MP 458 (REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA) - PONTOS DO RELATÓRIO DO DEP. ASDRUBAL
BENTES QUE DEVEM SER NECESSARIAMENTE MODIFICADOS
A Medida Provisória no 458 de 2009, que trata da alienação e concessão de terras públicas, a título de regularização
fundiária, na Amazônia Legal, embora trate, formalmente, de um tema de extrema relevância e cujo equacionamento
seria fundamental para se começar a resolver os problemas de violência no campo, concentração fundiária e avanço do
desmatamento ilegal, trouxe em si também diversos riscos que, se não forem muito bem equacionados, podem fazer
com que essa legislação tenha efeitos totalmente contrários àqueles objetivos que a justificaram.
Dentre os mencionados riscos, ressaltamos os seguintes:
a) possibilidade de reconhecimento de posse para ocupantes recentes ou de má-fé: decorrente da simplificação
excessiva nos procedimentos de verificação em campo da legitimidade da posse, pode-se abrir a porteira para a
legalização de grilagens, ou seja, de ocupações ilegítimas de terras públicas por quem não é o verdadeiro
posseiro/usuário da área ou que a ocupou pelo uso de violência ou fraude. Isso seria um estímulo ao aumento da
invasão de terras públicas.
b) possibilidade de reconhecimento de posse para terceiros, e não àquele que realmente ocupa e sobrevive da terra:
parecido com o anterior, decorre de uma excessiva simplificação dos procedimentos de verificação (dispensa de vistoria
prévia), e da possibilidade de que grandes grileiros (pessoas físicas ou jurídicas) se utilizem de laranjas para pegar
para si terras de pequenos posseiros, fenômeno comum na Amazônia
c) privatização de terras públicas sem respeitar qualquer política de ordenamento fundiário: a regularização fundiária seja
importante, ela não é um objetivo em si. Ela deve ser uma ferramenta a serviço de uma estratégia de ordenamento
fundiário para a região, a qual deve levar em consideração sua história, suas vocações, necessidades e limitações. Na
MP não há nada que oriente o trabalho de regularização, e ela não está vinculada a nenhum plano de organização do
território, como o Zoneamento Ecológico Econômico ou outro. É fundamental que exista uma instância que oriente o
trabalho de alienação de terras públicas e identifique os locais onde essas regras simplificadas podem ser aplicadas
Apesar dos diversos riscos já presentes no texto original da MP, é forçoso reconhecer que o relatório do Dep.
Asdrubal Bentes, que será submetido a votação em breve, piora em muito o texto original e traz novas e escandalosas
regras que seguramente estimularão a grilagem e a violência no campo, além do aumento do desmatamento, da
ocupação de terras de populações tradicionais e uma concentração fundiária ainda maior.
A seguir indicamos pontos do relatório que devem ser necessariamente modificados para evitar que essa lei se
transforme na legalizadora da grilagem, da concentração fundiária e do desmatamento ilegal (baseado no relatório de 22
de abril de 2009):
1. Retirada dos conceitos de área urbana consolidada e de área de expansão urbana (itens VII e IX do art.2 o
no texto original) e dispensa do plano de ordenamento territorial urbano de delimitar a área urbana e de
expansão (art.2o). Proposta: voltar a redação original do art.2º.
2. Possibilidade de alienar terras devolutas em faixa de fronteira (art.3o, IV e V). Conjugada
com a possibilidade de legalizar terras ocupadas por pessoas jurídicas e de vender a terra imediatamente, sem
qualquer restrição (o que será analisado mais à frente), essa possibilidade é uma temeridade à segurança
nacional, na medida em que tornará essas terras passíveis de serem compradas por grupos estrangeiros e, na
medida em que se tornarão privadas, dificultarão as ações do Exército na região, que terá que desapropriar
terras hoje públicas para poder instalar seus pelotões, quartéis e para fazer seus exercícios. Ademais, como as
terras devolutas não integram o patrimônio da União, na medida em que ainda não foram discriminadas, seria
inconstitucional essa regra. Proposta: voltar a redação original do art.3º
3. Possibilidade de se alienar terras a ocupantes indiretos e que já sejam proprietários
de outros imóveis (art.7º, I)(muito importante)– Essa medida visa regularizar terras
griladas, ou seja, ocupadas por grandes fazendeiros (que não vivem ou ocupam a terra, mas mantêm
empregados) e que não precisam necessariamente daquela terra para sobreviver, ou seja, não precisa dela
para sobreviver, mas apenas para especular e revende-la. Isso afasta a nova lei de seus objetivos declarados,
quais sejam, o de reconhecer a posse apenas para aqueles cidadãos que efetivamente morem e vivam da
terra. A retirada dos critérios anteriores (ocupação direta e ser a terra a única fonte de subsistência) desfaz
o princípio de justiça social que deveria guiar essa lei e é inaceitável. Proposta: voltar a redação
original dos artigos 5º e 6º e retirar o novo artigo 7º.
4. Possibilidade de alienação de terras para pessoas jurídicas (Art.1º, parágrafo único e art.7º, II): o PLV
permite que pessoas jurídicas possam se beneficiar da alienação de terras públicas, mediante processo licitatório
com direito de preferência. Novamente aqui o projeto se distancia de seus objetivos de justiça social e
democratização no uso da terra. Não há razão para alienar um patrimônio público a entes privados se estes o
querem utilizar apenas para aumentar seu patrimônio particular. Se há situações em que o Estado entenda
interessante delegar a uma empresa a exploração econômica de determinado território, pode fazê-lo por meio
de concessão de direito de uso, onde a titularidade da terra permanece pública. Proposta: voltar a redação
original do art.1º e rejeitar o art.7º em sua nova redação (reintroduzindo os artigos 5º e 6º da redação
original)
5. Dispensa de vistoria prévia para a alienação de imóveis até 4 módulos (art.13): permite a
comprovação de tempo e tamanho da posse condicionada à mera declaração do interessado. Esse ponto é
perigosíssimo, pois permitirá que sejam alienadas terras àqueles que se declararem posseiros, sem que tenham
que comprovar isso com uma vistoria in loco. Dessa forma, a possibilidade de se alienar terras sem ocupação,
ou para particulares que não são os verdadeiros possuidores é imensa, pois conseguirá a terra quem tiver
melhor informação e for até o órgão competente, no período em que ele estiver disponível, para requerer a
propriedade, em prejuízo do verdadeiro posseiro que, vivendo há dias de barco da cidade, nem saberá que
alguém está ganhando a terra em seu nome. Proposta: acatar a emenda no 75, da Senadora Marina
Silva, que limita a dispensa de vistoria para lotes de até 1 módulo.
6. Permissão de negociação de títulos de áreas superiores a 4 módulos fiscais antes de 10
anos (Art.15, § 5º): o relator voltou atrás e repôs a cláusula resolutiva de 10 anos, mas impôs a restrição
de negociação apenas para os pequenos proprietários (até 4 módulos), permitindo que os grandes (de 04 a
15), que podem inclusive ser ocupantes indiretos e pessoas jurídicas, poderiam, após 03 anos, vender a terra,
mesmo que ainda esteja pagando ao Estado o seu valor. É importante retirar essa possibilidade para que a lei
não tenha como único efeito criar um mercado de terras recém-privatizadas Proposta: voltar a redação
original do art. 14
7. Supressão do art.27 – esse artigo, em sua redação original, submetia à aprovação do Congresso Nacional a
doação, a municipalidades, de terras federais que superem 2.500 há, como determina a Constituição Federal.
Considerando que esse artigo trata de terras em áreas urbanas, 2.500 há é uma área bastante grande, e não
faz sentido suprimir essa condicionante, mesmo porque é inconstitucional. Proposta: voltar a redação original
8. Falta de orientação ao trabalho de regularização – o relator incluiu um artigo 34 que trata
de um comitê de avaliação de implementação da lei. Isso é muito pouco, absolutamente insuficiente. Para que
a simplificação nos processos de alienação de terras públicas trazida pela lei não signifique estímulo a novas
ocupações e desemboque no acirramento de conflitos fundiários, não venha obstaculizar a criação de novas
áreas protegidas ou mesmo a expansão da infra-estrutura pública considerada estratégica para o país – criando
a demanda por desapropriação de terras que eram originalmente públicas - é fundamental que esteja
consetâneo com algum processo de ordenamento territorial, como é o caso do Zoneamento Ecológico
Econômico, que define previamente áreas aptas para uso agropecuário, expansão industrial, uso sustentável e
o
conservação dos recursos naturais. Proposta: acatar a emenda de n 76, da Senadora Marina Silva.
Brasília, 06 de maio de 2009
Raul Silva Telles do Valle
Advogado
Coordenador do Programa de Política e Direito
Instituto Socioambiental
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