal
A formação do consenso neoliberal na década de 80 pode ser entendida como a resposta à
redução do crescimento econômico nos países desenvolvidos, à medida em que a crise
econômica foi associada ao crescimento excessivo do Estado. Desta forma, a estagflação
nos países desenvolvidos, associada aos excessos do Welfare State e à crise de autoridade
dos regimes capitalistas, em função da constituição de novos direitos que extrapolavam a
capacidade do Estado de atendê-los podem ser apontados como fatores que explicam o seu
surgimento.
Segundo Bresser Pereira (1993c, 1993e), a intervenção do Estado, que é necessária para a
acumulação
e distribuição,
coordenação
do sistema capitalista e para corrigir as distorções do mercado, tende a se
tomar excessiva".
atuando juntamente
com o mecanismo
de mercado
Esse aumento da intervenção do Estado pode gerar distorções:
na
o
crescimento dos gastos do governo tende a causar desequilíbrios fiscais e o crescimento da
regulamentação
pode resultar em aumento de custos, prejudicando
a competitividade
internacional do país; o que tem repercussões sobre a sua situação econômica. Nessas
condições, a redução da intervenção estatal toma-se necessária.
Bresser Pereira (1993c), baseado em Hirschman, afirma também que a mudança na direção
conservadora pode ser explicada por fatores políticos. Após períodos em que as sociedades
concentram-se no alcance do interesse público, seguem-se períodos nos quais é privilegiado
o bem-estar individual e vice-versa. A mudança no objetivo perseguido pela sociedade
resulta de desapontamento seja com o acúmulo de distorções provocadas pela intervenção
do Estado, seja com a operação dos mecanismos de mercado, o que resultaria num ciclo
•...•
32 Entre os fatores que explicam esse cresimento, o autor inclui: o aumento da complexidade das relações
legais com o desenvolvimento da especialização e da divisão do trabalho; o aumento do conflito social com
o processo de adensamento demográfico nas áreas urbanas; a insuficiência de poupança privada para
financiar investimentos que requerem grandes aportes de capital; o aumento da demanda por investimentos
na produção de bens públicos; a necessidade de regular monopólios privados; a pressão de grupos de
interesse empresariais, de consumidores e da burocracia (Bresser Pereira, 1993c: 1341 passim).
55
político no qual se alternam "periods of intense preoccupation
almost total
concentration
on individual
improvement
with public issues and of
and private
welfare
goals"
(Hirschman citado por Bresser Pereira, 1993: 1343).
o renascimento
da ideologia neoliberal foi mais acentuado nos paises mais afetados pela
crise: os Estados Unidos e a Inglaterra. A idéia de excesso de Estado aliada à noção de sua
crescente incapacidade formaram a identidade
dos novos governos
conservadores
e
fundamentaram as suas escolhas de política econômica.
Nos EUA, o domínio das idéias de redução do Estado esteve ligado a características da
administração Reagan. Segundo Gilpin (1987), em função da crescente influência das
políticas fiscais e macroeconômicas
sobre
o sistema
monetário
internacional,
que
provocaram aumento da volatilidade das taxas de câmbio e da especulação, o governo
Reagan adotou a postura de convergência
política. Acreditava
que os problemas da
economia mundial eram derivados primordialmente de políticas inadequadas adotadas pelos
demais países e por suas estruturas
econômicas.
A eliminação
da regulamentação
governamental, a privatização do setor público, a redução do intervencionismo econômico e
o desmantelamento do Welfare State eram consideradas as políticas "corretas" para reduzir
a inflação doméstica. Se outras economias
adotassem
políticas semelhantes, poderiam
superar seus problemas. A solução assim era a conversão dos demais países às políticas
adotadas nos EUA. Propunha o alinhamento
das políticas econômicas nacionais para
combater a inflação, a atuação do FMI para monitorar o cumprimento dessa meta, e a
adoção pelos demais países de políticas expansionistas para reduzir o déficit comercial
norte-americano ao invés de adotar medidas para a redução do déficit público.
Salomon (1986) afirma que a imagem do governo Reagan para o público foi a dos idealistas
do livre mercado, com a noção da supremacia do mercado e o Estado mínimo, embora a
escolha por políticas econômicas fosse baseada em várias escolas de pensamento além
dessa. Essa imagem coincidia com a ideologia do livre mercado que predominava nos EUA.
"American characteristically view their own history as demonstrating the virtues of laissezfaire and economic openness. In this respect, American ideology reinforces the interest of
the twentieth century United States in maintaining a liberal world economy" (Keohane
citado por Raghavan, 1990).
56
o consenso
neoliberal foi estendido para a discussão do subdesenvolvimento com o declínio
da abordagem teórica que, até então, vinha sendo adotada para superá-lo: a economia do
desenvolvimento.
o declínio
da economia do desenvolvimento é explicado por Hirschman (1981) pelo fato de
que a abstração a partir da qual a teoria havia sido constituída - um país subdesenvolvido
típico - deixa de existir com os processos diferenciados de desenvolvimento ocorridos nos
países em desenvolvimento.
"The concept
recommendations for all underdeveloped
of a unified body of analysis and policy
countries, which contributed a great deal to the
rise of the discipline, became in a sense a victim of the very success of development and of
its uneveness" (Hirschman, 1981: 20). O segundo motivo do declínio está relacionado com
o fato de que muitos teóricos da economia do desenvolvimento acreditavam que a melhora
na situação econômica levaria automaticamente
à melhora nos campos social, político e
cultural. Essa visão foi duramente contestada pelos acontecimentos dos anos 60 nos países
subdesenvolvidos, que experimentaram o retrocesso nas áreas de direitos humanos e civis
paralelamente ao sucesso econômico.
li
O colapso da URSS e do leste europeu reforçaram a posição neoliberal a medida em que
desacreditaram o planejamento central e a intervenção do Estado na economia. Assim, ao
mesmo tempo em que. a alternativa à estratégia liberal se esgotou, a liberal se fortaleceu,
tornando-se dominante na discussão.
A existência do consenso neoliberal é importante para explicar o aumento da pressão para a
liberalização comercial na década de 80. Até então, tendo sua atuação baseada na economia
do desenvolvimento, o Banco Mundial era favorável à proteção da indústria nascente como
forma de promover o desenvolvimento
econômico.
"When the Bank was founded, its
mission was quite clear: to help the reconstruction of Europe and to promote growth in the
rest of the world. The basic strategy was industrialization. The means to achieve it, foreign
finance for infrastructure investments and the protection of infant industry" (Bresser Pereira,
1993a: 4). Com a formação do consenso neoliberal, o Banco muda a sua prescrição de
políticas. "The very idea of a development strategy based on the combination of state action
and private entrepreneurship (...) was replaced with an aggressive anti-state ideology in the
First World, that in Washington, eventually culminated in the neo-liberal or quasi neo-liberal
Washington consensus" (Bresser Pereira, 1993a: 6).
57
Com o surgimento do consenso neoliberal define-se um novo diagnóstico para a crise na
América Latina: o populismo econômico,
que se manifesta
na indisciplina fiscal e
intervenção estatal excessiva, relacionada ao protecionismo, à regulamentação excessiva
e
ao tamanho do Estado. A questão da dívida externa é desconsiderada: a crise é vista como
tendo origens exclusivamente internas. As políticas prescritas para solucionar a crise passam
a ser estabilização através de políticas fiscais e monetárias
ortodoxas
e redução
intervenção do Estado na economia através de privatização, desregulamentação
comercial (BresserPereira,
e abertura
1993e: 19,20).
Adicionalmente, a formação de um consenso sobre as políticas consideradas
provocou
da
mudanças no comportamento
dos investidores.
corretas,
Passaram a premiar com o
aumento do influxo de recursos externos, aqueles países que adotaram essas políticas, o que
representou um incentivo adicional para a implementação dessas políticas e contribuiu para
a melhora na situação econômica desses países após a adoção das políticas (Krugman,
1995).
A formação do consenso de Washington influenciou a capacidade de pressão porque ela
forneceu uma direção única para a pressão ser exercida: para a redução da intervenção do
Estado na economia. O poder dos países desenvolvidos utilizarem pressão para provocar
mudanças nas políticas adotadas pelos em desenvolvimento
na direção prescrita
pelo
consenso neoliberal aumentou com a crise da dívida na década de 80.
Neste capítulo foi verificado que acontecimentos ocorridos ou consolidados no sistema
internacional na década de 80 aumentaram a pressão externa sobre o Brasil para a adoção
da abertura comercial. Em primeiro lugar, vinculado ao processo de globalização, a pressão
externa se manifestou com uma modificação na organização
e estratégia das empresas
multinacionais, tomando necessário ao país realizar a abertura comercial sob pena de ficar
excluído do fluxo de investimento dessas empresas. Esses acontecimentos
resultaram
também no aumento do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em exercerem
pressão, pois, com o processo de globalização, surgiram oportunidades para a adoção de
políticas que só seriam bem-sucedidas se os demais países permanecessem passivos.
O declínio da hegemonia norte-americana provocou, de um lado, um aumento na disposição
dos EUA em realizar ações sobre parceiros comerciais que utilizassem práticas desleais de
58
comércio, ocorrendo uma modificação na lei comercial norte-americana com esse sentido,
em 1988. De outro lado, os EUA passaram a apresentar déficits comerciais crescentes com
o Brasil, o que aumentou o interesse em que o país modificasse a sua política comercial. O
fato de o Brasil não ter capacidade contra-retaliatória transformou-o num alvo preferencial
da pressão.
Num plano mais geral, a performance bem sucedida dos países em desenvolvimento,
inclusive do Brasil, na exportação de manufaturas fez com que aumentassem as pressões
dos países desenvolvidos para que eles se adequassem às regras do GATT e aumentaram as
ações realizadas contra o Brasil sob alegação de comércio desleal. Em vista disso, a
legislação comercial protecionista do Brasil passou a ser crescentemente questionada por
tomar o país vulnerável a esse tipo de acusação.
A crise da dívida tomou possível aos países credores desenvolvidos imporem condições
porque provocou uma alteração na relação de poder em favor dos credores. Nesse
contexto, o instrumento de pressão utilizado referiu-se à condicionalidade implícita; não
apenas os empréstimos bancários mas também decisões de investimento dos países
desenvolvidos passaram a ser condicionados à adoção pelo país devedor das políticas de
ajuste prescritas pelas instituições financeiras internacionais.
A formação do consenso neoliberal deu a direção na qual a condicionalidade passou a ser
utilizada - para a redução do Estado na economia - e reforçou o papel das instituições
internacionaiscomo produtoras de ideologia.
No capítulo seguinte será verificada a situação do Brasil frente a essas modificações no
sistema internacional.
59
CAPÍTULO 2
Neste capítulo serão tratados os fatores internos que permitem verificar se o aumento do
conflito no sistema internacional e a decorrente utilização de instrumentos de pressão contra
o Brasil representaram
pressão
de fato. Esses fatores referem-se
à vulnerabilidade
econômica - comercial e financeira - e à vulnerabilidade ideológica.
A vulnerabilidade econômica é um conceito relativo. Na existência de uma relação de
interdependência
entre países, o país mais vulnerável é aquele que mais perde com o
rompimento da relação.
Para avaliar a vulnerabilidade
comercial, é preciso analisar a participação do país no
comércio internacional, a importância do comércio exterior para a economia do país e os
principais mercados para seus produtos. A vulnerabilidade comercial pode também ser
..
determinada
em relação
a um instrumento
específico de pressão,
como as ações
antidumping e anti-subsídios .
A vulnerabilidade
financeira está relacionada à perda com o rompimento
da relação
financeira: o não-pagamento do serviço da dívida. Pode ser avaliada em termos dos custos e
beneficios associados tanto com o pagamento quanto com o não-pagamento. Se o beneficio
líquido do não-pagamento do serviço for maior do que o beneficio líquido do pagamento,
não existe vulnerabilidade financeira.
Com relação à vulnerabilidade ideológica, este capítulo apresenta apenas alguns elementos
para a discussão, com base em análises de outros autores. O conceito de ideologia adotado
permite identificar duas situações de vulnerabilidade: uma, de caráter estrutural, ligada à
dependência ideológica, e outra, de caráter circunstancial ligada ao esgotamento do modelo
de substituição de importações.
A dependência ideológica resulta da existência de relações de interesse econômico entre
-
grupos nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, que com isso, passam a
compartilhar de visões de mundo, estilos de vida e idéias comuns. Além disso, a pressão
externa ajuda a tomar explícita a irracionalidade presente em determinados
tipos de
instrumento de atuação do Estado, como a política comercial. Finalmente, o esgotamento
da estratégia liderada pelo Estado contribui para que o modelo dominante nos países
60
desenvolvidos passe a ser aceito como uma alternativa viável de ação para a sociedade. É
nesse sentido que pode-se falar em vulnerabilidade ideológica circunstancial. Ela está ligada
à crescente incapacidade do Estado em atender as demandas da sociedade, que passa a
aceitar a necessidade de sua redução.
VULNERABILIDADE COMERCIAL
o
comércio exterior, em termos estáticos, desempenha um papel relativamente
menos
importante nos países latino-americanos do que nos países do leste asiático. Entre os latinoamericanos, o Brasil apresentou uma relação fluxo de comércio-PIB
menor do que a
Argentina e o México. Assim, a vulnerabilidade comercial do Brasil, em termos estáticos, é
menor do que a da Argentina, do México e dos países do leste asiático (Tabela 10).
Tabela 10. Brasil. Relação comércio exterior-PIB (%)
1982
1985
1986
1987
1988
1989
Brasil
15,9
20,6
17,6
13,8
14,9
16,5
Argentina
19,4
18,1
16,1
16,4
17,7
25,3
México
20,8
19,7
21,6
19,3
22,3
23,0
182,4
194,3
219,6
193,8
298,2
182,5
67,4
71,3
67,5
72,6
65,7
58,3
334,2
281,0
276,7
306,9
347,4
332,2
HongKong
Coréia do Sul
Cingapura
Obs: comércio exterior=exportações + importações
Fonte: Banco Mundial, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios.
Entretanto, o comércio exterior é importante para o Brasil pelo seu efeito dinamizador
sobre a economia. Durante a década de 80, após a conclusão do 11 PND (1975-1979),
a
indústria brasileira deixou de gerar sua própria demanda e as possibilidades de crescimento
a partir do mercado doméstico foram reduzidas pela crise. Com isso, a produção industrial
passou a ser crescentemente direcionada para o mercado internacional. As exportações
tomaram-se
o motor do crescimento econômico. Na década de 80, os setores que se
expandiram na indústria manufatureira foram os de bens intermediários (3,9%) e o de bens
de consumo não duráveis (10,5%). No setor de bens intermediários,
o aumento
da
61
produção foi provocado pela exportação de polpa e papel, de produtos químicos e
petroquímicos, de borracha e artefatos de borracha e de produtos metalúrgicos (Suzigan,
1993).
Conforme podemos verificar na tabela 11, as exportações passaram a representar uma
parcela crescente da produção em todos os setores, especialmente no setor industrial.
Tabela 11. Brasil: Exportações em relação ao total da produção do setor (%)
1980
1988
Todos os setores
10,2
13,3
Mineração
46,0
68,0
9,4
11,9
- Metalurgia
4,7
32,6
- Roupas e calçados
6,8
26,0
- Material de transporte
10,0
17,8
- Papel e papel cartão
10,5
13,4
- Químicos
8,8
10,3
- Borracha
4,9
10,1
- Têxteis
6,3
10,0
Indústria
Indústria - setores
selecionados:
Fonte:
F.Sartl e Furtado In Suzigan, 1993
A vulnerabilidadecomercial do Brasil ocorreu pelo fato de as exportações terem constituído
o motor do crescimento da economia na década de 80, e não em termos estáticos (relação
comércio-PIB). Se as relações comerciais fossem rompidas, haveria uma reversão do
desempenho econômico.
Uma vez determinada a importância do comércio exterior para o Brasil é necessário
verificar quais os principais parceiros comerciais. Os países e blocos de países
desenvolvidos ocidentais mais importantes - EUA, Canadá, CE e EFTA - constituíram o
principal destino das exportações brasileiras, representando, em média 58,5% do total das
exportações brasileiras, de 1970 a 1990 (Tabela 12).
62
Tabela 12. Destino das exportações brasileiras (%)
1980
1985
1986
1987
1988
1989
1990
17,4
27,2
25,8
27,4
24,8
22,5
23,7
1,2
1,7
1,8
2,2
2,6
2,5
1,7
CE12
30,9
27,4
25,7
27,2
28,8
29,4
31,0
EFTA
2,9
2,6
4,2
2,7
2,5
2,4
2,0
Soma
52,4
58,9
57,5
59,5
58,7
56,8
58,4
EUA
Canadá
Fonte: UNSO Comtrade in GATT, TPRM, 1992
Nas importações, embora os países desenvolvidos ocidentais tenham deixado de ser, na
década de 80, a principal origem, eles continuaram tendo uma participação importante
(45,7% em média). Se considerarmos as importações provenientes do Japão, passaram a
representar a principal fonte de importações. A soma das importações dos principais países
desenvolvidos representou 55,4% do total das importações em 1989 (Tabela 13).
Tabela 13. Origem das importações brasileiras (%)
1980
1985
1986
1987
1988
1989
18,5
19,7
22,0
20,1
20,1
22,7
3,9
3,1
3,2
3,0
3,2
2,7
CE12
16,8
15,3
22,7
22,4
22,1
20,9
EFTA
1,4
1,6
1,9
1,9
2,2
2,9
Soma
40,6
39,7
49,8
47,4
47,6
49,2
Japão
4,8
4,3
6,8
6,1
7,1
6,2
Soma
45,4
44,0
56,6
53,5
54,7
55,4
EUA
Canadá
Fonte: UNSO Comtrade in GATT, TPRM, 1992
O fato de os principais países desenvolvidos
exportações
serem os principais mercados
para as
brasileiras e importantes fornecedores para o Brasil indica que se o Brasil
rompesse relações comerciais com esses países, seria prejudicado. Por outro lado, o Brasil
-
63
tinha pouca importância
nas relações
comerciais
dos países
desenvolvidos.
Como
fornecedor de produtos sua participação era em tomo de 0,7% (Tabela 14). Os países
desenvolvidos perderiam muito pouco com o rompimento das relações comerciais com o
Brasil. Consequentemente, no comércio exterior, o Brasil era mais vulnerável que os paises
desenvolvidos.
Tabela 14. Participação do Brasil como fornecedor dos países desenvolvidos*
(US$ bilhões)
Total de
Importações
importações(A)
do
B/A
Brasil(B)
1987
1.251,3
8,6
0,7%
1988
1.447,2
11,4
0,8%
1989
1.581,0
11,7
0,7%
1990
1.808,8
1,0
0,6%
* Países de renda alta da OECD
,JJ
Fonte: Banco Mundial, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial
Com os EUA, o Brasil tinha pequena expressão tanto como destino das exportações norteamericanas quanto como fornecedor, em relação a outros países; embora, em termos
absolutos, o superávit do país com os EUA tenha aumentado durante a década de 80. O
Brasil representou mercado para 2% das exportações
norte-americanas
em 1990, e foi
responsável por 1,6% do total das importações norte-americanas.
Se considerarmos que as exportações para os EUA representaram em média 20% do total
das exportações brasileiras e as importações dos EUA tinham participação de 25% no total
das importações brasileiras, verifica-se a vulnerabilidade do Brasil aos EUA no comércio
exterior.
O Brasil detinha reduzido poder de barganha para conter medidas restritivas às suas
exportações, já que, os custos de oportunidade da interrupção do comércio com os países
Áustria, Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Islândia, Irlanda, Itália,
Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, EUA.
33
64
industrializados eram muito maiores para si, não podendo recorrer a retaliações em resposta
a restrições às suas exportações.
A vulnerabilidade comercial pode ser analisada também a partir de um instrumento
específico, no caso, o uso dos códigos de subsídios e dumping contra o Brasil.
o grau
de exposição dos produtos brasileiros a penalidades amidumping e contra subsídios
foi quatro vezes maior que o do Japão, primeiro colocado entre os países desenvolvidos e
maior que a Coréia do Sul e México (Tabela 15). O grau de exposição às penalidades mede
a frequência relativa com que os produtos brasileiros foram submetidos a investigações
(Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989).
Tabela 15. Processos Antidumping e de Subsídios: principais economias afetadas (1980-87)
Grau de exposição às penalidades
Número de processos
Japão
139
1,0
EUA
106
0,5
RFA
91
0,5
Brasil
89
4,0
Coréia do Sul
77
3,0
México
48
2,0
Fonte: Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989, p.33
Esses processos
atingiram
11% do total
das exportações
brasileiras
em
1986 e
concentraram-se no setor de alimentos, calçados e produtos siderúrgicos (Tabela 16).
65
Tabela 16. Exportações brasileiras afetadas por processos de dumping e subsídios
(1980-86) (US$ milhões)
Bens
1980
1982
1984
1986
Produtos siderúrgicos
24
129
320
241
Alimentos
-
328
1.811
1.298
Calçados
250
431
954
885
5
18
19
104
279
906
3.104
2.528
20.140
20.173
27.002
22.348
1
4
11
11
Outros
Total (A)
Exportações
total (B)
A1B%
..
Fonte: Comissão de Política Aduaneira in Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989, p.35 e
Banco Mundial, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios.
Para Tavares de Araújo Jr. e Naidin, embora a parcela das exportações
processos
afetada pelos
não fosse muito elevada, o Brasil estava vulnerável à pressão via taxas
antidumping e direitos compensatórios (subsídios) por causa da política comercial adotada.
"A política comercial brasileira no período em análise tomou as exportações
vulneráveis a processos antidumping
do país
e de subsídios. O governo brasileiro, ao estabelecer
uma política de reserva de mercado para todos os setores incluindo os que são competitivos
internacionalmente foi obrigado a manter um sistema desordenado de subsídios e incentivos
fiscais ao lado de controles administrativos.
Esta política provocou,
entre outras,
a
distorção de forçar as indústrias exportadoras a trabalhar com duas políticas de preços, uma
para o setor doméstico e outra para o setor externo, o que toma possível a alegação pelos
outros
países
de que a competitividade
dos produtos
decorre
de subsídios
e da
discriminação oligopolista de preços" (Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989: 35). Além
disso, o sistema de subsídios, incentivos fiscais e controles administrativos implementado
para corrigir
o viés anti-exportador
da política comercial
protecionista
transparência da política comercial brasileira, dificultando a determinação
reduziu
a
do comércio
justo, criando um espaço de imprecisão para o uso de mecanismos Jair trade pelos
parceiros comerciais do Brasil.
O fato de mecanismos Jair trade terem sido utilizados contra o Brasil com finalidades
protecionistas
evidenciou
a existência
de uma vulnerabilidade
institucional
a esse
66
instrumento
específico. O uso desse instrumento
contra
o Brasil foi, resultado
da
configuração da política comercial brasileira. Ainda que a vulnerabilidade econômica ao
instrumento fosse relativamente pequena, o fato de a política comercial brasileira possibilitar
o uso desse instrumento contra o Brasil, mostrou que o país era vulnerável a ele.
O uso de mecanismos Jair trade contra o Brasil continha dois tipos de mensagem: a
primeira dos parceiros comerciais do Brasil de descontentamento
com a penetração
das
exportações brasileiras nos seus mercados. A segunda, lida pelos técnicos responsáveis pela
administração da estrutura de proteção, sobre a distorção existente na política comercial
então vigente.
A crescente inconsistência dos instrumentos de política comercial tomou o Brasil vulnerável
a ações retaliatórias dos outros países numa área em que o país perderia se rompesse as
relações com esses parceiros. A reformulação desses instrumentos tomou-se necessária. A
existência de um potencial de pressão externa aliado à vulnerabilidade comercial do Brasil,
entre outros elementos, fez com que fosse crescentemente questionada a política comercial
adotada até então. As pressões comerciais (reais ou potenciais) dos países desenvolvidos
influenciaram a alteração do ambiente de tomada de decisão no qual foi definida a política
comercial.
A vulnerabilidade comercial do Brasil ocorreu porque as exportações
passaram a ser o
elemento dinâmico da economia brasileira e a política comercial tomou o país vulnerável a
acusações de comércio desleal. Em contrapartida, a participação do Brasil como mercado
de destino e como fornecedor dos países desenvolvidos era pequena, indicando que esses
países perderiam pouco com o rompimento da relação comercial.
VULNERABILIDADE FINANCEIRA
A perda com o rompimento da relação financeira está relacionada
beneficios associados com a interrupção do pagamento
com os custos e
do serviço da dívida e com a
manutenção desse pagamento.
A análise da crise da dívida aqui realizada entende a crise como um conflito e não como um
problema. Nesse sentido, as ações de credores e devedores não representam soluções para o
'"-
67
problema, mas estratégias com diferentes custos e beneficios que devem ser comparadas
para determinação da vulnerabilidade.
o custo associado com o não-pagamento do serviço da dívida diz respeito à interrupção do
fluxo de recursos externos (empréstimos, investimentos, etc.) no presente e no futuro. A
manutenção do pagamento seria, ao contrário, recompensada pelo aumento de recursos
externos disponíveis ao país.
o Brasil manteve o pagamento dos juros
da dívida, entretanto, o correspondente influxo de
recursos externos não ocorreu, devido à interrupção dos empréstimos voluntários de médio
e longo prazo e diminuição das linhas de curto prazo a partir do segundo semestre de 1982.
Tal fato, associado ao aumento das taxas de juro internacionais, à elasticidade relativa da
oferta de empréstimos de fontes não bancárias (agências multilaterais, governos,
fornecedores, etc.); às limitadas disponibilidades de "dinheironovo" involuntário dos bancos
comerciais estrangeiros em 1983-84 e com a interrupção destes fluxos involuntários em
1985-86; e à redução dos investimentos diretos e ao aumento da remessa de lucros e
dividendos; fez com que o Brasil, na década de 80, se tomasse um exportador líquido de
recursos (Nogueira Batista Ir., 1987) (Tabela 17).
Tabela 17. Brasil. Transferência de recursos financeiros ao exterior (1982-90)
(em US$ milhões)
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
11.353 9.555 10.203 9.659 9.093 8.792 9.832
juros
lucros e
dividendos
585
909 1.539
758
796 1.056 1.237
outros
serviços
fatores
939
855
839
496
876
772
632
ingresso de
capital
estrangeiro
10.213 3.778 8.811
192 1.834 -2.926
-759
transferência
de recursos
financeiros
2.664 7.374 2.684 12.106 11.014 8.639 15.152
Fonte: Dados até 1985, Nogueira Batista Ir., 1987, p.14. Dados a partir de
Central do Brasil, cálculos próprios.
1989
1990
9.633- 9.748
2.383
1.591
1.090
855
-146
4.262
13.252 7.932
1986, Banco
68
Verificou-se assim que os beneficios com a manutenção do pagamento do ,serviço não se
concretizaram. O pagamento do serviço resultou apenas em custos: a própria transferência
de recursos e outros custos a ela associados.
Com a redução da entrada de recursos externos, o Brasil realizou a transferência
de
recursos ao exterior, que em 85 e 86, atingiu o equivalente a 5% do Pffi. Essa transferência
teve efeitos negativos sobre a economia brasileira restringindo a capacidade de importar,
comprometendo
a capacidade de abastecer o mercado interno, agravando
a situação
financeira do setor público e reduzindo a disponibilidade de recursos para investimentos
(Nogueira Batista Jr., 1987).
O investimento, que tinha atingido entre 1974 e 1980 24% do Pffi caiu para 17,6% entre
1981 e 1990 (Suzigan, 1993). Essa redução do investimento representou para a economia
um custo no longo prazo. Na inexistência de capacidade ociosa, o crescimento dependia da
ampliação da capacidade produtiva via investimento. A manutenção do pagamento
do
serviço e o crescimento da economia foram incompatíveis (Nogueira Batista Jr., 1987).
Outra consequência negativa da manutenção do pagamento da dívida, relacionada com o
agravamento
da situação financeira do setor público, foi a redução de iniciativas para
desenvolvimento de ciência e tecnologia, já que o setor público era o principal fornecedor
de recursos para esse setor. O Brasil, na década de 80 apresentou um gasto em pesquisa e
desenvolvimento de 0,7% do Pffi, inferior ao gasto dos países desenvolvidos e dos NICs
asiáticos (Tabela 18).
Tabela 18. Investimento em pesquisa e desenvolvimento - P&D (década de 80)
Brasill
Países
mediterrâneos'
Países
asiáticos'
como%dopm
0,7
1,3
0,9
origem dos
recursos (%):
pública
92,0
35,6
46,4
privada
8,0
61,4
49,5
3,0
outros
4,1
1 dados de 1989
2 Espanha, Grécia, Portugal, Turquia e Iugoslávia
3 República da Coréia, Filipinas, Hong Kong, Cingapura, Tailândia
4 EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha
Fonte: Suzigan, 1993, p.131
-
Grupo dos
sete"
2,7
43,1
52,5
4,4
69
A não-realização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento representou outro custo
para o Brasil no longo prazo. Esse processo aumentou o desnível tecnológico entre o Brasil
e os países industrializados, impedindo sua integração no novo paradigma tecnológico. A
não-elevação do patamar tecnológico da indústria brasileira teve repercussões sobre a sua
competitividade: baixos níveis de produtividade, custos elevados, pouca flexibilidade e baíxa
qualidade do produto.
Essa situação dificultaria
a inserção
do Brasil na economia
internacional mesmo no seu papel tradicional de exportador de recursos naturais e produtos
com uso intensivo de mão-de-obra barata, pois a tendência internacional era de que o
progresso técnico também fosse incorporado nessas áreas (Suzigan, 1993).
A manutenção do pagamento do serviço não proporcionou beneficios (aumento de recursos
externos disponíveis), mas sim apenas custos. Esses custos diziam respeito à própria saída
de recursos para o exterior, aos custos de redução do investimento e aos custos de nãorealização de pesquisa e desenvolvimento, decorrentes da saída de recursos. Se o Brasil
rompesse a relação financeira, teria beneficios líquidos porque deixaria de ter esses custos e
os bancos credores teriam perdas, com a interrupção
da transferência
de recursos. A
vulnerabilidade financeira estava do lado dos bancos e não do Brasil34.
Muitos alegam que essa estratégia - o rompimento com os bancos credores - implicava num
custo no futuro maior que os beneficios, referente à perda do acesso do país ao mercado
financeiro internacional. O cartel dos bancos credores, o Clube de Paris dos credores
oficiais e o FMI disciplinariam o devedor que não pagasse, bloqueando a concessão de
créditos adicionais. Esse custo foi denominado custo de credibilidade (reputatíonal cost)
por Conybeare (1990), que afirma que era pouco provável de ocorrer. "Since the 1920s,
there has been no correlation between reputation repayment and continued access to loans"
(Lindert e Morton citados por Conybeare, 1990: 48). Existia a possibilidade dos bancos
individualmente atuarem como free riders, concedendo
empréstimos
ao país devedor
inadimplente e lucrando à custa dos demais que mantivessem o corte do crédito. Em vista
dessa possibilidade de lucro, se todos os banco atuassem como free riders, o país devedor
34 A Conclusão sobre a vulnerabilidade financeira dos bancos em relação ao Brasil deste trabalho está de
acordo com a que determina a vulnerabilidade dos bancos pelo seu grau de exposição. Entretanto, a
exposição dos bancos credores foi reduzida no final da década de 80 com as medidas tomadas pelos
governos dos países desenvolvidos. Por exemplo, para ajudar a reduzir a exposição dos bancos nos países
menos desenvolvidos, o FED, em agosto de 1987, aumentou o nível autorizado de conversão a dívida em
participações fora do sistema financeiro para até 100%. O nível anterior era inferior a 20% (Meyer e
Marques, 1989). Com o conceito adotado neste trabalho, a vulnerabilidade dos bancos independe das ações
dos governo, mas sim da díreção da transferência de recursos.
70
inadimplente não seria absolutamente penalizado. "The irony of collective punishment is
that, from the perspective of any individual bank it does not matter what others banks do: if
all others observe the prohibition on new lending to the defaulter, the free-rider can make
gains being the only lender, with other banks indirectly enforcing repayment to the one freerider; if no other banks observe the prohibition, no individual bank will be better off
observing the prohibition unilaterally" (Conybeare, 1990: 49).
o interesse
dos bancos individualmente atuarem como free riders pode ser explicado pela
teoria da diversificação do portfólio, segundo a qual é racional equilibrar um portfólio de
investimentos. com alguns ativos de alto risco e alta taxa de retorno, que poderiam ser
representados pelos empréstimos aos países devedores da América Latina.
o país
devedor inadimplente não sofreria o custo de credibilidade se fosse percebido pelos
bancos credores como um investimento de alto retorno. Nesse sentido, se o país devedor
realizasse investimentos
na capacidade
produtiva
e no desenvolvimento
de ciência e
tecnologia, as perspectivas de retorno do país iriam aumentar, aumentando a possibilidade
de recuperar o crédito com os bancos. O rompimento da relação financeira iria proporcionar
um beneficio futuro em termos de crescimento econômico e recuperação da produtividade
da economia, e diminuiria o custo de credibilidade, à medida em que a melhora na situação
econômica tornaria o país uma alternativa rentável de investimento.
Conybeare afirma que os devedores foram mais sensíveis a sanções diretas como o corte de
créditos comerciais. A idéia é que os devedores
eram maís influenciados por sanções
comerciais porque a sua vulnerabilidade comercial era elevada. A vulnerabilidade comercial
era reforçada pelo fato de que eram os saldos comerciais que possibilitaram a menor
vulnerabilidade financeira do Brasil.
A partir de 1983, o Brasil apresentou superávits comerciais expressivos, que passaram a
representar a principal fonte de recursos para o pagamento dos juros. De 1980 a 1982, o
déficit do balanço de transações correntes, provocado pela conta de juros, estava sendo
coberto pelo balanço de capitais. A partir de 1983, o balanço de capitais reduziu-se e, a
partir de 1985, tornou-se crescentemente negativo (Tabela 19).
71
Tabela 19. Brasil. Balanço de pagamentos e Reservas (US$ bilhões)
1980
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
-2,8
6,5
13,1
12,4
8,3
11,2
19,1
16,1
-10,1
-13,4
-13,2
-12,9
-13,7
-12,7
-15,1
-15,3
Juros
Balanço de
Capitais
-6,3
-9,6
-10,2
-9,6
9,3
-8,8
-9,8
-9,6
9,7
2,1
0,3
-2,5
-7,1
-7,0
-8,7
-11,4
Amortização
Empréstimos!
financiamentos
Variação das
reservas
-5,0
-6,9
-6,5
-8,5
-11,5
-13,8
-17,1
-14,5
10,6
6,7
10,4
7,1
3,1
4,0
2,8
2,0
-2,8
0,6
7,4
-0,4
-4,8
0,7
1,7
0,5
Balanço
Comercial
Balanço de
Serviços
Fonte: Banco Central
o
....
fato de o país ter sido exportador líquido de recursos permitiu que ele não fosse
vulnerável no setor financeiro. Entretanto,
como essa transferência
de recursos
era
financiada pelo saldo comercial, a situação de vulnerabilidade comercial foi reforçada, pois
a relativamente menor vulnerabilidade financeira do Brasil foi possibilitada pela geração de
expressivos saldos comerciais.
VULNERABILIDADE
o presente
IDEOLÓGICA
trabalho não pretende fazer uma análise detalhada da vulnerabilidade ideológica,
mas apenas apresentar alguns elementos para sua discussão. Considera duas situações de
vulnerabilidade ideológica, uma estrutural e outra circunstancial.
o ponto
de partida para o conceito de ideologia neste trabalho é a idéia de que lia ideologia
é uma das formas da praxis social: aquela que, partindo da experiência imediata dos dados
da vida social, constrói abstratamente um sistema de idéias ou representações
-
sobre a
realidade" (Chauí, 1982: 106). Esse sistema de idéias ou representações sobre a realidade é
o da classe dominante, mas para a dominação ser oculta, as idéias devem parecer universais.
A ideologia é assim um instrumento de dominação de classe, e sua função é impedir que a
dominação e a exploração sejam percebidas, ocultando as divisões sociais. Transforma as
idéias particulares da classe dominante em idéias universais, válidas para toda a sociedade.
72
o
conceito de ideologia tem assim um duplo caráter:
o de conjunto
de idéias ou
representações sobre a realidade e o de instrumento de dominação.
À concepção de ideologia como instrumento de dominação corresponde
o conceito de
dependência ideológica, que deriva da existência de relações de interesse
econômico
comuns entre as classes dominantes dos países dominantes e dos países dependentes.
A dependência ideológica é intrinseca à dependência
econômica
e se concretiza
existência de padrões de consumo, visões de mundo e representações
na
sobre a realidade
semelhantes entre os grupos sociais dominantes nos países dependentes e dominantes. Os
investimentos externos reproduzem nos países dependentes as condições e os padrões de
produção e consumo existentes nos países dominantes. Como às relações de produção
correspondem
determinadas
estruturas
jurídicas,
políticas
e
sistemas
de
idéias
aparentemente universais que refletem os interesses da classe dominante, a incorporação
dos padrões de produção dos países desenvolvidos implica também na incorporação dessas
estruturas e idéias (Marx, 1958).
Ramos (1958), afirma que o fato de as idéias serem importadas do exteríor é um reflexo do
que ele denomina "situação colonial". "Tudo é colonial na colônia. (...) A situação colonial
como um todo, e, portanto, a consciência ( ...) é essencialmente condicionada por fatores
externos e secundariamente por fatores internos" (Ramos,
1958: 97)35. Num país em
situação colonial, a assimilação de padrões estrangeiros resulta do "efeito de prestígio". "O
conhecimento dos padrões de vida dos povos desenvolvidos leva a todas as classes sociais
nos países subdesenvolvidos a pretenderem consumos relativamente altos, que dificultam a
acumulação de capital. Nos países periféricos,
a propensão
modalidade equivalentes às dos países industrializados,
a consumir,
na escala e
dificulta o seu desenvolvimento,
pois desestimula a poupança, assumindo caráter predatório" (Ramos, 1958: 91). O "efeito
de prestígio" verifica-se também, segundo esse autor, na assimilação de idéias estrangeiras.
"Propõe-se aqui a expressão "efeito de prestígio"
camadas letradas das regiões subdesenvolvidas.
para explicar a vida intelectual das
Esse efeito se verifica por força de um
contato à distância entre as pessoas e os grupos, em que determinados modos de ser e de
pensar, particulares
a um povo, são idealizados
e, graças ao prestígio
desse povo,
35 Cabe ressaltar que o autor, no livro aqui citado, entendia que estava-se desenvolvendo no Brasil uma
consciência critica, resultado da industrialização e suas consequências, da urbanização e de alterações no
consumo popular. Entretanto, os seus comentários sobre a situação colonial podem ser usados para
discussão da dependência ideológica.
73
propagados,
como dogmas, aos outros povos" (Ramos, 1958: 91). Através do efeito de
prestígio as idéias dos países dominantes, disseminadas nos países dependentes adquirem
um caráter universal.
A dependência ideológica é denominada linkage por Stallings (1992). Entre os grupos nos
países dependentes
que têm laços de interesse comuns com os países desenvolvidos,
considera o dos empresários, o dos tecnocratas, o dos. militares e a classe média. O grupo
dos empresários engloba os ocupantes de cargos direção em empresas multinacionais; os
fornecedores
dessas empresas, inclusive bancos; e os clientes. A relação de interesse
econômico é acrescida de experiências educacionais comuns, de viagens e padrões de
consumo semelhantes. Os técnicos do governo de alto escalão geralmente estudaram no
exterior. Com isso, eles adquirem um estilo de vida internacional e passam a incorporar o
paradigma
dominante no conhecimento
específico relevante para a sua profissão. Os
militares representam outro grupo que geralmente é treinado no exterior. Os laços culturais
com os países desenvolvidos são complementados com interesses comuns como a compra
de equipamentos nesses países. Para a classe média, a relação com grupos internacionais
ocorre através de ambições de consumo e estilo de vida. A divulgação através da mídia de
novos produtos e a criação da necessidade de adquiri-los estabelece uma ligação poderosa
com os países desenvolvidos. Para os mais ricos, os interesses comuns são adicionalmente
complementados com a propriedade de bens no exterior e educação. Esses grupos podem
constituir e dar suporte para coalizões políticas internacionalistas que vão apoiar políticas
determinadas pelo consenso ideológico dominante nos paises desenvolvidos.
Dependência
ideológica significa que os países em desenvolvimento
não têm padrões
próprios: o conhecimento, o padrão de vida e a cultura são importados dos desenvolvidos.
Se a dependência ideológica é absoluta, os interesses perseguidos nos países desenvolvidos
e nos em desenvolvimento são os mesmos, e assim não há necessidade de pressão externa.
Ou seja, a alternativa de ação preferida pelo país dominante aparece como a única estratégia
de ação possível para o país dependente.
Através da dependência ideológica, a pressão externa ocorre sem a existência de conflitos
de interesse, já que a própria dependência ideológica faz com que os interesses do país
dependente
coincidam, pelo menos parcialmente, com os dos países dominantes. Pela
dependência ideológica, a mudança pode ser explicada pela mudança das idéias nos países
dominantes, com a formação do consenso neoliberal. As idéias neoliberais são absorvidas
74
pelos grupos nos países dependentes que partilham da mesma visão de mundo dos
desenvolvidos.
A partir da concepção de ideologia como um conjunto de idéias e representações
sobre a
realidade, a ideologia pode ser entendida como a base a partir da qual são tomadas as
decisões do governo. Representa o modelo de desenvolvimento que define as políticas
como sendo de interesse nacional, que define fatos econômicos como custos ou beneficios.
"Economic policy cannot be legitimated without a model, acceptable as the social ideal,
which economic ideology supplies. lt is this ideal that gives the polity the confidence to
make policy: economics is an inexact science dealing with the unpredictable future, a set of
relationships that allow different persons using the same data sometimes to arrive at
different conclusions.
A definite set of agreed-upon
assumptions
about how
social
economics functions and which social outcomes are desirable makes policy making easier
(...)" (Rohrlich, 1987: 69).
A partir desse conceito de ideologia, a pressão ideológica se expressa pela capacidade dos
países
desenvolvidos
produzirem
conhecimentos
e informações.
A vulnerabilidade
ideológica refere-se à situação em que o tipo de informação que a ideologia contém - uma
explicação para a realidade, um modelo para a tomada de decisões políticas -, está faltando.
"Ideologies come most crucially into play in situations where the particular
kind of
information they contain is lacking, where institutionalized guides for behavior, thought and
feeling are weak or absent" (Rohrlich, 1987: 69). Neste caso, a vulnerabilidade ideológica
está ligada a uma circunstância específica, o esgotamento do modelo de desenvolvimento
adotado anteriormente baseado na substituição de importações. A pressão externa pode
influenciar a mudança, na medida em que a existência de um consenso
nos países
desenvolvidos facilita a aceitação de medidas tomadas na mesma direção.
A vulnerabilidade ideológica vinculada à circunstância de esgotamento
substituição
provocou
de importações
do modelo de
está associada à idéia de que a exaustão
uma "desestruturação
dos mapas conceituais
emergência de fórmulas alternativas consistentes"(Sola,
anteriores,
desse modelo
mais do que a
1993: 247). Para Sola (1993), esse
processo não resulta apenas do esgotamento do modelo de substituição de importações",
36 O autor identifica esse esgotamento na mudança da percepção das elites a respeito dos novos desafios do
desenvolvimento, no que diz respeito à questão tecnológica, à educacional, à integração internacional e à
eficiência e à competitividade. (Sola, 1993: 247).
75
mas também da compreensão pelas elites dos efeitos negativos da crise da. dívida sobre a
economia brasileira; e da continuidade do processo de democratização,
que trouxe à tona
novas demandas sociais.
Com a crescente incapacidade
de atuação
do Estado
dominante e divulgado pelos países desenvolvidos,
em cnse, o modelo neoliberal
que visa restringir a intervenção do
Estado, passa a ser aceito como uma alternativa viável e necessária.
Do ponto de vista da política comercial, a consolidação do consenso neoliberal resulta na
prescrição de abertura comercial como a política "correta". Uma nova prescrição de política
comercial é necessária apenas quando a anteriormente adotada se esgota. A vulnerabilidade
ideológica circunstancial está assim vinculada ao esgotamento do modelo de substituição de
importações, adotado até então.
Neste capítulo foram verificados fatores domésticos que permitem avaliar se os eventos
internacionais descritos no capítulo anterior
instrumentos de pressão representaram
e o uso pelos países desenvolvidos
de
pressão de fato. Conforme visto, a redução do
influxo de recursos externos e a estratégia das empresas multinacionais com o processo de
globalização representam pressão externa, à medida em que esses fatores implicam na
necessidade de mudar as políticas para que os países em desenvolvimento pudessem se
adequar às novas condições vigentes no sistema internacional.
No que diz respeito ao uso de instrumentos de pressão pelos países desenvolvidos, verificase que, apesar do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em utilizar a pressão
financeira, ela representou apenas uma tentativa de influência porque a vulnerabilidade
financeira do Brasil era menor do que a dos credores. Dados os efeitos negativos do
pagamento do serviço da dívida sobre a economia brasileira, em termos de redução do nível
de investimento e deterioração das condições macroeconômicas,
se fosse rompida a relação
financeira, os credores para quem os recursos estavam sendo transferidos, seriam os mais
prejudicados.
Entretanto, o mesmo não pode ser dito a respeito da pressão comercial. De um lado, o fato
de o país ter participação restrita como fornecedor
desenvolvidos e, de outro, o fato das exportações
e como mercado para os países
constituírem o elemento dinâmico da
economia brasileira durante a década de 80, mostram que o Brasil era vulnerável na área
comercial. A existência de interesse e capacidade de pressão pelos países desenvolvidos,
76
materializada
sob a forma do uso de forma distorcida de mecanismos antidumping
e
compensatórios e ameaças de acusação sob a seção 301, no caso dos EUA, representaram
pressão externa de fato.
No referente à pressão ideológica, da qual são portadores os instrumentos de pressão tanto
comercial quanto financeira, mesmo que os últimos não tenham efeito econômico, a sua
influência está ligada à existência de laços de interesse entre grupos nos países dominantes e
no Brasil, que partilham da mesma visão de mundo. Adicionalmente, a pressão ideológica
está ligada à circunstância de esgotamento do modelo de substituição de importações. A
crescente incapacidade de ação do Estado leva a uma crescente aceitação da necessidade de
sua redução, seguindo o exemplo ocorrido nos países desenvolvidos .
..•..'
77
COMENTÁRIOS FINAIS
o objetivo
deste trabalho, conforme dito na Introdução é verificar a influência da pressão
externa na abertura comercial brasileira, sem que isso implique em considerar a pressão
externa como o determinante mais importante, pois, uma mudança na política comercial
como a liberalização das importações pode ser analisada tanto por fatores externos quanto
internos.
o método
de análise adotado neste trabalho partiu de duas teorias, a da dependência e a dos
autores de política internacional conhecidos como "realistas"; e o estudo da influência da
pressão externa baseou-se na identificação de situações de conflito internacional. O conflito
pode surgir quando um país perde a competitividade, quando outros países tornam-se mais
competitivos e quando aumenta a possibilidade dos produtos desses países disputarem o
mercado. Essas situações referem-se ao declínio da hegemonia norte-americana, à ascensão
dos NICs e ao processo de globalização. Adicionalmente, o conflito pode aparecer quando
os países tem estratégias de atuação opostas em determinada situação, como é o caso da
posição dos países credores e devedores com a crise da dívida; e quando os países
competem para atrair investimentos e/ou absorver ganhos de escala ou externalidades
positivas.
A existência dessas situações de conflito aumenta o interesse dos países em utilizar
instrumentos de pressão, que incluem retaliações comerciais e condicionalidades vinculadas
a
empréstimos,
respectivamente.
mecanismos
para
realização
da
pressão
comercial
e
financeira,
Como instrumentos de pressão econômica são também meios para a
transmissão de mensagens de um pais a outro. Assim, subjacente à pressão econômica,
existe a pressão ideológica. Este trabalho considera os dois tipos de pressão externa: a
econômica, que pode ser comercial ou financeira, e a ideológica.
Entretanto, para a constatação da pressão externa não é suficiente analisar o interesse e a
capacidade dos demais países em exercerem pressão sobre o Brasil. É necessário verificar se
o país foi vulnerável à elas, pois, caso contrário, o uso de instrumentos
representará
de pressão
apenas uma tentativa de influência. Da mesma forma que a pressão,
vulnerabilidade divide-se em econômica e ideológica.
a
78
Este trabalho procura dialogar especialmente com as análises de Stallings (1992) e Kahler
(1992), que também estudaram as influências externas sobre a adoção de políticas como a
abertura comercial nos países devedores.
Stallings parte da teoria da dependência para
explicar a influência dos países credores e instituições financeiras internacionais no contexto
da crise da dívida. Neste trabalho considera-se que a influência externa para a abertura
comercial envolveu outros eventos ocorridos no sistema internacional como o processo de
globalização econômica, o declínio da hegemonia norte-americana
e a ascensão dos NICs
como competidores no sistema internacional, pois esses eventos provocaram o aumento do
potencial de conflito. Além disso, entende-se
que para analisar a pressão externa é
necessário verificar também se situações domésticas permitiram que a pressão externa
pudesse ter representado uma influência de fato.
No caso da análise de Kahler (1992), valem os comentários acima sobre a necessidade de
verificar a existência de outros
fatores
no sistema internacional
e fatores internos.
Adicionalmente, Kahler descarta a importância de um instrumento de pressão específico
•...
(condicionalidade) e explica a mudança por um processo de aprendizado neutro que ocorre
entre técnicos do governo e técnicos
das instituições
financeiras internacionais.
Este
trabalho, ainda que leve em conta a importância das idéias, não as considera neutras mas
partes componentes de um sistema de poder e dominação. Nesta dissertação, retaliações
comerciais e condicionalidades são entendidos como instrumentos de economic statecraft,
que podem ser utilizados alternativamente à diplomacia e à intervenção militar, para um país
exercer influência sobre outro.
Na análise dos eventos do sistema internacional ocorridos e consolidados na década de
oitenta, verificaram-se situações de conflito que criaram interesse e capacidade dos países
desenvolvidos em fazer com que os subdesenvolvidos industrializados adotassem a abertura
comercial. Com a percepção do declínio econômico, os EUA deixaram de agir como um
poder hegemônico "benevolente", passando a utilizar práticas predatórias para que seus
parceiros comerciais modificassem
suas políticas. Ainda que a principal ameaça aos
interesses norte-americanos não fosse representada por países como o Brasil, o país tornouse um dos principais alvos dessas medidas porque os principaís competidores como o Japão
e a Alemanha tinham capacidade de contra-retaliação.
A ascensão dos NICs como competidores no sistema internacional de comércio gerou um
outro tipo de conflito com os países desenvolvidos, referente ao crescente questionamento
•...
79
do tratamento diferenciado que eles recebiam sob as regras vigentes do comércio. Esse
processo foi denominado graduação. Aumentou a pressão para que modificassem suas
políticas comerciais e se adequassem às regras vigentes. De outro lado, a industrialização
desses países aumentou a heterogeneidade no bloco dos países subdesenvolvidos, reduzindo
a sua coesão. A existência de um grupo relativamente homogêneo de países
subdesenvolvidos havia permitido anteriormente que o Brasil exercesse uma posição de
liderança.
o uso de práticas predatórias pelos EUA e a pressão dos países desenvolvidos para que o
Brasil se adequasse às regras vigentes no sistema internacional representaram pressão
externa. Essa pressão envolveu o uso de instrumentos como a seção 301 da legislação
comercial norte-americana, tomada mais agressiva em 1988 e ouso de mecanismos Jair
trade como os códigos antidumping e anti-subsídio. Esses instrumentos puseram em xeque
a manutenção de um conjunto de subsídios e incentivos utilizados para compensar o viés
anti-exportador da política comercial, restritiva às importações. A existência dessas medidas
na política comercial, tomou o pais vulnerável a ações de dumping e subsídios.
o processo de globalização da economia internacional está ligado à pressão pela abertura
comercial sob duas condições. A primeira relaciona-se com a existência de vínculos
econômicos com o sistema internacional, através dos quais o pais sofre influência das
estratégias dos principais atores. A segunda vincula-se à competição entre os paises para
atraírem recursos externos e para se apropriarem de externalidades. No que diz respeito às
estratégias dos atores do sistema internacional, a pressão externa refere-se ao fato de que as
empresas multinacionais passaram a alocar a produção globalmente, tomando necessário
que o país abrisse seus mercados para se inserir nesse processo. A influência externa se
coloca porque a abertura comercial passou a atender o interesse nacional a partir de uma
estratégia definida por atores estrangeiros. Em segundo lugar, no que diz respeito à
competição entre países com a globalização, refere-se ao fato de que a intervenção do
Estado pode construir competitividade em determinados setores, desde que o país seja o
único a adotar essas políticas. A tentativa de convencer através de pressão ideológica que a
abertura comercial é uma política "certa" pode ser entendida como uma forma de garantir
que os demais países não adotem políticas visando a construção da competitividade ou a
atração de investimentos nesses setores, que reduziriam os ganhos dos demais países com
essas políticas.
80
A capacidade dos países desenvolvidos em imporem um modelo de intervenção do Estado
aumentou com a crise da dívida e a formação do consenso neoliberal. Em primeiro lugar,
porque a crise da dívida resultou numa interrupção do influxo de recursos externos ao país,
que havia permitido a manutenção da estratégia de desenvolvimento baseada na substituição
de importações. Assim, essa interrupção tomou explícito o esgotamento dessa estratégia.
Em segundo lugar, porque a crise da dívida aumentou a assimetria de poder no sistema
internacional, com a organização do cartel dos credores. Os credores puderam impor
condições ao fornecimento de recursos. Com a formação do consenso neoliberal, todo
fornecimento de recursos passou a ser condicionado pela adoção do mesmo pacote de
políticas porque o "risco" do país passou a ser considerado em função da adoção (ou não)
dessas medidas.
A respeito da vulnerabilidade ideológica, este trabalho limitou-se a apresentar alguns
elementos de discussão. Pelo fato de existirem relações de interesse entre grupos no Brasil e
nos países desenvolvidos, as idéias e visões de mundo dominantes foram absorvidas, numa
relação de dependência ideológica. A vulnerabilidade ideológica poderia estar ligada
também à circunstância do esgotamento do modelo de substituição de importações, em
função da qual, o modelo neoliberal passou a ser considerado viável. Com a existência do
modelo neoliberal, a aceitação da abertura comercial tomou-se mais fácil.
A partir das condições de expressão da pressão externa definidas neste trabalho, não foi
constatada a pressão financeira para a abertura comercial. Apesar da utilização pelos países
credores de instrumentos de pressão, que se materializaram na aplicação da
condicionalidade implícita, não houve pressão financeira porque o país não era vulnerável
financeiramente. Dado que o país realizou uma transferência líquida de recursos aos
credores e essa transferência teve efeitos negativos sobre a capacidade de investimento e as
condições macroeconômicas do Brasil, se a relação financeira fosse rompida, o país seria o
menos prejudicado. Assim, a pressão financeira não ocorreu, não porque a condicionalidade
deixou de ser aplicada, como afirma Kahler, mas porque tendo ela sido utilizada, o Brasil
era pouco vulnerável.
A existência de pressão comercial, ao contrário da financeira, foi constatada no caso
brasileiro. A pressão comercial ocorreu porque foram utilizados instrumentos de pressão
comercial contra o Brasil, mais especificamente a provisão "super 301" da legislação
comercial norte-americana e iniciadas diversas investigações de dumping e de subsídios.
81
Essas ações colocaram em questão a permanência da política brasileira altamente restritiva a
importações, que implicava na manutenção de regimes especiais para a realização de
exportações, deixando a política comercial brasileira pouco transparente e vulnerável a
acusações de comércio desleal. O Brasil era vulnerável na área comercial porque os países
desenvolvidos constituíam os principais fornecedores e mercados para o Brasil e porque as
exportações constituíram o elemento dinâmico da economia brasileira na década de 80.
Assim, se as relações com os países desenvolvidos fossem rompidas, o Brasil seria o mais
prejudicado, pois sua participação como mercado de destino e fornecedor para esses países
era pequena. A vulnerabilidade comercial do Brasil foi reforçada pelo fato de que a sua
menor vulnerabilidade financeira era possibilitada pela existência de elevados superávits
comerciars.
Finalmente, este trabalho permite subsidiariamente discutir a importância relativa de fatores
domésticos e fatores externos na mudança, já que a abertura comercial pode ser explicada
tanto pelo interesse nacional, associado ao esgotamento da substituição de importações,
quanto pela pressão comercial. Para avaliar a importância relativa desses fatores no
processo de abertura comercial, é necessário compará-la com uma outra situação, na qual
eles também estejam envolvidos. A situação de referência para essa comparação é a
manutenção do pagamento da dívida externa. Conforme visto anteriormente, o interesse
nacional na crise da dívida era definido pela interrupção do pagamento, porque a
transferência de recursos aos credores era prejudicial à economia brasileira em geral. A
pressão externa era no sentido de que esse pagamento fosse realizado e esta foi a estratégia
dominante, conforme pode ser verificado pela transferência líquida de recursos realizada
pelo Brasil na década de oitenta. Assim, na situação do pagamento do serviço da dívida, a
pressão externa teve um peso importante.
Supondo que só existissem os dois determinantes para a definição de uma política - o
interesse nacional e a pressão externa -, e que se pudesse classificar as políticas em função
do maior peso relativo de um fator em relação ao outro, pode-se dizer que no caso do
pagamento do serviço da dívida, a pressão externa teve mais importância do que o interesse
nacional. No caso da abertura comercial, o peso da pressão externa foi menor, já que a
abertura comercial estava também ligada a interesses nacionais.
82
ABSTRACT
This dissertation intends to discuss the influence of externai pressure on the Brazilian trade
liberalization processo Its first task is therefore to define the conditions under which externai
pressure happens. This work is based on the dependency theory and on the approach of
international politics authors known as "realists". The conditions under which externai
pressure is considered in this paper are related to dependency and power relations, and
externai pressure can be either economic or ideological.
Events such as the decline of the American hegemony, the rise of newly industrialized
countries, the globalization of the international economy, the debt crisis and the neo-liberal
wave, which led to an increase in international conflict during the 1980's are analyzed, as
well as, domestic factors like the economic and ideological vulnerability ofBrazil.
83
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Economics
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pressão externa e abertura comercial no brasil