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III CAPÍTULO – O FUNDO QUE SEMPRE RETORNA É O JOGO QUE NUNCA
TERMINA.
A imagem nada tem a ver com a significação, o sentido, tal
como a existência do mundo, o esforço da verdade, a lei e a
claridade do dia implicam. A imagem de um objeto não
somente não é o sentido desse objeto e não ajuda a sua
compreensão, mas tende a subtraí-lo na medida em que o
mantém na imobilidade de uma semelhança que nada tem
com que se assemelhar. – Maurice Blanchot.
Patrícia Laus – Natureza violentada V- negativo fotográfico da pintura – 2006.
Um jogo que não cessa de retornar. Quando a série de seis telas parecia ter sido concluída,
o pensamento plástico voltou a escorregar para um outro meio, dando origem a uma nova série de
experimentações pictóricas. Nelas, a evidência da violência e da morte como excesso que animam a
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vida, emerge e retorna como questão, permitindo uma interlocução mais próxima com Georges
Bataille, particularmente através de suas reflexões sobre o sentido de um humano sempre habitado
pelo seu negativo, o animal. Este mesmo autor permite pensar as dicotomias inerentes ao ser e a
questionar o ideal de imagem como uma construção sólida, na qual se agregam valores positivos.
Partindo da imagem de um corpo supliciado aberto em chagas, o filósofo propõe que esta é a
condição de toda imagem, a de ser um corpo aberto, e remete ao fato de que para ver o olho precisa
atender a exigência do visível, ou seja, fissurar, fender, rasgar, produzir a abertura atordoante e
enlouquecedora do visível, para daí sangrar por dentro, de modo a deslumbrar e ser pelo mundo
visto e deslumbrado.
1 – A natureza violentada: um ciclo de experimentações e seu destino plástico.
Durante minha produção em ateliê, senti a necessidade de expandir o campo da minha
pintura, arrancá-la do suporte tradicional para expandí-la, matando-a como tela para fazê-la
reencarnar de modo diferente. Assim, realizei uma série de experimentações ao ar livre onde tomei
por suporte folhas, árvores, pinhas e plantas. Procedi do mesmo modo como se estivesse pintando
uma tela, aplicando base branca nos objetos para em seguida justapor as camadas de tinta em suas
superfícies. Depois, busquei em cada objeto seu correlativo cromático em negativo.
Patrícia Laus – serie de fotografias que retratam o processo de pintura do projeto natureza violentada – 2006.
A reflexão sobre este processo me fez entender que, mais do que modificar o objeto
cromaticamente, em cada pincelada eu o estava matando não só fisicamente, na medida em que a
tinta viria a matar literalmente a planta depois de alguns dias, mas modificando seu estado
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enquanto planta e entregando-lhe uma outra existência. O subterfúgio obtido com o registro das
imagens em negativo fotográfico acentuava o caráter de morte presente em cada pincelada. Pelo
negativo fotográfico obtive um objeto e um mundo estranhos, invertidos, desordenados por um
perpétuo e arrebatado trabalho de inversão – corporal, plástica, semiótica – um objeto e um mundo
que morrem juntos para nascer de outro modo.
Patrícia Laus – Natureza violentada II –
negativo fotográfico da pintura – 2006
Patrícia Laus – Natureza violentada VI – negativo
fotográfico da pintura – 2006.
A fatura como o percurso onde o fazer vai se constituindo, deslindava-me um mundo de
paradoxos: milagre e violência, carícia e sacrifício. Por um lado, o delicado trabalho do pincel ao
adentrar por cada veio, por cada entranha, por cada fissura da planta produzia um rasgão, como se
cada pincelada reproduzisse o efeito de abrir e sacrificar aquela vida. Por outro lado, aquilo que
parecia se constituir como um sacrifício não apenas físico, também possibilitava a passagem de um
estado a outro completamente diferente. Neste trânsito, a violência desmontava como motor,
configurando a dissolução relativa do ser ou do objeto numa ação que se faz pela negação, pela
destruição ou, ao menos, pela transformação. Daí o milagre.
A tinta acrílica aplicada sobre a planta mata e opera uma espécie de abertura que possibilita
a passagem entre os diferentes modos de existir deste objeto morto-vivo. Mas é na fotografia
também que obtemos não apenas uma espécie de morte, mas o registro de uma ressurreição. Ali nas
lentes está a solução milagrosa obtida através da inversão cromática num jogo onde mato e devolvo
a vida num ato ardiloso. Nestas fotografias algo inelutavelmente nos escapa pela morte, ao passo
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que retorna à vida diante dos olhos como uma obra do delírio. Eis porque a série de
experimentações me permite reconhecer questões relativas às tensões irresolutas do ser. Encontro
nestas imagens o reflexo de uma tensão primordial, inerente ao humano. São imagens que parecem
refazer algo relacionado à complexa relação que o homem estabeleceu com a morte. Imagens que
existem e que vivem exatamente por figurar a morte e, por isso, imagens que falam do ser
angustiado que somos em nossa condição de seres tencionados entre a vida e a morte.
Patrícia Laus – Natureza violentada VI
negativo fotográfico da pintura – 200
Patrícia Laus – Natureza violentada X
negativo fotográfico da pintura – 2006. 6
2 – A violência: nascemos com ela, morremos com ela.
A consciência da morte cria o humano. A relação que o animal homem estabeleceu com a
morte foi preponderante na sua formação enquanto ser racional. Para Bataille, o sentido da
humanidade, ou seja, do homem propriamente dito, este que denominamos como nosso semelhante
e que remonta ao Paleolítico Superior, foi determinado pelos movimentos da morte. A morte
impera sobre os sentidos humanos e é impossível refletir sobre o ser independente dessa verdade.1
Foi talvez diante da morte, dirá ainda Fustel de Coulanges2, que o homem teve, pela primeira vez, a
idéia do sobrenatural e quis espiar para além do que via. A morte foi o primeiro mistério; coloca o
homem na pista dos outros mistérios. Ela elevou seu pensamento do visível ao invisível, do
transitório ao eterno, do humano ao divino. O ser humano foi o único ser vivo a perguntar-se o que
1
BATAILLE, Georges, O Erotismo, Arx,São Paulo,2004.p 21.
apud DEBRAY,Régis,Vida e Morte da Imagem:Uma história do olhar no Ocidente,
Vozes,Petrópolis.1994,pg.29.
2
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fazer da morte e, mais agudamente: o que a morte fará de mim? Por não ter respostas a estas
perguntas, coube ao homem proteger-se do desconhecido e do terror que ela representava. O uso da
sepultura é a testemunha primordial de uma atitude cujo fim era a proteção através de interdições
contra a violência e a morte, já que o morto representava uma ameaça: o morto é um perigo para
aqueles que ficam: eles devem enterrá-lo menos para protegê-lo e mais para se protegerem do
contágio.3 O uso da sepultura marca também uma diferença essencial entre o cadáver do homem e
outros objetos. Hoje, essa diferença ainda caracteriza um ser humano em relação ao animal. Entre
os primatas, a mãe chipanzé abandona sua cria ao perceber que esta já não tem mais vida.
Abandona-o como se fosse uma coisa a mais entre outras coisas; esquece-o rapidamente. Já entre
nós, dirá Debray4, um cadáver humano não se trata dessa maneira. Já não é um ser vivo, mas
também não é uma coisa5, justamente porque nos ameaça e nos entrega à angústia. O que
chamamos de morte é, em primeiro lugar, a consciência que temos dela. Percebemos a passagem
do estado do ser vivo para o cadáver, quer dizer, para o objeto angustiante que é para o homem o
cadáver de um outro homem.6 Neste ínterim, a morte caracteriza a passagem de um estado a outro
completamente diferente, onde a violência é o motor, já que ela supõe a dissolução relativa do ser
ou do objeto. Ao mesmo tempo, tal dissolução caracteriza uma espécie de abertura dos corpos pela
qual o ser é dado à transformação, à transcendência e, num átimo, ao desaparecimento.
Quanto mais racionais e civilizados nos tornamos, mais nos afastamos da morte.
Aprendemos a criar subterfúgios para maquilar o que nos causa pavor; aperfeiçoamos os
mecanismos que nos afastam do desconhecido; ascendemos as luzes para que nossa razão não se
perca facilmente no breu. Cremamos nossos mortos não para entregá-los ao vento, às águas ou à
natureza, mas sim para não termos deles nenhum sinal, nada que nos ameace a calma ordenação na
qual optamos viver. Fizemos da morte um espetáculo que se encena só, no leito de um hospital, já
que não é mais preciso retirar a mácula que costumava acompanhar os corpos; nos basta apenas
3
BATAILLE, Georges, O Erotismo, Arx,São Paulo,2004.p.73
DEBRAY, Régis, Vida e Morte da Imagem:Uma história do olhar no Ocidente,
Vozes,Petrópolis.1994,pg29.
5
Ibdem.,p.29.
6
BATAILLE, Georges, O Erotismo, Arx,São Paulo,2004.p.64.
4
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esquecer deles. Em contrapartida, esconder a morte, dirá Debray7, é perder de vista o insustentável,
é embotar nosso sexto sentido do invisível e, por efeito indireto, os outros cinco. Negar a morte é
ainda negar um movimento que anima todos os seres vivos.
Para Bataille, o fracasso de todo o projeto humano está aí. Negar a violência e,
concomitantemente, a morte é negar o próprio sentido de vida e humanidade. É até possível negar a
morte do outro escondendo os seus vestígios. Impossível, para Bataille, é negar os próprios
movimentos de violência e de morte que nos constituem enquanto seres vivos. O filósofo dirá que
existe uma vida interior em cada ser, dos mais ínfimos aos mais complexos, e que esta vida interior
só vive porque engendrada pela violência da morte. Para entendê-la é preciso primeiro
compreender o conceito Batailleano que expõe o ser humano como um ser descontínuo. E é isto
que faremos agora.
O posicionamento do homem enquanto ser no mundo implicou a passagem de um estado a
outro, implicou uma violência. Foi preciso uma perturbação fundamental para que suas formas de
percepção – que o aproximavam do animal – adquirissem um outro caráter, fazendo-o migrar de
um modo de ser contínuo a um modo de ser descontínuo8. Segundo Bataille (2004), o homem
primitivo possuía uma existência contínua, ou seja, indistinta dos demais seres e objetos. Vivia na
animalidade que é o imediatismo ou a imanência9, essência que se faz ver na relação do animal
com seu meio, precisamente na situação dada quando um animal come outro. O que é dado,
quando um animal come outro, é sempre o semelhante daquele que come: é nesse sentido que falo
de imanência10. Semelhante porque o animal que come não distingue o animal comido de si mesmo
e do meio em que vive.
A distinção pede uma posição do objeto como tal, não havendo diferença apreensível se o
objeto não for colocado. Para o primeiro animal – o que come – o segundo – o que é comido – não
é visto como um objeto, muito menos como um sujeito, ele simplesmente não é visto e, neste
7
DEBRAY,Régis,Vida e Morte da Imagem:Uma história do olhar no Ocidente,
Vozes,Petrópolis.1994,pg.36.
8
BATAILLE, Georges, Teoria da Religião, Atica, São Paulo,1993.
9
Ibdem.p.19.
10
BATAILLE, Georges. Teoria da Religião, Atica, São Paulo,1993.pg.19.
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sentido, não há transcendência possível entre um e outro. Ambos pertencem ao mesmo meio e não
se distinguem simultaneamente porque não se percebem simultaneamente, nem como seres, nem
como objetos; estão, nas palavras de Bataille, como a água no interior da água. Para que o homem
emergisse das águas da imanência, abandonando a existência contínua a qual pertencia, foi preciso
que os meandros da morte operassem uma primeira ruptura, uma fenda sutil na sua percepção, mas
suficiente para que o mundo circundante do qual ele participava viesse a se tornar uma abundância
de seres e objetos subordinados à sua vontade e do qual, a partir de então, ele passa a não mais
participar como antes.
O trabalho ascendeu talvez a primeira centelha mordaz no homem primitivo. E isto vem de
encontro com o que expúnhamos, até então, sobre uma espécie de trabalho que afastava o homem
da violência e da morte. Teremos daqui por diante duas visões sobre o trabalho, uma criada em prol
da racionalidade humana e outra associada à violência primordial. A capacidade adquirida pelo
homem de fabricar ferramentas e utensílios, dando a tais objetos um fim útil, imprimiu no espírito
humano toda a potencialidade que a morte encerra em cada ínfimo movimento. Trata-se, antes de
mais nada, da capacidade adquirida pelo homem de modificar o estado dos seres e dos objetos
contínuos, em outras palavras, da capacidade que o homem adquire de matar existencialmente um
determinado ser ou objeto dando a ele uma outra existência, um outro significado, um outro fim,
que em momento algum é seu fim verdadeiro. Associada à necessidade utilitária, há um quê de
crueldade nas ações ainda animalescas deste ser a meio caminho da racionalidade. Por menor que
pareça, existe uma diferença entre o galho de árvore utilizado pelo primata como arma para
defender-se e a pedra polida de modo cortante utilizada como arma pelo homem. Para o primata,
aquele galho sempre permanecerá um galho, enquanto a pedra polida, ou seja, trabalhada pelo
homem já não é mais uma pedra, é uma arma fabricada com uma finalidade e depois será outra
coisa.
Há aqui uma ação que se faz pela negação, pela destruição ou, ao menos, pela
transformação do objeto colocado. Em outras palavras, o ato de colocar o objeto, ou seja, arrancálo da imanência atribuindo-lhe um fim – no caso, polir uma pedra até torná-la uma arma – é uma
ação negadora que tem a morte como fundamento. Cada ínfima posição efetuada pelo homem
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implica uma espécie de morte existencial: a planta morre, enquanto planta, para ser colocada como
um pedaço de madeira; a madeira morre, enquanto tal, para ser colocada como um instrumento
com uma determinada finalidade; a pedra morre, enquanto pedra, ao ser polida e transformada em
um instrumento cortante utilizado como arma; e daí, infinitas mortes se operam.
Mais do que posicionar-se no mundo de forma distinta, recusando-se a ver-se como um
objeto ou uma coisa, o homem distingue-se destes por possuir nas mãos a dupla capacidade de
matá-los – imergir-lhes no plano do mistério – e de modificá-los existencialmente – de arrancá-los
da imanência a qual pertenciam, enquanto seres contínuos, e subordiná-los a seu domínio. Bataille
(1993) dirá que o objeto elaborado é a forma nascente do não-eu, rigorosamente estrangeiro ao
sujeito, na medida em que é visto como sua propriedade. Por outro lado, o homem não opera
simplesmente a morte, mas também é dela sua vitima, na medida em que subordinar não é apenas
modificar o elemento subordinado, mas modificar a si mesmo.11 Alienado no mundo das coisas que
ele próprio criou, não se dá conta que o instrumento muda ao mesmo tempo a natureza e a ele
próprio (...) se ele põe o mundo sob seu poder, é na medida em que esquece que ele próprio é o
mundo: ao negar o mundo é ele mesmo que é negado12 .
Portanto, o homem primitivo vivia em um plano contínuo, sua existência era, antes de mais
nada, um prolongamento do mundo no qual habitava. Foi preciso que sutilezas mortais operassem a
ruptura que o transportou de um modo de ser contínuo a um modo de ser descontínuo, ou seja,
distinto dos demais seres e objetos. No homem, não apenas a consciência da morte – de ser mortal
– mas também a consciência de sua capacidade de operar com a morte – no sentido de submeter à
natureza a seu domínio – trouxe, embutida em suas tramas, a consciência de uma descontinuidade.
Em outras palavras, a consciência da morte isolou o ser. Somos todos seres descontínuos13, isto é,
somos sós – nascemos sós, morremos sós. Mesmo que nossa existência interesse a outro ser, tudo o
que se passa na nossa existência afeta diretamente a nós mesmos. Se vocês morrem, não sou eu
quem morro, diz Bataille (2004), morremos sós. Somos seres descontínuos e entre eu e você há um
abismo, uma descontinuidade. Esse abismo é profundo, não vejo o meio de suprimi-lo. Só podemos
11
Ibdem, pg. 36.
BATAILLE, Georges. Teoria da Religião, Atica, São Paulo,1993.pg.36.
13
Ibdem, pg. 21.22.
12
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sentir em comum a vertigem desse abismo. Ele pode nos fascinar. Esse abismo, em um sentido, é a
morte, e a morte é vertiginosa, fascinante.14
Parte da vertigem que nos causa a morte se deve à qualidade peculiar que ela tem de nos
arrancar do modo de ser contínuo, trazendo-nos a consciência da descontinuidade e,
paradoxalmente, a de possuir ela o sentido da continuidade do ser. Este pensamento se define com
mais clareza quando Bataille o expõe sob a ótica da reprodução e do erotismo15. Para o filósofo, a
reprodução leva à descontinuidade dos seres. Seja ela sexuada ou assexuada,16a reprodução
envolve a morte ou a transformação de dois seres descontínuos ao gerarem um terceiro ser
descontinuo – a longo ou curto prazo, a reprodução exige a morte daqueles que engendram. A
morte de um, dirá Bataille (2004), é o correlativo do nascimento do outro, que ela anuncia e do
qual ela é condição17. Mas, segundo o próprio (2004), a passagem de um ser a outro implica um
instante de continuidade entre os dois. Exatamente no ponto em que um torna-se dois,
conseqüentemente uma continuidade se estabelece entre eles para formar um novo ser, a partir da
morte, do desaparecimento de seres separados – descontínuos. Em suas palavras: o primeiro morre,
mas em sua morte aparece um instante fundamental de continuidade de dois seres.18
Estes dados que a princípio parecem insignificantes estão, segundo Bataille, na base de
todas as formas de vida e são eles que conferem a existência interior19 em todos os seres, dos
maiores aos menores, dos mais complexos aos mais simples. Na base, há passagem do contínuo ao
descontínuo ou do descontínuo ao contínuo. Na base, há ainda um sentido profundo de morte
presente na constituição do ser humano. Os aspectos da vida interior do homem estão repletos de
uma violência que o funda e que o mantém em movimento. Sem essa violência essencial não
haveria a violação do ser constituído – que se constituiu na descontinuidade – e, neste sentido, não
14
Ibdem, pg. 22.
Assunto que ocupou parte de sua vida e que aparece em praticamente em todos os seus ensaios literários.
16
Ambas as formas de reprodução, na base colocam em jogo a divisão das células funcionais. O
Erotismo.pg.24.
17
Neste sentido a vida é sempre um produto da decomposição da vida (BATAILLE,85:2004).
18
Ibdem. pg.23.
19
BATAILLE, Georges, O Erotismo, Arx,São Paulo,2004.
15
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haveria também a passagem de um estado a outro essencialmente distinto. Sem violência, a vida
pára – nos tornamos coisas, objetos inertes, imutáveis.
A importância da violência neste processo é que ela se opõe ao estado fechado, ou seja, ao
estado de existência descontínua. Ela dá abertura a um estado de comunicação que revela a busca
de uma continuidade além do ser fechado em si. O ser se abre para a continuidade através da
violência. No desejo humano de durar – continuar - o que está sempre em questão é a substituição
do isolamento do ser, a substituição de sua descontinuidade, por um sentimento de continuidade
profunda. Ou seja, o desejo por durar se caracteriza pelo desejo de retorno a uma continuidade que
religa o homem ao ser através de uma violação limítrofe – supressão dos limites – ao limiar da
morte. Em outras palavras, a duração do ser, ou seja, sua existência e, portanto, sua vida, se dá nos
limites da morte. Morte que o homem tanto nega por nela não visualizar nada além de destruição,
desordem e aniquilamento. Tensão irresoluta. Paradoxos da existência.
Neste Dédalo entre morte, vida e violência, o homem se funda enquanto ser tencionado.
Em geral, ele recusa compreender a agitação peculiar que o anima, recusa ainda aceitar que o
movimento de prodigalidade da vida depende das ações da morte ou do que Bataille (2004)
chamou de “luxo do aniquilamento”, na medida em que a morte sozinha assegura um constante
reflorescimento, sem o qual a vida declinaria.20 Há um excesso que ilumina este movimento e que
se apresenta como uma verdade mais eminente que a vida21. Este excesso é a morte. Apesar disso,
o homem em geral nega à morte o seu caráter pródigo. Para ele, a vida em si é a negação da morte.
Em princípio, ela é o contrário de uma função cujo nascimento é o fim; é sua negação, sua
exclusão. Essa reação é ainda mais forte na espécie humana, cujo horror está ligado ao
aniquilamento e à podridão do corpo que se decompõe. O homem suporta mal a situação que o
sujeita à individualidade perecível que é, assim como suporta mal o sentido íntimo da violência que
compõe sua essência e que se revela na morte. É preciso muita força para perceber a íntima ligação
entre a promessa da vida e o aspecto luxuoso da morte e, mais ainda, para aceitar a violência que
nos anima.
20
21
Ibdem,pg. 92.
Ibdem,pg. 32.
69
Daí a tensão que fende a existência humana. Aberto, o homem se dá como um entremeio,
como um espaço suspenso à espera de ser ocupado por sentimentos de ordem contrária,
consentindo o desenvolvimento de um e de outro. Toda potência da angústia se encontra no
movimento de deslize em que o homem transita de um a outro extremo, da vida à morte. Este
trânsito acontece no intervalo composto essencialmente de tensão, o qual Heidegger associa ao
habitat humano. Habitat que não diz respeito exclusivamente ao espaço físico que se encontra entre
o céu e a terra, mas acima de tudo ao lugar da nossa própria humanidade. Neste complexo trajeto
percorrido entre a animalidade e a humanidade, o espírito humano se fixou de maneira sistemática
sob a oposição de modalidades inconciliáveis entre as quais a vida se dilacera, se fende e se abre à
uma angústia incurável. Fruto da tensão violenta da qual procura se afastar, ao passo que dela
necessita como fundamento de seu ser. Ambíguo por natureza, habitado por tensões e constantes
movimentos que nele circulam fazendo chocar razão e violência, forjando assim suas relações com
o meio, com o outro, consigo mesmo e com todo o resto. Não importa que nomes lhes dêem ou que
sentido lhes confiram, o homem sangra por dentro.
Emil Michel Cioran22 dirá : devemos a quase totalidade das nossas descobertas às nossas
violências, à exacerbação do nosso desequilíbrio. Bataille (2004) nos dirá que a tensão própria do
homem provocou a entrada de uma violência desvairada nas engrenagens do mundo humano
organizado pela razão baseada no trabalho. Tal violência, precedida pela angústia, deixa de ser uma
violência puramente animal, para assumir além de uma satisfação imediata, um sentido divino, ou
seja, esta violência tornou-se desde cedo religiosa e, no mesmo movimento, ganhou um sentido
humano. Ou seja, a descoberta da nossa humanidade, da nossa racionalidade e, conseqüentemente,
da religião e da arte tem por base tal desequilíbrio; todos fazem parte de um mesmo drama
histórico cujas cenas principais são a depreciação do mundo e da carne. O horror à carne que se
corrompe, aos órgãos que se depreciam e se decompõem em graxas pestilentas, evidenciando a
morte, estão diretamente relacionadas à nossa identidade humana.
22 Pesquisado em: http://www.citador.pt/pensar.php / Filósofo e escritor romeno radicado na França, Emil
Cioran (1911-1995) estudou Emmanuel Kant, Arthur Schopenhauer, e principalmente Friedrich Nietzsche.
Tornou-se um agnóstico, tomando por axioma A inconveniência da existência. Também foi influenciado
pelas obras de Georg Simmel, Ludwig Klages e Martin Heidegger. Na base de seu pensamento a crença na
arbitrariedade da vida e o tema da morte.
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3- O supliciado chinês: dilaceramento e descontinuidade.
Nenhuma outra imagem representou tanto as tensões inerentes ao humano quanto as
fotografias de um suplício para Georges Bataille. Obcecado pelo corpo de um jovem dilacerado,
aberto, cujas talhas deixavam entrever o coração pulsando e os demais órgãos aos poucos
esmorecendo, enquanto o rosto resplandecia uma expressão inabalável. Fou Tchou Li, parece
sereno, concentrado, imperturbável. A despeito de tudo, seu rosto conserva uma expressão bizarra,
desafiadora, como se não fizesse parte da cena: um rosto fora de cena, de lugar, de sentido. Na
mais contraditória das imagens, a jovem vítima parece não sentir o que sente, um sujeito que não
se coaduna com o corpo23.
Georges Dunas – Série de fotografias do Supliciado Chinês – 1905.
23
BORGES, Augusto Contador, Georges Bataille: Imagens do Êxtase in revista Agulha, S.P. 2001.ops sit
www.revista.agulha.nom.br/ag9bataille.htm
71
Bataille o tomou como guia. Tal imagem o intrigara ao observar que, por piores que
fossem o meticuloso trabalho do carrasco e as dores da vítima, o que se via em seus olhos era uma
expressão de êxtase. Esta tensão teve um papel decisivo na sua vida e na sua obra, dados os temas
que desenvolveu como o erotismo, o riso, a morte, o êxtase, o impossível, todos de alguma forma
presentes na imagem do suplício. No corpo do jovem chinês talvez se encontre o aspecto da morte
que afete crua e diretamente o homem com maior pungência, aquele cuja violência sem medida
deixa entrever a aparência intolerável das carnes corrompidas. Mas também sobressai nestas
imagens o teor de sacrifício que afeta de algum modo toda a existência. Em ambos os casos, a
morte é regente a conduzir o espetáculo da vida e animar as tensões que lhe são inerentes. Diante
de um cadáver humano que se decompõem nos vemos prostrados à frente de nós mesmos, ou
melhor, do que seremos. Para cada um dos que ele fascina, o cadáver é a imagem do seu destino24.
A angústia que nos consome frente a imagens de um cadáver é em parte a humilhação que sentimos
ao vermos que no fim não somos mais do que líquidos fétidos, oriundos da purulência e da
fermentação luxuosa entre a morte e a vida – eis o caráter desconcertante em que a vida se liga à
morte: o ser é o excesso do ser e o excesso está fora da razão – e, em parte, se deve à intuição de
um vazio misterioso contra o qual nenhuma atitude humana sairá vitoriosa. A face aterradora de um
corpo em decomposição abre um vazio no interior do qual a morte introduz o mistério e a ausência;
campos do obscuro onde tateamos feito cegos em um breu que nos rouba todas as certezas e onde
cada apalpar se configura na constatação de uma falta.
Nossa cultura com muita freqüência associa a morte à privação da luz. Para nós, que somos
seres formados sob os signos da racionalidade, na obscuridade reside também a falta de razão, o
não saber, o desconhecido, o estranho. É neste ponto, em que a morte opera no limiar da
inteligibilidade sem nos oferecer nenhuma possibilidade de reconhecer ou classificar o que habita a
escuridão, que o homem se vê entregue aos poderes cruéis da imaginação, para daí surpreender-se
com sua própria perversidade. Nessa negritude em que os insuspeitados pavores que nos habitam
dão asas a uma imaginação que, num ápice, constrói mil formas para um perigo, é aí que o sujeito
confronta e algumas vezes se defronta com sublimes imagens da morte, numa espécie de fusão, a
24
BATAILLE, Georges. O Erotismo, Arx,São Paulo,2004.pg.69.
72
medo, com o nada.25 A escuridão é pavorosa porque nela, não podendo mover-se, nem perceber,
nem emitir, nem receber, o espírito se despoja de todas as faculdades de agir e pensar – como se
estivesse morto, como se tornasse nada. Este é o sentido do que Bataille chamou de Experiência
Interior. O que caracteriza esta experiência pura é a falta de resposta, ou seja, a escuridão. Ela não
procede de nenhuma revelação – iluminação – nela nada, tampouco, se revela a não ser o
desconhecido.
Trata-se, portanto, de uma experiência peculiar análoga à descida na noite da existência
que comporta o não saber; a súplica infinita da ignorância; o esquecimento de tudo; o não querer
ser; a angústia. Ela pede uma renúncia: cessar de querer ser tudo. Nela, o essencial é a perda de si
até na morte. Esta experiência não traz nada de apaziguante, não dá consolo, ao contrário, ela
excede, ela expõe, ela desnuda e deixa entrever a angústia de um ser que quis ser tudo pelo saber –
luz – mas descobre irremediavelmente que não é nada, na medida em que o não-saber furta-lhe o
sentido das coisas e de seu próprio ser – ele é escuridão. Ele é também silêncio terrível, vazio e
sem promessa. O silêncio é a profunda noite secreta do mundo26.
A Experiência Interior é justamente o jogo múltiplo das forças que submetem o homem e
anulam seu saber. Só através de uma íntima cessação de toda operação intelectual que o espírito se
expõe à única verdade do homem, que é ser uma súplica sem resposta.27 Não entender era tão vasto
que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não-entender não tinha
fronteiras e levava ao infinito, ao Deus28. Neste sentido, a noite é para o filósofo o lugar do ser; é o
abismo em que o sujeito, perdendo o significado, mergulha no desconhecido. O coração tem que se
apresentar diante do Nada sozinho e sozinho bater em silêncio de uma taquicardia nas trevas29.
Será este o coração que vemos bater até se extenuar entre as chagas abertas do supliciado chinês?
Um coração entregue ao nada num corpo aberto cujo caráter noturno representa a dissolução da
fronteira espaço-temporal que separa o exterior do interior. O sujeito está, em toda parte e em
25
FRADE, Pedro Miguel, Obscuridades e Paixões, Paixões do Obscuro in As “Paixões”. Revista de
Comunicação e Linguagens, Lisboa: Ed Afrontamento, pg.47.1987.
26
LISPECTOR, Clarice, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. Ed Rocco, RJ. 1998. pg 36.
27
BATAILLE, Georges. A Experiência Interior. São Paulo. Ed Ática.1992.pg 21.
28
LISPECTOR, Clarice. Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. Ed Rocco, RJ. 1998. pg 43.
29
Ibdem.p.38.
73
nenhuma, flutuando no vazio. Na noite do não-saber, o sujeito é suprimido – etapa culminante do
êxtase. Contemplando a noite, diz Bataille, não vejo nada, não sinto, não amo. Permaneço imóvel,
congelado, absorvido por ela. É uma paisagem de terror sublime, uma visão indefinida do
excesso.30 É a paisagem de Fou Tchou Li. A noite representa a forma avassaladora do aberto. Foi
talvez diante do cadáver aberto em chagas que a vidência obscura ou cegueira lúcida revelou ao
olhar suprimido – a seu vazio, portanto – o nada; inexorável abismo do homem: na noite só há a
noite. Mas nela também secretamos tentativas de ultrapassagem: cada um tira das coisas a parte do
desconhecido que ele tem a coragem de suportar sem desvanecer ( ... ) mas só suportamos cada
vez o desconhecido à condição de que, nele, o muito conhecido e o mais apreensível para nós,
tranqüilize-nos 31.
4 - A arte como filha da noite.
No escuro – onde o olhar não penetra e o pensar apenas encontra dúbios e informes apoios
– nosso sentido de proteção diminui consideravelmente. Lá, o objeto de pavor adquire dimensões
gigantescas. Este objeto é capaz de excitar a imaginação a ponto de antecipar o sofrimento, a dor
ou os perigos de morte antes mesmo que eles aconteçam. Miguel Frade escreve: Um objeto de
terror sê-lo-á pelo caráter excessivo dos perigos a que ele poderá concebivelmente expor-nos.
Cedo o homem intuiu que ver é prever; que poder ver é poder tranqüilizar-se. Quando nós
conhecemos toda a extensão de um perigo, quando os olhos podem acostumar-se a ele, uma
grande parte de medo se dissipa. Desta necessidade de dissipar o medo surge a arte como uma
faísca, um lampejo, um clarão. A arte nasce sob o aguilhão da morte, dirá Debray; surge do
impulso de tornar visível o invisível, de figurar o inominável. Nada melhor para dominar o
invisível do que criar dele uma imagem. Aos olhos dos nossos antepassados longínquos, o escuro, o
invisível, o sobrenatural, era o lugar do poder. Havia, portanto, todo interesse de conciliar-se com o
30
31[
Augusto Contador Borges, 2001.
BATAILLE, Georges. A Experiência Interior. São Paulo. Ed Ática.1992.pg.205
74
invisível, visualizando-o para, através da imagem, garantir uma defesa contra o desconhecido,
contra a inevitabilidade da morte. Pela imagem, o vivo apreende o morto, os demônios e a
corrupção das carnes. A arte nasce, portanto, do “escuro”, com a função quase divina de iluminarlhe.
Mas algo neste plano humano de proteção – iluminação – pela imagem saiu errado. Com
Debray encontramos a afirmação de que a função arcaica da imagem foi a de garantir a
sobrevivência do morto através de seu duplo. À imagem foi reservado o poder de abrigar a alma
daquele que jaz entregue à putrefação. Para o homem primitivo, há realmente transferência de
alma entre o representado e a sua representação32. Para ele, a imagem não é uma metáfora, mas
uma metonímia real, um prolongamento sublimado, mas ainda físico, de sua carne. Portanto, topar
com uma imagem ou um ídolo significa tê-lo em pessoa a sua frente; não há aqui separação entre
objeto de terror e representação terrifica. Aqui o duplo - imagem - assusta tanto quanto o original o morto. Protejo-me da morte do outro e da minha própria morte por um desdobramento, mas não
tenho certeza de conseguir desligar-me do duplo, escreve Debray. Neste sentido, a imagem, ao
contrário de apaziguar o horror da morte – a escuridão – se converte para alguns numa paixão do
terror, num sobressalto que aumenta a força das paixões do obscuro e a potência indeterminada da
escuridão, trazendo a tona uma emoção irreprimível, uma paixão avassaladora do espanto.
A imagem torna-se ofuscante, arrebatadora. Sua luz, que deveria apaziguar os temores da
escuridão, torna-se tão intensa que acaba por cegar os olhos daqueles que ousam mirar-lhe
diretamente. Longe de garantir a visibilidade, a luz produz uma espécie de opacidade excessiva, um
cegamento que devolve o olhar às incertezas, mergulhando-o em um breu luminoso. Nessa
espessura impeditiva que o ofuscamento contrapõe majestosamente ao exercício do olhar: a fonte
luminosa é por excelência aquilo que obriga a desviar os olhos.33 Se diante de um cadáver –
imagem da morte, metáfora de escuridão – o homem desvia os olhos em busca de luz, ao encontrála, esta luz opera um deslumbramento que, de igual modo, ofusca e cega, devolvendo os olhos à
32
DEBRAY,Régis. Vida e Morte da Imagem:Uma história do olhar no Ocidente, Vozes,Petrópolis.1994
pg.26.
33
FRADE, Pedro Miguel. Obscuridades e Paixões, Paixões do Obscuro in As Paixões. Revista de
Comunicação e Linguagens, Lisboa: Ed Afrontamento, 1987.pg 80.
75
escuridão. As coisas que à noite trazem as almas, a luz também oferece tornando-se mais uma
parcela do horror, uma outra forma de obscuridade com o seu caso extremo: o excesso de luz.
Antítese suprema onde ver é igual a ver a noite, ou seja, é deslumbrar-se, porque a noite
deslumbra, diz Bataille, e enquanto tal a noite iguala-se ao sol. Do que se trata, portanto, mais
precisamente, neste sol? Compreende-se que é o sol mais negativo, se assim se pode dizer, no
sentido em que está o mais longe possível do lugar que habitualmente ocupa no campo do
idealismo, desde Platão; e que é ao mesmo tempo o sol mais real, porque é o sol enquanto que
olhado, fixado diretamente. É portanto um sol da crise, da retina queimada, um sol combustão –
preto portanto -, um sol da loucura e para além disso, porque constitui o informe por excelência, é
finalmente um sol da abjeção, do sangue e do excremento [...] É assim que, pelo jogo de uma
circularidade tão imperiosa quanto paradoxal (ver...a noite...deslumbrante...de um sol...de dejeto
e da crise), é assim que a visão se advém igualmente ao ato extremo, o mais dilacerante, o mais
tonitruante da abertura das bocas: é o grito de horror ou de medo.
34
A exigência de ver volta-se
não apenas para a exigência de deslumbrar e de ser deslumbrado, mas também para a abertura da
imagem e da visão: abertura para uma dimensão outra, invocadora, penetrante, disforme, a
abertura atordoadora ou enlouquecedora do visível35. Associar a morte à privação de luz, à noite,
portanto, e ainda falar de imagens que são como a noite, ou seja, imagens da desrazão, imagens
terríveis não só porque assustadoras, mas incompreensíveis como a morte, é tangenciar o nada.
A arte surge, concomitantemente, à racionalidade humana, ou seja, ao homem. Mas surge
sob uma tensão primordial: o medo da morte e do nada. Debray (1994), ao se perguntar sobre o
motivo que levou o homem a produzir suas primeiras imagens, lança a questão: por que motivo há
imagens em vez de nada? E ele mesmo responde, ao afirmar que a imagem nasce tumular, sob o
aguilhão da morte, nasce como uma preocupação bem prática de sobreviver, ou seja, da
necessidade do homem em recusar o nada para assim prolongar a vida. Mas tal recusa não significa
ruptura, ela anuncia, ao contrário, um acordo mais profundo. Perseguindo uma compreensão
semelhante, Blanchot lembra que uma das funções da imagem é a de apaziguar e humanizar o
34
DID-HUBERMAN, Georges. A Paixão do Visível Segundo Georges Bataille. In As Paixões. Revista de
Comunicação e Linguagems. Ed Afrontamento.Porto. 1985.p11.
35
Ibdem.p.11.
76
informe, retirando a obscuridade inapreensível do destino, tendendo para a intimidade como fundo
exterior e sórdido sobre o se qual afirma as coisas através de seu desaparecimento. Assim, o
pensador francês considera que a imagem fala-nos e parece que nos fala intimamente de nós (...)
quer que tudo retorne ao fundo vazio como nada que afirma o inflexível de um reflexo, fazendo-nos
crer na forma sem matéria e na semelhança desencarnada que nos conduz à eternidade
transparente do irreal (...) Íntima é a imagem porque ela faz de nossa intimidade uma potência
exterior a que nos submetemos passivamente: fora de nós, no recuo do mundo que ela provoca,
desgarrada e brilhante, a profundidade de nossas paixões36.
Neste sentido, toda tentativa empreendida pelo homem para suplantar suas paixões, a morte
e o nada, através das imagens, traz, ironicamente, como num espelho, a sua própria face e nela a
morte embutida, além do irreal e o nada. Tentativas frustradas não só porque as paixões dilaceram,
a ilusão é imprescindível e o nada é irredutível, assim como o é a morte a ele associada, mas
porque as próprias imagens trazem e exigem seu teor de paixão, ilusão e uma espécie de morte.
Toda imagem é um convite à ilusão, à paixão e à morte. São todas tentativas frustradas, falsos
consolos aos olhos, miragens que acreditamos apreender por um minuto e, no seguinte, se perdem.
Em outras palavras, nos convidam a penetrar em tudo o que há de misterioso.
Fato é que grande parte da arte contemporânea deixou de problematizar o mundo como
mistério e espanto e de produzir o trânsito das formas. Sobre este aspecto, Jean Baudrillard aponta
o assassinato da ilusão como parte constitutiva da realidade. Esta teria sido substituída pelo
conteúdo documental do espetáculo jornalístico, literário, fílmico e fotográfico, o qual nada mais
faz do que recalcar a condição mais remota e recôndita da imagem, para colocar no seu lugar os
registros políticos, econômicos, sociais, etc. Abrindo mão de ser um acelerador de ilusão e
recusando o pensamento silencioso e hipersensível que opera por contaminação e se precipita como
água próxima da cascata, a imagem fica reduzida à condição de mero vestígio do mundo,
aumentando o efeito anestésico que a recobre. Assim, denunciando o que resolveu chamar de
pornografia das imagens e complô da arte, Baudrillard constata a miséria da imagem superdotada
que se torna orgia do hiper-real, enquanto recusa a potência que advém do desaparecimento dos
36
BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário. R.J. Ed. Rocco, 1987, pág.263.
77
objetos e da descoberta das coisas como aparição. Recuso-me, assim como o pensador francês, a
considerar a arte como mero espelho hiperbólico ou território de imagens desnudadas de segredo,
posto que ignorar o mistério e segredo das aparências serve apenas para recalcar aquilo que se
afirma em sua condição de simulacro37[8]. Ao contrário, meu trabalho plástico supõe que toda
imagem, enquanto ilusão, impõem um além, daí que ela nunca está no ponto onde a apreendo e o
que eu olho não é nunca o que eu quero ver.
São imagens da noite, inapreensíveis, abertas, e ao me perguntar que tipo de olho se dá a
elas, entendo que só pode ser um olho igualmente fendido, furado e aberto. É neste sentido que
mais uma vez volto a Bataille, na medida em que o desejo de ver causa perturbadoras passagens,
deslizes de um estado a outro através da violência deste ato mortal. O ver possibilita a abertura dos
corpos, como uma violação limítrofe – supressão dos limites – ao limiar da morte; experiência
análoga ao sagrado. Daí que ver é a abertura extrema, é sangrar, é sacrificar e violentar o visível; é
fender o próprio rosto daquele que vê. Ver é ver a noite e para ver a noite é preciso violência, é
preciso delírio, é preciso um olho violento e delirante. Um olho fendido. Se esperarmos encontrar
no olho o espelho da alma, encontramos um olho que opera no limite, que se abre e se dá às
transformações e ao transbordamento do olhar. Olhar que coaduna com a essência humana animada
pela morte. Talvez o olhar não seja simplesmente um espelho íntegro, mas seus cacos que
disformes rejeitam o ponto geometral para aceitar a refração de luzes e imagens emaranhadas,
sobrepostas, escorregadias, que nos entregam à ilusão do visível. Esse olho, espelho em cacos, é
talvez nossa mais potente arma pela qual morremos e matamos, nos expomos enquanto morte e
operamos com ela a violar os limites do visível e, num átimo, a matá-lo. Daí a exigência da
experiência do visível em Bataille: é preciso que o olho se transforme em boca para devorar todo o
visto e, em contrapartida, ser por ele devorado. O pintor Francis Bacon parece, com suas pinturas,
ter atendido a tal exigência.
37
BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. Rio de Janeiro,Ed. UFRJ/ N-Imagem,1997
78
5 – Ver: uma experiência de incorporação mortífera.
De olhos furados e de boca aberta. É assim que a babá de O Encouraçado Potemkin, filme
de Sergei Eisenstein, nos olha. Não pelo olho irremediavelmente ferido, mas pela boca escancarada
num grito surdo. Esta boca em desespero, assim como a boca daquela que vê massacrarem seu filho
em O Massacre dosInocentes (1630-1631) de Poussim, e também todos os lindos desenhos
coloridos feitos à mão mostrando a boca aberta e seu interior doente, obcecaram Bacon38.
Sergei Eisenstein – Imagem de O
Encouraçado Potemkin - 1925.
Nicholas Poussin: detalhe de O
massacre dos Inocentes - óleo
sobre tela - 1630/1631.
Em toda sua obra, o que mais se vê são elas, bocas que não nos falam, nem apenas nos
gritam, mas, sobretudo nos olham. Nos olham porque nos devoram. Bacon explorou com
excelência os limites do ser humano. Perturbando os cânones clássicos da representação da figura
humana, a desfigurou interrompendo a incansável sucessão de corpos transfigurados em ascensão
aos céus em busca do divino. Como se fizesse uso de uma corrente invisível, o pintor atou à terra a
existência humana, por vezes, equiparando-a a existência animal. Fez com que o homem assumisse
sua monstruosa e vil humanidade, encontrando sua beleza onde poucos a foram buscar, por detrás
de infindáveis máscaras de sofrimento e orgulho, de angústia do sexo, de solidão e terror da morte,
de decrepitude e de opulência insolente. Seu trabalho revela a existência da besta humana, expõe
todas as tensões de um ser fendido, aberto, sangrando, um ser revirado de dentro pra fora, e
38
SYLVERTER, David. Entrevistas com Francis Bacon, A brutalidade dos Fatos,Ed Cosac & Naify, Itália,
1995.
79
evidencia a pouca diferença existente entre o humano e o animal irracional, tanto na vida – ao levar
a cabo as funções essenciais da existência como o sexo ou a defecação – como na solidão da morte.
Francis Bacon – detalhes de
diferentes obras dispostas de modo a
apresentar a representação do grito no
trabalho do pintor.
Neste jogo representativo de tensões onde o ser é exposto pelo avesso, a ação que persegue
quase todas as figuras de Bacon é o ato mais extremo, o mais dilacerante, o mais tonitruante da
abertura das bocas: o grito. É pela boca, abertura irremediável destas imagens, que se tem a
visibilidade de uma crise provocada por uma espécie de antítese extrema: o desejo do homem de
ser sol, e a angústia de descobrir-se noite39. Um sol platônico, ideal, tradicional; um sol que ilumina
39
DIDI-HUBERMAN, Georges. A Paixão do Visível Segundo Georges Bataille in As Paixões. Lisboa:
Revista de Comunicação e Linguagens: Ed Afrontamento 1987. pg.10-11.
80
a racionalidade humana e dá o seu tom; um sol de valor emblemático de elevação e plenitude e, por
isso, um sol que garante uma suposta segurança baseada na luz da racionalidade contra a violência
e a irracionalidade latentes no ser humano. Um sol ainda que inunda de luz o mundo, tornando-o
visível e nítido ao olho, possibilitando assim sua justa distância e medida, a fim de melhor discernir
os objetos. Em contrapartida, este mesmo sol quando fixado diretamente torna-se o sol da retina
queimada, sol buraco negro, portanto, um sol da crise. Um sol que só ilumina na medida mesmo
em que cega. Este é ainda o sol mais real para Bataille: um sol enquanto noite. Alegoria de um ser
cujo sentido da humanidade não anula a bestialidade, ao contrário, sua condição de ser é dada
enquanto besta.
É exatamente neste valor de reviramento que, para Bataille, reside a condição da existência
humana, a qual Francis Bacon pinta com excelência. Figuras dilaceradas, animalescas, que
ultrapassam qualquer racionalidade e dificultam uma pronta identificação, na medida em que o
humano é apresentado através do seu negativo. Em suas imagens, o ser não passa de um bolo de
carne disforme, restos de uma existência abjeta; um sol negativo da cegueira que do interior de sua
escuridão evidencia sua própria condição: um sol da loucura, do informe por excelência, da
abjeção, do sangue e do excremento.
Francis Bacon – 1952 –
óleo sobre tela - 1952
Francis Bacon – Quadro
central do tríptico Três
estudos para uma
crucificação – óleo sobre
tela – 1962.
Francis Bacon – Quadro
central do tríptico
Crucificação – óleo sobre
tela – 1965.
Francis Bacon –sem titulo –
óleo sobre tela -1949.
As imagens de Bacon poderiam funcionar como uma espécie de enunciado ao que Bataille
considera a experiência do visível. Experiência que exige o deslumbramento, a vibração nervosa, a
81
violência que projeta o ser fora-de-si; experiência ainda que se dá no nó do sofrimento e do prazer;
um sacrifício, enfim.
Toda aposta do trabalho de Bataille está nesta experiência que produz uma espécie de
rasgão; uma fenda que fura o sol e o faz noite. Fenda por onde adentra a destruição de tudo o que é
constituído sobre os alicerces do discurso e da razão. Fenda que destrói a noção clássica de imagem
tida como uma espécie de construção sólida, portadora de todas as certezas do visível, e a torna
ruína porque rasgada e atravessada pelo órgão da visão. O olho que, desde a renascença, é tido em
todo o seu positivismo assume em Bataille seu lado mais negativo – um órgão exposto aos ataques,
um órgão que se injeta de sangue, que se exorbita e que se segura na mão, que se torna objeto (...)
e que não deixa, com efeito, de ser cortado; é um órgão que faz apelo ao grito e, finalmente, é um
órgão que se come40. Deslize metonímico, dirá Didi-Huberman: o olho enquanto órgão da visão é
então ao mesmo tempo compreendido como órgão voraz41. Dentro da “boca do olho” tudo se
desfaz, se desfigura, se transforma, se transfigura para, enfim, ser cuspido como outra coisa. Um
órgão de ver, de comer e beber. Órgão devorado por aquilo mesmo que vê42.
Devorado, deglutido e vomitado: o supliciado Chinês opera este trabalho de reviramento
em Bataille; o devora. Obcecado por ele, Bataille declara: eu o amava de um modo no qual o
instinto sádico não tomava parte: ele me comunicava sua dor, ou antes, o excesso de sua dor, e era
justamente isso que eu buscava, não para me deliciar, mas para arruinar em mim aquilo que se
opõe à ruína43. Ali, naquela formidável arquitetura sangrante, dilacerada, está não só o abismo,
mas também o apogeu da experiência do visível. Porque a ruína daquele corpo denuncia também a
ruína de toda imagem quando o olho opera um trabalho de decomposição, de delírio e ilusão;
quando o olho é olhar e é exatamente neste reviramento que o visível é atingido. Ou seja, através de
uma experiência propriamente derrubadora da realidade visível.
As chagas abertas do jovem supliciado cortado em cem pedaços e ainda vivo trouxeram à
tona em Bataille a noção de que em tudo o que é ruína, resto, abjeto, reside a condição humana.
40
BATAILLE, Georges. História do Olho, São Paulo SP: Cosac Naify, 2003.
DIDI-HUBERMAN, Georges: A Paixão do Visível Segundo Georges Bataille in As “Paixões”. Lisboa:
Revista de Comunicação e Linguagens: Ed Afrontamento 1987.pg12.
42
Ibdem.pg.12.
43
BORGES, Jorge Contador. 2001
41
82
Condição que exige uma visão também dada à ruína. Um olho que destrói e é destruído pelo
visível. Cada uma daquelas chagas exige ser olhada de frente, exige ser atravessada pelo olhar,
exige que o olho adentre por elas e torne-se também um rasgão. Exige o sacrifício tanto da
imagem, quanto do órgão da visão. Contra toda noção clássica de imagem dada como construção, a
imagem do supliciado evidencia um trabalho de antítese violenta e arrebatada, na qual também a
imagem é violada, violentada e, por fim, aberta. Uma imagem que não ilumina nem dá consolo, ao
contrário, como um sol fixado diretamente, cega, queima a retina, gera uma crise, dá acesso a uma
profundidade só compreendida como um deslumbramento, porque a noite deslumbra, diz Bataille,
e enquanto tal a noite iguala-se ao sol44.
Daí que ver é igual a ver a noite. Ver é sempre uma operação onde o visto desliza, escapa,
se transforma, se transmuta, se dissolve; ver é sempre um ato delirante, deslumbrante e, por fim,
sacrificante; uma experiência mortal onde, em parte, somos vítimas e, em parte, carrascos. Em
parte, devoramos e, em parte, somos devorados. Tudo isso nomeia uma relação do olho com a
boca, mas também do mundo visível ao mundo do sacrifício. A boca sabe incorporar o objeto, o
toca, o sente, o morde, penetra e rasga. O olho enquanto boca incorpora o visível até sangrar por
dentro. A boca seria assim o lugar eminente de uma possível conversão pela qual uma simples
existência espectadora – o olho mais longe daquilo que vê – pode chegar à radicalidade de uma
existência mártir, de uma existência que comunica a sua carne45. Carne dilacerada de um
supliciado; carne esquartejada em Rembrandt; carne exposta de Cristo; carne pelo avesso em
Bacon; carne da pintura, carne da planta, carne como o ato de maior rasgamento.
Interessante é que para toda carne há no mínimo um par de olhos a rasgá-la. Na imagem do
jovem chinês nota-se a presença de uma platéia espectadora a acompanhar o esfacelamento da
carne supliciada. Em Rembrandt, um par de olhos furtivos a guardam de soslaio. Na carne da
planta que rasgo com minha pintura, os olhos camuflados pelas lentes da câmera registram o lento
trabalho da morte e revelam o milagroso retorno à vida. Em uma das inúmeras crucificações de
44
DIDI-HUBERMAN, Georges. A Paixão do Visível Segundo Georges Bataille in As Paixões. Lisboa:
Revista de Comunicação e Linguagens: Ed Afrontamento 1987.pg.10.
45
Ibdem.pg.12.
83
Bacon, olhos ocultos numa sombra, olhos fugidios de um fantasma à espreita da carne em
putrefação.
Georges Dunas – fotografia – 1905
Harmenszoon van Rijn
Rembrandt – óleo sobre madeira.
1655
Em outras tantas imagens de crucificação representadas na história da arte, encontramos
olhos plangentes que se esvaem junto da carne morta. Ou seja, parece que a morte é sempre um
espetáculo e, como tal, feito para o olhar, pelo olhar e nele se completa. A morte parece necessitar
de um olhar que lhe dê o tom do jogo no qual devorar é ser devorado. Junto dos olhos, as bocas
abertas prestes a tocar a carne em chaga viva, prestes a devorar a partir de baixo pela ignomínia das
marcas da paixão, ou pelo próprio corpo enquanto ruína.
Francis Bacon – sem titulo
óleo sobre tela – 1950.
Matthias Grünewald - Retable d'Issenheim, - óleo sobre
tela. 1512-1516.
Detalhe do retábulo ao
lado.
84
No primeiro tríptico de Bacon intitulado Três estudos de figuras ao pé de uma
crucificação, não é preciso ver a carne sangrante, supliciada e sacrificada de Cristo, ela já está dada
nestas estranhas e monstruosas criaturas de bocas escancaradas. São três Eumênides – deusas
encarregadas de castigar os crimes, especialmente os delitos de sangue, mas poderiam ser também
carpideiras; poderiam ser Marias Madalenas, Virgens Marias e todas aquelas figuras que aos pés
da cruz se deliciam, extasiam, devoram e são devoradas pela carne em chaga viva numa mistura de
dor e êxtase, dada no exato momento em que os olhos tocam e comem e as bocas beijam e olham o
que há de abjeto e disforme. Gozam ou choram estas mulheres sob os pés de Jesus? E quantas delas
beijaram a carne de Cristo morto descido da cruz?
Rogier van der
weyden. detalhe - A
descida da cruz – 1436.
Rogier van der
weyden. detalhe - A
descida da cruz – 1436.
Fra Angelico – pieta
têmpera sobre Madeira 1436.
O olho enquanto suscetível de tocar e incorporar o visível torna-se boca; incorpora o visível
como um grito surdo; como um beijo no imundo, no que há de abjeto, podre e morto. Abjeção que
aparece como condição essencial do valor transformador de um olho voraz . Mas então o olho,
justamente, revira-se, revolve-se, já não vê46. É olho enquanto olhar; enquanto cego; enquanto
noite; enquanto delírio do ver. É olho enquanto sacrifício ao olhar. E quanto à imagem, para
Blanchot a verdade da imagem é que ela é um limite que se aproxima do indefinido e como tal
pede a supressão ao mundo – seu sacrifício – tendendo para a intimidade como fundo exterior e
sórdido sobre o qual o corpo se afirma através de seu desaparecimento, ou seja, se reafirma no
sacrifício. Tal como um cadáver, sua estranheza advém do fato de que está diante de nós, mas não
realiza plenamente aquilo que está diante de nós, assim estabelece uma relação entre o aqui e parte
nenhuma, pois o despojo em sua estranha solidão é sempre presença de algo que nos abandonou.
Imóvel, o morto participa do golpe que o arremeteu. Imóvel, Fuo Tchou Lee está ali e em parte
alguma. A imagem do jovem não coabita com ele e nem encontra nele um rebatimento,
46
Ibdem.pg.14.
85
constituindo-se como vazio, descontinuidade feita de identidade e não-identidade, distância e nãodistância47[10]. Assim é também toda imagem. Diante de tal ambigüidade, o olho só pode desejar
uma coisa: tocá-la, tal qual São Tomé toca a chaga de Cristo para ter certeza de sua carne. Ou tal
qual o pintor exige o movimento do olho do espectador, no sentido de perfurar aquilo que o
incrédulo fez com o dedo, ultrapassando a tela para chegar ao grande buraco, ao vazio.
Michelangelo Merisi da Caravaggio – A dúvida de Tomé – 1599.
Neste sentido, a experiência do visível para Bataille configura-se no enfrentamento de um
suplício inexorável; experiência feita à custa de sacrifício e sofrimento; experiência que se refaz e
se renova cada vez que devoramos o visível e por ele somos devorados, como águias a devorar
diariamente o fígado reconstituído ou como uma chaga mantida aberta por dedos descrentes. Todos
de alguma forma são carrascos que supliciam ou são vitimas supliciadas através da experiência do
olhar. Todos somos Prometeus e todos somos águias, somos chagas e Tomés na medida em que o
visível é atingido não apenas no ponto do rasgo de uma imagem violenta, mas sobretudo no ponto
47
BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário. Rio de Janeiro. Ed. Rocco, 1987.
86
onde descobrimos a nossa própria violência. No ponto onde descobrimos que somos carrascos
também e não apenas uma vítima em potencial.
Como não pensar que o olhar de Genet48 sobre o passageiro à sua frente não é um olhar de
carrasco a açoitar de maneira silenciosa a sua vítima? Como não pensar que o olhar que lhe
devolve o passageiro não está repleto de sutis desejos de torturar o homem que lhe mira? E qual
não é a angustia de Genet quando este tem a compreensão de que ao açoitar o homem à sua frente
está a açoitar a si mesmo? Seu olhar não era o de outro: era o meu que eu reencontrava num
espelho, inadvertidamente e na solidão e esquecimento de mim. Eu me vertia de meu corpo, e pelos
olhos no do passageiro, ao mesmo tempo que o passageiro se vertia no meu49. Ambos estavam a
devorar-se. Talvez a angústia de Genet não fosse apenas a angústia de encontrar na podridão, na
sujeira, na violência, no asco, no grotesco, enfim, no que há de mais vil a unidade universal de
todos os homens, mas a angústia de se descobrir carrasco também. Novamente a ambigüidade
inerente ao ser humano: o desejo de ser o sol e se descobrir noite.
As obras de artistas como Rembrandt e Francis Bacon nos proporcionam tal descoberta
porque há imagens que atendem a exigência do olhar – a de deslumbrar e ser deslumbrado – e que
por sua potência arrebatadora provocam a abertura atordoadora e enlouquecedora do visível50. Este
é o caso também, segundo Bataille, da imagem do jovem chinês cortado em cem pedaços. O
filósofo foi dele uma vítima, mas dele também foi íntimo carrasco. No seu artigo Reflexões sobre o
carrasco e a vítima51, Bataille afirma que não podemos ser humanos sem ter percebido em nós a
possibilidade do sofrimento, assim como a da abjeção. Bacon parece ter certeza disso ao realizar
seus retratos, auto-retratos e os inúmeros estudos do tema da crucificação buscando, no que há de
mais disforme e grotesco, ressaltar o que há de mais humano em nós. Abrir a pele pra descobrir o
que se esconde por baixo da carne; quebrar o relógio pra entender como funciona o tempo. Buscar
no horror, a humanidade. O conhecimento do Mal reforça em nós o sentimento da humanidade por
viabilizar no fundo maior compreensão de nós mesmos. O jovem e sedutor chinês [...] entregue ao
48
GENET, Jean, Rembrandt, José Olympio, 2002.
Ibdem.pg.43.
50
DIDI-HUBERMAN, Georges, A Paixão do Visível Segundo Georges Bataille in As Paixões. Lisboa:
Revista de Comunicação e Linguagens: Ed Afrontamento 1987.
51
apud BORGES (2001)
49
87
trabalho do carrasco, eu o amava - confessa Bataille - [...] eu o amava de um modo no qual o
instinto sádico não tomava parte: ele me comunicava sua dor, ou antes, o excesso de sua dor, e era
justamente isso que eu buscava, não para me deliciar, mas para arruinar em mim aquilo que se
opõe à ruína52. Era horrível o sentimento de Genet para com o homem a sua frente e lhe era
espantosa a possibilidade de o amar. Genet deixa transparecer nos seus relatos a humanidade que
lhe possibilita amar até a mais vil das criaturas e a humanidade que lhe faz ser completamente
impiedoso e alheio a elas; diria, alheio a si mesmo. Daqui a pouco nada mais importará...53
O rosto, em geral a parte física do corpo que nos garante com mais eficácia uma identidade
singular, é para Rembrandt, ao contrário, a certeza de que todos os homens são iguais, o que de
certa forma reforçaria a idéia de humanidade. Rembrandt não sabia captar a diferença entre um
homem e outro. Não será talvez por que esta diferença não exista?54 Mas há em Rembrandt a
sutileza de quem retrata a delicadeza do um rosto e a gravidade do olhar de uma Fiencée juive, e
deixa transparecer o seu cu55. Sob as saias de Hendrickje, sob os casacos guarnecidos de peles, sob
as sobrecasacas, sob o extravagante roupão do pintor, os corpos cumprem a suas funções: digerem,
estão quentes, pesados, respiram, evacuam. A massa carnal que desfigura seus retratos,
despersonalizando seus modelos e retirando dos objetos todos os traços que os identificam,
paradoxalmente, vêm lhes conferir mais peso e mais realidade.
Harmenszoon van Rijn Rembrandt – Conjunto
de retratos e auto-retratos.
52
Ibdem.
GENET, Jean. Rembrandt, José Olympio, 2002.
54
GOULARDT apud GENET, Jean, Rembrandt, José Olympio, 2002.pg.23.
55
Ibdem.
53
88
Da mesma maneira, Francis Bacon busca nas vias indiretas da desfiguração, da quase
abstração de suas imagens, a real aparência de seus modelos de modo a expressar sua total
semelhança. Sempre espero poder deformar as pessoas no sentido da aparência delas, não me é
possível pintá-las literalmente. Às vezes os retratos que faço de maneira menos literal são os que
mais se parecem com os modelos, mas de forma mais dramática56.
Francis Bacon – Conjunto
de retratos e auto-retratos.
De volta a Rembrandt, sua maneira de trabalhar os retratos, de modo a castigá-los com a
decrepitude causada pelo tempo, deixa aparente a existência de uma ferida na qual suas figuras se
refugiam. Ferreira Gullar dirá: na qual ele próprio – Rembrandt – se refugia. Foi na verdade o olhar
devorador de Rembrandt que marcou de forma decisiva a alma de Genet; a partir de então todos os
homens, estivessem eles em vagões, nas ruas, nas tabernas, em qualquer lugar, todos eram vistos
por Genet projetados sob as manchas de Rembrandt. Rembrandt nos mostra que é possível amar a
decrepitude; Genet compreende arrebatado por uma angústia que nunca mais o deixaria; Francis
Bacon declara: talvez eu carregue esse sentimento de morte o tempo todo. Porque se a vida
emociona, o oposto dela, como uma sombra, a morte, também deve emocionar. A dor impressa e
pintada sem véus; a decrepitude do ser humano exposta como um desafio a todos os possíveis
56
SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon. 1995.
89
meios de fuga, são imagens de um céu que não mais abriga nem dá consolo, mas que, ao contrário,
fornece a via de acesso que nos liga a nós mesmos, à nossa vil humanidade, à nossa violenta forma
de ser. Rembrandt e Bacon são nossos carrascos e ao mesmo tempo são os seus próprios algozes.
Nos colocam propositadamente diante do que há séculos tentamos camuflar ou esconder: a morte.
Para a sobrevivência e perpetuação do modelo que escolheu para si mesma, a civilização –
principalmente a judaico-cristã – readaptou convenientemente – a ponto de quase esquecer – a
origem das imagens de modo a afastar dela a morte, o erotismo, a violência e o terror que faziam
parte de um mesmo ritual religioso. Tanto Rembrandt quanto Bacon não nos deixam esquecer estes
temas e a morte, assim não esquecemos da vida. Nesse sentido, a arte recoloca em cena a vida em
sua nudez mais crua, isto é, a atividade humana, seus efeitos e suas deformações sob o impacto de
uma estética de revelação do corpo que põe a nu suas funções, seus odores, seus líquidos. Põe a nu
um corpo que evacua; um corpo que transborda o seu lado mais podre e ao mesmo tempo seu lado
mais violento e sagrado.
Francis Bacon – Tríptico maio-junho – óleo sobre tela – 1973.
A arte teria este caráter de trazer à lembrança o fio de um acontecimento terrível e repeti-lo
para uma determinada comunidade. A arte como ritual. Não por acaso, um mecanismo análogo ao
dos sacrifícios. O sangue das ovelhas que encharcam os trabalhos de Karin Lambrecht57, por
exemplo, nos defrontam com este ritual de sacrifício. Karin assiste ao abate do animal e a maneira
do rito judaico espera até que o animal suspenso sangre sua última gota vermelha. Depois mancha
de sangue tecidos, vestidos e pedaços de algodão, utilizando as próprias vísceras do animal.
57
Artista plástica, nascida em Porto Alegre (1957) onde vive e trabalha.
90
Karin Lambrecht – Mensagens
da terra – mista – 2000.
Para Agnaldo Farias58, esta série de trabalhos representa um intervalo, uma ferida por onde
escorre um pouco do muito que há de oculto entre a passagem da vida e da morte. O que fica
quando a substância vital flui de um corpo através de um ato violento para impregnar o tecido de
algodão branco? Seria o sacrifício um fato comum como o é nossa própria passagem? As obras de
Bacon nos respondem que sim; que o sacrifício é corriqueiro, é diário. Ele está nos seus autoretratos; ele está no rosto de Lucian Freud; de George Dyer; de Isabel Rawsthorne; está nos corpos
que transam; está no tríptico maio-junho de 1973; está em todas as suas crucificações. Parece estar
também de forma sutil nas armadilhas que crio, nas plantas que mato, nas telas que pinto. Em todo
o meu trabalho plástico há um aspecto sutil da solidão. O momento de descoberta da ilusão pode
ser deflagrador de uma espécie de solidão. Entendo a perda na ilusão da imagem como um
momento em que acuada, a presa está só dentro da arapuca. Igualmente só está cada pedaço de
planta que abandono num mundo invertido.
58
Catalogo da XXV Bienal de São Paulo. 2005
91
Patrícia Laus – Natureza negativa XIV – fotografia – 2006.
Só, também estava Cristo, no momento de sua morte. A eficácia das imagens cristãs da
crucificação está não apenas na compaixão que elas despertam, mas no jogo que se realiza toda vez
que o expectador se involui na imagem do próprio Cristo, deseje o que ele deseja, sofra com o seu
sofrimento e, assim, transcenda, saia de si para o Outro, que é Deus. Para Bataille (1987) é preciso
imitar o sujeito que sofre o sacrifício, mas imitá-lo no seu único momento extremo, que é de
solidão. Jesus, que durante longo tempo de sua vida foi três – pai, filho e espírito – no momento
extremo de sua morte sente-se abandonado; sente-se só. A maioria dos crucificados de Bacon estão
nesta situação, sós. É a solidão que, no pensamento ateu de Bataille, proporciona um mergulho no
próprio corpo, na sua sujeira, podridão e morte, uma sondagem de seus limites em busca de
superação.
92
Francis Bacon – sem título –
óleo sobre tela – 1962
Francis Bacon – TrípticoTrês ensaios para uma
crucificação – óleo sobre
tela – 1962.
Francis Bacon – TrípticoTrês ensaios para uma
crucificação – óleo sobre
tela – 1962.
Daí a experiência interior ser definida como uma viagem no limite do possível do homem,
uma viagem nas trevas do não-saber, sem tábua de salvação. É esta solidão que metaforiza a
imagem aberta de Bataille; uma imagem sem nome, sem verbo, sem abrigo, sem consolo, sem pai.
Esta é também a condição do jovem chinês que morre sem nome, sem pai, sem verbo e, sobretudo,
sem nenhuma possibilidade de ressurreição. Talvez as obras de Bacon possuam a eficácia deste
tipo de imagem. Bacon não se interessa pela ressurreição, mas pela ignomínia do corpo aberto em
chagas, retorcido e revirado pelo avesso. De maneira trágica, seus elementos corporais investem
contra a racionalidade instituída. Este é o ato de maior rasgamento: a imagem que se choca com a
crença e com o senso comum, atingindo em cheio a doxa cristã. O corpo – imagem – se abre e é
mantido(a) aberto(a) pelo dedo do pintor a encarar de frente o maior paradoxo do olho voraz, a
coexistência do horror e do fascínio, do assustador e do imperioso; a necessidade do imundo e do
que é abjeto como condição essencial do valor transformador; miraculoso, estático. Como num
beijo de São Francisco de Assis na pele do leproso, Bacon apresenta Deus pelas vias do profano,
erige e apresenta o corpo através do simulacro preferido do Deus cristão, a chaga viva. O
sofrimento que leva a plenitude. Mas neste caso a plenitude não se alcança. Bacon traduz em
imagens o desejo de Bataille: prolongar para sempre os três dias de negatividade – equivalentes à
morte de Cristo antes de sua ressurreição–, e deixar apodrecer Jesus no seu sepulcro. A ovelha que
sangra até secar. A morte sem ressurreição. Bataille desejaria beber até ao fim a imagem mortífera
e parar, sem consolo, no puro momento negativo, o mais aberto, o mais impressionante: o momento
93
em que o filho morto não vai juntar-se, para além do azul do céu, à direita do Pai e na companhia
do seu Espírito-Santo59 Talvez as imagens de Bacon nos deixem cientes desta condição de filhos
órfãos que somos. Do mesmo modo, as obras de Lea Crespi, com seus ambientes sórdidos
abrigando um corpo nu, desfocado, aparentemente frágil e solitário.
Lea Crespi – Ensaio fotográfico - 2001
Francis Bacon – Estudo para um corpo humano
1949 - óleo sobre tela - 1949
59
Lea Crespi – fotografia - 2001
DIDI-HUBERMAN, Georges: A Paixão do Visível Segundo Georges Bataille in As “Paixões”. Lisboa:
Revista de Comunicação e Linguagens: Ed Afrontamento 1987.pg16.
94
Ver suas imagens, contra todo o consolo que ver fornece, dá acesso à solidão, obrigando o
corpo a ramificar-se além de si mesmo. Um fora de si alcançado pela conversão da opulência vital
em decrepitude abjeta. Um fora de si que talvez estas imagens noturnas e violentas, onde temos o
homem em estados extremos, sirvam como rasgão que proporciona nossa própria saída. Talvez
minhas plantas, corpos estranhos e sós, num mundo invertido, desejem apenas isto, possibilitar uma
projeção onde o homem fora de si talvez consiga encontrar a si próprio.
Patrícia Laus – Natureza violentada IV –
negativo fotográfico da pintura – 2006.
Lea Crespi – fotografia - 2001
95
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III CAPÍTULO – O FUNDO QUE SEMPRE RETORNA É O JOGO