A Convivência Familiar e Proteção Social
Andréia Lucélia CUNHA1
Leidiana da Silva COELHO¹
Miriam Aparecida RUY¹
Marisa Antônia de SOUZA2
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de refletir sobre a realidade da família brasileira, identificar programas e
iniciativas de proteção a convivência familiar e comunitária. Inicialmente faremos um resgate sobre o papel que
a instituição familiar ocupou em cada momento histórico do desenvolvimento da sociedade no decorrer dos
séculos. Procuramos fazer uma reflexão crítica sobre o papel do estado, a proteção básica adotada na prática,
identificar as diferenças entre proteção social institucionalizada e a proteção social feita nos espações familiares.
Pesquisamos programas de acolhimento familiar apresentando seus aspectos positivos quanto a forma de
proteção social às crianças e adolescentes neles inseridos.
Palavras-chave: família, proteção social e convivência.
Introdução
O Estado brasileiro considera que a família é a instituição primeira que deve assegurar
a proteção social de seus membros, tendo amparo legal apenas nos casos mais extremos de
impossibilidade de se cumprir essa tarefa. O contexto neoliberal modificou o núcleo familiar,
adequando-o ao modo de produção capitalista, vimos o surgimento de programas e projetos
estatais que visam melhorar as condições de vida das crianças e adolescentes que tiveram os
vínculos familiares rompidos e passaram a viver em instituições, sem afetividade e a
emancipação natural que somente a instituição família é capaz de proporcionar ao ser
humano. Dessa forma, o Programa de Famílias Acolhedoras se destaca por resgatar os laços
de afetividade, proporcionando todo aprendizado que somente seria possível na convivência
familiar com desenvolvimento, se não pleno, que permita a essa criança ou ao adolescente
uma efetiva qualidade de vida baseada na emancipação social e na garantia de direitos.
Famílias Acolhedoras
Para iniciar nossa reflexão sobre Famílias Acolhedoras é preciso rever aspectos
importantes na história da família e da proteção social. Consideramos importante analisar a
família na atualidade como ela se apresenta, as responsabilidades atribuídas pelo Estado
principalmente ao retrair sua participação na proteção social exigindo a proteção da família
sem dar lhe o suporte necessário.
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2
Acadêmicas do Sexto Semestre do Curso de Serviço Social Nossa Senhora do Patrocínio-Itu.
Orientadora da Disciplina de Núcleos e Estudo Temáticos II.
2
Conforme Gueiros3 (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71, 2002), no cotidiano
profissional do Assistente Social é comum encontrar situações como a ausência de suporte
público para enfrentar situações limites, ausência do pai para dividir a responsabilidade sobre
os filhos e vários grupos ou modelos familiares vivendo juntos em situação precária. Tal fato
se deve ao retraimento do Estado ante as expressões da “questão social4”. Segundo a autora
(op.cit.), as políticas de proteção social são precárias, mínimas e implantadas apenas quando
não se conseguiu a proteção através da família, comunidade ou mercado. No cotidiano do
trabalho profissional encontramos situações relacionadas à infância, adolescência, deficientes,
doentes crônicos dentre outras expressões da “questão social” que tenham apenas o suporte
familiar como meio de enfrentamento. Daí a importância de conhecer a instituição família nas
suas variedades de organização e particularidades conforme a classe social a que pertencem.
Recordando brevemente a história da família observamos que até o século X ela não
tinha expressão. A partir do século XV, os meninos pequenos começam a estudar em escolas
e a participar da vida dos adultos. No período que vai do século XIV ao século XVII, a
mulher perde seus poderes, e segundo a autora, a legislação reafirma a soberania do marido na
família. Nesse período da Idade Média, os laços familiares juntamente ao poder do marido são
mais valorizados.
Já no século XVIII, ocorre a separação entre família e sociedade (público e privado)
passando a privacidade a ser algo de maior importância. A educação e a saúde começam a ser
uma preocupação dos pais, bem como a igualdade entre os filhos. Na segunda metade do
século XIX, a modernização e o movimento feminista trouxeram mudanças significativas à
família. O modelo patriarcal5 predominante passa a ser questionado e a família vai se
transformando, constituindo o modelo de família conjugal moderna6.
3
Assistente Social Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; doutoranda em Serviço Social –
PUC-SP, especialista em família – PUC-SP.
4
Questão social compreendida como uma relação contraditória entre Capital x Trabalho, no âmbito do modo de
produção capitalista em uma sociedade dividida em classes, onde o Capitalista é o proprietário dos meios de
produção e o Trabalhador possui apenas sua força de trabalho que é vendida em troca de salário. Os bens
socialmente produzidos são apropriados pelo dono do meio de produção. Suas expressões são as desigualdades,
as misérias, pobreza, exploração, injustiças, ausência de direitos, etc.
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Conforme os estudos realizados entenderam família patriarcal como aquela onde o papel da mulher o do
homem está bem definido e são diferentes, assim como o âmbito público e o privado. O adultério é permitido por
parte do homem e a função de chefe é atribuída somente a ele. O amor e o sexo são considerados aspectos
diferentes e separados.
6
Família conjugal moderna é entendida como a família cujo casamento ocorre por escolha afetiva de ambos, e
onde o amor e o sexo não são vistos mais como separados e distintos; o homem e a mulher adquirem novas
funções e papéis no casamento.
3
Somente a partir de 1988 a mulher e o homem são considerados com igualdade no que
se refere a direitos e deveres, sendo que os dois tipos de família, patriarcal e conjugal, ainda
continuam existindo nos dias atuais.
Em 1980 a escolarização básica já era realidade em grande parte do países, e os
trabalhos que necessitavam de educação superior haviam aumentado, bem como a educação
universitária que cresceu numericamente entre 1960 e 1980.
Na década de 80 ocorre um declínio da classe operária que foi acentuado em 1990.
Entre outros fatores que contribuíram para este fato, está o desenvolvimento das máquinas
que substituíram o trabalhador, dificuldades econômicas, fim do pleno emprego, políticas
assistenciais enfraquecidas entre outras consequencias da flexibilização do trabalho.
Nesse período ocorre a inserção da mulher no mercado de trabalho, na universidade e
nos segmentos sociais, dependendo da classe social a qual pertencia, esses fatos se deram por
uma exigência do capital, mas o movimento feminista também contribuiu para a participação
da mulher no âmbito público.
Na segunda metade do século XX o casamento se torna uma escolha dos envolvidos.
Tal relação passa a se fundamentar em critérios afetivos, atração sexual e na noção cultural
sobre o amor. Os relacionamentos sofreram influência do movimento feminista em
decorrência das mudanças sociais e dos novos padrões assimilados após a inserção da mulher
no mercado de trabalho. Configura-se assim, o protagonismo individual no desenvolvimento
da vida privada, nesse aspecto se evidencia a reciprocidade entre o casal, principalmente
quando a mulher passa a assumir responsabilidades fora do âmbito familiar.
É importante ressaltar que as mudanças no âmbito familiar ocorrem num contexto de
conflitos instalados devido à intensa expansão capitalista, onde muitas famílias passaram a ser
compostas por diferentes e múltiplas formas, revelando assim uma grande complexidade.
A família contemporânea se caracteriza pela redução do número de filhos e do desejo
de tê-los; crescimento de divórcios; diminuição de casamentos formais; jovens com cultura
muito diversa de seus pais o que gera inúmeros conflitos.
Para as famílias de classe baixa, o modelo patriarcal continua como principal
referencia, e para as famílias de classe média e alta o modelo conjugal é a forma idealizada.
Mas em todas as classes há aspectos de ambos os modelos, embora haja predominância de
traços de um ou outro modelo de acordo com a classe social.
Segundo Sarti (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71, 2002), nas famílias pobres
há a tendência do homem se colocar no lugar de autoridade e das famílias se organizarem em
redes que envolvem obrigações morais - relações de confiança. Para elas, família são aqueles
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com quem se pode contar - relação de ajuda mútua - independente dos laços sanguíneos, o que
para as famílias conjugais modernas é de grande relevância.
Ao analisar questões relacionadas à família contemporânea, a autora apresenta dados
retirados de pesquisas realizadas na Região Metropolitana de São Paulo que revelam que a
maioria de famílias monoparentais é chefiada por mulheres; 14,3% das famílias não têm renda
suficiente para despesas de alimentação e somente 56,1% das famílias são compostas por pais,
filhos e/ou parentes.
No Brasil uma em cada dez crianças de 10 a 14 anos exerce algum tipo de trabalho.
Além dessas situações, a mídia nos apresenta questões relacionadas a famílias compostas por
homossexuais, gravidez na adolescência. Essas novas configurações familiares conquistaram
alguns direitos, mas ainda não são aceitas socialmente, o que implica numa real distância
entre o idealizado e o vivido.
A Proteção Social que deveria ser assegurada pelo Estado e complementada pela
família, acaba ficando sob a responsabilidade quase que total desta. Isto acarreta uma
sobrecarga de responsabilidades, já que não se tem um amparo legal para enfrentamento das
condições socioeconômicas precárias em que se vive, em decorrência do sistema de produção
capitalista. Para as famílias que não tem o reconhecimento legal e social torna-se ainda mais
difícil, pois têm de enfrentar todos os tipos de preconceitos.
Para Gueiros (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71 2002) o problema
apresentado requer o seguinte questionamento: “pode a solidariedade familiar suportar os
efeitos da ausência de políticas públicas de proteção social voltadas para setores mais
vulnerabilizados da nossa sociedade?” ( p. 118).
Ao longo da história podemos perceber que a família, apesar de ser um espaço onde
ocorre a desigualdade e a violência, é principalmente um espaço de apoio e inserção do
indivíduo, entendendo que a “(...) família condensa uma história, uma linguagem e códigos
morais próprios, e a partir deles e de sua condição social, organiza sua forma de inserção na
sociedade e de socialização de seus membros” (GUEIROS, op.cit. p.118). Assim, é
importante analisarmos e compreendermos as formas de configurações familiares, suas
particularidades e condições sociais, já que o trabalho do assistente social está relacionado
diretamente com as famílias.
Na ausência de políticas de proteção social, somos pressionados a encontrar respostas,
junto às famílias, para as situações de vulnerabilidade vividas por elas. Compreendemos que o
núcleo familiar não tem condições de cumprir o papel que está sendo atribuído a ele; de
integração social, desenvolvimento, cuidado e proteção de seus membros, por isso é essencial
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a participação das famílias em programas sociais que lhes possibilitem uma inserção social e
cidadania.
Além da importância da “(...) mobilização de recursos da esfera pública, visando
implementação de políticas públicas de caráter universalista que assegure proteção social (...)”
GUEIROS (In Revista Serviço Social e Sociedade nº71, 2002 p.119), está a necessidade da
família ter condições de prover sua autonomia e que sejam respeitados seus direitos civis e
sociais.
Família e afetividade
A família e a afetividade são vistas como ação e estratégia emancipadora em uma
sociedade moldada pela desigualdade social, fruto do neoliberalismo. Para Vygotsky (apud
SAWAIA, In Famílias, Redes, Laços e Políticas Públicas, 2008) a afetividade é um fenômeno
pessoal, mas as consequências que ela causa são sociais.
Para Sawaia (op.cit.), nas teorias sociais a família aparece ora acusada pela raiz de
todos os males e ora exaltada como provedora e cuidadora tanto do corpo como da alma de
seus membros. O conceito vindo da Grécia antiga é de que família é a esfera do labor
feminino enquanto as relações públicas, espaço de liberdade. Nos anos 60 era vista como
espaço de reprodução do capital e de alienação e como espaço de reprodução da desigualdade
e do autoritarismo. Gradativamente a família foi perdendo sua função clássica de cuidar e
educar. Era alvo de atenção apenas quanto aos debates sobre controle da natalidade ou para
delinear a sua composição. Mesmo assim continuava sendo a mediação entre o indivíduo e a
sociedade e ainda hoje é enaltecida, exemplo disso são as evidências contidas nas políticas
públicas.
O contexto neoliberalista, caracterizado pelo Estado mínimo, faz com que as
instituições não promovam confiabilidade e o indivíduo se torne cada vez mais fechado em si
mesmo, mais propenso ao individualismo. O Estado se retrai isentando-se do dever de prover
o bem estar dos cidadãos, sobrecarregando a família quando atribui a ela responsabilidades
excessivas “(...) e a sociedade atônita, na ausência de ‘lugares com calor’, elege-se como o
lugar da proteção social e psicológica” (SAWAIA, op.cit., p.42). Exemplo disso podemos
observar quando o Estado afirma que a família é parceira da escola.
Sennet (apud SAWAIA, op.cit.) denomina de “ditadura da intimidade” o fato de estar
em privacidade, a sós ou com amigos e a família, se afastando do mundo externo em busca de
recompensas psicológicas imediatas.
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Hardt e Negri (apud SAWAIA, op.cit.) destacam que esta “nova organização política
mundial se concentra na ordem emocional, destacando que o valor afeto é tão importante
quanto o valor trabalho uma vez que esse último não é mais manual, mas cerebral”(p.42).
Sawaia (In Famílias, Redes, Laços e Políticas Públicas, 2008) apoiado em Foucault,
traz a ideia de “política da afetividade” ou biopoder quando afirma que a subordinação
política é realizada em regimes de práticas diárias e criam hierarquias brutais. As pessoas são
diferenciadas umas das outras e até mesmo isoladas pela valorização dos recursos internos,
isto é, com o pensamento de que “você consegue, basta querer”, “você é dono da sua
vontade”. Nesse contexto as empresas criam estratégias que manipulem e que possam medir o
“resultado financeiro do adestramento das emoções – o capital emocional ou o coeficiente
emocional do capital.” (SAWAIA, op.cit., p.43).
O valor afeto é responsável pela adoção da família na prática ético-política. Ela se
torna eficiente nesta prática dependendo da sensibilidade e da qualidade dos vínculos afetivos.
Dessa forma a família se torna principal núcleo do protagonismo social e da contracorrente do
biopoder, pois ela é o “único grupo que promove, sem separação, a sobrevivência biológica e
humana” (SAWAIA, op.cit., p.43). Dessa forma, se torna instrumento privilegiado na
sustentação do poder, pois concentra sua política na ordem emocional e domina o corpo,
correndo o risco de se transformar em campo de oposição aos valores coletivos e a criação de
identidades locais segundo religião, raça e outros aspectos que intensifique a característica
individualizante, permitindo o acesso da violência contra outros.
Para Morin (apud SAWAIA, op.cit.) este agrupamento é denominado de
“associativismo de gangue”, um tipo de união de indivíduos reprimidos, sujeitos a regras
coercitivas e ditatoriais; uma união pautada na agressão a tudo o que é diferente. Outro perigo
é a associação do amor, autoritarismo e respeito que troca afeto por obediência fazendo com
que a submissão seja sentida como amor. Sennet (apud SAWAIA, op.cit.) diz que quanto
mais proximidade física tem as pessoas, menos sociais e mais dolorosas serão suas relações.
Assim, frequentemente vimos acontecer crimes em família com expressão de crueldade.
Segundo relatos dos próprios acusados a causa desses crimes se dá pela necessidade de
recuperar aquilo que julgam ser seu de direito e que foram privados de ter. Esses motivos –
uso de drogas, falta de amor, ação repressiva dos pais, falta de dinheiro e outros – tem em
comum a supremacia do culto ao indivíduo aliado a moral de ser feliz a qualquer custo e com
a justificativa de que o amor redime e justifica a violência.
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Por último corre-se o risco de culpabilizar e responsabilizar a família por tais questões,
já que seu âmbito é local de acolhimento e proteção. Também há o perigo da idealização da
família feliz, sem problemas ou associar vida em família com perda de liberdade.
A este sofrimento causado pela dor física-emocional, pela injustiça, preconceito e falta
de dignidade, forçado pela condição social que torna as pessoas impotentes para a liberdade e
a felicidade chamamos de sofrimento ético-político.
A manifestação desse sofrimento da “indignação moral” se revela em pesquisas que
afirmam que “o principal sofrimento da mãe é gerado pelo sentimento de incompetência para
proteger os seus, o que leva as mulheres a trancafiarem os filhos e a castigá-los fisicamente”
(SAWAIA, In Famílias, Redes, Laços e Políticas Públicas, 2008 p.46). Para o homem o
sofrimento de não conseguir prover financeiramente o lar o leva ao alcoolismo e a
dependência química. Segundo Botarelli (apud SAWAIA, op.cit.) vários são os sentimentos
que podem ser constituintes do sofrimento ético-político dos membros familiares. Um
exemplo é o medo que as mães sentem pelo destino de criminalidade dos filhos e a tristeza e
vergonha por não conseguirem acompanhar a vida deles na escola.
A concepção de afetividade segundo Espinosa (apud SAWAIA, op.cit.) desloca o
político para o campo da ética e ambos para o campo dos afetos. Impulsionados pelos afetos
sabemos se algo é bom ou não e determinamos nossas ações.
O papel da família
A família é a principal responsável em garantir alimentação e proteção à criança e
adolescente. É o espaço onde se transmite a cultura, os valores e normas, a moral, é onde se
desenvolve a personalidade da criança e do adolescente, por isso a importância de um
ambiente familiar harmonioso, no qual a família tenha o devido apoio para poder suprir as
necessidades de seus membros, evitando assim, a marginalização destes na sociedade e/ou sua
separação da família.
Segundo Ferrarie e Kaloustian (apud VICENTE in UNICEF, 2011), a família pode ser
considerada como espaço privilegiado de sociabilização, de divisão de responsabilidades, de
busca coletiva, de estratégia de sobrevivência, lugar inicial para o exercício da cidadania,
espaço indispensável para garantir desenvolvimento e proteção dos filhos e os demais
membros. Propicia afeto e recursos materiais necessários para o desenvolvimento e bem estar
de seus membros. Desempenha importante papel na educação formal e informal como espaço
onde são absorvidos valores éticos e humanitários, onde se desenvolvem laços de
solidariedade e são transferidos valores culturais.
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Devido ao desenvolvimento socioeconômico e o impacto da ação do Estado através
das políticas econômicas e sociais, cada família tem uma dinâmica de vida própria. A situação
de cada família depende de problemas sociais referentes aos direitos humanos, à exploração,
às barreiras econômicas, sociais ou culturais. A vulnerabilidade esta associada, entre outros
fatores, à situação de pobreza e a distribuição de renda no país.
Nas ultimas décadas observa-se um aumento das famílias monoparentais, em especial
aquelas chefiadas por mulheres; aumento da questão migratória por motivos de sobrevivência
em busca de trabalho, e novos arranjos familiares, o que evidencia as diferentes formas de
constituição e organização das famílias e que se distanciam cada vez mais de um modelo ideal
ou único. Conforme as autoras pesquisadas as políticas públicas de atenção à família ainda
carecem de atenção privilegiada nos programas da política social brasileira, sendo necessário
um maior conhecimento da condição de vida das famílias brasileiras.
Direito a convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção do vinculo
Segundo Vicente (in UNICEF, 2011) o bebê ao ser concebido, já pertence a uma rede
familiar que compreende o pai e a mãe. Nos primeiros anos de vida a criança depende de
cuidados com o corpo, com a alimentação e aprendizagem num ambiente de acolhimento e
afeto, os bebes não sobrevivem ao desamor. Os pais em situação conflituosa produzem uma
relação de ambivalência que pode prejudicar o desenvolvimento da criança.
Em 1951, John Bowlby, um dos principais teóricos especializado em desenvolvimento
humano afirmou que o amor materno na infância e juventude é tão importante para a saúde
mental quanto às vitaminas e proteínas o são para a saúde física. A criança inicia sua historia
dentro da historia de sua família, junto à comunidade ou nação. Ela nasce em um determinado
território social e geográfico, aonde vai definindo sua identidade.
O vinculo entre a mãe e a criança é importante para garantir segurança à criança. Este
vínculo pode ser também de outra pessoa que não seja a mãe, mas que ocupe papel importante
nas necessidades básicas da criança. A separação dos vínculos por rompimento temporário ou
definitivo produz sofrimento na criança.
Segundo Beckerin (apud VICENTE, in UNICEF, 2011) há casos em que crianças e
adolescentes são privados da convivência com os pais biológicos por razões diversas,
podendo ser por situação de pobreza, carência de recursos materiais ou não. Na ausência dos
pais biológicos os outros membros da família assumem a responsabilidade pelas crianças.
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Somente na ausência ou na impossibilidade dos parentes assumirem a tutela das
crianças, faz-se necessário a escolha de família substituta, sendo esta não pertencente à
família consanguínea.
Há casos como de crianças fruto de gestação indesejada, estupro, relação eventual,
onde geralmente a mãe não se mostra preparada para assumir a maternidade, não deseja ou
não possui condições de assumir a criação do filho. Algumas dessas mães, por diversos
motivos, optam por entregar a criança para adoção, tendo a intenção, muitas vezes, de garantir
proteção à criança, uma vez que ela está incapacitada de proporcionar esta proteção e o afeto.
Um paradigma persistente em nossa sociedade é o fato de ser mãe solteira, segundo a autora
este é um problema sócio cultural que requer tempo e educação.
A perda do pátrio poder será decretada quando o desenvolvimento da criança ou
adolescente apresentar risco junto aos seus pais. Assim, cabe ao poder judiciário decidir e,
baseado no conhecimento dos motivos pelo qual a criança esta sendo separada da sua família
biológica, informar as possíveis consequências definitivas de sua decisão. Esta é uma situação
delicada onde caso sejam tomadas decisões precipitadas, estas podem ter resultados danosos
pra a criança e para a mãe. Manter os vínculos a qualquer preço pode colocar em risco o
desenvolvimento afetivo do bebe, é importante respeitar as decisões, tomar todas as
providencia cabíveis necessárias para assegurar o direito da criança a ser acolhida por outra
família. A situação de pobreza lidera como o principal motivo da separação.
As principais formas de garantir judicialmente a proteção e o direito das crianças e dos
adolescentes à convivência familiar e comunitária se efetiva através da guarda, tutela, e
adoção. Antes dessa decisão, porém, recomenda-se o apoio e fortalecimento dos vínculos
familiares incluindo o acesso a programas de complementação de renda das famílias
empobrecidas para que possam criar e educar seus filhos. Na impossibilidade, cabe ao
judiciário a colocação desta criança em família substituta.
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária
A legislação brasileira reconhece a família como estrutura vital e essencial na
socialização e humanização da criança e do adolescente, e espaço de desenvolvimento dos
indivíduos. A história da família brasileira, no entanto, mostra que ela teve e ainda tem
grandes dificuldades de realizar a proteção, desenvolvimento e o cuidado de seus membros
devido ao sistema capitalista excludente, explorador, injusto e desigual que impõe à família o
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dever quase que total de proteção de seus membros sem, contudo, dar o devido suporte para
tal.
Durante muito tempo o Estado culpabilizou e tratou a família, especialmente as de
que se encontram em situação vulnerável, como incapaz, usando este argumento para
suspender provisoriamente a guarda dos filhos, que eram retirados do convívio familiar sem
qualquer preocupação com a preservação dos vínculos afetivos, sendo encaminhadas a
instituições.
Com o aprofundamento das desigualdades e as situações precárias de crianças e
adolescentes, houve uma mudança nos paradigmas sociais existentes, e através do olhar
interdisciplinar começa a se dar maior importância aos vínculos familiares. A partir da década
de 80 e 90 são formuladas leis para garantir o direito das crianças e adolescentes, dentre elas
se destaca o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)7. Nesse período, também houve
debates a respeito dos abrigos, e de adoções. As crianças passaram a ser tratadas legalmente
como sujeitos de direitos, o que significa que são consideradas como indivíduos íntegros, que
têm personalidade e vontade própria, e, portanto não devem ser consideradas como passivas,
subalternas e/ou objetos dos adultos.
A família, em seus relacionamentos afetivos é um espaço vital de desenvolvimento da
criança e do adolescente. É na convivência familiar que são criados os vínculos necessários
para que se sintam aceitos, amados, cuidados e aprendem os limites e as habilidades exigidas
para viver em comunidade. Daí a importância da convivência em família para um
desenvolvimento saudável.
Segundo a Constituição Federal de 1988, é dever da família, da sociedade e do Estado
exercer a proteção à criança evitando, sempre que possível, a quebra de vínculos. As situações
que demandam intervenção da sociedade e do Estado são as seguintes: a violência doméstica,
o abandono e a negligência. As situações devem ser analisadas minunciosamente para
verificar se determinado fato se deu devido a situações momentâneas que saíram do controle
daquela família, ou se a situação vem se estendendo durante um longo período. Dessa forma,
não é justificável a retirada dos filhos do seio familiar, sendo antes deste procedimento
extremo, ser priorizado o fortalecimento dos vínculos e a inclusão da família em programas
sociais e políticas públicas, dependendo da situação.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído pela Lei nº 8.069 em 13 de Julho de 1990. Ele tem como
objetivo a proteção integral da criança e do adolescente e sua finalidade é regulamentar as diretrizes de proteção
social prescritas na Constituição Federal de 1988.
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Quando se verifica a necessidade de afastamento das crianças do convívio familiar é
necessário buscar o Ministério Público e o Judiciário. Ainda que a decisão dependa do poder
judiciário, deve ser recomendada por uma equipe profissional interdisciplinar que avalie a
situação. Se a decisão for tomada no sentido de afastamento da criança do convívio familiar
para conservação de sua integridade física, mental e psicológica, devem ser oferecidos
serviços que incluam os pais e que proporcionem cuidados e desenvolvimento saudável,
sempre agindo na busca da reinserção/reintegração da criança em sua família de origem ou, se
isso for impossível, em família substituta. Esses serviços são oferecidos através do
Acolhimento Institucional ou Programas de Famílias Acolhedoras.
O Programa de Famílias Acolhedoras é um serviço que visa acolher crianças e/ou
adolescentes, que foram afastados da família de origem como uma medida de proteção,
objetivando a proteção integral da criança e adolescente até o retorno a sua família ou,
excepcionalmente, à família substituta. Tem caráter provisório e as crianças permanecem com
as Famílias Acolhedoras até que a solução permanente seja definida, sempre priorizando a
reinserção na família de origem. Essas famílias devem ser cadastradas no Programa e a partir
daí serão selecionadas, receberão capacitação, acompanhamento, e supervisão de uma equipe
multiprofissional. Quanto às famílias de origem, devem essencialmente, ser trabalhadas e
acompanhadas psicológica e socialmente, visando à reintegração de suas crianças e/ou
adolescentes.
Outro aspecto importante do Programa Família Acolhedora é a articulação com uma
rede de serviços como o Judiciário, Justiça da Infância e da Juventude e outros setores
responsáveis pela garantia dos direitos. Devido ao tipo de acolhimento que este Programa
propõe há uma exigência de que seja feito um mandato judicial de guarda. O pedido dessa
guarda é feito pelo Programa ao Juízo, em prol da Família Acolhedora e vigora enquanto esta
permanecer inserida nele.
Tanto o programa Família Acolhedora, bem como os de acolhimento institucional,
devem seguir as diretrizes, princípios e normas do ECA, dentre os quais se destacam o caráter
provisório e excepcional do acolhimento: priorizar e investir na reintegração familiar;
preservar os vínculos entre irmãos; trabalhar com as redes de serviços; comunicação continua
com a Justiça da Infância e da Juventude.
Embora os programas de acolhimentos tenham grande importância, deve-se manter em
vista a prioridade das soluções e decisões permanentes em relação às crianças e adolescentes
acolhidos. Um dos dilemas enfrentados atualmente é saber quanto tempo deve-se esperar até
conseguir uma resposta/mudança dos pais para reinserção familiar e quando se deve começar
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o processo de retirada do poder familiar para liberar a criança para adoção, apesar de a
realidade brasileira apontar para a dificuldade de adoção de crianças maiores e adolescentes.
A permanência por longo período da criança ou adolescente no sistema de
acolhimento diminui a possibilidade de reintegração à família de origem, devido à quebra e
enfraquecimento dos vínculos. Devido a esses fatores torna-se imprescindível investir num
trabalho efetivo de reintegração familiar e optar pela adoção apenas quando todas as
possibilidades de reinserção na família de origem forem esgotadas. Isso requer uma equipe
interdisciplinar comprometida, formada por profissionais do abrigo e/ou instituição
acolhedora que realizarão o acompanhamento e o estudo psicológico e social, quando
necessário, das famílias de origem, das crianças e adolescentes acolhidos e profissionais da
Justiça da Infância e da Justiça. É relevante a defesa intransigente dos laços e vínculos
afetivos e estruturantes da criança, que não são necessariamente dos vínculos biológicos.
O Programa Famílias Acolhedoras é comum em países europeus e vem ganhando
expressão aqui no Brasil, como nos mostra o projeto pioneiro que aconteceu em Santa
Catarina e o Programa Serviço Alternativo de Proteção Especial à Criança e ao Adolescente
(SAPECA).
Segundo Bittencourt (2004), o Projeto de Acolhimento Familiar pioneiro se deu em
São Bento do Sul – SC, com o objetivo de atender as necessidades locais no que se refere a
garantir os direitos da criança e do adolescente.
Inicialmente o projeto foi apresentado pelo juizado da Infância e Juventude, na pessoa
de uma assistente social e pelo grupo de apoio a adoção Gerando Amor. Em seguida foi
submetido à aprovação pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA)
sendo implantado oficialmente em julho de 2002 e está vinculado à secretaria de
Desenvolvimento Comunitário da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul.
O projeto se confrontou com uma questão cultural muito forte, a ideia de que o abrigo
institucional é a melhor opção de atendimento as crianças que necessitem de proteção, mas
que a criança institucionalizada é privada de um dos seus direitos fundamentais que é a
convivência familiar. Ao propor o acolhimento dessa criança em uma Família Acolhedora, o
projeto possibilitou tal convivência familiar essencialmente fundamental para seu
desenvolvimento e que não é encontrado dentro das instituições. As famílias interessadas em
participar do programa são criteriosamente selecionadas se diferenciando na capacidade de
acolher, amar, cuidar, proteger, educar sem querer para si.
As Famílias Acolhedoras devem ter clara a ideia de que em um determinado momento
essa criança irá partir, mas que poderão manter contato, seja com a família de origem, família
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substituta, ou com a família que possivelmente a adotará, caso todos os envolvidos estejam
em comum acordo, podendo esse relacionamento ser de extrema importância para o
desenvolvimento da criança.
O programa de proteção se constrói exigindo envolvimento de diversos autores:
psicólogos, assistentes sociais, pedagogos assistentes administrativos, motoristas e
profissionais voluntários e é sem dúvida muito mais complexo que um abrigo institucional Os
resultados obtidos com o programa são compensadores, pois a preocupação fundamental é
com a qualidade do atendimento a todos os participantes priorizando a criança e adolescente.
Descrição da experiência do Programa SAPECA
Outro programa criado em Campinas, posterior ao Projeto de Acolhimento Familiar,
mas seguindo na mesma direção, é o Projeto SAPECA - Serviço Alternativo de Proteção
Especial à Criança e ao Adolescente, previsto no artigo 90 do ECA. Segundo Valente (2009)
esse programa atende crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica em famílias
acolhedoras, sempre dando atenção especial e objetivando a volta a família de origem, para
que o retorno da criança seja de forma protegida.
O SAPECA, programa criado em junho de 2007 passou de programa alternativo para
modalidade de atendimento previsto na política pública. Esse projeto foi criado por
profissionais que atuavam em Departamentos de Apoio a família, Criança e Adolescente, da
Secretaria Municipal de Assistência Social, da Prefeitura de Campinas como assistentes
sociais e psicólogas que conviviam com crianças institucionalizadas. Sua principal
característica é a preocupação permanente em realizar um trabalho efetivo de garantia de
direitos das crianças e adolescentes atendidos.
No primeiro momento esse projeto atendia crianças de 0 a 6 anos que eram retiradas
do convívio familiar pelo conselho tutelar ou pela vara da infância e juventude por serem
vítimas de violência doméstica, sendo transferidas para famílias acolhedoras. Durante todo
esse processo de guarda da criança é feito um intenso trabalho com a família de origem com o
propósito de possibilitar o retorno dela, desde que não corra mais nenhum tipo de perigo de
vir a sofrer novas violências. Sendo assim, após o retorno essa família é acompanhada por
mais cinco anos. O programa SAPECA compõe o plano Plurianual da Secretaria Municipal de
Assistência Social da Prefeitura de Campinas, e colabora diretamente nas discussões junto ao
Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, através de suas comissões.
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Considerações Finais
Através do resgate histórico das famílias pudemos compreendemos as instituições
familiares na contemporaneidade com suas mudanças e arranjos e sua dificuldade de
enfrentamento quanto às problemáticas advindas de um sistema capitalista que é responsável
pelas mudanças ocorridas nesse núcleo extremamente complexo e importante para o
desenvolvimento do ser humano, já que é nesse mesmo âmbito onde se desenvolve
essencialmente os conceitos morais e a afetividade responsável pela plena emancipação do
sujeito e que mais tarde refletirá na sua capacidade de sociabilização. Portanto, destacamos
que a afetividade tem um caráter pessoal, mas que as consequências que ela pode trazer
consequencias a sociabilidade do gênero humano. Dessa forma, entendemos que a falta de
afeto no núcleo familiar prejudica o desenvolvimento da criança, podendo afetar as relações
sociais no decorrer de toda vida.
Consideramos ainda, que no contexto neoliberal em que vivemos, o Estado difunde a
ideologia no sentido de que a família deve se responsabilizar pela proteção social de seus
membros retraindo suas responsabilidades, passa a incentivar as relações de ajuda mútua e de
confiança, subsidiando as famílias apenas nos casos extremos de instabilidade econômica.
Nessa perspectiva identificamos o surgimento de projetos que visam amenizar os problemas
causados pela institucionalização de crianças e adolescentes abandonadas.
O programa de Famílias Acolhedoras se destaca priorizando os valores morais, éticos
e sociais adquiridos no núcleo familiar, buscando o desenvolvimento da capacidade de
socialização, a qual é impossível de ser apreendida em instituições de acolhimento.
Entendemos que tal projeto é extremamente oportuno no contexto histórico atual sendo o mais
importante e capaz de amenizar o sofrimento da criança ou adolescente que teve os vínculos
familiares rompidos, proporcionando através da vivência cotidiana em família sua identidade
e emancipação social.
Referências
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KALOUSTIAN, Sílvio Manoug. (Org.). Família Brasileira a base de Tudo. 10. ed. São
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Claudia (Org.). Acolhimento Familiar experiências e perspectivas. Rio de Janeiro:
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(Conselho Nacional da Assistência Social). Plano Nacional de Promoção, Proteção e
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Brasília, DF: 2006.
UNICEF, Família Brasileira a base de Tudo. 10. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNICEF, 2011, p.11-15.
GUEIROS, Dalva Azevedo. “Família e proteção social: questões atuais e limites da
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SAWAIA, Bader B.. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller. (Orgs.).
Família, Rede, Laços e Políticas Públicas. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2008, p.39-49.
VALENTE, Jane. PINHEIRO, Adriana; ANDRADE, Elizabeth Aparecida Moura; MAEDA,
Marcia; MOLITERNO, Maria de Fátima de Aquino; NASCIMENTO, Maria Rachel (coautoras). Acolhimento Familiar da Proteção Alternativa à Política Pública: a Experiência
do Programa SAPECA. 1.ed. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009.
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A Convivência Familiar e Proteção Social