PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
UM MONSTRO DOS OLHOS VERDES:
Reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana
Luisa Izidoro Porto
Belo Horizonte
2010
Luisa Izidoro Porto
UM MONSTRO DOS OLHOS VERDES:
Reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Jacqueline de Oliveira Moreira
Belo Horizonte
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
P839u
Porto, Luisa Izidoro
Um monstro dos olhos verdes: reflexões sobre o ciúme sob a
perspectiva da psicanálise freudiana / Luisa Izidoro Porto. Belo
Horizonte, 2010.
99f.
Orientadora: Jacqueline de Oliveira Moreira
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
1. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Narcisismo. 3. Amor. 4.
Ciúme. I. Moreira, Jacqueline de Oliveira. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de PósGraduação em Psicologia. III. Título.
CDU: 159.964.2
Luisa Izidoro Porto
UM MONSTRO DOS OLHOS VERDES:
Reflexões sobre o ciúme sob a perspectiva da psicanálise freudiana
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia.
______________________________________________________________________
Jacqueline de Oliveira Moreira (orientadora) – PUC Minas
______________________________________________________________________
Andrea Maris Campos Guerra – UFMG
______________________________________________________________________
Roberta Carvalho Romagnoli – PUC Minas
Belo Horizonte, 30 de novembro de 2010
Aos amigos,
pelo companheirismo e incansável apoio.
AGRADECIMENTOS
Ao Marcílio, pela presença constante e afetuosa.
À minha mãe, pela capacidade de compreensão e acolhida.
Ao meu pai, pelos valiosos ensinamentos.
Aos meus irmãos, Bruno e Laura, pelo companheirismo e pelos momentos de alegria
compartilhados.
À minha orientadora Jacqueline, pela dedicação e enriquecedor auxílio.
Aos meus amigos, por não terem se ausentado de mim.
Ao Celso e à Marília, pela presteza e constante disponibilidade.
“Meu senhor, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio
pasto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua
infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e, suspeitando,
adora”.
WILLIAM SHAKESPEARE
RESUMO
O presente estudo tenta entender as movimentações psíquicas que se encontram subjacentes
ao ciúme masculino que se manifesta em relação à companheira. Nesse sentido, busca-se na
teoria psicanalítica Freudiana subsídios para essa investigação. Acreditando que o amor e o
ciúme são dois sentimentos existentes desde os primórdios da sociedade, faz-se de grande
importância as reflexões a respeito dos tipos de amor: andrógino, diotímico, burguês,
romântico e líquido, e seus desdobramentos com relação ao ciúme. Tal percurso nos aponta
para a hipótese de que a constituição do sujeito, seu atravessamento pela castração e o
narcisismo possuem vínculos estreitos com a manifestação dos diferentes graus de ciúme
citados por Freud. No entanto, utilizamos da literatura para estudar dois casos clássicos sobre
esse tema: Otelo e Dom Casmurro.
Palavras-chave: Freud. Narcisismo. Amor. Ciúme.
ABSTRACT
The aim of this study is to understand the psychological movings that underlies the male
jealousy that manifests itself in relation to their wives. In this sense, we seek to Freudian
psychoanalytic theory in grants for such research. Believing that love and jealousy are two
feelings that exist since the beginnings of society, it is relevant the reflections about the types
of love: androgynous, Diotima, bourgeois, romantic and fluid, and their consequences related
to jealousy. This path points to the hypothesis that the subject’s constitution, its intersections
by castration and narcissism have close links with the manifestation of different degrees of
jealousy cited by Freud. However, it was used for this study two classical books from the
literature that have jealousy as their themes: Otelo and Dom Casmurro.
Keywords: Freud. Narcissism. Love. Jealousy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................11
2 TEORIAS SOBRE O AMOR: REFLEXÕES PRELIMINARES.......................18
2.1 O amor em Platão: dos andróginos a Diotima......................................................19
2.1.1 Mito andrógino......................................................................................................19
2.1.2 Discurso de Diotima..............................................................................................20
2.2 O amor romântico: uma crítica ao amor burguês................................................22
2.3 Amor em tempos modernos: o amor líquido em Bauman...................................27
3 CIÚME EM DIVERSAS ABORDAGENS TEÓRICAS.......................................31
3.1 Escrituras sobre ciúme na Bíblia...........................................................................32
3.2 Reflexões sobre ciúme na psicologia evolutiva......................................................34
3.3 Análise funcional do comportamento: uma teoria do ciúme no Behaviorismo.37
3.3.1 Ciúme e Transtorno Obsessivo Compulsivo.........................................................40
3.3.2 Inventário de Ciúme Romântico...........................................................................42
3.4 O ciúme enquanto fenômeno social........................................................................43
4 TEORIA PSICANALÍTICA SOBRE O CIÚME....................................................46
4.1 A importância do ciúme na constituição do sujeito...............................................47
4.2 Narcisismo em Freud e considerações sobre o ciúme...........................................50
4.3 As três expressões do ciúme na teoria Freudiana.................................................59
4.4 Manifestações do ciúme...........................................................................................60
4.4.1 Ciúme Normal........................................................................................................60
4.4.1.1 A criança e a mãe...............................................................................................60
4.4.1.2 O sujeito e o outro..............................................................................................62
4.4.2 Ciúme Projetado.....................................................................................................65
4.4.3 Ciúme Delirante.....................................................................................................66
5 O CIÚME NA LITERATURA, UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA:
OTELO E DOM CASMURRO.......................................................................................69
5.1 O ciúme mortífero: Otelo e Desdêmona.................................................................72
5.2 O ciúme normal: uma leitura sobre Dom Casmurro.............................................79
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................87
REFERÊNCIAS..............................................................................................................89
11
1 INTRODUÇÃO
O ciúme é um sentimento considerado comum em nossa sociedade; é encontrado em
todos os tipos de relacionamentos humanos. Acredita-se que, em algum momento da vida, em
graus diferentes, experienciamos a sensação de ciúme. Ele pode ser entendido como uma
reação à ameaça de um rival, real ou imaginário, a um relacionamento significativo. A ilusão
de ser o único na vida do amado submerge quando adentra um terceiro na relação. Amor,
afeição e atenção são direcionados a uma terceira pessoa, e o ciumento pensava que esses
sentimentos deveriam ser oferecidos exclusivamente a ele.
O ciumento visa diminuir ou excluir os riscos da perda do objeto amado; sua tentativa
parece ser de convocar toda a atenção e demonstrações de amor para si mesmo. A literatura
encontrada sobre o ciúme aponta várias formas de manifestações, com graus diversos e
distinções para os homens e as mulheres. Às vezes, o ciúme é considerado uma maneira de
expressar afeto, zelo, amor. Porém, questiona-se se quem ama mata. É notório que pessoas
que sentem ciúme podem aniquilar sua vítima. De acordo com divulgações da mídia e
conhecimento de casos rotineiros, podemos inferir que o ciúme no masculino emerge como
sendo mais agressivo e capaz de causar assassinatos.
Dessa forma, no decorrer dos anos, a violência contra as mulheres vem assumindo um
lugar de interesse geral e se tornando um tema de grande importância nas pesquisas. Segundo
o Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o CFEMEA (2007), em uma pesquisa realizada
sobre os temas que mais preocupam as mulheres brasileiras, os dois mais citados foram a
violência contra a mulher em casa e a violência contra a mulher fora de casa/assédio sexual.
Assim sendo, percebe-se que a violência projeta-se como um tema de extrema seriedade e
pode ser observada em todas as classes sociais. A violência doméstica ou fora de casa são
assuntos que superam outros, como: doenças como câncer de mama e útero; AIDS e o
crescimento da AIDS entre mulheres; forma de evitar filhos e igualdade de salários com
homens.
Essa violência tão aparente e recorrente torna-se inspiração para o presente estudo e
justifica a importância social de nosso trabalho para a compreensão das relações humanas
atuais. Faz-se necessário pesquisar o motivo e a forma como essas agressões acontecem. De
acordo com dados do CFEMEA (2007), aproximadamente uma em cada três mulheres
pesquisadas nos estados brasileiros de São Paulo e Pernambuco diz já ter sofrido algum tipo
12
de violência cometida pelo parceiro. E ainda, esses dados estatísticos também denunciam que,
em quase todos os casos de violência, mais da metade das mulheres não pede ajuda. Somente
em casos considerados mais graves, como ameaças com armas de fogo e espancamento com
marcas, cortes ou fraturas, pouco mais da metade das vítimas (55% e 53%, respectivamente)
recorre a alguém para ajudá-las (CFEMEA, 2007).
A gravidade da violência contra a mulher se tornou tão preocupante que em muitos
países, como o Equador, a Espanha, e, também o Brasil, as autoridades legislativas e
judiciárias precisaram se movimentar para avaliar e tentar reduzir o número de casos que está
acontecendo. Algumas medidas foram adotadas para o combate à violência contra a mulher,
entre elas a criação de Delegacias Especializadas no atendimento a mulheres vítimas de
violência, a implantação do serviço telefônico gratuito − SOS Mulher − e a organização do
serviço de atendimento psicológico para as mulheres vítimas de violência. Segundo a ministra
da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, após a nova legislação já
foram criados novos 40 juizados especializados em violência doméstica. Além deles, há 392
delegacias de atendimento à mulher no país, 80 centros de referência, 60 casas abrigo e 12
defensorias públicas (CFEMEA, 2007).
Na Espanha, o Congresso dos Deputados aprovou, em 2004, o Projeto de Lei Orgânica
de medidas de proteção integral contra a violência de gênero. Essa foi a primeira lei europeia
contra a violência de gênero. No texto da lei, consta que a violência de gênero se manifesta
como o símbolo mais brutal da desigualdade existente na sociedade, pois se trata de uma
violência dirigida às mulheres por serem consideradas carentes dos direitos mínimos de
liberdade, respeito e capacidade de decisão. O texto estabelece a criação de juizados
especializados, melhoria na assistência às vítimas e criação de centros de reabilitação integral,
além de uma série de procedimentos de proteção às mulheres ameaçadas. A pena aos
agressores poderá ser de detenção fechada de até cinco anos ou pena de outra natureza de até
dez anos.
Dados espanhóis disponíveis mostram que, no primeiro semestre de 2004, houve 47
mil denúncias de maus-tratos e que apenas 2% delas foram apresentadas por homens, segundo
o Observatório contra a Violência Doméstica e de Gênero.1 Ou seja, são 98% de denúncias
feitas por mulheres. Qual seria o motivo de um número tão alto de agressões, que geralmente
são realizadas pelos companheiros? Percebe-se a dificuldade do controle da violência contra a
mulher numa sociedade com pensamentos machistas em que as mulheres não possuem os
1
http://www.observatorioviolencia.org.
13
mesmos direitos e deveres que os homens. Outro país que também deliberou uma Lei contra a
Violência à Mulher e à Família foi o Equador. O artigo primeiro diz assim:
Artigo 1 − Objetivo da Lei − A presente lei visa proteger a integridade física,
psíquica e a liberdade sexual da mulher e dos membros da sua família, através da
prevenção e repressão da violência intrafamiliar e de outros atentados contra os seus
direitos e os de sua família.2 (BRASIL, 2006).
Nesta lei, criada em 1995, antes da espanhola, se considera como violência
intrafamiliar toda ação ou omissão que consista em maltrato físico, psicológico ou sexual,
executado por um membro da família contra a mulher ou demais integrantes do núcleo
familiar. O interessante dessa lei é a diferenciação que ela faz entre três tipos de violência:
física, psicológica e sexual. A violência física corresponde aos atos de força que causem dano,
dor ou sofrimento físico às pessoas agredidas independentemente do meio utilizado e de suas
consequências. A violência psicológica constitui de ações que causem dano, dor, perturbação
emocional. Enfim, a violência sexual é todo maltrato que constitua imposição ao exercício da
sexualidade de uma pessoa, e que a obrigue a ter relações ou outras práticas sexuais com o
agressor ou com terceiros, mediante o uso de força física, ameaças ou qualquer outro meio
coercitivo.
A lei ainda prevê algumas medidas de amparo em favor da pessoa agredida, tais como:
conceder auxílio que for necessário ao agredido, ordenar a saída do agressor da convivência
familiar, impor ao agressor a proibição de cercar a vítima em seu local de trabalho ou estudo
ou proibir e restringir ao agressor o acesso à pessoa violentada. O agressor pode ser preso ou
cumprir pena em liberdade com prestação de outros serviços.
Na realidade brasileira, assim como na espanhola e na equatoriana, a sociedade possui,
atualmente, uma consciência maior do que em épocas anteriores sobre a incidência das
agressões sobre as mulheres. Atentos à seriedade da situação, as autoridades políticas
brasileiras também notaram a necessidade de criação de leis de proteção à mulher. Podemos
dizer que todas essas leis ferem a constituição, pois não seguem o direito de igualdade entre
todos. Porém, é visível que a situação da mulher é tão desigual que se faz necessário utilizar
um recurso que fere a ideia de igualdade de direitos para protegê-las das agressões físicas e
psicológicas que vêm sofrendo.
2
Art 1 − Fines de la Ley.- La presente ley tiene por objeto proteger la integridad física, psíquica y la libertad
sexual de la mujer y los miembros de su familia, mediante la prevención y la sanción de la violencia
intrafamiliar y los demás atentados contra sus derechos y los de su familia (CFEMEA).
14
Conhecida como Lei Maria da Penha, a lei número 11.340, decretada pelo Congresso
Nacional e sancionada em 2006, prevê o aumento no rigor das punições das agressões contra
a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. A farmacêutica Maria da Penha,
que dá nome à lei contra a violência doméstica, foi agredida pelo marido durante seis anos.
Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira, com arma de fogo, deixando-a
paraplégica, e na segunda por eletrocução e afogamento. O marido de Maria da Penha só foi
punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado.
A Lei Maria da Penha possibilitou que agressores de mulheres no âmbito doméstico
ou familiar fossem presos em flagrante ou tivessem sua prisão preventiva decretada. Esses
agressores não poderão mais ser punidos com penas alternativas e a legislação aumentou o
tempo máximo de detenção; previsto de um para três anos. A nova lei ainda prevê medidas
que vão desde a saída do agressor do domicílio à proibição de sua aproximação da mulher
agredida e dos filhos.
Seguindo as formas de violência abordadas pela lei equatoriana, só que indo mais
além, a Lei Maria da Penha dita que os modos de violência doméstica familiar contra a
mulher são:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade
ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio
que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria (BRASIL, 2006).
Após a promulgação da Lei Maria da Penha, as denúncias de violência contra mulher
aumentaram quase 50% no Rio Grande do Sul. Em Pernambuco, estado líder em casos de
morte de mulheres por companheiros, em cinco dias foram registrados 13 flagrantes. O
15
interessante é que o ciúme desponta como a principal causa aparente da violência, assim como
o alcoolismo ou estar alcoolizado no momento da agressão (mencionadas por 21%, ambas),
razões que se destacam, em respostas espontâneas sobre o que acreditam ter causado a
violência sofrida, superando em larga escala as demais menções (CFEMEA, 2007). Por que o
ciúme culmina em agressividade? Percebe-se, então, que o ciúme no homem tende a ser mais
violento.
Apesar da criação da lei e das medidas protetivas às mulheres agredidas, percebe-se
pelos casos constantemente divulgados pela imprensa a dificuldade em praticar as ações
impostas na lei. Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, segundo o Mapa da
Violência 2010, estudo feito pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Sistema Único de
Saúde. A maioria é vítima de ex-namorados, maridos e companheiros. A promotora de Justiça
Luiza Nagib Eluf, especialista em crimes contra a mulher e homicídios passionais e com cinco
livros publicados, entre eles o best seller A Paixão no Banco dos Réus (ELUF, 2009), no qual
analisa os principais crimes passionais que ocorreram no País, Luiza diz que as leis atuais são
boas, mas há ineficiência da polícia e do Judiciário quando a mulher denuncia a agressão ao
poder público.
Em Belo Horizonte, a cabeleireira Maria Islaine denunciou o ex-marido por agressão.
Ela conseguiu a proteção da lei, mas não teve a real dimensão do perigo. O advogado de
Maria Islaine pediu uma atitude rápida da Justiça. Avisou três vezes que o agressor havia
descumprido os limites de distância impostos pela Lei Maria da Penha. Não foi atendido com
a urgência necessária. Em janeiro de 2010, as câmeras de segurança do salão de beleza
registraram a execução da cabeleireira.
Outro caso que chamou atenção da população foi a morte da advogada Mércia
Nakashima. De acordo com a investigação, o ex-namorado Mizael matou Mércia por ciúme.
A vítima levou um tiro, desmaiou e o carro onde ela estava foi empurrado para uma represa.
O motivo do crime seria ciúme. Segundo depoimento de Evandro, porteiro do prédio de
Mércia e acusado de participação no crime, Mizael estaria desconfiado que a ex-namorada,
com quem saía esporadicamente, o estaria traindo com outro homem. Além disso, o advogado
não aceitava o fim do relacionamento de mais de três anos e sempre buscou reatá-lo, apesar
das negativas da advogada. A violência contra pessoas com quem Mizael possui
relacionamento de ordem sentimental não apenas ocorrera com Mércia, mas, também, em
menor escala, com a ex-esposa, conforme documentação colacionada aos autos. O que
acontece com Mizael que o torna agressivo? Por que manter um relacionamento amoroso
16
implica em violência? Qual o motivo da violência? Por que a perda de um objeto amoroso
retorna com o aniquilamento desse objeto? São várias questões que nos fazemos para tentar
entender certas características diante da perda da amante.
Sabemos que são vários os casos de assassinato de mulheres motivados por ciúme.
Uma fúria incontrolada torna os homens tão violentos que a briga do casal culmina em morte.
O lenheiro Wilson Paixão Gimenes, 46 anos, matou sua esposa no final de julho na residência
do casal, que fica na Horta Comunitária, em Tamarana, distante 62 km de Londrina. Maria
Aparecida da Luz, 54 anos, foi assassinada, durante uma briga, por ciúme do esposo, que a
asfixiou com as próprias mãos. De acordo com a Polícia Militar, ele revelou que matou a
esposa porque "descobriu" que ela estava tendo uma relação extraconjugal. A informação de
traição teria sido repassada a ele por vizinhos.
Após esses exemplos recorrentes de casos de violência masculina contra a mulher, que
na maioria das vezes é motivada pelo ciúme, fica a pergunta de quais são as características
que favorecem o ciúme: Por que os homens se tornam tão violentos frente a uma situação de
perda ou ameaça de perda do objeto de amor? Existem características peculiares à distinção
anatômica entre os sexos diante da ocorrência do ciúme?
Contudo, não devemos fechar os olhos para os números de casos de violência
doméstica, crimes passionais, dentre outros fatos comentados pelos noticiários diários, ou
mesmo citados e estudados pela literatura científica sobre o ciúme. Para Palermo et al. (1997),
citado por Torres (1999), são, geralmente, crimes cometidos por homens (mas isso não exclui
as mulheres) com algum problema psicológico, desde transtornos de personalidade,
alcoolismo, drogas, depressão, obsessão, e até a esquizofrenia. Assim sendo, pode-se entender
que são os excessos e estes desequilíbrios, por exemplo, aliados ao ciúme, é que causam as
trágicas consequências para os relacionamentos amorosos?
Na tentativa de responder a essa e outras questões sobre o ciúme e investigar suas
características, pretende-se, nesta pesquisa, primeiramente discutir as teorias do amor. Pois
entendendo que o sentimento de ciúme encontra-se assentado nas relações amorosas parecenos crucial entender as diferentes teorias do amor.
Para um segundo momento, pesquisaremos as mais importantes definições e teorias
sobre o ciúme, buscando o olhar de teorias como a psicologia evolutiva e a teoria
comportamental. Estudos sobre o ciúme são feitos em grande escala, em diversas abordagens
teóricas e diferentes enfoques. Ramos (2001) fez sua pesquisa na linha comportamental
cognitivista, Almeida (2007) seguiu os passos de Ramos e utilizou-se da Escala do Ciúme
17
Romântico. Torres (1999) discutiu o ciúme como um sintoma do transtorno obsessivo
compulsivo. Na psicologia evolutiva, o principal teórico é Buss (2000), que afirma que o
ciúme é um mecanismo de defesa desenvolvido para uma pessoa perpetuar o seu material
genético através da reprodução e da sobrevivência de seus filhos. E, ainda, alguns teóricos de
cunho sociológico e antropológico têm tentado desvendar uma origem cultural para o ciúme.
A partir dessa pesquisa bibliográfica de diversas abordagens sobre o ciúme,
iniciaremos uma pesquisa baseada na teoria psicanalítica, principalmente nos escritos
freudianos. Buscaremos subsídios que nos possibilitem entender o ciúme e procurar as
possíveis articulações dessas características com o amor, pretendendo chegar ao objetivo de
estudar os mecanismos envolvidos no sentimento de ciúme nos sujeitos freudianos e,
principalmente, na posição dos sujeitos frente a esse sentimento.
Concluindo o estudo, citaremos e discutiremos as obras literárias que possuem
exemplos clássicos de violência causada pelo sentimento do ciúme. Assim como praticou
Freud, e entendendo ser a literatura uma expressão do cotidiano, utilizaremos dela como
recurso para apreender a psique humana. Para isso, traremos exemplos paradigmáticos do
ciúme nos clássicos internacional e nacional: Otelo e Dom Casmurro.
18
2 TEORIAS SOBRE O AMOR: REFLEXÕES PRELIMINARES
A maneira como o indivíduo sente, expressa e vivencia o sentimento amoroso está
relacionada a um conjunto de idéias, fantasias, imagens e discursos ao qual ele tem
acesso, no qual ele é inserido por intermédio da sua família e do(s) grupo(s)
social(ais), como o qual ele se identifica ou não. (CHAVES, 2004, p. 92).
O amor sempre foi um tema que provocou reflexões poéticas, filosóficas, sociológicas
e psicológicas. Diferentes campos científicos se dedicam ao estudo do tema do amor. Na
literatura e, principalmente, na vida cotidiana, nos deparamos com recorrentes exemplos das
tragédias que o ciúme pode introduzir em uma relação amorosa. O amante é invadido por um
sentimento incontrolado de ciúme e diz estar agindo por amor.
Por que falaremos do amor? O amor, um tema presente em nossas vidas, é cada vez
mais almejado pelas pessoas. De forma geral, pode-se dizer que as relações que
estabelecemos ao longo de nossas histórias estão permeadas pelas relações amorosas; e são
nesses relacionamentos que podemos perceber com maior clareza a existência do ciúme.
Estudaremos o amor a fim de compreender mais nitidamente a questão do ciúme. Pensa-se,
então, na afirmação de Santo Agostinho: “Quem não tem ciúme, não ama” (AGOSTINHO,
1996). Mas, será? Qual a relação entre esses dois sentimentos? Estudos realizados por Mullen
e Martin (1994) confirmam que, para as pessoas do senso comum, há estreitas relações entre o
amor verdadeiro e o ciúme. Em contrapartida, Montreynaud (1994) enfatiza que “o ciúme não
é prova de amor, mas sinal de imaturidade”. (MONTREYNAUD, 1994, p. 40). Assim, faz-se
necessário compreender o que estamos nomeando de amor.
As relações amorosas são construções sócio-históricas e estão presentes desde os
primórdios da sociedade. Suas configurações e constituições foram se transformando ao longo
da narrativa humana. Veremos que, no diálogo de Platão, O Banquete, encontramos uma
conversa informal sobre Eros. Alguns filósofos e pensadores nos oferecem um banquete de
palavras, ideias e articulações envolto no tema amor. Lembraremos, também, três momentos
importantes das relações amorosas, a saber, o amor burguês, o amor romântico e o amor
líquido. Todos são construções culturais, apoiam-se em condições não só de razão ou de
sentimento, como também sociais e culturais. No primeiro, percebe-se a relação amorosa
como um acordo entre famílias, em que se envolvem interesses de benefícios financeiros e
imposições sociais e culturais; no segundo, há uma valorização especial ao sentimento
existente; foi uma construção do romantismo que veio revolucionar o ideal de amor até então
19
vigente. E, no último, há a liquidez dos relacionamentos, seguindo as regras de consumo da
sociedade contemporânea e a evitação do sofrimento.
2.1 O amor em Platão: dos andróginos a Diotima
Iniciaremos com Platão. O Banquete é um clássico sobre o amor. Constitui-se de um
diálogo realizado durante o encontro em que os filósofos Agaton, Erixímaco, Pausânias,
Aristófanes, Fedro, Sócrates e Alcibíades discursavam sobre Eros. Os pensadores bebiam e
comiam enquanto discorriam em homenagem a Eros. Nos ateremos aos discursos de
Aristófanes e Sócrates, que são os que mais nos interessam para o presente trabalho.
2.1.1 Mito andrógino
Aristófanes, um rapaz de excessos, é enviado a Sócrates pelo pai para aprender a se
livrar de seus cobradores. O jovem devedor inicia sua fala dizendo da natureza humana e suas
características. Expõe um mito sobre como surgiu o homem. Segundo ele, a natureza humana
se dividia em três gêneros: masculino, feminino e andrógino (gênero comum, composto de
macho e fêmea, também conhecido como hermafrodita). Cada homem era um todo em forma
esférica, possuía quatro mãos, quatro pernas, dois rostos, quatro orelhas e um par de genitais;
os outros órgãos também eram em dobro. Andavam eretos, eram fortes e vigorosos.
Arrogantes, desafiavam os deuses e, por isso, Zeus decidiu seccionar cada um em dois para
deixá-los mais fracos e prestativos aos deuses. Assim, existia um ser inteiro, mas como era
muito poderoso, Zeus os separou para reduzir o poder deles. Passaram, então, a andar pela
terra sem a sua metade como punição dos deuses. Zeus fez com que um ser se tornasse, então,
dois. Desde então, um ser busca se unir ao outro com o objetivo de reconstituírem suas forças.
Cada parte pretendia se unir à outra com intuito de se tornarem um único ser. Quando uma
parte morria, a outra sofria e procurava outra metade.
Zeus concebeu, ainda, o transporte das partes genitais para frente, podendo assim
haver reprodução no encontro de dois sexos. Eros é quem se incumbe da união dos dois seres
20
para constituição e descendência dos homens. O mito de “Aristófanes apresenta Eros como o
que se perdeu e que, portanto, se pretende voltar a encontrar” (JAEGER, 1994, p. 733). Eros é
responsável pela restauração de dois em um. Eram todos a metade de outro e procuravam sua
metade complementar. Eram antes uma totalidade. Aristófanes define o amor como “desejo e
ânsia dessa complementação, dessa unidade” (PLATÃO, 2006, p. 84). Assim, ao desejo de
constituir a totalidade anteriormente existente nomeia-se Eros. Segundo Jaeger:
O amor por outro ser humano é aqui focalizado à luz do processo de
aperfeiçoamento do próprio eu. Essa perfeição só é atingível na relação com um tu,
pela qual as forças do indivíduo precisado de complemento se incorporam no todo
primitivo e assim possam atuar na sua verdadeira eficácia. (JAEGER, 1994, p. 732).
O discurso de Aristófanes é encerrado afirmando que, enaltecendo e louvando os
deuses, Eros nos corresponderá com a restauração da natureza primitiva, oferecendo-nos
ventura, força e bem-estar. Esse discurso demonstra que o amor era a busca pela completude
anteriormente existida. Um ser completaria o outro e assim seriam fortes e felizes. O objetivo
de vida desses seres era atingir a completude, encontrar sua outra metade. Ainda hoje, há
pessoas que buscam nos seus parceiros completar a si próprias, e quando acreditam terem
encontrado sua metade, qualquer situação que possa ameaçar a perda torna-se insuportável.
Acredita-se na ilusão de que é possível ter no objeto amado o que falta ao amante. Encontrase na pessoa amada o retorno a um estado anterior de união e completude? São dessas
situações que a agressividade emerge? Como uma ameaça de perder uma parte de si mesmo?
Por isso, o ciúme aparece de forma agressiva?
2.1.2 Discurso de Diotima
Pensemos agora nas palavras de Sócrates. Ele era um homem que não gostava de
escrever, preferia proferir suas ideias pela palavra oral. E sempre iniciava seus discursos com
perguntas, acreditando que a pergunta era um recurso fundamental para o conhecimento. No
diálogo O Banquete, Sócrates também principia com seu método particular de interrogações.
Ao contrário dos outros oradores do banquete, Sócrates não tratava Eros como um ser divino.
O discurso de Sócrates inicia-se questionando Agaton, o anfitrião do banquete, se Eros
é Eros de alguém ou de ninguém, se Eros deseja algo que tem ou algo que lhe falta. Depois,
21
responde que Eros é o que nos leva a desejar o que ainda não temos, o que nos falta. É a falta
que faz com que o erasta (amante) se considere incompleto. Nesse discurso, mais uma vez, a
falta é a condição para haver o desejo de se completar. O amor surge na falta, e quando
acontece a ilusão da completude torna-se dolorosa a hipótese de perdê-la.
E continua discorrendo a respeito de uma conversa que tivera com Diotima. Diotima
dissera a Sócrates que Eros não era belo nem bom como ele pensava e fora reafirmado por
Agaton. Mas o não-belo não é necessariamente o feio, e o não-bom não significa que é o mau.
Por carência e ainda por não possuí-lo, Eros deseja o belo e o bom. Ele se encontra entre deus
e o mortal, no meio deles e intermediando assuntos entre eles. Leva aos deuses
acontecimentos e pedidos humanos e traz as instruções divinas aos homens. Ele é um
intermediário entre o divino e o humano. Diotima busca provar para Sócrates que Eros não é
um deus, pois todos os deuses, perfeitos, são felizes e belos, já possuem o que é belo e bom.
Ele mistura os mortais e os imortais, interpreta e transmite aos deuses as súplicas e
os sacrifícios dos homens e mostra a estes as ordens, as recompensas e os castigos
dos deuses. Eros deseja o belo, e se ele o deseja é porque não o é, sendo assim ele
fica num patamar entre o belo e o feio e por estar nessa posição intermediária Eros é
um filósofo, segundo Sócrates, pois deseja adquirir novos conhecimentos, já que o
filósofo está entre a sabedoria e a ignorância. (DIAS, 2009, p. 4).
Segue contando sobre a paternidade de Eros, descrevendo que foi na festa do
nascimento de Afrodite que Poros (caminho) embebedou-se e adormeceu no jardim. Penia,
uma mendiga que aguardava os restos da festa na porta, desejando ter um filho de Caminho,
deitou-se com ele e gerou Eros. Eros foi servo de Afrodite por ter sido concebido em sua festa
de aniversário, e erasta (amante) do Belo, porque Afrodite é bela.
Por ter herdado a natureza da mãe, perambula às portas, perdido nas ruas, inquilino
da miséria. Em compensação, a natureza do pai conferiu-lhe ardor por coisas belas e
boas: coragem, decisão, energia. Caçador assombroso, tece artimanhas, pensa
apaixonadamente, soluciona, filosofa a vida toda, é hábil em sortilégios, em drogas,
em arrazoados capciosos. Não sendo de natureza nem mortal nem imortal, floresce,
vive próspero, morre e revive num mesmo dia, graças à natureza do pai. (PLATÃO,
2006, p. 95).
Assim, Diotima estabelece a origem de Eros e seu destino – o belo. Eros é o desejo de
possuir o bem e tem como objetivo produzir o belo. Ele aspira à imortalidade. E Sócrates
encerra seu discurso enfatizando a necessidade de honrar Eros. Assim, o amor e a beleza são
indissociáveis, não valorizando a individualidade e a criatividade de cada amante. A relação
de amor não se constitui a partir da reciprocidade. Esse amor representa a oscilação entre o
22
moral e o divino, entre a abundância e a pobreza. É o amor como um afeto que coloca o
sujeito entre extremos, do céu ao inferno.
O amante tem seu objeto de desejo na figura da amada, numa relação de exaltação de
ternura, de encontro de duas almas sublimes, sem a necessidade de contato físico. O que é o
amor para Sócrates? Busca pela unidade? Desejo de determinar o belo? Eterno? Idealizado?
Isso é o que esperamos do amante, e quando algo pode interromper essa visão, qual a reação
do amado? O ciúme é um dos motivos que causa a obstrução do belo? Agressividade pode ser
sua consequência?
Nesse ponto é que o amor platônico se distancia do amor romântico, do amor
recíproco e íntimo. Antes de se alcançar o romantismo, o amor era considerado apenas como
uma forma de acrescimento de bens monetários, o chamado amor burguês.
2.2 O amor romântico: uma crítica ao amor burguês
No amor burguês havia a imposição social e familiar para a consagração da relação. O
casamento significava um contrato entre famílias para permuta de benefícios financeiros ou
algum tipo de prestígio social. O casal apenas seguia os desígnios da família. A finalidade
dessa relação amorosa, se assim podemos chamar esse relacionamento, era o casamento,
valorizando a virgindade, a monogamia e a pureza.
Os ideais burgueses de virgindade, monogamia e pureza ajudavam a sustentar a
finalidade última do amor (o amor burguês), o casamento. Geralmente, o casamento
se dava por razões de família, dinheiro, segurança monetária ou ascensão social. O
puritanismo, as preocupações morais, o rigor das convicções religiosas, em suma, a
exigente e rígida cultura da burguesia esperava de homens e, sobretudo, de mulheres
uma reserva erótica, subordinava a concupiscência ao afeto no casamento legal e
eterno. (CHAVES, 2006, p. 829).
O amor entre os parceiros era condição dispensável no pensamento burguês. As
imposições da sociedade e da família deveriam ser seguidas pelos envolvidos no
relacionamento, não havendo espaço para questionamentos e compartilhamento dos
sentimentos. A mulher aparece como um objeto de troca, tendo o homem poder e posse sobre
ela. Podemos aqui introduzir uma questão sobre o ciúme. Qual o lugar do ciúme neste tipo de
relacionamento? Qual a posição ocupada pelos envolvidos na relação matrimonial? O homem
23
sentiria ciúme da mulher ou de sua esposa enquanto uma propriedade? A esposa era mulher
ou atributo de poder?
Em reação às imposições sociais do amor burguês surge outro modelo de
relacionamento imerso no amor romântico. O ideal de amor romântico só se instalou na
civilização ocidental no final do século XVIII. No pensamento romântico não se permitia a
decisão familiar de conveniência, mas privilegiava-se a livre escolha entre os parceiros, com
reciprocidade de amor e desejo sexual. Segundo Abbagnano (2002), Romantismo é:
O movimento filosófico, literário e artístico que começou nos últimos anos do
século XVIII, floresceu nos primeiros anos do séc. XIX e constituiu a marca
característica desse século. O significado comum do termo “romântico”, que
significa “sentimental”, deriva de um dos aspectos mais evidentes desse movimento,
que é a valorização do sentimento […] Nos costumes, o amor romântico busca a
unidade absoluta entre os amantes. (ABBAGNANO, 2002, p. 862).
Chaves (2006) nos diz que o amor romântico refere-se à criação de um ideal amoroso
que valoriza os desejos, afetos, sonhos e a singularidade, com uma tentativa de retirar a
influência de normas externas ao par amoroso. Assim, fica estabelecida a interdependência
entre sexualidade e amor, e o componente sexual torna-se essencial para a relação amorosa.
No entanto, a satisfação sexual não se sobrepunha à satisfação emocional. O desejo não era
apenas o carnal, mas o desejo do que falta. Desejo de unir-se à metade perdida e fundir-se a
ela, formando apenas um. O amor como busca da unidade. Como dito anteriormente com
Aristófanes, os seres buscam unir-se para recuperar a totalidade que outrora tiveram e, assim,
recuperar sua força e serem felizes novamente.
O amor romântico, desde suas origens, suscita a questão da intimidade. Segundo
Giddens (1993), ela é inconciliável com a luxúria, não em razão do ser amado consistir numa
idealização, mas por presumir uma comunicação psíquica, um encontro de almas com
qualidade reparadora. O outro, seja quem for, preenche um vazio que o indivíduo sequer
necessariamente reconhece – até que a relação de amor seja iniciada. Em certo sentido, podese dizer, então, que o indivíduo fragmentado tem a ilusão de tornar-se inteiro.
O Romantismo contestava o casamento como um arranjo financeiro. Valorizava o
encontro de almas. Estimava a intimidade do casal, a cumplicidade e a exclusividade.
Apreciava os sentimentos coincidentes. E, se houvesse uma dissipação nesses sentimentos, os
sujeitos envolvidos poderiam tentar encontrar outro parceiro amoroso.
Vieira (2009) afirma que era um relacionamento que denotava a expressão que “seja
eterno enquanto dure”, enfatizando a experimentação e a variedade. Vale lembrar que não
24
corresponde com a noção de experimentação que encontramos hoje, baseada apenas na
fruição do prazer, mas sim com uma experimentação que considera a singularidade do outro.
O amor romântico trouxe consigo uma valorização do individualismo. O capitalismo
moderno, com sua característica cumulativa, evidencia a particularidade de poupar e não
dividir. O individualismo e a acumulação capitalista exacerbam o sentimento de ciúme e
privilegiam o sentimento de posse das pessoas. O amante não quer que seu parceiro lhe venha
por imposição paterna ou social, mas, ao mesmo tempo, deseja ser o eleito. Assim, procura-se
um controle da liberdade do outro, pois apesar de não haver uma determinação cultural, ele
quer ser e permanecer o escolhido pelo amante. Apregoa-se uma liberdade, enquanto, na
verdade, há um desejo de ligar-se e prender-se ao parceiro.
Como havia a importância do cultivo do desejo no amor romântico, havia também
uma tensão por conta da não realização destes desejos. ‘Sofrer por amor’ passou a
ser considerada uma forma digna de se viver. Ao mesmo tempo em que havia uma
valorização do sofrimento, o amor era visto como tendo poderes curativos na busca
da completude com o outro, da união total, capaz de transformar dois em um só. Ao
mesmo tempo em que há a possibilidade de se sofrer por amor, este também pode
conter uma promessa de alívio para angústias e sofrimentos. A idéia de que a relação
amorosa teria um caráter especial, como um refúgio diante de um mundo
ameaçador, perdura até nossos dias. (VIEIRA, 2009, p. 41).
Havia outro paradoxo interessante sobre o amor: ao mesmo tempo em que se
valorizava o sofrimento, acreditava-se no amor também como curativo. Buscava-se nele a
completude, a união total, capaz de transformar dois em um só. Podia-se sofrer, mas também
havia a possibilidade de alívio para as angústias e os sofrimentos. O amor era tido como uma
das formas de obtenção da felicidade. “A obtenção da sensação de completude é uma busca
dos indivíduos e uma das razões pelas quais o ideário romântico permanece como um forte
mapa para a vida amorosa.” (VIEIRA, 2009, p. 42). O sofrimento era parte essencial do amor
romântico, pois dificilmente encontrávamos os amantes felizes. Logo se percebia que a fusão
era impossível, o sofrimento e a carência tornavam-se evidentes. Há apenas duas
possibilidades para o amor romântico: a tragédia ou o final feliz; ou “viveram felizes para
sempre” ou “morreram ainda jovens”, como na história de Romeu e Julieta.
O amor romântico, inaugurado como inovador ao reivindicar para a relação amorosa a
questão da intimidade e da reciprocidade, teve, também, um caráter transgressor, ao
questionar o que até aquele momento era indiscutível, os ideais do amor burguês. O ideal
romântico interessava-se mais em criticar o amor burguês do que o casamento, sendo que as
pessoas poderiam ficar sozinhas se não fosse possível realizar o amor romântico.
25
Através dos tempos temos aprendido muito sobre as relações amorosas por meio da
literatura. Ela demonstra o desenvolvimento dos laços afetivos entre as pessoas e também
antecipa tendências e modos de vida, retratando as influências que nos rodeiam, a
compreensão das diferentes épocas e a forma de expressar sentimentos em diversos contextos
socioculturais.
A escritora inglesa Jane Austen, em duas de suas obras mais famosas, Orgulho e
Preconceito e Razão e Sensibilidade, ilustra a vida conduzida pelas tradições e convenções
sociais do século XVIII. De forma irônica e com pequenas críticas aos costumes sociais da
época, ela consegue retratar de forma muito interessante como funcionava a trama e as
expectativas de casamento, que não se considerava o amor, e sim uma saída econômica para a
família. Nesse ambiente de regras rígidas, imperativas e formais, os sujeitos apaixonados
podem sofrer para conseguir viver o grande amor. O amor romântico vence apesar das
dificuldades e sofrimentos vividos.
Orgulho e Preconceito conta a história das cinco irmãs Bennet, cuja mãe preocupa-se
em casá-las. A chegada de um milionário a terra convence Sra. Bennet que uma de suas filhas
o conquistará. Acompanhado do aristocrata Sr. Bingley, vem o Sr. Darcy, igualmente rico. A
história retrata o orgulho de Elizabeth, a segunda filha mais velha, dirigido ao Sr. Darcy, após
sofrer dele uma ofensa e o preconceito deste com relação às pessoas do campo. Antes de se
apaixonar por Elizabeth, Sr. Darcy se sentia superior e não concordava com a união de
pessoas com classes sociais díspares. O amor fez o orgulho e o preconceito se calarem. O
amor romântico pôde ser vivido, deixando-se o amor burguês sem voz. Apesar disso, a
mulher continuou não tendo opção de escolha, permanecendo no lugar de escolhida. Para o
casamento, a família da noiva ainda precisaria pagar um dote ao noivo, mas Sr. Darcy,
apaixonado, abdicou do dote. Eles se casaram, assim como mais duas irmãs de Elizabeth,
todas elucidando a vitória do amor romântico.
Na história de Razão e Sensibilidade, o Sr. Dashwood morre, deixando seu filho John,
do primeiro casamento, encarregado de amparar a madrasta e as irmãs. O pedido feito no leito
de morte não foi atendido pelo filho, obrigando a senhora Dashwood e suas três filhas a
procurarem nova morada. Em ambientes e modo de vida diferentes dos que estava
acostumada, a família sentiu a mudança inesperada, mas logo se adaptou à nova vida. Apesar
das circunstâncias desfavoráveis, o amor aconteceu para Elinor e Marianne. A filha mais
velha, Elinor, apaixonou-se por Edward Ferrars, irmão da esposa de John. Marianne, irmã de
Elinor, despertou interesse no Coronel Brandon, porém ela apaixonou-se por Willoughby. O
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compromisso é dado como certo por ela, mas ele partiu repentinamente e depois, ao encontrála em um baile, a ignorou. Sabendo que seu amado tinha engravidado e abandonado a filha de
criação do Coronel Brandon, Marianne decepcionou-se e passou a não evitar a presença do
coronel, com quem se casou. Já Elinor casou-se com Edward e tiveram vida feliz e
confortável com a posse da herança de Edward. Elas não se importavam com as diferentes
condições sociais e econômicas de seus amados. No entanto, a sociedade tentou inviabilizar a
concretização desse amor. Mais uma vez, o amor romântico alcançou seu objetivo.
A partir do momento em que o amor romântico foi trazido para o casamento aconteceu
uma grande modificação, pois começou a existir uma noção de eternidade. Antes iniciado
como uma posição de resistência em relação ao amor burguês, agora começa a perder seu
potencial transgressor. Seu caráter revolucionário, de certa forma, foi absorvido e abandonado
para garantir a durabilidade do casamento, a coesão familiar e, consequentemente, a
organização da sociedade. Começa-se a construir o amor do convívio, o amor companheiro.
Desenvolve-se tolerância, carinho e conhecimento dos defeitos um do outro. É um amor que
exige capacidade de sacrifícios. Etimologicamente sacrificar significa tornar sacro, sagrado. É
ter momentos de renúncia para manter a sacralidade do objeto amado. Quando pensamos em
amor sagrado, lembramos de um amor absoluto e eterno, do amor substituto de Deus,
divinizado. Transfere-se para o objeto amado as qualidades divinas, mas esquece-se que ele
também exige sacrifícios, renúncias. Isso faz parte do amor companheiro e afasta-se do amorpaixão.
O amor-paixão é uma forma de amor proveniente do amor romântico, segundo Chaves
(2004, p. 104). É um derivativo do amor romântico na medida em que reivindica a liberdade
amorosa, valoriza a imaginação e o adiamento da satisfação. Mas se diferencia do romantismo
por ter forte erotização baseada em envolvimento devorador e invasivo. Ele reveste a vida do
indivíduo, causa encantamento nos amantes, que agem apenas em torno deste sentimento.
Podemos dizer que, apesar de invocar a permissividade, ele torna-se enclausurador. “O ardor
apaixonado era contrário ao amor burguês, e, ao menos como um ideal regulador, o desejo
erótico devia se voltar para a procriação de filhos.” (CHAVES, 2006, p. 829).
Segundo Giddens (1993), o amor apaixonado é especificamente perturbador das
relações pessoais; extrai o indivíduo das suas atividades normais e gera uma inclinação às
opções radicais e aos sacrifícios. Por esse motivo é enfrentado como arriscado, sob o ponto de
vista da ordem e do dever sociais.
27
Quando os amantes percebem que a completude, tão almejada no amor romântico e no
amor-paixão, não ocorre, surge uma série de troca de acusações e agressões. Isso mostra o
quão destrutivas podem ser as idealizações quando se rompem. Ainda assim, a complexidade
da sociedade e a individualização das atitudes fazem com que os sujeitos se voltem ou se
refugiem na relação amorosa. Freud ([1914]1996) observara que o amor tende a funcionar
como modelo de busca da felicidade e reconhecera sua natureza ilusória no sentido de
consolar e tornar tolerável o mal-estar próprio do desejo humano.
2.3 Amor em tempos modernos: o amor líquido em Bauman
As leituras sobre a contemporaneidade apresentam uma perspectiva pessimista em
relação ao amor. Segundo Bauman, vivemos numa sociedade caracterizada por relações que
podem ser denominadas de líquidas. Ele defende a existência de relações superficiais e
passageiras, sem vínculos duradouros, incapazes de constituição de um objeto consistente que
venha substituir o outro primordial. Segundo ele, isso é consequência do modo de vida do
líquido mundo moderno. Dedica o livro Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços
humanos (2004) aos riscos e ansiedades de se viver junto e separado.
Zygmunt Bauman afirma desde o início do livro que o principal herói da obra é o
relacionamento humano. Os personagens centrais são homens e mulheres contemporâneos
abandonados aos seus sentimentos descartáveis, ansiando pela segurança do convívio. Pessoas
com desejo de relacionar-se, porém desconfiadas da condição de estarem ligadas
permanentemente, temem que tal condição traga encargos e tensões que elas se consideram
inaptas ou sem disposição para suportá-las. Para ele, estamos diante de uma sociedade
líquido-moderna: “aquela em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num
tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das
formas de agir”. (BAUMAN, 2004, p. 7).
Nessa sociedade comandada pela lei de mercado, o amor também ganha uma
vestimenta líquida. Para Bauman (2004), estaríamos na era do homem sem vínculos. Não há
comprometimento nas relações, pois a lógica que rege a sociedade não é mais a de acúmulo
de bens, mas a do uso e do rápido descarte. Da mesma forma como se descarta uma
28
mercadoria, troca-se uma relação por outra sem se preocupar com as consequências que isso
pode ocasionar.
No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os
representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da
ambivalência. E por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no
cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto, e no topo de sua
agenda existencial. (BAUMAN, 2004, p. 8-9).
O amor e a morte possuem semelhanças expostas por Bauman (2004). A chegada de
um dos dois é sempre única e definitiva, não suporta repetição, não promete prorrogação. São
eventos que ocorrem no tempo humano e, por isso, não se pode aprender a amar nem a
morrer. Porém, uma pessoa pode apaixonar-se mais de uma vez. E algumas pessoas até se
gabam de apaixonar-se e desapaixonar-se com certa facilidade. Assim, para Bauman (2004), a
definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” ficou ultrapassada. Os
relacionamentos se tornaram líquidos e as pessoas cada vez mais individualistas.
E, assim, é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para
uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços
prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa
de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que
seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias,
que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem
ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço (BAUMAN, 2004, p. 21-22). O
importante é a utilidade do objeto, do parceiro amoroso. Em qualquer possibilidade de
sofrimento ou de decepção relativa ao objeto, ele é descartado e trocado por outro que seja
mais útil e traga felicidade.
Da mesma maneira que Bauman (2004) discorre sobre a sociedade contemporânea e as
consequências dessa cultura sobre os sujeitos e seus relacionamentos, Lasch (1987) também
acredita que a cultura atual se organiza em torno do consumo de massa, o que estimula o
narcisismo, tornando as pessoas frágeis e dependentes, ao invés de agressivas e gananciosas.
O autor lembra que a cultura burguesa do século XIX reforçava os padrões anais do
comportamento, pois havia estocagem de dinheiro e mantimentos, controle das funções
fisiológicas, controle do afeto. Lasch afirma que a cultura do consumo de massa do século XX
recria os padrões orais, fixados numa fase anterior do desenvolvimento, momento em que a
criança ainda é dependente do seio materno. (LASCH, 1987, p. 25).
29
Mas, em contrapartida aos pensamentos de Bauman e Lasch, percebemos evidências
no cotidiano da intensidade de certos relacionamentos e vemos, frequentemente na mídia,
histórias da agressividade dos parceiros amorosos desencadeadas pela ameaça de perda ou
mesmo perda da pessoa amada. A relação mais fluida, instantânea, superficial, menos
comprometida, descrita por esses autores, descreve um tipo de relacionamento em que, com
um pequeno desprazer, desconecta – o de seu objeto de amor. As relações contemporâneas
são marcadas por esse contexto líquido, as grandes referências e grandes instituições não
regulam mais o cotidiano, passa-se a ter uma autorregulação que, segundo Bauman (2004),
diminui o campo da alteridade. O outro ocupa o lugar de objeto, tal qual os objetos de
consumo, e serve para a satisfação do sujeito. Assim, o ciúme torna-se volátil. Mas, então, por
que percebemos na contemporaneidade casos de pessoas que aniquilam o objeto de amor ou
mesmo morrem por ele? Parecem sentir a perda do outro como uma ferida em si mesmo, uma
mutilação de si próprio; assim separar-se desse outro torna-se um processo difícil e doloroso.
Por que se mata? Por que se agride?
Portanto, foram apresentadas acima cinco formas de amor, sendo elas: o andrógino, o
de Diotima, o burguês, o romântico e o líquido. Como podemos relacioná-las com o ciúme?
Quais as características de cada uma que nos remetem ao sujeito ciumento?
A exposição de Aristófanes sobre o amor andrógino supõe que os seres buscavam a
união com sua metade perdida para adquirirem novamente a força e a completude inicial. É
Eros o responsável para o retorno ao estado primordial, a junção de dois corpos formando um
só. No ciumento percebemos esse mesmo desejo. Ele procura a união ininterrupta do amado,
não suporta separar-se de seu parceiro. Uma pequena ameaça de separação desperta
agressividade e destrutividade no ciumento, como se rememorasse àquela época em que viveu
de forma traumática a perda de sua metade. Assim, afastar-se do parceiro significaria perder
uma parte de si mesmo.
O desejo de completude descrito por Aristófanes também é defendido por Sócrates
como condição para o amor, sendo uma busca por algo que nos falta. Diotima esclarece que o
amor e o belo são inseparáveis, porém, rejeita a individualidade de cada parceiro. O amante é
idealizado, exaltado, adorado, sem a necessidade de contato físico. Uma característica
interessante é que esse amor não se constitui por meio da reciprocidade, porém, podemos
pensar que o ciúme do objeto amado emerge quando este dá sinais de autonomia,
independência. É essa particularidade que pode causar a queda do que corresponde ao belo, ao
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divino e ao bom, surgindo seu extremo, o “feio”, o mortal e o mau, evidenciados no ciúme e
na sua agressividade.
No amor burguês, a reciprocidade de sentimentos também não era condição para a
união entre duas pessoas. Os interesses financeiros ou o acréscimo de algum prestígio social
era o que motivava o casamento. A esposa era considerada como posse. Assim, o medo da
perda surgia como um prejuízo monetário e social. Sugerimos que o ciúme era da esposa
enquanto propriedade e não enquanto mulher.
Diferentemente do amor burguês e rebelando-se contra ele, surge o ideal romântico de
amor. Valorizam-se desejos, afetos, sonhos, singularidade, sexo. Assemelha-se ao amor
descrito por Aristófanes em sua busca pela unidade e ilusão de completude. O sentimento de
amor é o maior protagonista nesse ideal. Com a introdução do casamento, a noção de
eternidade modificou a posição inicial de um amor livre. A partir daí, inferimos um ciúme que
teme a perda da unicidade e completude, podendo também, trazer à tona a cena do desamparo
primordial vivido de forma traumática. Essa lembrança pode ser a desencadeadora da
violência do parceiro contra seu amado.
Inversamente à eternidade almejada com a inserção do casamento no amor romântico,
Bauman (2004) defende a ideia da liquidez dos relacionamentos humanos. Alega que as
pessoas temem os encargos que podem acarretar os relacionamentos duradouros, concretos; e
seguem a lei do mercado, com prazeres momentâneos e satisfações rápidas. Nesse tipo de
parceria, encontramos o sujeito autocentrado, narcísico, hedonista. Um sujeito que tentará
aniquilar o objeto que não alimenta sua própria satisfação, que ameaça a integridade do eu.
Esse é o caso da vítima do ciumento; ela não terá mais utilidade para seu parceiro e torna-se
descartável. Podemos confirmar a visão de uma sociedade líquida através dos exemplos
cotidianos citados, que negam a existência de laços afetivos mais profundos e exibem o
narcisismo exacerbado de sujeitos com dificuldade de aceitação de que o objeto não existe
apenas para servi-lo.
No próximo capítulo, serão analisadas as diferentes visões teóricas sobre os ciúme,
dando enfoque para a psicologia evolutiva e a teoria comportamental. Através dessas
abordagens poderemos ponderar a importância de um estudo psicanalítico mais aprofundado
para dialogar com essas pesquisas já realizadas. São duas correntes que possuem
considerações importantes e interessantes sobre o tema deste trabalho, porém com
ponderações distintas de nosso marco teórico.
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3 CIÚME EM DIVERSAS ABORDAGENS TEÓRICAS
Meu ciúme desconfia de você
Me machuca quase sempre o coração
Quer saber aonde é que você vai
Quer saber da sua vida
Toda vez que você sai é sempre assim
Imagino alguém querendo
Te levar de mim
E eu num beco sem saída.
(SULLIVAN, 1990).
O ciúme, sentimento encontrado na maioria dos relacionamentos humanos, pode se
apresentar em maior ou menor grau, em níveis normais ou patológicos, de forma saudável ou
doentia. Por muitas vezes, pode adquirir um furor tão devastador que William Shakespeare o
chamou de monstro dos olhos verdes, como apresentado em capítulo anterior, na obra do
século XVII, Otelo. O personagem-título, movido por um ciúme doentio de um amigo com
sua esposa, culmina por matar a honesta e fiel Desdêmona. É interessante pensarmos que um
bravo mouro de Veneza foi invadido pelo sentimento de ciúme, deixando a racionalidade sem
lugar em suas preocupações ciumentas.
O ciúme é um “sentimento de carência afetiva, de desejo de posse, em relação a
alguém ou alguma coisa”. (CUNHA, 1986, p. 187). O verbete “ciúme” vem do latim zelumen
(celumen), e tem sua origem na raiz grega, zelos, que significa fervor, calor, ardor ou intenso
desejo. Encontra-se em Houaiss a seguinte definição deste verbete:
1 estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em
relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo; receio de que o ente
amado dedique seu afeto a outrem; zelo (mais us. no pl.) 2 medo de perder alguma
coisa (HOUAISS, 2001, p. 734).
Na literatura, encontramos, desde os tempos bíblicos, citações e histórias sobre o
ciúme, sendo um sentimento comum dentre as diferentes emoções humanas. Suas
manifestações ocorrem em várias formas de relacionamento interpessoal, mas para o presente
trabalho enfocaremos, principalmente, a ocorrência em relacionamentos amorosos.
Apesar da concordância quanto à presença do ciúme em todas as civilizações, muitos
desacordos são identificados na literatura sobre o assunto. Há controvérsias na diferenciação
entre o ciúme normal e o patológico, na importância dos fatores genéticos e culturais, nas
características apresentadas entre o sexo masculino e o feminino. Além disso, o ciúme se faz
32
presente nas crescentes ocorrências de acontecimentos violentos e constitui uma problemática
atual e frequente no contexto clínico, tanto individual quanto em terapias de casal. Assim, são
várias as teorias criadas para explicar as motivações do ciúme e nortear a atuação do
terapeuta.
Desde Aristóteles (2001), no século IV a.C., o ciúme já era tema de discussão.
Aristóteles pensava o ciúme como o desejo de se ter o que outra pessoa possui; era
inicialmente uma expressão boa e dizia do desejo de copiar uma qualidade de outra pessoa.
Alguns séculos mais tarde, encontramos nos textos bíblicos do rei Salomão o ciúme como
algo negativo às relações amorosas. “Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre
o teu braço, porque o amor é forte como a morte, e duro como a sepultura, o ciúme; as suas
brasas de fogo, são veemente labaredas.” (BÍBLIA SAGRADA, Cantares de Salomão 8.6).
Já no século XVII, François de La Rouchefoucauld, escritor clássico francês,
conhecido por suas máximas, afirma que: “No ciúme, há mais amor-próprio do que amor. Em
outras de suas epigramas afirma que: O ciúme é o maior de todos os males, e ele quem
apresentou a menor pena aqueles que lhe causam.”3 E também identifica o amor como
fundamento para a origem do ciúme: “O ciúme sempre nasce com o amor, mas nem sempre
morre com ele.”4
3.1 Escrituras sobre ciúme na Bíblia
De acordo com os escritos bíblicos, o ciúme pode também ser considerado um dos
atributos de Deus, sendo que a fidelidade dEle para os seus servos é certa, mas a recíproca
nem sempre é verdadeira. O ciúme de Deus pretende preservar o seu povo para Ele próprio,
estimado como pertencentes apenas a Ele. Considera-se como traição a Deus a adoração a
outros deuses. Portanto, na Bíblia a palavra ciúme é usada para descrever a intolerância de
Deus à infidelidade de seu povo.
Então, falou Deus todas estas palavras: Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da
terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não
farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos
3
4
“La jalousie est le plus grand de tous les maux, et celui qui fait le moins de pitié aux personnes qui le causent.”
“La jalousie naît toujours avec l'amour, mais ne meurt pas toujours avec lui.” Cf. http://www.proverbescitations.com/larochefoucauld.htm.
33
céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adoraras, nem
lhes darás culto; porque eu sou Senhor, teu Deus, Deus ciumento, que visito a
iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me
aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam
os meus mandamentos (BÍBLIA SAGRADA, Êxodo 20:1-6)
Deus exige todo o amor e atenção dedicados somente a Ele, não podendo haver outros
deuses nem outras tarefas que provoquem a divisão do amor de seu povo. Ele justifica o
ciúme através do zelo e cuidado para com seus adoradores. E sente emoções ciumentas:
“Pelos pecados que eles cometeram, eles incitaram sua fúria ciumenta” (BÍBLIA SAGRADA,
I Reis 14:22). Deus é ciumento e fica clara sua exigência de exclusividade. Existem algumas
passagens que comprovam esse ciúme, como “Não servirás a dois senhores”, “Amarás a Deus
sobre todas as coisas”. Tem-se uma ideia de posse. Esse ciúme também pode ser interpretado
como zelo: trata-se de um Deus zeloso que está cuidando do seu povo e que ele exige
reciprocidade. Mas Ele castiga a infidelidade. Herdamos assim, a ideia de que o ciúme é
prova de amor.
Já o ciúme provocado por orgulho ou egoísmo não é considerado positivo na Bíblia.
Ele às vezes retrata a desconfiança do marido ou da esposa quando houver suspeita de
infidelidade. No livro de Números, versículo 5, capítulos de 11 a 31, Deus fala para Moisés
dizer ao povo que, se alguma mulher for infiel e o espírito de ciúme vier sobre seu marido, ele
a levará ao sacerdote e a submeterá a um ritual complexo, em que deverá beber uma mistura
de cevada, areia e água benta, sobre a qual foram lançadas maldições e terá o poder de revelar
a verdade. Diz a Bíblia:
[…] Se ninguém contigo se deitou, e se não te desviaste para a imundícia, estando
sob o domínio de teu marido, destas águas amargas, amaldiçoantes, serás livre. Mas,
se te desviaste, quando sob o domínio de teu marido, e te contaminaste, e algum
homem, que não é o teu marido, se deitou contigo (então, o sacerdote fará que a
mulher tome o juramento de maldição e lhe dirá), o Senhor te ponha por maldição e
por praga no meio do teu povo, fazendo-te o Senhor descair a coxa e inchar o ventre;
e esta água amaldiçoante penetre nas tuas entranhas, para te fazer inchar o ventre e
ter fazer descair a coxa. Então, a mulher dirá: Amém! Amém! O sacerdote escreverá
estas maldições num livro e, com a água amarga, as apagará. E fará que a mulher
beba a água amarga, que traz consigo a maldição; e, sendo bebida, lhe causará
amargura. Da mão da mulher tomará o sacerdote a oferta de manjares de ciúmes e a
moverá perante o Senhor; e a trará ao altar. Tomará um punhado da oferta de
manjares, da oferta memorativa, e sobre o altar o queimará; e, depois, dará a beber a
água à mulher. E, havendo-lhe dado a beber a água, será que, se ela se tiver
contaminado, e a seu marido tenha sido infiel, a água amaldiçoante entrará nela para
amargura, e o seu ventre se inchará, e a sua coxa descairá; a mulher será por
maldição no meio de seu povo. Se a mulher se não tiver contaminado, mas estiver
limpa, então, será livre e conceberá. Esta é a lei para o caso de ciúmes, quando a
mulher, sob o domínio de seu marido, se desviar e for contaminada; ou quando sobre
o homem vier o espírito de ciúmes, e tiver ciúmes de sua mulher, apresente a mulher
perante o Senhor, e o sacerdote nela execute toda esta lei. O homem será livre da
34
iniqüidade, porém a mulher levará a sua iniqüidade. (BÍBLIA SAGRADA, Números
5:19-31).
A Bíblia descreve a lei do ciúme, em que a punição da mulher culpada está exposta no
texto, porém, omite-se o destino do marido que apresentar suspeitas infundadas. E fica clara a
existência de um Deus poderoso, exclusivista e ciumento, que pune os traidores e é bondoso
com os fiéis.
Mais contemporaneamente, surgiram vários trabalhos inseridos na abordagem
psicológica que ressaltam a ocorrência do ciúme em diversas situações de relacionamentos
afetivos.
3.2 Reflexões sobre ciúme na psicologia evolutiva
A psicologia evolucionista destaca o papel adaptativo do ciúme, que tem por objetivo
diminuir a ocorrência da infidelidade entre os casais. Em A paixão perigosa: por que o ciúme
é tão necessário quanto o amor e o sexo, David Buss (2000) reúne as contribuições de suas
pesquisas apresentando uma síntese da psicologia evolucionária sobre os relacionamentos
entre homens e mulheres, em especial sobre o ciúme sexual. O ciúme consiste em “um estado
que é despertado por uma ameaça percebida para uma relação ou posição valorizada e motiva
comportamento apontado para se contrapor à ameaça” (BUSS, 2000, p. 32). Portanto,
conceitua o ciúme como uma reação à possível perda de uma relação. Acrescenta, ainda, que
esta reação é uma resposta adaptativa da espécie, tendo evoluído para solucionar a ameaça
real de traição do parceiro. Gikovate concorda com Buss ao ressaltar que “esse é o verdadeiro
universo de nossa espécie, no qual biologia e cultura se misturam de forma inseparável, no
qual cada peculiaridade biológica pode se exercer de várias maneiras, dependendo da
diversidade da vida social”. (GIKOVATE, 2006, p. 128). Ambos concordam com a forte
influência social na questão do ciúme.
Os evolucionistas visam estudar os comportamentos humanos atuais através de uma
evolução temporal dos acontecimentos, justificando que as atitudes e os sentimentos recentes
são formas desenvolvidas pelos homens para sobrevivência na sociedade. “O ciúme, segundo
essa teoria, é uma adaptação.” (BUSS, 2000, p. 17). Apesar de poder se manifestar
potencialmente perigoso, o ciúme tem esse aspecto adaptativo; uma adaptação no sentido de
35
produzir mecanismos que contribuíram para que os seres humanos pudessem se reproduzir e
sobreviver ao longo da história filogenética.
De acordo com Buss (2000), o ciúme está entrelaçado à cultura e às ameaças de
rompimento dos relacionamentos, sendo manifestado de formas diferentes dependendo do
gênero. Assim, de acordo com essa abordagem da psicologia, homens e mulheres
desenvolveram diferentes estratégias para lidar com o problema da sobrevivência e da
reprodução. Ele ainda defende que:
O ciúme não é um sinal de imaturidade e sim uma paixão supremamente importante
que ajudou nossos ancestrais, e provavelmente continua a nos ajudar hoje, a
enfrentar uma hoste de ameaças reprodutivas reais. O ciúme, por exemplo, nos
motiva a afastar nossos rivais com ameaças verbais e frios olhares primatas. Isso nos
impele a impedir que nossos parceiros se desgarrem com táticas como vigilância
ascendente ou fazendo chover afeição sobre o parceiro. (BUSS, 2000, p. 18).
A partir dessa perspectiva, David Buss (2000) estuda as várias faces do ciúme,
considerando que, além de tentar proteger o amor, o ciúme também pode destruir um
relacionamento; analisa a chamada Síndrome de Otelo, através de exemplificação de casos
clínicos; analisa os comportamentos extremos causados pela paixão perigosa e a
susceptibilidade à infidelidade. Apesar de acreditarem que esse sentimento traz benefícios à
relação, os evolucionistas também identificam danos, podendo prejudicar o sujeito ciumento,
o companheiro alvo de ciúme e o próprio relacionamento do casal. Gikovate (2006) não
acredita no ciúme como um sentimento benéfico; ele diz que esse sentimento não traz consigo
nenhum aspecto construtivo e nem é peça importante do fenômeno amoroso. É um sentimento
negativo, nefasto e prejudicial à liberdade individual; é apenas “um ingrediente de nossa
subjetividade que se coloca em oposição à liberdade individual, atribuindo a seu portador uma
boa desculpa para tentar restringir os passos de outra pessoa”. (GIKOVATE, 2006, p. 130131).
Ao contrário, Buss pensa que o ciúme atua para a manutenção do relacionamento
amoroso já estabelecido. As mulheres desenvolvem o ciúme diante do medo de que o seu
companheiro se relacione emocionalmente com outra mulher, e, a partir de então, direcione
seus recursos materiais, afetivos e financeiros para esta outra mulher. Aqui, confirmamos a
ideia de que o ciúme surge como método para a manutenção do relacionamento. Os homens,
para se assegurarem de que os filhos de seu relacionamento são realmente gerados por eles,
têm o ciúme motivado pela suspeita de infidelidade sexual de sua mulher. Esse sentimento
36
ainda permanece inconsciente, mas ambos os sexos são equitativamente ciumentos,
diferenciando apenas na forma de manifestação.
Assim, acredita-se que as diferenças entre os sexos são universais e os motivos que
produzem o ciúme são distintos, sendo que o homem é mais afetado pela ameaça de um
envolvimento sexual, enquanto a mulher pela ameaça de um envolvimento emocional.
O ciúme também é considerado um fenômeno universal. “Culturas em paraísos
tropicais inteiramente livres de ciúme só existem nas mentes românticas de antropólogos
otimistas e, na realidade, jamais foram encontradas” (BUSS, 2000, p. 45).
Focalizado por uma visão sexista, o ciúme pondera que a evolução da espécie humana
modelou arquétipos diferenciados para homens e mulheres, sendo que os homens
desenvolveram o ciúme como resposta à infidelidade sexual e as mulheres contra a
infidelidade emocional. Segundo Ramos (2001), uma pessoa ciumenta, ao ler o livro de David
Buss, tem grandes chances de se sentir reconfortada, encontrando na teoria evolutiva um
alívio para seu sentimento.
O ciúme é tratado como uma resposta defensiva e protetora frente a ameaças à autoestima e ao relacionamento, denotando, assim, uma impressionante sabedoria
emocional. Há inclusive a citação de diversos casos em que os ciumentos foram em
princípio diagnosticados como patológicos-delirantes e que posteriormente suas
suspeitas foram confirmadas através de evidências inequívocas da infidelidade de
seu par, numa sutil indicação de que mesmo casos extremos de ciúme são positivos
segundo a óptica evolucionária. Nestes termos, esta visão pode ser perigosa para
aquelas pessoas que se sentirem estimuladas a serem ainda mais ciumentas como
uma demonstração de prudência adaptativa. (RAMOS, 2001, p. 293-294).
Apesar de existir ciúme nos dois sexos, ambos possuem benefícios para a manutenção
desse sentimento. Os homens se protegem contra os riscos de perder o investimento feito na
mulher e se resguarda para manter sua reputação. As mulheres utilizam o ciúme para afastar a
possibilidade de outra mulher extrair a segurança emocional para com ela e os filhos.
Analisando os dados obtidos nas pesquisas realizados por Buss e outros teóricos
evolucionistas com amostras de 37 países de seis continentes, ele acredita que a consistência
dos resultados são conclusivos.
Encontramos grandes diferenças entre os sexos precisamente como fora previsto por
nossa teoria evolucionária: 63 por cento dos homens, mas apenas 13 por cento das
mulheres, descobriram que o aspecto sexual da infidelidade era mais perturbador;
contrastando com isso, 87 por cento das mulheres, mas somente 37 por cento dos
homens, acharam o aspecto emocional da infidelidade mais perturbador. De
qualquer modo que as perguntas eram feitas, com qualquer método que usássemos,
vimos a mesma diferença entre os sexos em cada teste. (BUSS, 2000, p. 73).
37
Entretanto, pode-se questionar os resultados de Buss, pois não são os únicos sobre o
tema ciúme encontrados na literatura científica. As pesquisas mencionadas por Buss foram
apenas as que apoiam a psicologia evolutiva, negando as produções sobre perspectivas
contrárias. Isso não elimina a importância dessa obra para a compreensão do ciúme e suas
ideias explicativas evolucionárias, no entanto, também não pode ser considerada uma obra
conclusiva sobre o assunto, tornando-se necessária a leitura de outros textos e outras
abordagens sobre o ciúme. Veremos agora o que a Análise do Comportamento nos oferece
sobre esse assunto.
3.3 Análise funcional do comportamento: uma teoria do ciúme no Behaviorismo
Apesar de a maior parte das obras referentes ao ciúme serem escritas a partir do
referencial evolucionista e em torno da discussão da diferença de gênero, encontramos
trabalhos de base analítico-comportamental que nos trazem contribuições importantes.
Skinner e seus sucessores nos oferecem subsídios respeitáveis sobre o ciúme. A Terapia
Cognitiva Comportamental também possui trabalhos significantes baseados em pesquisas
psicométricas e na tentativa de criação de uma escala para medir o grau do ciúme romântico.
Pode-se entender o ciúme, segundo a Análise do Comportamento, como um evento
privado capaz de controlar comportamentos públicos. Em 1997, De Silva definiu o ciúme
como uma “expectativa, apreensão de perder o parceiro, ou perder o seu lugar de afeição por
parte do parceiro”. (DE SILVA, 2004, p. 974). Em Walden Two, Skinner ([1948]1976) indica
que o ciúme pode ser entendido como uma forma secundária de raiva e que ele se faz
necessário em sociedades competitivas. Em contrapartida, em uma sociedade cooperativa não
existiria ciúme.
Ainda segundo Skinner ([1989]1991), o ciúme é um tipo de sentimento considerado
como produto tanto de condicionamento reflexo quanto de condicionamento operante.
Entende-se que o condicionamento reflexo explicaria as reações fisiológicas que o indivíduo
sente quando descreve estar com ciúme, por exemplo, um aperto no peito, sudorese, sensação
de nó na garganta ou sensação de impotência. O condicionamento operante é compreendido
38
pela relação entre o que ocorre fisiologicamente com o ciumento e o que ele faz quando está
diante dessa sensação, assim como o que o motivou a agir de determinada maneira.
Skinner (1984), na obra Contingências de Reforço, parte do personagem Otelo de
Willian Shakespeare para pensar o ciúme. Skinner declara que o comportamento ciumento
enunciado por Otelo, de matar, no leito, sua esposa por sufocamento, é estabelecido tanto de
respostas emocionais públicas quanto privadas ou encobertas, assinalando que estas respostas,
tanto públicas quanto privadas, não possuem relação de causalidade entre si. Assim, emitir
uma resposta emocional operante, que seria sufocar, pode acontecer em conjunção com outras
respostas emocionais, como a raiva pela infidelidade da esposa. A resposta de sufocar a
esposa pode ter como consequência suprimir a fonte de reforçadores pela qual o indivíduo
ciumento estava competindo. Apesar de Skinner (1984) utilizar o termo sentimento para
referir-se às emoções, percebe-se que ele as nomeia especificamente de respostas. Contudo,
Skinner sugere o ciúme como um comportamento composto de diferentes respostas
emocionais.
Costa (2005) acredita que um comportamento privado pode controlar um evento
público, passando então a fazer parte da contingência. Uma contingência se estabelece a partir
da história do indivíduo e das situações que lhe são próprias. Costa (2005) completa que:
[…] acerca do papel do condicionamento operante na compreensão do ciúme,
supõe-se que o indivíduo denominado ciumento aprendeu a sentir tal sensação e a
emitir determinados comportamentos públicos, sob controle de tal sensação, como
telefonar diversas vezes para a(o) parceira(o), fazer perguntas para checar o lugar e
com quem a(o) parceira(o) estava e até mesmo seguir a(o) parceira(o), em função de
uma história de reforçamento positivo ou negativo. (COSTA, 2005, p. 8).
Dessa forma, o ciúme passa a ser reforçado de maneira intermitente, o que torna sua
extinção mais difícil e demorada. O reforço pode ser positivo, por exemplo, quando o
ciumento demonstrar seu sentimento ao parceiro e esse apontar as qualidades de seu
companheiro e disser que não precisa se preocupar, pois não o deixaria para ficar com outra
pessoa. E o reforço pode, também, ser negativo em situações quando o indivíduo apresentar
ciúme das saídas sozinhas de seu parceiro e esse, em contrapartida, evitar sair sem a presença
do companheiro; o indivíduo foge das situações sociais aversivas à manutenção do
relacionamento. Além dos reforços positivos e negativos, o ciúme se instala também devido
ao controle do comportamento por regras, visto que vivemos em uma cultura que valoriza o
ciúme enquanto demonstração de amor; assim, é preciso ter ciúme como forma de declarar o
amor que sente pelo parceiro.
39
A Análise de Comportamento, de acordo com Menezes e Castro (2001), citado por
Costa (2005), define o ciúme:
[…] como um sentimento que emerge em uma situação sinalizadora de possível
perda de um estímulo reforçador para outro indivíduo, podendo envolver a emissão
de respostas coercitivas que visam evitar esta perda e a produção de conseqüências
reforçadoras e/ou punitivas para o comportamento dos indivíduos envolvidos em
uma manifestação de ciúme. (MENEZES; CASTRO, 2001, p. 20).
Podemos fazer algumas comparações, detectando semelhanças e diferenças entre as
abordagens evolucionista e comportamental. Ambas concordam que o ciúme é
filogeneticamente determinado e que pode trazer benefícios ou prejuízos para os indivíduos
envolvidos. Para Skinner (1984), o comportamento, público ou privado é concebido como um
fenômeno determinado por contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais. De tal
modo, é atribuído ao comportamento um valor de sobrevivência e por isso se sustenta, esteja
ele relacionado à sobrevivência do indivíduo ou do grupo social. Entretanto, o analista do
comportamento repudia o pensamento de que o ciúme se conserva somente devido à
sobrevivência, como sugerem os evolucionistas. Ele argumenta que os sentimentos só existem
na interação com uma comunidade verbal, com a cultura.
Evolucionistas e comportamentalistas discordam do fato de o ciúme se instalar e se
manter devido à sua utilidade para a sobrevivência da espécie e da relação amorosa. Pois os
analistas do comportamento não acreditam que o ciúme seja um fenômeno subjetivo,
recusando o reforço da cultura e as variáveis da história individual. Portanto, o ciúme não se
faz necessário às relações; elas podem ser mantidas mesmo na ausência desse sentimento.
Conscientes dessas diferenças teóricas apreendidas nas duas perspectivas acima
citadas, faz-se indispensável o questionamento das implicações clínicas que o terapeuta adota
para sua intervenção. Para Buss (2000), o ciúme se torna problema quando se apresenta em
excesso ou não há ocorrência. As intervenções então serão baseadas nesse sentido, por
exemplo, se um paciente afirma que ama seu companheiro, mas alega não sentir ciúme; o
terapeuta investigará se há amor e se a relação realmente tem valor para seu paciente.
Já para a Análise Comportamental, o ciúme torna-se motivo de intervenção quando
ocasiona prejuízos para o ciumento ou para outros indivíduos. Assim, o terapeuta tem como
função modificar comportamentos que não se apresentam como benéficos para o seu paciente
ou grupo social. A dificuldade surge, pois o analista de comportamento visa instalar e/ou
extinguir comportamentos que tendem a ser punidos. “É ético extinguir e instalar
comportamentos considerados certo e errado, respectivamente, pelo grupo social? Trabalhar
40
nesta direção não seria produzir mais sofrimento ao indivíduo que já está sofrendo?”
(COSTA, 2005, p. 10). A discussão é interessante, mas não alcança os objetivos da pesquisa
atual. Podemos apenas concordar com Costa (2005), que adota a postura de analisar a cultura
e indagar se o comportamento de seu paciente é saudável para ele e para a sua relação
amorosa.
3.3.1 Ciúme e Transtorno Obsessivo Compulsivo
Falaremos agora das contribuições de Torres (1999), que defende o ciúme enquanto
um sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo. Inicia definindo o termo ciúme e tentando
diferenciar o normal do patológico.
O ciúme seria um conjunto de pensamentos, emoções e ações, desencadeado por
alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado.
As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos: 1) ser uma
reação frente a uma ameaça percebida; 2) haver um rival real ou imaginário e; 3) a
reação visa eliminar os riscos da perda do amor. […] Enquanto o ciúme normal seria
transitório, específico e baseado em fatos reais, o CP (ciúme patológico) seria uma
preocupação infundada, irracional e descontextualizada. (TORRES, 1999, p. 2).
Outros autores também buscaram determinar as principais características do ciúme
patológico. Kingham e Gordon (2004), por exemplo, sugerem que o ciúme patológico são
pensamentos e emoções sem racionalidade; adicionado a comportamentos extremos, o tema
predominante é a preocupação com a infidelidade do companheiro amoroso, sem alicerce de
evidências concretas. Para Cavalcante (1997), ocorre uma perturbação total no ciumento,
designado de transtorno afetivo grave, propiciando a invasão da dúvida, da constante ameaça,
sendo a relação baseada na posse. Como já mencionado, Buss (2000) nomeia o ciúme
patológico como Síndrome de Otelo, caracterizado por sentimentos como: ansiedade, culpa,
raiva, inferioridade, depressão, imagens intrusivas, remorso, insegurança, rituais de
verificação, desejo de vingança, angústia, possessividade, baixa autoestima, muito medo de
perder o parceiro para um rival e desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo
prejuízo no funcionamento pessoal e interpessoal de quem sofre desse mal.
Assim, apesar de os comportamentos nos dois modelos de ciúme serem muito
parecidos e a maioria das características estarem presentes em ambos, indivíduos
41
diagnosticados com ciúme patológico se distinguem por interpretarem eventos irrelevantes
como evidências de infidelidade, enquanto indivíduos normais tendem a limitar a
manifestação do ciúme frente a ocorrências relevantes. Neste caso, a dificuldade se encontra
em apontar o que é complacente e o que é irrelevante (KINGHAM; GORDON, 2004).
Torres (1999) destaca o potencial violento que o ciúme patológico pode causar, muitas
vezes camuflado pela omissão dos agredidos que temem prestar queixas policiais contra os
agressores. Carvalho (2008) menciona um estudo realizado por Holtzworth-Munroe e
Hutchinson (1993), em que os resultados sugerem que maridos violentos são mais
predispostos a atribuir aspectos negativos às esposas do que maridos não-violentos e, em
situações com a presença de ciúme, evidenciam mais estas atribuições. Ainda em outro
trabalho, homens violentos no casamento foram caracterizados como mais inseguros,
preocupados, desorganizados, ansiosos e ciumentos (HOLTZWORTH-MUNROE; STUART;
HUTCHINSON, 1997). Os dois estudos apontam que homens mais violentos e ansiosos
tendem a ser mais ciumentos em situações de relacionamentos amorosos.
A partir de um levantamento bibliográfico que abordava temas de violência conjugal e
intrafamiliar, realizado por Guerra (2004), em Minas Gerais, constatou-se grande número de
homicídios ocasionados pelo ciúme. Nesse estudo, Guerra (2004) pesquisou 115.000
processos criminais, todos do ano de 1995, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Desses
processos, 15% correspondiam a crimes contra a mulher envolvendo reações de ciúme
romântico, sendo que, na maioria dos casos, o réu era o marido ou um parceiro amoroso.
Essas informações indicam que a relação entre violência e ciúme está mais presente em
homens do que em mulheres.
Através da exposição de casos clínicos, Torres (1999) pretende defender que os
“pensamentos de ciúme podem ser vivenciados como excessivos, irracionais ou intrusivos e
podem levar a comportamentos compulsivos”. (TORRES, 1999, p. 4). Seeman (1979)
caracteriza o ciúme obsessivo como pensamentos repletos de dúvidas e ruminações sobre
provas sem conclusões, alternando certeza e incerteza sobre a infidelidade do parceiro.
As intervenções clínicas adotadas por Torres (1999) são citadas em alguns passos.
Primeiramente, o terapeuta deveria confirmar a racionalidade das preocupações com o ciúme
e as limitações que isso acarreta para o indivíduo. A partir daí, diferencia-se se constitui uma
ideia obsessiva, prevalente ou delirante, avaliando o grau de crítica do indivíduo em relação
ao problema. Através da análise dos sintomas, da investigação da preocupação de ciúme, da
42
força da crença e do sofrimento que o ciúme tem gerado para o indivíduo, seu parceiro e suas
tarefas diárias, faz-se um diagnóstico psicopatológico.
[…] Assim, adotam-se intervenções próprias para o transtorno obsessivocompulsivo, como: controle da raiva e da violência, treino de comunicação e
assertividade, aconselhamento, dessensibilização a estímulos desencadeadores das
preocupações, parada de pensamento, técnicas de relaxamento, de inversão de
papéis, de exposição com prevenção de resposta, técnicas cognitivas e uso de
psicofármacos. (TORRES, 1999, p. 8).
Os rituais de verificação são presentes na maioria dos casos. O ciumento verifica se a
esposa está onde e com quem disse que estaria, verifica bolsos, carteiras, recibos, contas e
correspondências. Esses rituais não aliviam a dor do paciente, mas agrava seu quadro de
ansiedade e o sentimento de inferioridade. “Sabe-se que o medo da perda é um tema central
no transtorno obsessivo-compulsivo, podendo a perda do ser amado, em certas circunstâncias,
mesmo que não pela morte em si, representar o temor maior, mais assustador” (TORRES,
1999, p. 8). Assim, questiona a relutância de certos autores em aceitar o ciúme patológico
como um sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo, defendendo que as possibilidades de
conteúdos obsessivos e rituais compulsivos são infindáveis, apesar de existir um núcleo de
sintomas mais frequentes.
3.3.2 Inventário de Ciúme Romântico
Seguindo ainda uma abordagem mais comportamentalista, encontramos o trabalho de
Carvalho (2008), que tem por objetivo a construção e a análise das propriedades
psicométricas de uma escala para avaliar o ciúme romântico, nomeada de Inventário de ciúme
romântico. Demonstra que avaliar o ciúme romântico, patológico ou não, se justifica por ser
tema frequente em terapias de casais e individuais. Para tanto, foram utilizados dois
instrumentos: o Inventário de Ciúme Romântico (ICR) e um inventário de personalidade
baseado no modelo dos cinco grandes fatores (HUTZ; COLS, 1998). No último, as escalas
informam sobre os traços de extroversão, socialização, realização, neuroticismo e abertura à
experiência. Os itens do Inventário de Ciúme Romântico (ICR) foram construídos a partir de
revisão da literatura, na tentativa de descrever os comportamentos direta ou inversamente
relacionados ao ciúme.
43
De acordo com Carvalho (2008), baseado na análise dos dados alcançados e na
literatura científica disponível, foram encontrados seis componentes para avaliar o ciúme
romântico: ciúme romântico, não-ciúme, não-agressão, desconfiança, investigação e
insegurança. No primeiro componente, ciúme romântico, pode-se definir como uma reação
frente à situação de contato, direto ou indireto, do parceiro com outra pessoa que poderia ser
um rival e uma ameaça ao relacionamento amoroso. O segundo fator, não-ciúme, compõe-se
de situações nas quais o indivíduo não apresenta reações ao ciúme romântico. O fator 3, nãoagressão, possui itens que descrevem reações contrárias às de agressividade em situações de
ciúme, apesar das suposições que pessoas ciumentas tendem apresentar pontuações baixas e
confirmam a frequência da associação de comportamento agressivo e ciúme. No quarto
componente, desconfiança, analisa-se a dificuldade de estabelecimento de contato entre os
parceiros, o que pode ocasionar, de acordo com a literatura científica, aumento da
desconfiança e, então, manifestação de ciúme (TORRES, 1999). O quinto fator, investigação,
refere-se a situações de averiguação do parceiro amoroso, como, por exemplo, contratar
detetive, perseguir ou revistar a carteira. E no fator 6, insegurança, analisa-se a insegurança
com o vínculo afetivo estabelecido com o parceiro, podendo ser ocasionado pela baixa autoestima. De acordo com o aguardado, os componentes que se relacionam à ocorrência de
reações de ciúme (Ciúme romântico, Desconfiança, Investigação e Insegurança) se
correlacionaram positiva e expressivamente com o traço de neuroticismo: pessimismo,
aborrecimento, egoísmo, infelicidade, depressão, insegurança, antipatia, solidão, ansiedade e
tristeza.
3.4 O ciúme enquanto fenômeno social
A partir de uma visão social, Ferreira-Santos escreveu dois livros dedicados ao tema
ciúme. Em seus dois trabalhos, define o ciúme como sendo composto por vários sentimentos
agregados à sua base, existindo uma relação com o tipo de personalidade do indivíduo e com
a cultura judaico-cristã. “São múltiplos fatores que levam ao ciúme: a insegurança, o medo, a
instabilidade e a própria desorganização pessoal.” (FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 51). Ele
pode se manifestar na tenra idade, quando, por exemplo, nasce um irmãozinho. “Destronado,
ele pode assumir atitudes que vão desde o total desdém pelo recém-nascido até a regressão, na
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qual passa a disputar a mamadeira e o colo (ou o peito) da mãe com o pequenininho.”
(FERREIRA-SANTOS, 2003, p. 24). O autor acrescenta que já na infância o ciumento pode
se tornar agressivo e irritado, podendo beliscar, apertar ou dar beijos que machucam o bebê.
Gikovate (2006) afirma que a criança sente o irmão recém-nascido como um usurpador,
alguém que ocupa o útero que antes era dela, suga o seio que foi seu, recebe as atenções que
ele já recebeu. O irmão torna-se um rival, uma ameaça para tomar a mãe que anteriormente
era só dele.
Ferreira-Santos (2000) acredita que o ciúme possui motivações diferentes para o
homem e para a mulher. “O ciúme é um sinal de alerta sobre as condições da relação.”
(FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 110). A mulher dirige seu ciúme para a preocupação afetiva,
para o medo de perder seu objeto de amor; ela teme o envolvimento afetivo de seu parceiro
por outra mulher, pois essa é a condição fundamental para ele se afastar e se separar dela. Já
no homem, o ciúme tem um caráter de competição e intolerância; ele teme perder a posse, a
honra, isso devido às bases machistas da sociedade. Perder esses bens significaria uma
ameaça a si mesmo. Dessa forma, refuta-se a ideia de que ciúme é prova de amor. “O amor,
como sabemos, é um sentimento altruísta que pede zelo e atenção para ser cultivado e
mantido. O ciúme, pelo contrário, é um complexo de sentimentos, relembro, egoísta, voltado
para a própria pessoa, para seus interesses e fantasias.” (FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 101).
O autor cita Freud, afirmando que o homem projeta na mulher o seu desejo pela figura
masculina, vê no desejo dela o seu próprio desejo. E também se alia às ideias evolucionistas
sobre a paternidade e hereditariedade como motivadores do ciúme. Ainda utiliza os escritos
de Freud para demonstrar três categorias diferentes para o ciúme: o normal, o neurótico e o
paranóide. Defende que existem graus de ciúme, sendo o primeiro aquele que ocorre
eventualmente e desaparece depois que a ocasião ameaçadora passa. Além desse limite, temse o ciúme patológico, situado no nível do transtorno emocional.
O ciumento sempre desconfia da outra pessoa. Por isso jamais acredita nela, mesmo
que esta consiga provar que suas suspeitas são fantasiosas e infundadas. Por aí se
pode perceber que o ciúme se apresenta quase como um verdadeiro delírio, ainda
que esse termo seja reservado para aqueles casos mais graves, verdadeiras doenças
psiquiátricas, em que a simples desconfiança se transforma na mais absurda
convicção – é o que pode ser observado no personagem Otelo, de Shakespeare.
(FERREIRA-SANTOS, 2000, p. 16).
O ciúme patológico, também denominado de Síndrome de Otelo, é difícil de ser
precisado, havendo uma zona de transição mais conceitual do que perceptiva. O filme de
45
Claude Chabrol, cujo titulo é O Inferno do amor possessivo, é mencionado para ilustrar o
ciúme paranóide. Retrata o conturbado relacionamento de um casal devido ao ciúme do
marido. O protagonista Paul é tomado pela certeza de que sua jovem esposa, Nelly, tem
relacionamentos extraconjugais. O casal possui um hotel, onde ambos trabalham, e é o lugar
em que a desconfiança de Paul se inicia. Ela evita eventuais encontros com outras pessoas
para diminuir as suspeitas de traição, mas isso se torna prova de sua culpa. Paul a segue, tenta
controlá-la, a agride verbal e também fisicamente. Nelly deixa de visitar sua mãe e ele
interpreta que agora ela o trairá no hotel do qual são donos. Primeiramente, o fará com um
cliente habitual, depois com outro e, finalmente, com todos os hóspedes. Ao ser levado ao
médico, nega ajuda, desconfiando até do próprio médico. O filme se encerra com a legenda
“não fim”.
Desse modo, o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos explicita as causas e as
consequências do ciúme nas relações amorosas. É preciso observar sua intensidade, duração, a
forma como a pessoa que o sente reage, a importância que ele assume no cotidiano.
Demonstra a importância do diálogo para entender e subjugar o aparecimento do ciúme.
Portanto, foram apresentadas acima algumas formas diferentes de interpretar e
compreender o ciúme, sentimento complexo e perturbador. No próximo capítulo, buscaremos
as formulações da psicanálise, especificamente de Freud, para entender a origem e as
manifestações do ciúme no sujeito.
46
4 TEORIA PSICANALÍTICA SOBRE O CIÚME
Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo em
sê-lo, porque temo que o meu ciúme magoe o outro e porque me deixo dominar por
uma banalidade. Sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser
comum. (BARTHES, 1977, p. 43).
Na psicanálise, o ciúme exerce importante papel no início do desenvolvimento do
sujeito e na gênese de sua sociabilidade. Sua forma e seus efeitos dependem da estrutura que o
sustenta. Ele permanece independente da idade; é, portanto, onipresente. Mas, não é porque
todos o experimentam que esse sentimento é evidente. Cada fala, cada gesto, cada atitude,
fará sinal para que o ciumento leia, segundo ele mesmo, um terceiro que está de fora da cena.
O ciumento buscará um sentido para as contingências; ele buscará signos para serem
interpretados.
Diferentemente das abordagens teóricas descritas no capítulo anterior, em que vimos o
ciúme interpretado numa visão sexista em que se pretende a manutenção do casamento; ou o
ciúme visto como um sintoma obsessivo compulsivo; ou como um comportamento reforçado
pelo parceiro; Freud nos oferece um outro olhar sobre esse tema. Ele trata o ciúme numa visão
estrutural, conforme desenvolveremos adiante.
Freud cita pela primeira vez a palavra ciúme em 1895, quando escreve sobre a
paranoia no Rascunho H. Na ocasião, ele explicava o mecanismo de projeção da paranoia,
exemplificando com o fato de que o alcoólatra não admite perante si que se tornou impotente
por causa da bebida, mas culpa sua mulher – para isso, ele invoca o delírio de ciúme. O
ciúme, neste momento, é apenas citado e não possui maiores explicações. É interessante
ressaltar a associação, desde o início, do ciúme com a paranoia e o delírio.
Já em 1897, em sua autoanálise, Freud afirma que viveu o nascimento de seu irmão
(um ano mais novo e morreu alguns meses depois) com desejos de hostilidade e ciúme
infantil, e sua “[…] morte deixou sementes de autocensura […]”. (FREUD, [1897]1990, p.
313). A autoanálise ainda possibilitou a verificação de sua paixão pela mãe e seu ciúme pelo
pai. A partir desta constatação, Freud passou a considerar a rivalidade com o progenitor do
mesmo sexo e o amor com o sexo oposto, como um evento típico do início da infância. Aqui,
o ciúme aparece entrelaçado com o tema da neurose.
Os conceitos de narcisismo, idealização e escolha de objeto serão importantes nessa
investigação. São conceitos que esclarecerão a importância do outro na constituição do
47
sujeito, e as consequências que podem ocasionar a sua privação. É preciso discutir o
entrelaçamento entre o narcisismo e o complexo de Édipo, pois supomos que é a falha na
estruturação narcísica, ou seja, a ferida narcísica, o que fundamenta a dinâmica ciumenta.
Lachaud (1998), em seu livro Ciúmes, escrito no plural, ressalta a existência de ciúme
diversos, que se originam de diferentes organizações psíquicas, o que nos leva a entender a
interdependência do narcisismo com o complexo de Édipo para o surgimento do ciúme.
Nesse sentido, no próximo item iremos trabalhar a constituição do sujeito na teoria
Freudiana, enfatizando as fases da libido, com especial atenção à fase fálica e seu
desdobramento narcísico. Pois acreditamos que a relação entre falo e narcisismo parece nos
fornecer uma hipótese para compreender o ciúme normal.
4.1 A importância do ciúme na constituição do sujeito
Iniciaremos com Freud e sua teoria da libido, que nos apresenta as fases do
desenvolvimento infantil, o que, muitas vezes, pode nos fazer pensar na psicanálise como uma
teoria evolutiva, desenvolvimentista. Ele estabelece nos Três ensaios sobre a sexualidade
(FREUD, [1905]1976) quatro fases pré-genitais do desenvolvimento, sendo elas: anal, oral,
fálica e período de latência. E acrescenta que só depois desses períodos é que se poderia
pensar numa relação “madura” com o objeto. Porém, mais tarde, ele nos esclarece:
Nossa atitude para com as fases da organização da libido modificou-se um pouco, de
modo geral. Ao passo que, anteriormente, enfatizávamos principalmente a forma
como cada fase transcorria antes da fase seguinte, nossa atenção, agora, dirige-se aos
fatos que nos mostram quanto de cada fase anterior persiste junto a configurações
subseqüentes, e depois delas, e obtém uma representação permanente na economia
libidinal e no caráter da pessoa. (FREUD, [1933]1976, p. 125).
Assim, Cirino (2003) comenta que devemos pensar a teoria Freudiana com uma lógica
da constituição do sujeito, e não como um movimento desenvolvimentista, sendo a sequência
sugerida por Freud, analisada logicamente (e não cronologicamente): autoerotismo,
constituição do sujeito, complexo de Édipo e dissolução do complexo de Édipo.
Avançando, Freud destaca a fase fálica como o momento em que a criança começa a
explorar e a descobrir os órgãos genitais. A pulsão sexual provoca a pulsão do saber, então as
crianças se fazem perguntas: De onde vêm os bebês? O que é relação sexual? Como eu nasci?
48
Há, inicialmente, um não-saber em que virão se alojar as primeiras teorias sexuais infantis.
Elas surgem para responder aos questionamentos, e sabemos que a existência de dois sexos
não é o ponto de partida das investigações sexuais das crianças.
Portanto, uma das teorias sexuais infantis é a atribuição de pênis a todos. Essa teoria
visa desmentir a castração. Em 1908, Freud destaca o não-conhecimento do sexo feminino
(FREUD, [1908]1976). Só há um sexo, sempre presente, mas não necessariamente “saliente”,
desenvolvido nos meninos e em vias de desenvolvimento nas meninas. O menino não
constatava a falta. Desde cedo, o menino é visto como fálico. Talvez, por isso, o sentimento
de falta se manifeste de forma mais violenta? Perder um objeto amado torna-se um fato mais
doloroso, inaceitável?
Assim, as crianças, primeiramente, presumem que todos têm pênis, mas depois,
quando descobrem que o pênis não é possessão de todos, rejeitam esse fato e acreditam que
ainda crescerá, ou que estivera lá e fora retirado.
Já em 1923, Freud constata que a falta do pênis é concebida pelo menino como
resultado da castração, e agora a criança se encontra no dever de se confrontar com a relação
entre a castração e a sua própria pessoa (FREUD, [1923]1996). Não há, senão, um sexo, o
falo, mas há dois modos de manifestação: ou a presença ou a ausência.
Assim, no complexo de Édipo, o menino se identifica e rivaliza com o pai e tem a mãe
como objeto de amor. A dissolução desse complexo acontece com a ameaça de castração. É
por essa ameaça e por amor narcísico ao seu órgão genital que o menino abandona o Édipo.
Ele acredita ser o falo e, posteriormente, ilude-se possuir o falo. Há o naufrágio do Édipo a
partir da escolha narcísica do menino de abandonar o amor da mãe e optar por manter o falo.
O complexo de castração se desenvolve no menino sob o signo da ameaça; e, na
menina, sob a inveja e o ciúme (FREUD, [1925]1976). Abrem-se três vias para a menina: a
primeira é a via neurótica da inibição sexual; a segunda, a via caricatural do complexo de
masculinidade; e a terceira, a da feminilidade.
Para Freud ([1925]1976) são várias as consequências psíquicas da inveja do pênis –
penisneid – numa mulher; e o ciúme é uma delas.5 A mulher, após perceber sua ferida
narcísica, desenvolve um sentimento de inferioridade em relação ao homem. Ela possui por
estrutura um ciúme exacerbado; isso o torna devastador para o feminino. Para Lacan, a
feminilidade em si é uma devastação, pois não possui um campo de ancoramento que o
defina; há uma ausência de significante que oriente a mulher na construção do que é ser
5
Um exemplo clássico para ilustrar o ciúme devastador na mulher é o de Medéia: ela mata os filhos quando o
marido ameaça abandoná-la por amor de outra mulher.
49
mulher. Em contrapartida, a construção do masculino possui o falo como ponto de
ancoramento. A inveja pelo pênis na menina persiste, insiste mesmo após ter abandonado seu
verdadeiro objeto. Persiste, por exemplo, no traço do ciúme, como um sintoma. O ciúme
então, para Freud, desempenha papel muito maior na vida psíquica das mulheres, pois é
reforçado pela inveja do pênis deslocada.
Porém, podemos fazer algumas considerações no que se refere ao deslocamento da
penisneid para o ciúme. Na mulher, esse ciúme pode se apresentar como um sintoma, só que
nos homens o ciúme parece se manifestar de forma mais agressiva, sentida como mais
violenta, como expressão de uma falta, perda de um objeto fundamental para manutenção da
harmonia. Pois se há uma falha narcísica na constituição do eu do menino, por ele ter
concluído o complexo de Édipo por uma escolha narcísica, de fato, a agressividade pode ser
uma derivação de uma posição em relação ao falo, na medida em que é o falo que vai ser o
articulador dessa solução narcísica. O menino se aferra ao falo e abandona o amor da mãe.
Essa sua escolha é narcísica. Assim, se há uma falha na constituição do eu, uma falha
narcísica, e essa falha aparece referida ao falo, no menino ela pode retornar com muito mais
potência que na menina.
Considerando o naufrágio do Édipo como uma escolha narcísica, de fato, uma falha
nesse ponto torna o falo importante e marca uma diferenciação no homem. Pode-se inferir que
se a solução edípica no menino é narcísica e se há uma falha narcísica que vai gerar o ciúme,
este sentimento retorna como agressividade porque o menino precisa proteger o que é seu, o
que o constitui como menino, como homem. Se há ameaça da perda do objeto amoroso, e essa
ameaça convoca sua ferida narcísica, é a masculinidade dele que está em jogo, pois ela se
assenta sobre a solução fálica de preservação do falo no Édipo.6 Encontramos vários casos de
homicídios cometidos pelos homens a suas parceiras amorosas; muitos dos réus utilizam o
amor como justificativa para seus atos agressivos. Dialogando com Freud, podemos pensar
que o ciúme, sendo uma ameaça da perda de um objeto amado, desempenha no homem uma
ferida maior. Isso porque desde a infância ele acredita ser e depois possuir o falo, enquanto a
menina, quando se vê castrada, precisa consentir com sua falta, uma situação irreversível.
Acreditamos que será necessário, neste ponto, dedicar uma reflexão mais aprofundada
sobre o conceito de narcisismo na teoria Freudiana. Assim, tentaremos apresentar o conceito
6
Ainda é interessante ressaltar que para Freud ([1925]1976) os ciúme exercem um papel muito maior na vida
das mulheres. Mas acreditamos que o ciúme nas mulheres é devastador e, portanto, mais visível, enquanto que
o ciúme nos homens tem uma face mais agressiva.
50
do narcisismo, desde o narcisismo primário, passando pelas reflexões do autoerotismo, pelo
mito, até entender o desfecho narcísico.
4.2 Narcisismo em Freud e considerações sobre o ciúme
A psicanálise freudiana entende que o sujeito é constituído, fundamentalmente, pela
relação com o outro, com o seu semelhante; por uma relação marcada pela cultura que o
perpassa, pelo desamparo e também pela sua condição de ser pulsional; pelas identificações
diversas que implicam seus desejos, afetos e fantasias. Iremos discutir o narcisismo para
tentar entender, de forma mais clara, a importância desse outro na constituição das
subjetividades, o processo de separação/individuação da criança pequena em relação ao
adulto. Concordamos com Bauman (2004) e Lasch (1987) quando afirmam que o narciso da
época atual tornou-se intransigente e opressivo em relação ao que possa opor-se à sua vontade
imediata. O narcisismo e o individualismo exacerbados na contemporaneidade nos conduzem
a uma hipótese para a emergência do ciúme de forma tão agressiva e violenta.
Na mitologia grega, Narciso é filho de Liríope (voz macia) e Céfiso (deus fluvial, em
cujas margens nenhuma ninfa que chegasse sairia intacta). Céfiso aprisionou Liríope e a
engravidou. Nasceu Narciso, uma criança muito bonita. Devido à beleza além do normal de
seu filho e temendo punição por isso, Liríope decidiu consultar Tirésias, um velho sábio
perspicaz, sobre o futuro, para saber a respeito do futuro de seu filho. Ele a preveniu que
Narciso viveria longos anos desde que não visse sua própria imagem. Inicialmente, essa
previsão fez-se sem sentido, mas depois se confirmou. A história transcorreu assim: Narciso,
condenado a não ver sua imagem, cresceu um rapaz extremamente bonito. Encantava muitas
moças, muitas o desejavam. Porém, ele não se envolveu com nenhuma dessas paixões. Certo
dia, encontrou com Eco e ela, seduzida por sua beleza, o seguiu. Eco havia regressado do
Olimpo após cumprir pena por enganar Hera. Esta, esposa de Zeus, sofria com as discórdias
conjugais ocasionadas pela vida libertina e promíscua do marido. Eco, em obediência a Zeus,
mentiu para Hera enquanto seu esposo a traía. Então, Hera condenou Eco a repetir os últimos
sons das palavras que ouvisse e não falar mais.
51
Certo dia, Narciso estava no bosque e Eco, amante das aventuras campestres, o viu,
encantou-se com sua beleza e o seguiu. Ele ficou perdido e foi surpreendido pelo
barulho dos passos de alguém, gritou e discorreu a seguinte situação:
Narciso: Há alguém por perto?
Eco: Há alguém?
Narciso: Vem!
Eco: Vem!
Narciso: Por que foges de mim?
Eco: Por que foges de mim?
Narciso: Unamo-nos aqui!
Eco: Unamo-nos! (BRANDÃO, 1989, p. 50).
Narciso sente-se seduzido pela voz de Eco, que, na verdade, é a sua própria voz. Ele
escutava em Eco o que desejava ouvir, porém ele a rejeitou, e Eco se isolou da vida cotidiana
e das pessoas. As outras ninfas reivindicaram punição à deusa da Justiça para Narciso. Em
meio a uma caçada e desejoso por água, Narciso chegou ao lago e enfeitiçou-se pelo reflexo
de sua imagem na água. Ele apaixonou-se por si mesmo e não parou de se admirar até o
momento de sua morte. Ele não dirigiu seu amor ao outro, mas somente a si mesmo. Ele se
deteve à imagem primordial refletida no lago como se fosse um espelho. Nesta história da
mitologia grega, Narciso é prisioneiro de sua própria imagem no espelho de água; essa prisão
convocaria um ciúme projetivo, um ciúme normal ou um ciúme delirante?
No entanto, o termo narcisismo aponta para o mito grego ao qual Narciso se apaixona
pela própria imagem refletida no lago. Corresponde a um investimento libidinal sobre uma
imagem do eu, a qual não é a imagem de um corpo fragmentado como no autoerotismo, e,
sim, de um corpo que possui uma unidade. O narcisismo não foi formulado por Freud como
uma teoria. Mesmo tendo sido uma breve reflexão freudiana, como afirma Green (2001), teve
a vantagem de obrigá-lo a reavaliar suas concepções sobre o objeto, sendo considerado o
marco teórico principal dos anos de 1914 até 1920, período de latência para a introdução da
pulsão de morte. “É somente a partir de 1914 que a noção de narcisismo adquire um estatuto
conceitual compatível com sua importância no conjunto da teoria psicanalítica.” (GARCIAROZA, 2004, p. 46).
Antes da introdução do conceito de narcisismo, o eu era definido como sendo a sede
das pulsões de autoconservação. Não havia uma elaboração mais consistente do eu a partir da
perspectiva da pulsão; ele era tido como inato, voltado para a manutenção da vida, oposto ao
sexual. Considerava-se que o eu estaria voltado mais para o prazer do que para a conservação
da vida. Assim, pulsão do eu e pulsão de autoconservação estariam em oposição às pulsões
sexuais.
52
No livro Totem e Tabu, de 1913, o narcisismo é tido como estrutura onto e
filogenética. Na terceira parte do texto diz-se da descoberta de um estágio inicial de
unificação dos componentes pulsionais pelo intermédio da instituição do próprio eu como
objeto da libido. Afirma-se que, inicialmente, as pulsões sexuais são observadas, mas ainda
não estão dirigidas para qualquer objeto externo; elas atuam independentemente à procura da
obtenção de prazer no próprio corpo. É o autoerotismo.
Após essa fase é que as pulsões sexuais se reúnem num todo único e um objeto é
escolhido. Esse objeto não é externo ao sujeito, porém trata-se do seu próprio eu. “O sujeito
comporta-se como se estivesse amoroso de si próprio; seus instintos egoístas e seus desejos
libidinais ainda não são separáveis de nossa análise.” (FREUD, [1913]1996, p. 112). Freud
acredita que essa posição narcisista não é totalmente abandonada, sendo o ser humano ainda
narcisista mesmo após encontrar objetos externos para a sua libido. Assim, a condição de
estar apaixonado mostra a libido em seu máximo, comparada com o nível do amor a si
mesmo. E ele não está ligado apenas à perda afetiva de quem se ama, porém, antecipa essa
perda. Daí, podemos supor sua manifestação em atitudes de grande agressividade.
Com a introdução do narcisismo, surge a libidinização das pulsões do eu até então
destinadas à autoconservação; podemos dizer que há a introdução da sexualidade no eu. Para
Birman (1999), a “descoberta do narcisismo implicou justamente a erotização do eu”.
(BIRMAN, 1999, p. 41). O narcisismo implica o reconhecimento do eu a partir da imagem do
corpo que é investida pelo outro, os pais, e introduz o indivíduo na relação com um outro que
é não eu. A diferenciação entre o eu e o outro é um dos alicerces do sentimento de ciúme. “A
distinção entre o mesmo e o outro está no centro do ciúme amoroso: com efeito, os ciumentos,
homens e mulheres, são perpetuamente acossados pela imagem de um rival do mesmo sexo,
sempre adornado por eles com atributos que lhes faltam.” (BLÉVIS, 2009, p. 23).
Em 1914, o narcisismo foi considerado um estágio do desenvolvimento da libido entre
o autoerotismo e o amor objetal. Para Freud, o desenvolvimento do sujeito se dá através de
processos sucessivos de identificações (primárias e secundárias), que fazem com que o sujeito
se distancie gradativamente da relação simbiótica com o objeto. Assim, se o fortalecimento e
o desenvolvimento do eu acontecem em direção a um afastamento da instância narcísica
primitiva, podemos pensar que a individuação se dá pelo distanciamento do objeto e pela
instauração da alteridade. O narcisismo é concebido por Freud como uma dimensão
estruturante do psiquismo. É a passagem da necessidade básica para o amor, a libido, ficando
o eu inserido para além da conservação da vida.
53
Dessa forma, Freud destaca, em nota de rodapé acrescida em 1910 no texto de Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade, que o bebê é totalmente dependente de um objeto (a
mãe) que lhe proporcione a satisfação de suas necessidades básicas, como o cuidado com o
corpo, o amparo, o calor e o alimento. Ele é regido pelas pulsões de autoconservação, pois
servem para a preservação da vida. Só num segundo momento é que aparecem as pulsões
sexuais, que se destinam a satisfazer os desejos libidinais do indivíduo. A necessidade de
alimentação é suprida pela amamentação. O seio materno, além de proporcionar o prazer da
saciação da fome, se erotiza na sua própria capacidade de fonte de prazer. A experiência de
sucção é a primeira atividade da criança. Inicialmente, o prazer é nutricional, pois existe uma
função de satisfação da necessidade de alimentação da criança; posteriormente, há o
desligamento dessa função e passa-se à satisfação sexual. Introduz-se, neste texto, a questão
da libidinização do eu sobre as funções de autoconservação.
Foi no texto de 1914 que Freud conceituou o narcisismo como um processo de
constituição do eu. Ele afirma que o eu se constitui no momento em que se identifica com a
imagem de seu próprio corpo, imagem que assume como sua. No narcisismo, há um retorno
dos investimentos objetais em direção ao próprio eu, sendo que o indivíduo elege-se como
objeto de amor. “A libido retirada do mundo exterior foi redirecionada ao eu, dando origem a
um comportamento que podemos chamar de narcisismo.” (FREUD, [1914]1996, p. 98). A
libido retirada do mundo exterior e depositada no eu é denominada de narcisista. Mas esse
processo não acontece de forma unívoca.
É uma suposição necessária a de que uma unidade comparável ao eu não esteja
presente no indivíduo desde o início, o eu precisa antes ser desenvolvido. Todavia as
pulsões auto-eróticas estão presentes desde o início, e é necessário supor que algo
tem de ser acrescentado ao auto-erotismo, uma nova ação psíquica, para que se
constitua o narcisismo. (FREUD, [1914]1996, p. 99).
Sabe-se que o eu não existe desde o começo. Para sua constituição, o autoerotismo
suporta uma inovação psíquica capaz de unificá-lo em torno de determinado objeto. Nesse
momento, o narcisismo não é tido como primário, pois está precedido pelo autoerotismo. Os
neuróticos suprimem os vínculos com as pessoas e as coisas, mas conservam esses objetos na
fantasia. Eles removem o investimento dos objetos, redirecionando a libido ao eu. Isso não
caracteriza uma atitude perversa, mas uma defesa do eu ligada à sobrevivência do indivíduo,
em função da pulsão de autoconservação. Percebe-se uma antítese entre a libido do eu e a
libido objetal. “Quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia. A libido objetal atinge
54
sua fase mais elevada de desenvolvimento no caso de uma pessoa apaixonada, quando o
indivíduo parece desistir de sua própria personalidade em favor da catexia objetal.” (FREUD,
[1914]1996, p. 92).
Para Mezan (1997), o narcisismo é um primeiro momento em que as pulsões antes
dispersas pelos órgãos são unificadas e investidas no eu. Tal momento é essa “nova ação
psíquica” citada por Freud e que implica numa primeira ruptura da continuidade mãe/criança,
condição necessária para a constituição do eu. “O ciúme tem suas raízes fincadas nas
angústias dos primeiros momentos da vida, quando se rompe inevitavelmente a perfeita
harmonia entre o bebê e a mãe.” (BLÉVIS, 2009, p. 48).
A alteridade é fundamental para ocorrer essa nova ação psíquica. Lacan (1949)
acredita que é o olhar do outro que antecipa para o sujeito uma imagem de si, tanto que a
criança, num primeiro momento, não se vê a si mesmo como eu, ela vê a si mesma como o
outro, o outro para o qual o agente materno dirige seu olhar. Num primeiro tempo, o bebê não
tem a noção de eu, ele tem a noção do olhar que dá corpo ao outro, que é ele mesmo. Essa
imagem do outro localiza pelo olhar do agente simbólico – a mãe – a criança como imagem
especular desse outro inteiro. Aí que a criança tem um regozijo, porque ela se vê como essa
imagem que estava projetando como não sendo ela. Esse regozijo antecipa a própria
linguagem, antecipa a possibilidade de o sujeito falar “eu sou fulano”. O primeiro encontro
consigo mesmo é no nível do corpo e da imagem, mas é uma imagem que faz uma articulação
simbólica de eu, dá uma unidade do eu. Isso seria a ação psíquica que estaria entre o
autoerotismo e o narcisismo primário de Freud. Essa nova ação psíquica é o encontro com o
olhar do outro, que dá unidade para o eu. A partir daí, o eu pode ser tomado como primeiro
objeto de investimento amoroso. E o sujeito está pronto para investir em outros objetos. Parte
da libido investe no eu como unidade e, depois investida no eu, essa libido pode retornar para
os outros objetos do mundo, o narcisismo secundário.
A introdução do narcisismo opera a diferenciação de uma libido do eu e uma libido
objetal. Então, as pulsões do eu continuam sendo as pulsões de autoconservação e sua energia,
de origem não-sexual. Já as pulsões sexuais marcam seu caminho partindo do autoerotismo
para o amor objetal, mas fixando-se, por um momento, no corpo do indivíduo, só que agora
como conjunto organizado e não mais como soma das zonas erógenas parciais. No texto de
1914, estabelece-se que o ser humano sente fascínio por si mesmo desde o início da vida
psíquica. Essa descoberta da escolha narcisista de objeto é o motivo de aceitar a hipótese do
narcisismo.
55
O termo narcisismo deriva da descrição clínica e foi escolhida por Paul Näcke em
1899 para denotar a atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma
forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado – que o
contempla, vale dizer, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através
dessas atividades. (FREUD, [1914]1996, p. 89).
Inicialmente, há uma fase dominada pela ligação libidinal com a mãe que não
comporta vínculos identificatórios e que depois é transformada em identificação com o objeto
e em investimentos de outros objetos antes colocados como rivais. O narcisismo resulta do
apoio imaginário e simbólico àqueles que nos amaram e a quem amamos. Quando isso falta, o
que falta é algo essencial a todo sujeito. E a ausência desse apoio confiável pode ter como
consequência o ciúme. O ciumento acredita ser traído por todos, inclusive e principalmente,
por aqueles que o amam. O rival oferece ao ciumento um apoio narcísico contra o
desmoronamento. A imagem do semelhante sexuado, e que não é desejado genitalmente, é
uma defesa contra um enfraquecimento ainda maior; o ciumento tem a ilusão de possuir,
através desse rival, um corpo emprestado, de resgatar aquilo que fez falta a ele.
Freud (1914) propõe a existência de um estado narcísico primitivo, chamado de
narcisismo primário. Desde o início, desde o narcisismo primário, o outro está colocado.
Inicialmente, o eu se equivale ao prazer; o não-eu é o desprazer. Se existe uma continuidade
do eu com o mundo é porque tudo o que é prazer corresponde ao eu. O sujeito afere se na
realidade isso sou eu ou não-eu, quando se insere no princípio da realidade, quando o juízo de
atribuição é substituído pelo juízo de realidade. Sabe-se, então, que, num primeiro momento,
tudo o que é prazeroso é eu. O sujeito se destaca ao aferir se na realidade aquela satisfação de
fato depende dele próprio ou não. Isso acontece quando ele não consegue obter prazer,
quando a realidade se interpõe e, como consequência, aparece a divisão do eu e do não-eu.
Nesse sentido, o eu seria permeado pelo erotismo e não apenas representante dos
interesses de conservação do indivíduo. O sujeito se destaca como objeto, criando ele próprio
a condição para o investimento nos objetos externos. No narcisismo, o eu já se destaca como
objeto e já pode ser investido.
Na relação primeira entre mãe/criança, então, não se trata de uma ausência de relação
com o objeto. Relação em que não estão totalmente separados, nem totalmente amalgados.
Essa relação inicial acontece por meio de uma estreita interdependência entre a mãe e a
criança que possa aprovar a unicidade inicial e que estabeleça a primeira maneira de relação
com o outro e com o mundo, relação que subsiste de forma remanescente em todos nós.
56
O narcisismo primário não é pensado como ausência total de relação com o objeto, em
que a criança estaria fechada em si. O narcisismo primário é tido como um princípio de
contato, precursor das relações objetais que surgirão posteriormente. Talvez seja uma primeira
forma de comunicação amorosa, predecessora da capacidade de desenvolver plenamente um
amor pelo objeto posteriormente.
O narcisismo secundário, por ser mais coerente, é menos comentado e discutido. É o
narcisismo por identificação com o outro. O investimento retirado dos objetos é dirigido para
o eu. Há um refluxo da energia pulsional que, depois de ter sido investida nos objetos
externos, sofre um desenvolvimento libidinal e retorna ao seu lugar de origem, o próprio eu.
Tal regresso acontece frente a diferentes condições em que o indivíduo se encontra.
Na segunda parte do texto de 1914, Freud analisa três caminhos para a aproximação
com o narcisismo: a doença orgânica, a hipocondria e a vida amorosa entre os gêneros. Freud
observa que, na doença orgânica, o doente recolhe seus investimentos libidinais para o eu e
torna a enviá-los aos objetos após a cura. Tomado pela dor orgânica, o doente deixa de se
interessar pelas coisas do mundo externo que não correspondem ao seu sofrimento. Ele
recolhe seu interesse libidinal também dos objetos de amor, e, enquanto a doença persistir,
deixa de amar.
O hipocondríaco se assemelha ao doente orgânico: “O hipocondríaco recolhe o
interesse e a libido – esta última de modo especialmente nítido – dos objetos do mundo
exterior e os concentra sobre o órgão do qual está se ocupando”. (FREUD, [1914]1996, p.
104). A diferença entre os dois estados é que na doença orgânica as sensações desagradáveis
estão calcadas em alterações comprováveis, o que não ocorre na hipocondria.
Freud cita a vida amorosa como sendo a terceira forma de acesso ao narcisismo. Nas
primeiras experiências de satisfação sexual autoerótica da criança, vividas juntamente com as
funções vitais de autoconservação, as crianças tomam seus objetos sexuais. “As pulsões
sexuais apoiam-se, a princípio, no processo de satisfação das pulsões do eu para veicularemse, e só mais tarde tornam-se independentes dela” (FREUD, [1914]1996, p, 107).
As pessoas que se responsabilizam pelos cuidados da criança se tornarão os primeiros
objetos sexuais dela. É o tipo de escolha anaclítica, também chamada de veiculação
sustentada. Em algumas pessoas, principalmente nas que tiveram em seu desenvolvimento
algumas marcas singulares, como os perversos ou homossexuais, a escolha de seu objeto de
amor não corresponde à imagem da mãe, e, sim, à sua própria imagem. Esse é chamado de
escolha de objeto narcísico.
57
O ser humano possui dois objetos sexuais primordiais: ele mesmo e a pessoa que
dele cuida, e com isso estamos pressupondo que em todo ser humano há um
narcisismo primário, que eventualmente pode manifestar-se de maneira dominante
em sua escolha de objeto. (FREUD, [1914]1996, p. 108).
Na escolha narcisista, a pessoa ama segundo o que ela é, o que ela foi, o que gostaria
de ser ou ama a pessoa que anteriormente fez parte de seu próprio si mesmo. O interesse por
seu próprio corpo se orienta para um objeto do mundo exterior semelhante a ele, ou seja, é
uma escolha homossexual. Essa etapa pode ou não ser superada pela escolha heterossexual, de
acordo com os estímulos ou inibições da vida libidinal. As pulsões tomam o eu como objeto
de investimento, o que se dá através da erotização do próprio corpo. Esse investimento
direcionado ao próprio corpo, que Freud chamou de libido narcísica, Lacan (1949) denominou
de estádio do espelho.
Tanto Freud (1914) quanto Lacan (1949) acreditam que as figuras parentais, ou seja, o
outro, é quem instrumentaliza para a criança o processo de reconhecimento do outro. Ambos
partem da ideia inicial de uma desorganização corporal, em Freud com o autoerotismo, e em
Lacan com o estádio do espelho.
Essa indiferenciação entre o próprio corpo e a mãe é interrompida pela intervenção
materna. A ruptura desse continuum é a base para a constituição da relação de objeto e o
estabelecimento da individuação. Para Freud (1914), nos variados tipos de escolha amorosa,
há a predominância do narcisismo; se ele não acontece em toda relação libidinal, ocorre pelo
menos em toda relação amorosa. Isto significa que uma perda atual de um objeto de amor é
intensificada pelo retorno de uma perda primitiva recalcada. Freud se refere à identificação
narcísica, que é a mesma definida por Lacan (1949), como a identificação produzida no
primeiro momento especular em que a imagem do eu se constitui a partir do olhar da mãe. É
na primeira relação com a mãe que se constitui a identificação que irá refletir nas relações
objetais futuras.
Supomos que o predomínio de uma escolha narcísica de objeto, apoiada nessa
identificação, pode contribuir para a intensificação do ciúme, pois o rompimento da relação
amorosa reinveste a ferida narcísica e causa um retorno à identificação narcísica primordial.
Arreguy (2004), defendendo essa hipótese, acredita:
[…] que a falha no processo de construção da imagem narcísica é a causa mais forte
de uma repetição incessante do ciúme. O fracasso do narcisismo, devido a um
investimento narcísico falho, faz, portanto, com que uma ferida narcísica estrutural
seja reinvestida, apresentando-se como uma insuficiência de amor próprio e abrindo
58
caminho para a constante dependência do outro. Todo esse processo culmina no
estabelecimento de relações amorosas de dependência e dominação tanto em relação
ao objeto amoroso quanto ao rival, nas quais o sujeito ciumento se coloca
dialeticamente em um dos pólos: dominador ou dominado, senhor ou escravo.
(ARREGUY, 2004, p. 5).
Assim, a instauração do narcisismo tem como efeito a constituição do eu através do
investimento da imagem do corpo pelo outro, no caso, o outro materno. O olhar da mãe é
constituinte e organizador da autoimagem da criança, possibilitando a formação de uma
unidade indivisível e a configuração corporal do sujeito. Para haver a constituição da unidade
indivíduo, é necessário o abandono do narcisismo primário e o direcionamento da libido ao
outro, o que ocasiona também um retorno da mesma para si. Através do olhar do outro, há um
investimento libidinal no corpo da criança, desenvolvimento da imagem corporal e
constituição do eu. Na ausência de um outro que confirme sua imagem, a criança fica incapaz
de estabelecer um autoconceito. Para um eu constituído, é preciso que se ultrapassem os
limites do narcisismo e se liguem aos objetos.
Na terceira parte do texto de 1914, Freud estabelece o eu ideal e o ideal do eu,
iniciando sua apresentação opondo os investimentos dirigidos a si mesmo e aos objetos. Nesse
texto, percebe-se, em determinados momentos, uma certa confusão na distinção entre os
ideais. Freud afirma que nem toda libido do eu é investida nas relações objetais.
O amor por si mesmo que já foi desfrutado pelo eu verdadeiro na infância dirige-se
agora a esse eu ideal. O narcisismo surge deslocado nesse novo eu que é ideal e que,
como o eu infantil, se encontra agora de posse de toda a valiosa perfeição e
completude. Assim, o que o ser humano projeta diante de si como seu ideal é o
substituto do narcisismo perdido de sua infância, durante a qual ele mesmo era seu
próprio ideal. (FREUD, [1914]1996, p. 120).
A formação desse ideal representa o narcisismo perdido na infância para o qual o
investimento é deslocado. Assim, o eu ideal constitui-se como o herdeiro do narcisismo
primário, o indivíduo toma como objeto de amor o seu próprio eu, considerando parte de seu
eu como seu próprio ideal. O eu ideal é uma derivação do eu, é um desdobramento do eu. Ele
representa algo a ser alcançado pelo sujeito adulto.
Dessa forma, entendemos que autoerotismo é um estado da sexualidade infantil
anterior ao narcisismo, no qual a pulsão sexual encontra satisfação, sempre parcial, sem
necessitar direcionar-se a um objeto externo; o prazer é encontrado no próprio órgão. Porém,
nesse primeiro momento, algo precisa ser acrescentado ao autoerotismo para que o narcisismo
se constitua e se desenvolva como unidade comparável ao eu. Inicialmente, o eu é o objeto de
59
catexia libidinal, é o chamado narcisismo primário. O eu é constituído revivendo o narcisismo
dos pais que atribuem perfeição ao filho e da imagem unificada que a criança faz de seu
próprio corpo; surge o eu ideal. Depois, o investimento libidinal direciona-se para os objetos,
e a libido narcísica transforma-se em libido objetal. Ao retorno da libido ao eu, após o
investimento nos objetos externos, Freud nomeia de narcisismo secundário.
Na neurose, há o retorno da libido ao eu, mas sem que o sujeito elimine o vínculo
erótico com as pessoas e coisas. O vínculo é conservado na fantasia, substituindo os objetos
reais por objetos imaginários. Na psicose, a retração da libido se faz pela retirada da libido
dos objetos externos, sem o recurso à fantasia. Acreditamos que, quanto mais nossos vínculos
são construídos em bases falsas e posições masculinas e femininas falaciosas, mais propensos
estamos ao ciúme, o que revela a ausência de fundamentos na construção da identidade.
4.3 As três expressões do ciúme na teoria Freudiana
Essa reflexão de vinculação entre narcisismo e ciúme foi uma hipótese construída
através das pesquisas desenvolvidas no presente trabalho, elaboradas por meio da leitura dos
escritos freudianos. As contribuições efetivas oferecidas por Freud sobre o ciúme são as três
camadas encontradas de manifestações do ciúme: normal, projetado e delirante, que serão
discutidas no próximo item.
4.4 Manifestações do ciúme
Freud, em seu texto Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no
homossexualismo (FREUD, [1922]1996) afirma que o ciúme pertence a esses estados
emocionais que podem ser qualificados de normais a mesmo título que o luto. Se uma pessoa
aparenta não sentir ciúme, é devido à inferência de severo recalque, possuindo maior
influência na vida psíquica inconsciente. Freud ([1922]1996) situa três camadas ou graus de
ciúme, anormalmente intensos, encontrados no trabalho analítico: 1) ciúme competitivo ou
normal; 2) ciúme projetado; e 3) ciúme delirante. Buscaremos analisar com maior nitidez
60
essas três formas de manifestações de ciúme descritas na obra freudiana, tentando entrelaçálas aos conceitos já desenvolvidos no presente estudo.
4.4.1 Ciúme Normal7
4.4.1.1 A criança e a mãe
Pensemos no ciúme de uma criança pequena, que ainda não sabe falar. Lembremos da
cena descrita por Santo Agostinho em suas Confissões, de uma criança enciumada ao ver uma
outra a quem sua mãe dá o seio. “Tão enciumada e invejosa que ficou totalmente pálida e,
ainda não sabendo falar, não deixou de fitar com cólera e azedume outra criança que mamava
no seio de sua mesma nutriz.” (AGOSTINHO, 1996, p. 38).
Desse primeiro embate com um rival podem derivar os outros momentos de ciúme. A
criança que assiste a esta cena é um sujeito em devir. Ela imita a pessoa a quem ama e fala
com ela; através de seu autoerotismo, constrói fantasias com suas experiências corporais e seu
desejo de viver. Uma de suas fantasias é o desejo de ser grande. A criança que não fala não
possui ainda uma representação estável de seu espaço interno e de sua separação do outro que
a cerca.
O bebê empalidece de ciúme diante de sua exclusão frente a uma imagem de
completude que se fecha diante de seus olhos. O ciúme não é direcionado ao objeto que lhe
teria sido arrancado, o seio materno, mas da relação entre os dois seres. Segundo Lacan
(1949), ela invejaria um vínculo que já conheceu e perdera. Estando ainda se constituindo, o
infans que não fala ainda tende a se confundir com o bebê que vê nos braços da mãe, embora
tenha mais autonomia que aquele. A criança fica dividida entre seu desejo de crescer e a
imagem que vê, não sabe quem é, nem quem deve procurar ser. O desejo da mãe torna-se um
enigma; a criança não compreende o que a mãe quer dele, nem o que ela ama; ela parece-lhe
diferente. O infans já não é seu falo, e a figura materna entra em conflito com a que ele
desejava que ela fosse.
7
A utilização do termo “normal” é devido à denominação oferecida por Freud para descrever esse grau de
ciúme. Não corresponde à idéia de uma moral normatizadora e padronizável para esse sentimento.
61
Tomada pelo ciúme, a criança não é mais capaz de distinguir entre os benefícios do
amor e as vantagens da destrutividade. Os primeiros lhe permitiram identificar-se
com o que ela recebeu de bom para crescer. As últimas lhe abriram o caminho do
desprendimento. Com efeito, convém destruir fantasisticamente o objeto amado para
experimentar sua solidez e sua permanência. (BLÉVIS, 2009, p. 96).
No momento em que a criança se vê num outro diferente dela, a mãe também lhe
aparece como diferente, desconhecida, enigmática, distante; assim, em seu confronto com o
outro, a criança se percebe como um sujeito diferente de qualquer outra pessoa. Daí, qualquer
possibilidade que possa fazê-la perder uma posição com valor significativo pode fazer
emergir o ciúme. A saída para a criança é reatar suas fantasias que sustentam seu desejo de
viver.
Dessa foram, sabemos que, desde muito cedo, a mãe parece perfeita, inteira, sob o
olhar da criança. Os primeiros olhares maternos desviados do bebê abrem-lhe enigmas que
causam angústias. Mas essa angústia tem virtudes, pois, ao conduzir a criança a compreender
as expectativas desse outro que se distingue dela, a angústia a leva a se voltar para o exterior,
para o mundo. É assim que nos tornamos pesquisadores natos. O ciúme nos convida a
investigar como esse ser em devir se alienou. Por sua tentativa de controlar tudo, ao mesmo
tempo fazendo as perguntas e dando as respostas, ele se torna impermeável ao outro,
confundindo-se com ele. O ciumento se sente abandonado, e, quando repete as mesmas
coisas, é porque a excitação que seu ciúme provoca lhe proporciona o sentimento de existir.
Assim, “o ciúme fornece ao ciumento apenas um contorno sem conteúdo”. (BLÉVIS, 2009, p.
53).
Acreditando que o ciúme é um confronto violento com um semelhante, o ciúme entre
irmãos revela uma vulnerabilidade que pode despertar em todos nós. Mais do que o adulto, a
criança expõe mais facilmente a falha de seus referenciais simbólicos compostos no ciúme,
principalmente quando ainda não fala. A fala permite que o sujeito se ouça, se distancie de si
mesmo, permite uma saída mais fácil para o ciúme.
Podemos supor que o ciúme revela a angústia do sujeito em ser desalojado de um
lugar que acreditava ter conquistado; demonstra uma falha nos referenciais simbólicos que
remete ao sujeito aos limites de si mesmo. O ciúme adulto não é apenas uma repetição de um
ciúme infantil, mas a consequência de um trauma precoce, inevitável em certa medida, mas
cujos efeitos continuam a se fazer presentes na vida adulta.
Sendo originada numa vacilação de identidade, a expressão do ciúme na criança é
normal. A fixação nessa posição, sem a possibilidade do desejo de sair dela, é que se mostra
trágica. É preciso interrogar as razões dessas fixações.
62
Diante da destituição de seu lugar ao se deparar com seu semelhante, o pequeno
sujeito é captado por uma verdadeira alienação. Não sabe mais quem é, nem o que se quer
dele, fica inseguro. Separação, individuação e fantasias são estratégias frágeis e porosas.
Quanto mais se perdem os referenciais flexíveis e adaptáveis, mais se permanece fixado na
imitação, uma solução frágil e dolorosa.
4.4.1.2 O sujeito e o outro
No ciúme normal há uma dor de saber ou acreditar que o objeto de amor está perdido.
Freud ([1922]1996) associou o ciúme normal à ferida narcísica e à autocrítica, dizendo ser
composto de um pesar causado pelo pensamento de perder o objeto amado e do sofrimento da
ferida narcísica, da perda do objeto materno. O sentimento de autocrítica atua
responsabilizando o sujeito pela perda do objeto amado. Na autocrítica, o sujeito se
menospreza e se desvaloriza, incidindo contra o eu a culpa pela perda. De acordo com
Arreguy,
[…] quando a dor da perda do objeto primário toma dimensões acentuadas, ou seja,
quando há um forte investimento de representações ligadas a esta ferida narcísica, as
relações do sujeito são marcadas por um temor iminente, uma ameaça de perda
apresentada como ciúme. (ARREGUY, 2004, p. 4).
Pode-se dizer, ainda, que há um medo de que o objeto de amor seja atraído por um
outro. É experimentado onde há rivalidade, por despeito de não ter o que o outro possui. Esse
ciúme está ligado ao sexual e implica sempre um terceiro. Desde o início, há um contexto
triangular entre o bebê, sua mãe e o olhar da mãe dirigido a um terceiro. Esse terceiro está
presente desde muito cedo, anterior ao Édipo.
É necessário pensar que na cena do ciúme há a representação de um ato a dois, sob o
olhar de um outro que está excluído. Um monstro dos olhos verdes que assume o significado
de perda da segurança fálica, a desnarcização. Totem e Tabu (FREUD, [1913]1996, p. 34)
demonstra essa posição masculina de exclusividade e desejo de ser inteiro do marido sobre a
esposa. Freud, ao conceituar e explicar os tabus encontrados em tribos australianas e a relação
de evitação entre o genro e sua sogra, alega que um sentimento hostil pelo lado da sogra
parece óbvio, por ela relutar em perder a sua filha e desconfiar do estranho ao qual está sendo
63
entregue. E os impulsos hostis do genro se devem ao fato de ele não querer se submeter ao
ciúme de quem sua esposa possuía afeição antes dele. O marido toma sua esposa com
possessividade, acreditando que ela pertence somente a ele e não deve ter afabilidade com as
outras pessoas. Essa posição masculina é pensada na psicanálise como uma constituição
subjetiva fálica, já que o menino, desde a infância, abandona o amor edípico por um amor
narcísico pelo seu próprio órgão sexual (FREUD, [1914]1996). Ou seja, o menino abandona o
Édipo pela ameaça de castração.
Assim, supomos que o aparecimento do ciúme está ligado a uma fixação na ferida
narcísica, ou ainda, segundo Denzler (1997), de um “fracasso do narcisismo” (défaillance du
narcissisme) em sustentar a catexia libidinal no eu. Ela sugere a fragilidade narcísica do
ciumento ao mencionar que “[…] um sujeito neurótico que sofre de ciúme intenso e doloroso
pode, através desse sentimento, revelar um investimento narcísico parcialmente deficiente da
representação de si.” (DENZLER, 1997, p. 40). É interessante mencionar que:
Embora possamos chamá-lo de normal, esse ciúme não é, em absoluto,
completamente racional, isto é, derivado da situação real, proporcionado às
circunstâncias reais e sob o controle completo do ego consciente; isso por achar-se
profundamente enraizado no inconsciente, ser uma continuação das primeiras
manifestações da vida emocional da criança e originar-se do complexo de Édipo ou
de irmão-e-irmã do primeiro período sexual. (FREUD, [1922]1996, p. 271).
Portanto, o ciúme tem origem numa perda que não se consegue expressar em palavras.
Em seu amado, ele procura um bem que perdeu. Enquanto o indizível sofrimento decorrente
disso não for situado, ele não cessará de temer as perdas futuras.
Na base do mais desvairado ciúme, Freud discerniu o insuportável amor
homossexual pelo rival do mesmo sexo, mais amado que odiado, a tal ponto que o
ciumento desejaria, na visão freudiana, estar no lugar da pessoa cobiçada pelo outro.
Além disso, a dimensão narcísica do sofrimento dos ciumentos, que sempre temem
ser afastados por alguém melhor do que eles, foi igualmente sublinhada por Freud
em todas as chamadas formas normais de ciúme. Quando juntamos os dois termos
da equação, evidencia-se que o rival é amado ou desejado não mais sexualmente,
porém narcisicamente; de acordo com Freud, o ciumento esperaria então de seu rival
um reconhecimento homossexual. (BLÉVIS, 2009, p. 46).
O sentimento despertado no ciúme é avesso ao sentimento primordial de segurança tão
necessário para a construção do eu. Ainda criança, o sujeito não possui a fala para expressar
sua aflição de ser deposta de um lugar considerado seu; no adulto, o ciúme traz de volta essas
experiências que aguardam sentido e reconhecimento. É podendo inscrevê-las em si mesmo
que o sujeito pode livrar-se dessa estranheza inquietante de si.
64
É interessante ficar atento para a estrutura triangular que excita o ciúme. Ele surge
com a perturbação da harmonia de um casal. Seria uma reminiscência da cena de exclusão da
criança da vida sexual do par parental, que lhe é inacessível? Então, o ciumento sentiria
ameaça de qualquer rival intruso na posição de recordar seu lugar naquela cena de exclusão
que viveu?
A tentativa de restaurar o narcisismo com a ajuda de um suporte imaginário (o rival)
não explica o apagamento do desejo que sobrevém quando desaparece qualquer razão para o
ciúme. Sou amado? Ama a mim mais do que ao outro? O que ele tem que eu não tenho? São
perguntas frequentes dos ciumentos. Ocupando um “deslugar”, o ciumento tenta constituir-se
como sujeito. Relaciona-se a uma falta-a-ser, exibindo o sofrimento de um abandono. Ele
acredita estar cercado por seres dotados de poderes de que ele é desprovido. Assim, ele
procura esses outros e si mesmo, acreditando encontrar na figura do rival a causa e a solução
para seus sofrimentos. Ele não sabe que é sua própria imagem que ele forja para dar forma à
sua inquietação que o aliena e aprisiona.
Somente quando não sente mais ciúme é que o sujeito não teme mais os poderes
fantasiosos que havia atribuído ao rival. Aceitando que as identificações são frágeis e incertas,
ele põe fim ao processo de infidelidade que move contra seus objetos de amor.
Assim, o ciúme normal surge, então, como uma defesa da falta fundamental. Ele entra
em cena para reafirmar a demanda do sujeito de ser o único, insubstituível para o outro. E,
enquanto a inveja é imaginária, o ciúme é do registro simbólico e está relacionado à entrada
de um terceiro.
A inveja sobrevém em conseqüência de uma reação de defesa baseada na amputação
de uma parte do eu, amputação esta que se transforma em fonte de um conflito
insolúvel de identidade. Assim, é compreensível que esse meio de defesa seja tão
alienante, mais profundamente regressivo e mais fixado do que o ciúme. (BLÉVIS,
2009, p. 167).
O ciúme e a inveja são diferentes. O invejoso tenta sufocar a dor ao negar que possui
armas simbólicas essenciais. Desprovido de sentido, ele pretende que o outro sofra essa
mesma carência; ele se empenha em coisificar os vínculos, simplificar os laços. Posterior ao
ciúme, a inveja instala-se no sujeito já parcialmente constituído, capaz de realizar operações
psíquicas complexas, acarreta respostas regressivas, mas não é sinônimo de precocidade. O
menino que não possui valores simbólicos trazidos pela mãe para se identificar fica exposto a
imitar uma aparência de masculinidade sem raízes; ele, na verdade, imita os traços de
65
virilidade, mas não se serve com prazer deles. Eles ficam invejosos, enciumados do feminino,
que seria uma projeção do desejo que eles não dispõem.
O eu inseguro do ciumento não é comparável ao do recém-nascido, que se encontra
em vias de constituição de seu eu. O eu do ciumento vacila em suas posições subjetivas, sob o
efeito de um ataque que o destituiu. Ele vive nos e pelos outros, como parasita dos desejos e
limites deles. Por isso quer ficar “colado” naquele a quem ama, recusando separar-se dele. Ele
sobrevive à custa de sua condição parasitária do desejo do outro. Dessa forma, na
impossibilidade de saber quem é, o ciumento quer tornar-se um só com o seu objeto de amor.
Recusa-se a se diferenciar da pessoa a quem parece ter confiado a própria vida. Dessa forma,
ele reivindica de seu amante uma fidelidade total, um desvio ou diferenciação, por menor que
seja, denuncia uma traição. “Seu desejo de dominação é proporcional às suas inseguranças.”
(BLÉVIS, 2009, p. 69).
Na verdade, é a autonomia do desejo que constitui o rival do ciumento. A
destrutividade suscitada por essa forma de ciúme decorre de uma estratégia de dominação e
de sobrevivência. Essa dimensão de dominação nos mostra que o desejo de se tornar um
indivíduo singular sofreu uma suspensão, por alguma razão desconhecida. A fantasia de
traição é a solução encontrada para as suas inquietações, mas isso o desvia do verdadeiro
confronto com as realidades que o alienam.
4.4.2 Ciúme Projetado
Na segunda camada, o ciúme projetado encontra-se, também, um processo
inconsciente. Há a projeção da própria infidelidade real do sujeito ou de um desejo deste de
trair que foi, a priori, recalcado. É, dessa forma, projetando seus próprios impulsos de
infidelidade ao parceiro, que se busca um alívio ou um sentimento de inocência consciente de
não ter conseguido sustentar a fidelidade exigida pelo seu companheiro. Freud ([1922]1990)
cita a canção de Desdêmona em que Otelo projeta uma possível infidelidade sua, tendo como
consequência uma provável traição de sua esposa.8 Podemos, a partir disso, afirmar que o
ciúme de Otelo é projetivo? No tratamento analítico, Freud acredita que não se deve
preocupar em descobrir o fundamento das suspeitas do ciumento, mas fazê-lo perceber o fato
8
“Chamei meu amor de falso, mas o que disse ele então? Se eu cortejar mais mulheres, deitar-se-ás com mais
homens.” (SHAKESPEARE, 2001, p. 168).
66
sob outro ângulo. Esse ciúme projetado tem caráter “quase delirante”, mas é passível de ser
trabalhado em análise através das fantasias inconscientes da infidelidade.
4.4.3 Ciúme Delirante
Para Freud ([1922]1996), o ciúme verdadeiramente delirante é o relativo à terceira
camada. Ele também se origina de impulsos recalcados9 de infidelidade, só que está voltado
para um parceiro do mesmo sexo que o sujeito. Freud escreveu que “[…] como tentativa de
defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele (o ciúme delirante) pode, no
homem, ser descrito pela fórmula: Eu não o amo; é ela que o ama!”. (FREUD, [1922]1996, p.
273). Esse tipo de ciúme está presente na estrutura paranoica, e nesse sujeito pode-se
encontrar ciúme correspondentes a todas as três camadas descritas por Freud, e não apenas à
terceira.
Pensando na psicose, lembramos o texto de 1914, em que Freud traz, na primeira
parte, uma referência às parafrenias para explicar o narcisismo, buscando esclarecer a retirada
dos investimentos do mundo externo. Primeiramente, ele diz que o neurótico, enquanto
doente, desiste de sua relação com a realidade, mas não se desliga de suas relações eróticas
com as pessoas e as coisas; ele as retém na fantasia. Já os parafrênicos (demência precoce de
Kraepelin e esquizofrenia de Bleuler) parecem realmente retirar sua libido das pessoas e das
coisas do mundo externo, sem substituí-las por outras na fantasia; eles substituem pelo delírio,
inclusive podendo ser no delírio de ciúme. Ou seja, no parafrênico a libido não está investida
num objeto externo. Freud acredita que a libido retirada dos objetos externos é dirigida para o
eu, demonstrando uma atitude narcisista, uma escolha narcísica de objeto. Esse narcisismo
pode ser considerado como sendo secundário e patológico, superposto ao narcisismo primário.
Teoricamente, a perda de interesse no exterior diz respeito a uma concentração desse
interesse sobre a própria pessoa. Para Freud ([1914]1996), o afastamento do mundo externo
nos parafrênicos os tornam inacessíveis à psicanálise. De acordo com Freud, e como já
mencionado anteriormente, o hipocondríaco, assim como o parafrênico, também retira a
9
Nesse momento, o recalque é tomado por Freud como um mecanismo de defesa estrutural comum em todos os
sujeitos. No decorrer de sua obra, especificamente em “Inibições, sintomas e ansiedade” (1926/1976), o uso do
termo recalque (traduzido de forma incorreta em português por repressão) é reservado ao mecanismo particular
de separação entre idéia e afeto, encontrados na estrutura neurótica. Na operação estrutural que inaugura a
psicose, Freud utilizou o termo rejeição.
67
libido dos objetos do mundo externo e investe uma parte no próprio corpo que torna
particularmente sensível, independentemente da doença ser real ou imaginária.
No caso Schreber, uma esquizofrenia paranóide, em 1911, há uma referência ao termo
narcisismo, afirmando a relevância da escolha narcísica de objeto, colocando-o em posição de
destaque na teoria pulsional. Há uma fixação na escolha narcísica.
O que acontece é o seguinte: chega uma ocasião, no desenvolvimento do indivíduo,
em que ele reúne seus instintos sexuais (que até aqui haviam estado empenhados em
atividades auto-eróticas), a fim de conseguir um objeto amoroso; e começa por
tomar a si próprio, seu próprio corpo, como objeto amoroso, sendo apenas
subseqüentemente que passa daí para a escolha de alguma outra pessoa que não ele
mesmo, como objeto. Essa fase eqüidistante entre o auto-erotismo e o amor objetal
pode, talvez, ser indispensável normalmente; mas parece que muitas pessoas
demoram-se por tempo inusitadamente longo nesse estado e que muitas de suas
características são por elas transportadas para os estádios posteriores de seu
desenvolvimento. (FREUD, [1911]1996, p. 82-83).
Para Freud, o delírio paranoico do presidente Schreber é uma defesa contra a
homossexualidade. Pode-se considerar como a primeira exposição razoavelmente elaborada
do narcisismo como um estágio do desenvolvimento da libido interposto entre o autoerotismo
e o amor objetal. Pessoas que se fixam nessa fase podem tomar seu próprio corpo como objeto
de amor; podem escolher um objeto externo com órgãos genitais semelhantes ao seu, e as
teorias sexuais infantis que atribuem órgãos sexuais iguais para ambos os sexos influenciam a
escolha objetal homossexual.
As pessoas que não se libertaram completamente do estádio do narcisismo – que,
equivale a dizer, têm nesse ponto uma fixação que pode operar como disposição
para uma enfermidade posterior – acham-se expostas ao perigo de que alguma vaga
de libido excepcionalmente intensa, não encontrando outro escoadouro, possa
conduzir a uma sexualização de seus instintos sociais e desfazer assim as
sublimações que haviam alcançado no curso de seu desenvolvimento. (FREUD,
[1911]1996, p. 84).
Freud continua sua explanação afirmando que esse resultado pode acontecer com
qualquer coisa que cause regressão da libido. Ela pode ser reforçada por alguma frustração
nas relações sociais, quer seja intensificada até o ponto de não conseguir encontrar um
escoadouro e irrompa no ponto mais fraco. Pode acontecer com a ameaça de rompimento de
um relacionamento amoroso, tendo como consequência a manifestação do ciúme. “O ponto
mais fraco em seu desenvolvimento deve ser procurado em algum lugar entre os estádios de
auto-erotismo, narcisismo e homossexualismo […]” (FREUD, [1911]1996, p. 84). Podemos
68
sugerir que o ciúme, caracterizado como medo da perda do objeto amado, surge como ameaça
da perda de si mesmo.
As reflexões freudianas sobre as três modalidades de ciúme, normal, projetivo e
delirante, acrescidas da nossa hipótese da vinculação do ciúme ao narcisismo, podem nos
auxiliar em nosso estudo sobre a importância do ciúme nas relações humanas. Nesse sentido,
no próximo capítulo, iremos refletir sobre dois clássicos da literatura, Otelo e Dom Casmurro,
tentando aplicar esse instrumento de leitura, levantado na teoria Freudiana sobre ciúme, a
esses dois personagens.
69
5 O CIÚME NA LITERATURA, UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA:
OTELO E DOM CASMURRO
E os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado
em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e
a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar. (FREUD,
[1907]1976, p. 18).
O conjunto de produções literárias de uma época possui informações importantes
sobre os acontecimentos e os costumes desse período. A literatura, arte de criar e recriar
textos, pode ser considerada uma reprodução do cotidiano e do desejo das pessoas. Nesse
sentido e, também, por apreender o que escapa à lógica da razão, a literatura surge como
recurso para investigação da psique humana. Utilizaremos, nesta pesquisa, a literatura, mesmo
recurso já empregado por Freud em seus trabalhos para entender o homem e seus atos.
Recorreremos a duas obras clássicas sobre o ciúme reconhecidas mundial e nacionalmente –
Otelo, de Willian Shakespeare, e Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Em Escritores criativos e devaneios, Freud (1908) enaltece a sabedoria dos poetas,
afirmando que acredita que os mitos, por exemplo, “são muito provavelmente vestígios
deformados dos fantasmas de desejos comuns a nações inteiras, e representam sonhos
seculares da jovem humanidade”. (FREUD, [1908]1976, p. 157).
Teixeira (2005) assegura que Freud escreveu em diversos momentos que os
psicanalistas deveriam escutar o que as ficções narram, colocando-se em uma atitude de
abertura às sugestões de seus inconscientes. Podemos dizer que a relação de Freud com os
escritores acontece de forma paradoxal, ora funcionando como modelo, ora como rivais, pois
eles parecem já conhecer o que a psicanálise busca apreender através de seus estudos.
A literatura torna-se imenso reservatório de material clínico, oferecendo sua matériaprima – simbolizações, palavras, formas imaginárias, figuras de linguagem, escansões
– às intuições clínicas ainda errantes em Freud. Assim, as filiações literárias marcam
a elaboração da psicanálise, a ponto de Freud elucidar um ponto-chave de sua teoria,
a saber, a homologia entre o trabalho do sonho e a elaboração da obra de arte,
atribuindo à obra um saber igual, embora elaborado diferentemente, sobre o
inconsciente. (TEIXEIRA, 2005, p. 121-122).
A busca de Freud em situar sua obra no campo da ciência não o impediu de se
encaminhar à literatura para a construção da psicanálise. A regra fundamental da psicanálise,
por exemplo, nomeada de associação livre, para Migeot, foi “apreendida nos conselhos e na
70
prática dos grandes escritores”. (MIGEOT, 1996, p. 25).
Sendo a literatura um recurso que auxiliou Freud na invenção sobre a análise dos
neuróticos e um método de investigação dos processos mentais, o vínculo entre esses dois
campos se manifesta de maneira estreita desde o nascimento da psicanálise. A literatura
carrega em suas obras os temas mais importantes ao campo teórico psicanalítico, como o
desejo, o sonho, o narcisismo, a culpabilidade, o incesto, os laços familiares, a transgressão, o
prazer, o ciúme. Assim, literatura e psicanálise se propõem como saberes solidários. A ficção
surge como característica essencial para a psicanálise, redirecionando o olhar de Freud para
além dos limites da rígida medicina, formação profissional de Freud.
Se Freud tivesse ficado tributário de um modelo neuropsicológico, jamais ele poderia
ter podido atualizar os grandes mitos da literatura para construir uma teoria dos
comportamentos humanos. Dito de outra maneira, sem a reinterpretação freudiana
das narrativas fundadoras, Édipo só seria um personagem de ficção e não um modelo
universal do funcionamento psíquico: não haveria nem complexo de Édipo, nem
organização edipiana da família ocidental. (ROUDINESCO, 2000, p. 154).
Além disso, por ser a psicanálise uma arte que não possui uma previsibilidade e não se
apresentar sempre da mesma maneira, abre-se espaço para o efeito antecipatório propiciado
pela literatura, que reproduz os acontecimentos do universo humano.
No texto freudiano Análise terminável e interminável (1937), a criação artística é
entendida da mesma maneira que a procriação, sendo ambas sustentadas na construção de
enigmas. Freud apoia-se na ideia de que a vida, desde sua formação até a morte, é um enigma,
entregue ao acaso, às forças biológicas, psíquicas, externas e, também, ao encontro entre essas
forças.
Literatura e psicanálise, sendo saberes solidários, mais do que a psicanálise vir a
esclarecer a literatura, talvez é a literatura que vem elucidar a psicanálise, distanciando-a dos
parâmetros positivistas e descentrando-a do campo estritamente médico. Os mitos e as obras
literárias desempenham papel de comprovação e justificação da teoria. Arte e ciência ocupam
posições constitucionais nas construções teórico-clínicas. Teixeira (2005, p. 128) cita Mann
(1986) em resposta ao seguinte questionamento:
— A psicanálise diminuiu o campo de ação do escritor?
— De modo algum! Sem Dostoievski, nada de Freud. A meu ver, Shakespeare é o
maior psicanalista que existiu (MANN, 1986 p. 223).
71
Lewin (1936), citado por Leite, sustenta que Dostoievski possui as mais completas e
concretas descrições de situações, e tais descrições conseguem demonstrar aquilo que não
encontramos nas descrições estatísticas. Dostoievski descreve de forma clara como se
relacionam entre si, e com o indivíduo, os diferentes fatos de seu ambiente. O escritor de
romances consegue dar, a partir do comportamento do indivíduo, uma descrição além do
alcance psicológico. Leite continua sua apresentação citando Rollo May (1960, p. 13), que
diz:
Por isso muitos fizemos a estranha descoberta, quando estudantes universitários, de
que aprendíamos muito mais psicologia, isto é, aprendíamos muito mais a respeito
do homem e da sua experiência nos cursos de literatura do que nos de psicologia
[…] Da mesma forma, quando agora estudantes me escrevem, dizendo que
pretendem ser psicanalistas, e pedem conselho quanto aos cursos que devem fazer,
digo-lhes que se formem em literatura e nas humanidades, e não em biologia,
psicologia ou cursos pré-médicos. (LEITE, 2002, p. 16).
Muitos dos temas vistos atualmente como exclusivamente psicológicos já foram
ensaiados por diversos autores. É quase impossível descrever uma obra literária sem fazer
referência, direta ou indiretamente, a ocorrências psicológicas, como a descrição dos
personagens, a percepção do ambiente, a organização familiar. Contudo, podemos afirmar que
a literatura constitui uma expressão da realidade, implicando seus diversos aspectos
constitucionais. Para Freud ([1907]1976), os escritores criativos eram capazes de, através do
texto, presentificar o inconsciente. E que um autor “deveria evitar qualquer contato com a
psiquiatria e deixar aos médicos a descrição de estados mentais patológicos”. (FREUD,
[1907]1976, p. 50). Porém, os escritores criativos não obedecem a essa ordem, pois a
descrição da mente humana é um campo seu, sendo eles precursores da ciência e também da
psicologia científica.
Freud, Willian Shakespeare e Machado de Assis fizeram literatura. Para os dois
últimos, essa observação é óbvia; para Freud, é preciso lembrar que ganhou, na cidade de
Frankfurt, em 1930, o prêmio Goethe, dedicado ao conjunto de sua obra, inicialmente
científica, mas tida por alguns como sendo escrita da mesma forma que um romance.
Freud reconhece Willian Shakespeare como um dos maiores escritores da história;
utilizou-se do universo conflituoso dos seus personagens para confirmar e ilustrar suas
hipóteses teóricas. Cita, em 1906, Shakespeare como um dos quatro autores com obras
esplêndidas (os outros são Sófocles, Homero e Goethe).
72
5.1 O ciúme mortífero: Otelo e Desdêmona
Shakespeare, um cânone da literatura mundial, possui suas biografias contaminadas de
lacunas, o que nos leva, em determinados momentos, a supor, fantasiar, inferir sobre sua vida.
Sabe-se que nasceu na Inglaterra, em 1564. Devido à boa condição financeira da família,
Shakespeare estudou numa escola onde a carga horária diária era de nove horas de estudos.
Na Igreja Católica, aprendeu o latim e manteve contato com os livros religiosos. Mudou-se
para Londres, onde iniciou seu sucesso e pôde escrever suas obras mais conhecidas. É
importante destacar que naquela época os livros não eram acessíveis ao público, e grande
parte da população era analfabeta; daí, os autores deveriam entrar em contato direto com o a
plateia, fazendo com que cada espetáculo fosse único, mesmo quando repetidos por várias
vezes. Uma das incertezas sobre a vida de Shakespeare é a causa de sua morte. Sabe-se que
morreu em 23 ou 24 de abril de 1616, aos 52 anos de idade. Contudo, tanto a data do
nascimento quanto a data de sua morte são vinculadas ao dia do padroeiro da Inglaterra, o
que, por certo, aumenta a admiração dos ingleses por seu autor maior.
Através de Shakespeare, a literatura assume seu papel de trazer, nos personagens, os
conflitos psíquicos vividos por vidas reais. Freud depara-se com as criaturas inventadas por
Shakespeare e cita-as em diversas passagens de seus textos. A peça Otelo foi apresentada pela
primeira vez no palácio Whitehall, na segunda metade do ano de 1604, perante o rei James I.
Ela aborda questões polêmicas, como o ciúme, o racismo, o poder, a luxúria, o crime
passional e a luta entre o bem e o mal. Portanto, é uma narrativa de uma tragédia comum, e
Shakespeare, com sua grande habilidade, transforma um fato rotineiro em uma obra especial.
Conhecido como um clássico sobre ciúme, Otelo será utilizado no presente trabalho como um
recurso literário de investigação da psique humana.
Otelo, um general negro, desconsidera o preconceito racista vigente na época e
comanda os homens brancos; esse era, no entanto, um fato muito raro para aquele período.
Otelo é evidenciado pelo seu controle e bom senso nas batalhas, porém perde a autoridade de
seus atos quando se deixa induzir pelas ideias nocivas do “honesto amigo” Iago. Logo de
início, Iago revela sua fúria contra Otelo, seu patrão: “continuo dele sendo seguidor que é para
dar-lhe o troco que merece […] Ao ser dele seguidor, estou seguindo apenas a mim mesmo”.
(SHAKESPEARE, 2001, p. 9). Otelo se deixa enganar pelas histórias de Iago, imerso na
73
crença da traição de sua esposa. Ele não consegue pensar em outra hipótese senão a de
traição. O ciúme lhe invade de tal forma que o deixa cego diante do amor que Desdêmona
sempre demonstrou. O que Iago representa para Otelo? Por que o diálogo de Iago encontra
ressonância em Otelo? Qual o tipo de relação existente entre os dois combatentes; seria
apenas política?
Considerado como honesto inúmeras vezes durante o transcorrer da trama, Iago
mostra-se um homem guiado pelo desejo de vingança, criando discórdias, inventando
mentiras e, acima de tudo, deleitando-se com a “obediência” de Otelo. Iago utiliza-se de
Rodrigo, um cavaleiro veneziano apaixonado por Desdêmona, para contar à Brabâncio, um
senador de Viena, sobre o romance de sua filha com Otelo. Desdêmona, conhecida como uma
jovem casta, ingênua e pura, desafia, então, a tradição da época e afronta a oposição de seu
pai para se casar com um aristocrata negro. Ela enfrenta a família e a sociedade em busca de
seu amor. Brabâncio retira-se ao encontro de Otelo e o acusa de ter feito sua filha vítima de
alguma feitiçaria, pois
[…] quando é que uma donzela tão afável, linda e feliz, tão avessa ao casamento que
chegou a recusar os melhores, mais ricos e elegantes partidos de nossa nação,
quando é que ela teria abandonado seu pai e protetor, correndo o risco de ser motivo
de zombaria geral, para aninhar-se no peito negro de uma coisa como tu…figura que
dá medo, e não prazer? (SHAKESPEARE, 2001, p. 20).
Otelo conta a Brabâncio a maneira como o relacionamento com Desdêmona se iniciou
e a forma como o amor aconteceu. Diz que o Brabâncio lhe tinha grande apreço e convidava-o
continuamente para visitas. Sempre quando questionado sobre sua vida, ele contava-lhe
importantes acontecimentos que datavam desde a sua infância. Contava acasos desastrosos,
brigas e acidentes dos campos de batalha. E Desdêmona escutava tudo com os olhares
compenetrados. Mas, logo, os afazeres da casa afastavam-na dos dois; e, quando conseguia,
voltava para ouvir mais um pouco da história de Otelo. Ele orgulhava-se de tê-la feito chorar
várias vezes com suas histórias. Otelo, então, supôs: “Ela me amava pelos perigos por que eu
havia passado, e eu a amava por ter ela se compadecido de mim”. (SHAKESPEARE, 2001, p.
30). Esse amor, contado com tanta altivez por Otelo, foi construído pelo compadecimento de
Desdemôna, pelos diálogos entre eles. O amor vivido por Desdêmona pode ser considerado
como valorização de seus desejos, sentimentos e sonhos; um amor romântico. Ela se rebelou
contra as imposições sociais e familiares para sustentação do relacionamento amoroso. O que
levou Otelo a desconfiar desse amor?
74
A seguir, Otelo é enviado ao campo de batalha para uma expedição das mais difíceis e
violentas. O Doge sugere que Desdêmona se abrigue na casa do pai até que seu esposo
retorne. Brabâncio, Otelo e Desdêmona não aceitam a sugestão e ela pede para seguir a
Chipre com seu amado: “se eu ficar para trás, qual traça que se alimenta da paz enquanto ele
vai para a guerra, os privilégios em função dos quais sou por ele apaixonada me terão sido
destituídos”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 34). Otelo e Desdêmona seguem, então, juntos para
Chipre. Ao despedir-se, Brabâncio diz a Otelo para “mantê-la sob suas vistas, pois se ela
enganou o pai, pode vir a fazer o mesmo com o esposo”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 37).
Otelo retruca, defendendo que sua amada é fiel e que aposta sua vida nisso. Porém, essa frase
do pai de Desdêmona é lembrada quando o ciúme invade o mouro e colabora para o aumento
da desconfiança da traição de sua amada. Iago utiliza das palavras de Brabâncio para deixar
Otelo mais desconfiado de sua esposa, só que essa atitude de Desdemôna poderia também ser
interpretada como uma prova de seu amor; ela abandona o próprio pai para se casar com o
mouro. Apesar de pensarmos que esse ato configure o amor de Desdêmona por seu marido,
Otelo o convoca de um outro lugar. Ele parece se identificar com Brabâncio não como pai,
mas como homem, como uma identidade masculina fálica. Dessa forma, ele acredita que
Desdêmona traiu Brabâncio não enquanto pai, mas como homem.
Iago torna-se encarregado pela guarda de Desdêmona e, desde já, articula um plano
para causar discórdia entre sua guardiã e seu patrão:
[…] após algum tempo, maltratar os ouvidos de Otelo, sugerindo que Cássio é por
demais íntimo de sua mulher, que ele tem uma figura e uma disposição meiga
suspeitáveis... moldado para fazer das mulheres pessoas falsas. O mouro é de
natureza aberta e generosa: acredita ser honesto todo homem com aparência de
honesto… O inferno e o breu da noite deverão dar à luz do mundo esse monstro.
(SHAKESPEARE, 2001, p. 41).
Iago acredita poder criar no mouro um ciúme tão forte a ponto de o bom senso não
poder remediá-lo. Sua influência sobre Otelo é notável durante o transcorrer da peça. Haveria
algum desejo homossexual inconsciente entre eles? O desejo de Iago é só o de retornar ao
poder? É evidente assegurar que ele exerce grande poder sobre Otelo. Sendo este um homem
muito poderoso, por que ele se submete às falas de Iago? Ao mesmo tempo, Iago se afirma na
medida em que desqualifica Otelo.
O plano de Iago começa a ser posto em prática. Cássio, após embriagar-se em uma
festa, é provocado por Rodrigo e motiva uma briga. Em seguida, por estar nesta noite fazendo
75
a guarda e não ter honrado seu cargo, é deposto. Por sugestão de Iago, o ex-tenente pede a
Desdêmona que advogue a seu favor com seu marido. Logo, Iago planeja:
Enquanto esse honesto otário importuna Desdêmona com seus pedidos para que ela
conserte seu destino, e, enquanto ela, por ele, implora clemência ao mouro, eu
estarei vertendo esta pestilência nos ouvidos de nosso general: que ela o quer de
novo nas boas graças de seu superior para apaziguar a luxúria de seu corpo. E,
quanto mais ela se esforçar por ajudá-lo, ela estará perdendo crédito junto ao esposo.
(SHAKESPEARE, 2001, p. 77).
O alferes Iago faz o mouro entrar em cena no instante em que Cássio solicita os
favores de Desdêmona. E começa, desde então, a induzir ideias equivocadas nos ouvidos de
Otelo, que diz: “Preciso ver antes de duvidar. Quando eu duvidar, precisarei de provas, e, uma
vez fornecida a prova, não há nada além disto: o fim simultâneo do amor e do ciúme.”
(SHAKESPEARE, 2001, p. 93). Uma traição comprovada implica no fim do amor e do
ciúme? Otelo inicialmente assume uma posição de buscar provas que comprovassem a
traição, mas delibera suas investigações aos desígnios e armações de Iago.
O jovem mouro é aconselhado pelo “amigo” a observar minuciosamente sua esposa
quando estiver com Cássio, e, além disso, o lembra que ela enganou o próprio pai. O
ciumento inventa significado para todos os atos e gestos de sua vítima. Otelo, então, começa a
desconfiar de sua amada, sendo ríspido com ela, mas justifica-se, em seguida, afirmando estar
com dor de cabeça. Ela tenta aliviar a dor apertando sua testa, mas ele a afasta, e o lenço,
primeiro presente solene e promessa de amor de Otelo para a esposa, cai despercebido.
Emília, esposa de Iago e dama de companhia de Desdêmona, encontra-o. Recorda-se que seu
marido a havia pedido que surrupiasse o lenço da patroa. Iago vê Emília com o lenço e
arranca-o de sua mão. O lenço é inteligentemente deixado no alojamento de Cássio e passa a
ser a “prova” que, segundo Otelo, confirmaria a traição de sua esposa. Otelo ordena a morte
de Cássio. Por que a morte? Por que Otelo condena Cássio à morte? Assassinando Cássio, o
sofrimento de Otelo cessaria, pois ele aniquilaria o objeto causa de desprazer. Ele elimina o
objeto que acreditava estar desviando o olhar de Desdêmona, podendo ocupar novamente a
posição de detentor do falo.
Após obter o que foi considerado a prova da traição, as atitudes de Otelo para com sua
esposa se tornam diferentes. Desdêmona percebe que seu marido está agindo de forma
estranha, grosseira, rude, agressiva. Emília deseja que este comportamento do mouro não seja
oriundo de ciúme, pois “almas ciumentas não funcionam assim (com motivo). Elas nunca são
76
ciumentas por que há uma causa, mas sim porque são ciumentas”. (SHAKESPEARE, 2001, p.
117). Esta afirmação nos diz que o ciúme é uma inquietação da alma, ele independe da
realidade externa. Assim, podemos pensar no ciúme como uma questão psíquica; a causa
apenas estimula algo que já existia. A alma ciumenta é ciumenta porque possui uma ferida
narcísica e qualquer coisa pode ser interpretada como ciúme. Nessa frase, Emília confirma a
ideia de que o ciúme está atrelado à estruturação psíquica do sujeito e, não, à realidade
extrerna, pois a causa emerge apenas para justificar o dilaceramento narcísico existente.
Ao marcar um encontro com Cássio, Iago pede a Otelo que fique escondido e atente-se
aos risinhos do ex-tenente, pois diz que vai perguntá-lo sobre Desdêmona. Só que, na
verdade, Iago conversa sobre Bianca, uma meretriz amante de Cássio. Eles sorriem e o mouro
enlouquece. Seu ciúme encarrega-se de dar sentido aos sorrisos, aos gestos, ao
comportamento leviano; esse sentido é construído sobre bases equivocadas. Bianca chega e
entrega a Cássio o lenço perdido por Desdêmona e “encontrado” no alojamento (pois ele tinha
pedido para que ela o reproduzisse, mas ela decide que não o fará e pensa que o lenço era
presente de alguma moça a ele). Otelo, vendo isso, certifica-se de que essa era a prova que
precisava ver. Ele apenas viu a cena, não a ouviu. Ele interpreta a imagem de acordo com seus
pensamentos de desconfiança da esposa. Otelo desconfia de Desdêmona, mas confia em todas
as palavras de Iago. Ele consente que Iago demonstre suas acusações, mas não permite a
defesa de sua esposa.
Após o último jantar que teria com sua esposa, Otelo ordena que Desdêmona vá para
seus aposentos, se apronte para deitar e dispense Emília em seguida. Ao chegar ao quarto,
Otelo tranca a porta e Desdêmona já está a dormir. Antes de cometer o injusto assassinato, o
mouro se justifica:
Ela deve morrer, para que não venha a trair ainda mais homens. (beija-a) Sê assim
quando estiveres morta, e quero matar-te para depois te amar […] Minha
necessidade é chorar, mas as minhas são lágrimas cruéis; e celestial é o meu pesar,
pois ele dói na fonte do amor. (SHAKESPEARE, 2001, p. 168-169).
Percebe-se que o ciumento coloca o outro numa posição de objeto. Ele pretende matar
seu objeto de amor, para depois amá-lo. O que Otelo quer é ter posse de Desdêmona; para
isso, anseia destruir toda a subjetividade dela. Além disso, ao dizer que a mataria para que não
traísse mais homens, percebemos novamente uma identificação de Otelo com o pai de sua
esposa, a quem ele considera traído também. Otelo parece assumir um lugar de defesa à
entidade masculina.
77
Desdêmona acorda e Otelo a questiona se já fizera suas orações e pedidos de perdão
por algum crime que porventura tenha cometido e ainda não tenha conseguido reconciliação
com os céus. Acrescenta, então, que não mataria o teu espírito despreparado.
Ao perceber que o mouro falou em matá-la, Desdêmona pede piedade aos céus e
assusta-se, mas acrescenta que, todavia, não tinha motivos para sentir-se assim, pois
desconhece culpas. Todos os seus “pecados são amores que entrego em ti, para ti. Não seria
uma morte natural, a que mata por se amar”. (SHAKESPEARE, 2001, p. 170). Ela não
acredita ser natural matar por amor; essa é uma escolha de amor anaclítico. Para Otelo, matar
por amor pode ser natural, pois o amor narcísico mata para manter seu narcisismo. O amor
narcísico é patológico; ele não reconhece o outro como outro na sua diferença; ele ama o
outro como uma parte de si mesmo; por isso, ele pensa ser natural matar.
Otelo a acusa de presentear Cássio com o lenço com bordados de moranguinhos que
fora de sua mãe. Ela refuta tal acusação: “Tenhas tu piedade também. Jamais o traí em toda a
minha vida. Jamais amei Cássio com outro amor que não aquele que os céus sancionam, o
único tipo de amor que eu poderia sentir por Cássio. E jamais dei-lhe uma lembrança”.
(SHAKESPEARE, 2001, p. 171).
Contudo, Otelo afirma ter visto Cássio com o lenço. Desdêmona, notando a ira que o
ciúme tivera despertado em seu esposo, pede-o para não morrer, mas ser mandada para o
exílio, ou pelo menos, viver mais uma noite. Porém, Otelo a asfixia. Por que Otelo assassina
Desdêmona tão cruelmente? O que o leva a agir dessa forma? Acreditamos que Otelo mata a
esposa para tentar manter sua posição narcísica. No momento em que se vê ameaçado pela
destituição da posição fálica, Otelo aniquila o que pode deixá-lo deposto de sua
masculinidade. Nesse sentido, não parece que ele reconhece Desdêmona como um outro
diferente dele mesmo.
Neste momento, Emília bate à porta e anuncia que Cássio matou Rodrigo. Desdêmona,
em seu leito de morte, grita que foi assassinada injustamente. Emília ouve e dirige-se à cama.
Pergunta, então, quem cometera tal ato, e a doce Desdêmona diz ter sido ela mesma. Otelo
confessa o crime, confirmando à Emília que seu marido Iago sabia da traição de sua patroa
com o ex-tenente Cássio e foi quem abrira-lhe os olhos para isso.
Emília, perplexa, desmascara seu marido, contando que o lenço, tido por Otelo como a
comprovação do adultério, fora achado por ela no chão e entregue a Iago. Otelo, percebendo
que foi enganado, corre em direção a Iago, mas é desarmado. Iago foge, e antes apunhala
Emília pelas costas. Ela pede, então, para ficar no leito de morte com sua patroa, e canta:
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“mouro, ela era casta. Ela amava somente a ti, cruel mouro. Que minha alma venha a ser
abençoada, pois falo a verdade. E assim, falando os meus pensamentos, ai de mim, eu morro”.
(SHAKESPEARE, 2001, p. 183).
Otelo arma-se novamente e pede para sair do quarto. Desesperado, fere Iago.
Ludovico, parente de Brabâncio, interpela Otelo se ele planejara a morte de Cássio e ele
confessa. Anuncia duas cartas encontradas no bolso de Rodrigo: uma informa que fora
incumbido da morte de Cássio, e outra Rodrigo censura Iago por tê-lo induzido a provocar
Cássio naquela noite da festa, fazendo com que fosse, em seguida, destituído de seu posto.
Ludovico transfere a Cássio o poder e o comando de Chipre. E anuncia que Otelo
ficará prisioneiro até que seu crime seja conhecido em Veneza. Porém, Otelo apunhala-se e,
antes de morrer, dirige-se à sua amada morta, e diz: “Beijei-te antes de te matar. Nenhuma
outra saída era possível, mas esta: matando-me, morro depois de te beijar”.
(SHAKESPEARE, 2001, p. 189). Assim, o jovem mouro, conhecido por sua dignidade e
pelas gloriosas vitórias em campos de guerra, fraqueja quando se depara com o ciúme por sua
amada Desdêmona. Podemos questionar se os atravessamentos de Iago produzem um ciúme
que adquire dimensões tão grandes em Otelo que faz com que ele se deparasse com uma
possível perda narcísica? Um homem falicizado como o mouro recusa qualquer tipo de falta?
Ao ler essa obra, despertou-me grande interesse perceber que um bravo mouro de
Veneza, um homem conhecido por suas estratégias racionais para vencer as batalhas, pelo seu
bom senso e controle nas guerras, um sujeito falicizado, encontrava-se diante do ciúme. A
partir de um “medo” de perder o objeto amado para um outro, o amante o perde pela morte.
Otelo passa a não controlar mais seus atos quando é introduzido à via do ciúme. Cada
fala, cada gesto, cada atitude fará sinal para que o ciumento leia, segundo ele mesmo, um
terceiro que está fora da cena. O ciumento buscará um sentido para as contingências; ele
buscará signos para serem interpretados. Assim, um lenço perdido por Desdêmona e
inteligentemente usado por Iago transforma-se na prova da infidelidade. Iago torna-se um
personagem importante na história, sendo considerado por Otelo um amigo confiável.
Podemos inferir a existência de uma relação homossexual inconsciente? Por que as
construções fantasiosas e maldosas de Iago possuem assento em Otelo?
Shakespeare desconhecia Freud, mas conseguia expor os conflitos psicológicos sem
adotar os tecnicismos clínicos da psicanálise. Recorrendo à literatura, é possível questionar as
ações de Otelo diante das armações de Iago, que acendem no mouro um incontrolável
sentimento de ciúme. Essa posição de Otelo nos remete ao ciúme projetivo que Freud
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([1922]1996) cita ao descrever os graus de ciúme. O mouro pode estar projetando seu próprio
desejo inconsciente de infidelidade em Desdêmona e utiliza-se da fala de Iago para acalmar
sua culpa. Acusando a amada, Otelo parece se absolver de seus impulsos de infidelidade.
Seguindo as trilhas do pensamento freudiano, podemos pensar que Otelo possui um afeto
recalcado por Iago. Em contrapartida, Iago parece possuir ciúme do negro guerreiro com sua
esposa, desejando destruí-lo. Percebe-se também que Desdemôna causa um incômodo no
alferes.
Freitas (2001) comenta que Machado de Assis conhecia Shakespeare e falava que “um
dia, quando já não houver império britânico nem república norte-americana, haverá
Shakespeare; quando se não falar inglês, falar-se-á Shakespeare”. (FREITAS, 2001, p. 15). O
ciúme é um tema que sempre fascinou Machado de Assis, em seus escritos, seja nos artigos ou
nas obras de ficção, frequentemente abordou esse assunto. Segundo Freitas, o ciúme ocupa
lugar importante em sete dos nove romances machadianos; e Otelo aparece no argumento de
28 narrativas, peças e artigos.
5.2 O ciúme inseguro: uma leitura sobre Dom Casmurro
Uma obra interessante para buscarmos as manifestações do ciúme é Dom Casmurro,
de Machado de Assis. O livro é um dos romances mais conhecidos do autor; foi publicado em
1900, mesma época em que Freud escreveu a A interpretação dos sonhos. É narrado em
primeira pessoa pelo protagonista masculino da história, que é também quem dá o nome ao
romance. Trata-se de um velho solitário apelidado de Dom Casmurro. São lembranças do seu
passado que emergem na memória à medida que ele busca reviver um romance e procura
comprovações da infidelidade de sua amada. Freitas afirma que Machado de Assis:
Não se contentando com o simples dado fenomenológico, ele vai em busca das
motivações inconscientes, quer sempre inferir o oculto, o por detrás, é um
psicanalista – é o pensamento psicanalítico existindo porque a dúvida existe.
Machado tinha o pensamento psicanalítico, anterior à própria psicanálise.
(FREITAS, 2001, p. 70)
O leitor conhece a história pela visão subjetiva e unilateral do narrador, contada de
forma lenta nos períodos de sua infância e de sua adolescência, com o intuito de apresentar o
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perfil dos protagonistas (Bentinho e Capitu). Dom Casmurro sugere, no final da narrativa, ao
referir-se a Capitu: “Se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava
dentro da outra, como a fruta dentro da casca”. (ASSIS, 1997, p. 175). O livro foi escrito após
a morte de todos os envolvidos na história. A mãe, Escobar, Capitu e Ezequiel são
apresentados sob a ótica de Bentinho, sendo personagens do seu mundo interior, que
produzem diversas emoções no narrador, como ciúme, amor e culpa.
Bento Santiago, órfão de pai, é Dom Casmurro jovem, criado com esmero pela mãe D.
Glória, e envolto pelos familiares (prima Justina, tio Cosme e José Dias), é destinado à vida
sacerdotal, em cumprimento a uma antiga promessa de sua mãe. Ele chama a si mesmo de
Otelo, mas suas características de raciocínio frio e capacidade de calcular os atos
assemelham-se mais com o dissimulado Iago do que com o apaixonado Otelo. Santiago busca
compreender, através do romance, sua atitude de repúdio à esposa e a negação da paternidade.
Questiona-se se Capitolina era realmente adúltera, infiel, tendo o filho como produto do seu
pecado.
Bento não tinha intenção de ser padre como determinava sua mãe; sua pretensão era
casar-se com Capitolina, a filha dos vizinhos. Conhecida como Capitu, possuía, no início da
narrativa, 14 anos. Tinha os cabelos grossos, pretos e compridos até a cintura. Seus olhos
eram negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do
mar. Era alta e bem desenvolvida para a sua idade, inclusive sendo maior que Bentinho. É ela
quem desperta em Bentinho o impulso do primeiro beijo. Percebe-se o momento em que se
nota a angústia da emergência da sexualidade, a irrupção do amor na adolescência. A imagem
de Capitu domina o pensamento de Bentinho; ele a erotiza, e, como um adolescente, a questão
sexual torna-se um pensamento fixo. Bento ainda não era um homem maduro, mas um
menino de 15 anos envolto das fantasias cotidianas.
Após a entrada do amado no seminário, Capitu ficou o maior tempo possível ao lado
de D. Gloria, que antes não aprovava a ideia do relacionamento entre os vizinhos, pois Capitu
era menina pobre e não uma veneziana bem nascida como Desdêmona. Apesar disso, torna-se
querida pela vizinha.
A vida do seminário não agradou Bentinho, principalmente devido à distância de sua
amiga de infância. Também D. Glória, a mãe, sofreu com a ideia de separar-se do filho único,
que deveria ficar interno no seminário.
Segundo Freud ([1923]1996), para a mãe, o nascimento de um filho corresponde à
recuperação do falo perdido desde a infância, durante a sua entrada no Édipo, quando
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acreditava ter sido castrada e precisou consentir com essa falta. “Na célebre equação filho
igual a pênis, a menina busca na maternidade uma saída para sua condição de castrada.”
(MOREIRA, 2010, p. 6). Nesse sentido, Bentinho ocupa, para sua mãe, esse lugar na equação
filho igual a pênis. Bentinho tornou-se o filho amado, o filho prometido a Deus. Se a
estruturação do sujeito e a organização de seu devir acontece a partir do complexo edípico, o
posicionamento de Bentinho frente à angústia de castração torna-se uma importante fonte de
investigação.
É interessante pensarmos na relação de Bentinho com a mãe. Para Freud ([1923]1996),
o primeiro objeto de amor do menino é a mãe. Ele abandona esse amor à mãe pela angústia de
castração e pelo medo de perder o falo. O naufrágio do Édipo no menino acontece através da
escolha narcísica pelo falo; assim, esse amor primordial pela mãe é recalcado. O ciúme
intervém quando há uma ameaça ao narcisismo e para defender o sujeito em seu lugar
falicizado.
Através de um recurso inventado por José Dias, o agregado da família, Bentinho
abandona o seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo. José Dias era magro, com um
princípio de calvície, e dedicado à família de Bentinho.
[…] amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não
as havendo, servia a prolongar as frases. […] vi-o passar com as suas calças brancas
engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram
presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que
lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um arco de aço por
dentro, imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque de chita, veste caseira
e leve, parecia nele uma casaca de cerimônia. Era magro, chupado, com um
princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos. (ASSIS, 1997, p. 11).
Saindo do seminário, Bentinho formou-se em Direito e voltou para casar-se com sua
amada Capitu. Estreitou a amizade com um colega de seminário, Escobar, que também
abandonou o sacerdócio, engajou-se no ramo do comércio e depois se casou com Sancha,
melhor amiga de Capitu. Os dois casais foram fortalecendo as amizades. Escobar e Sancha
tiveram uma filha que recebeu o nome de Capitolina, em homenagem a Capitu.
Demais, as nossas relações de família estavam previamente feitas; Sancha e Capitu
continuavam depois de casadas a amizade da escola, Escobar e eu a do seminário.
Eles moravam em Andaraí, aonde queriam que fôssemos muitas vezes, e, não
podendo ser tantas como desejávamos, íamos lá jantar alguns domingos, ou eles
vinham fazê-lo conosco. Jantar é pouco, íamos sempre muito cedo, logo depois do
almoço, para gozarmos o dia compridamente, e só nos separávamos às nove, dez e
onze horas, quando não podia ser mais. (ASSIS, 1997, p. 132).
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Após um longo período de expectativa, nasceu Ezequiel, filho de Bentinho e Capitu. O
nome do filho é em homenagem ao amigo Escobar, que possuía a mesma denominação.
Percebemos que a presença de Escobar é forte na vida de Bentinho desde antes do nascimento
do filho.
Certo dia, Escobar morreu afogado e, durante o enterro, Bentinho julgou estranha a
forma pela qual Capitu velava o defunto; parecia mais abalada que o normal. A esposa não só
lhe parecia deprimida demais, como também lhe aparentava dissimular tal tristeza. A partir
daí, o ciúme foi aumentando juntamente com a desconfiança em Capitu. Embora confiasse no
amigo, que era casado e tinha até filha, o desespero de Bentinho foi imenso. Ele foi invadido
por um ciúme incontrolável. Por que esse sentimento se torna tão perturbador? Bentinho
analisava todos os movimentos de Capitu, dando significado para cada gesto. O que aconteceu
com Bentinho que fez com que ele não conseguisse mais pensar em outra coisa senão nessa
desconfiança em sua esposa?
Segundo o narrador, Ezequiel cresceu e se tornou cada vez mais parecido com
Escobar. Só que, anteriormente, o próprio narrador afirma que Capitu, por coincidência,
apresentava certa semelhança com a mãe de Sancha. Bentinho não assumiu sua posição de
pai. Por que, para ele, o nascimento do filho era tido como um acontecimento difícil de
aceitar? De acordo com Moreira, o filho seria uma efetivação da castração para o masculino,
por isso a dificuldade de se concretizar a paternidade. “A queda narcísica está relacionada ao
fim das certezas que o encontro com a castração provoca. Muitos homens não suportam este
lugar.” (MOREIRA, 2010, p. 13). Dessa forma, acredita-se que o encontro com a paternidade
determina ao homem uma reatualização de seu Édipo, emergindo conflitos já acalmados e
deixando seu desejo à prova. O homem, então, ao ser pai, se depara com a castração, encontro
que provoca perdas narcísicas. Para ocupar a posição de pai, ele precisa ser destituído da
posição narcísica; ele precisa ser morto pelo filho. Podemos supor que Bentinho não assumiu
a paternidade para manter a sua posição fálica e, assim, o ciúme apareceu como uma defesa
para esse narcisismo.
Bentinho, envolto pelo ciúme, planejou o assassinato da esposa e do filho, seguido
pelo seu suicídio, mas não teve coragem de executá-los. A tragédia culminou na separação do
casal.
Quando nem mãe nem filho estavam comigo o meu desespero era grande, e eu
jurava matá-los a ambos, ora de golpe, ora devagar, para dividir pelo tempo da
morte todos os minutos da vida embaçada e agoniada. Quando, porém, tornava a
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casa e via no alto da escada a criaturinha que me queria e esperava, ficava
desarmado e diferia o castigo de um dia para outro. (ASSIS, 1997, p. 161).
Ezequiel, aos 7 anos, foi colocado em um internato e retornava para casa aos finais de
semana. A semelhança com o falecido incomodava o pai, o que tornou-se insuportável para
Bentinho sentir-se em paz. Essa semelhança é tida como prova para sustentar o ciúme.
Bentinho projetava no filho a imagem do outro, de seu rival, pensando ser Ezequiel
semelhante à Escobar e não o assumindo como filho seu.
Capitu foi mandada para a Europa com o filho, onde faleceu anos depois. Ezequiel
voltou ao Brasil para visitar o pai e informar-lhe da morte da mãe. Dom Casmurro afirma,
então, constatar a semelhança entre o antigo colega de seminário e o filho. Ezequiel voltou a
viajar e morreu no estrangeiro.
Após esse pequeno relato sobre a obra machadiana, parece-nos importante considerar
as semelhanças entre essa narrativa e a vida de Otelo, de William Shakespeare. Machado de
Assis atualiza a peça inglesa, denunciando a sociedade conservadora e patriarcal e a presença
do ciúme neste contexto, época marcada por muitos preconceitos impostos à mulher, que
ocupava lugar subalterno. O casamento, para a mãe de Bentinho, era sinônimo de
propriedade, porém o amor dos dois se interpunha aos desígnios sociais, e, mais tarde, a mãe
consentiu com a união. Ela era contra a união dele com Capitu por ela ser de classe social
inferior.
Pode-se inferir que Dom Casmurro é Otelo metamorfoseado, que condena Desdêmona
e dá o castigo sobreposto à mulher e ao filho como sendo justo. Apresenta uma série de
provas e também contraprovas para justificar a traição de Capitu. Nenhuma das provas tinha
comprovações. A reconstituição do passado funciona para demonstrar que na menina
dissimulada de antes já se prognosticava a mulher indigna de depois.
Em três capítulos de Dom Casmurro há alusão direta a Otelo. São eles: “Uma ponta de
Iago” (capítulo LXII), “Uma reforma dramática” (capítulo LXXII) e “Otelo” (capítulo
CXXXV).
Em “Uma ponta de Iago”, José Dias faz o papel de Iago; embora não sustente por
Bentinho a inveja e, como pensado, o amor e o ciúme do alferes shakespeariano. José Dias se
alia à mãe do rapaz para impedir a união dos jovens enamorados. Dona Glória não almeja que
Bentinho e Capitu fiquem juntos por preconceito de classe e pela promessa de tornar o filho
padre. José Dias inicia a história semelhante a Iago, mas com ambições bem mais humildes. É
a inveja da família de Capitu que o faz denunciar o romance entre os vizinhos para Dona
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Glória. Assim, a ida de Bentinho ao seminário é antecipada. Só que, depois, trabalha a favor
da união dos dois apaixonados e consegue tirar Bentinho do seminário.
Uma primeira crise de ciúme é desencadeada na visita de José Dias ao seminário
quando é interrogado sobre Capitu e responde que ela estava alegre como de costume e que
não tardaria a pegar algum peralta da vizinhança para casamento.
Um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal
foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José Dias: “Algum peralta da
vizinhança.” Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para
ela, que a intervenção de peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes
passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu, − e tão
senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de
admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal
parecia-me agora, não só possível mas certo. E a alegria de Capitu confirmava a
suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanha-lo-ia com os
olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às aves-marias, trocariam flores e […] (ASSIS,
1997, p. 88)
A resposta de José Dias, que Capitu estava feliz e flertando com algum rapaz atraente,
transforma o sentimento de suspeita de Bentinho em ciúme definitivo, pois, enquanto ela se
encontrava alegre, ele se via triste e solitário. A partir daí, Santiago assume o papel de Iago,
manipulando seus próprios lenços para comprovar sua desconfiança de infidelidade. Acredita
que durante a lua-de-mel Capitu fica ansiosa para voltar ao Rio de Janeiro. Pensa que os
homens ficam sempre reparando os belos braços da esposa nos bailes. Desconfia dos
pensamentos de Capitu quando está desatenta. Se ela contempla o mar, ele tem ciúme do mar.
E o ciúme de Escobar é aumentado após o amigo já ter morrido. Assim, é o próprio Santiago,
o detentor do lenço de Desdêmona; é ele quem o manuseia. O amor de Otelo é invadido por
algo externo, pela inveja, pelo ódio e pelo dolo de Iago; em Dom Casmurro, a disputa tem
lugar dentro do mesmo homem. Iago e Otelo se encontram em Bento Santiago.
No capítulo “Uma reforma dramática”, o narrador-personagem sugere que as peças
começassem pelo fim, porque os últimos atos explicam o desfecho do primeiro. Assim propõe
que Otelo mataria a si e a Desdêmona na primeira cena, e as demais cenas passariam
lentamente em ação decrescente do ciúme; por último ficariam apenas as ameaças dos turcos
e as explicações de Otelo a Desdêmona. Dessa forma, ficaria a boa impressão de ternura e de
amor. Dom Casmurro possui o amor de um homem consumido pelo ciúme, pela angústia de
uma dúvida indesvendável.
No capítulo “Otelo”, é narrada a ida de Bentinho ao teatro; representava-se exatamente
a peça shakespeariana. O narrador identifica-se com a ira do mouro de Veneza e aproxima
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Desdêmona de Capitu. Ambas eram reflexivas, com modos minuciosos e atentos. Acredita ser
Desdêmona amorosa, pura esposa e vítima de uma injustiça por causa de um lenço que acende
o ciúme de Otelo. Já Capitu, considerada culpada, falsa, merecia uma punição mais cruel do
que o asfixiamento cometido pelo mouro para matar Desdêmona. Por certo momento, a ideia
de assassinato se põe no lugar da de suicídio planejado por Bentinho: “O ultimo ato mostroume que não eu, mas Capitu deveria morrer”. (ASSIS, 1997, p. 163). Tal sentimento não se
efetiva nem em homicídio nem em suicídio, bem como em Otelo; mas assume, no entanto,
uma progressão crescente que o envolve numa casmurrice irremediável: “Hoje, que me
recolhi à minha casmurrice, não sei se ainda há tal linguagem, mas deve haver”. (ASSIS,
1997, p. 65).
Bentinho não mata Capitu nem tampouco se suicida. Bentinho, sabiamente, encontra
outra solução: renega mãe e filho, enviando-os para o exílio. Ele retira, de perto de seus olhos,
os objetos que lhe causavam sofrimento, que lhe deslocavam de sua posição fálica, mas os faz
presente em lembranças e pensamentos em todos os instantes da trama.
Bentinho aproxima-se de Otelo pelo ciúme e pela ação destruidora, e, não, pelos atos
heróicos. Nas duas obras, o poder da palavra assume destaque particular. Em Otelo, a fala
traiçoeira de Iago denigre a honestidade de Desdêmona aos olhos do marido e culmina na
morte de ambos. Nesta relação, é a palavra do mouro que seduz a amada e motiva uma briga
familiar em que Desdêmona foge de casa para se casar com Otelo. Em Dom Casmurro, a
palavra de José Dias denunciando a felicidade de Capitu propicia a primeira cena de ciúme.
Aqui, o julgamento que Betinho faz de Capitu não se altera. O romance finaliza com o
narrador reafirmando:
E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou restos
dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão
extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se
e enganando-me… A terra lhes seja leve! (ASSIS, 1997, p. 175).
Capitu e Desdêmona encontram-se envolvidas numa situação dramática que termina
com final trágico. Capitu tem o filho usado como prova de adultério. O ciúme faz com que
Bentinho desampare o filho e deseje sua morte por lepra.
Quanto a Escobar e Cássio, estes representam a falsidade, a impostura, a mentira. Em
Otelo, esse pensamento é desmentido quando a intriga feita por Iago é desvendada. Em Dom
Casmurro, essa ideia é sustentada até o final.
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Para garantir a veracidade de seu discurso, Dom Casmurro procura na Bíblia uma
comprovação e cita um conselho de Jesus: “Não tenhas ciúme de tua mulher para que ela não
se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti”. (ASSIS, 1997, p. 175).
Como um Otelo à brasileira, Bentinho transfere para o leitor a responsabilidade de
decidir se Capitu é inocente ou culpada. Na luta entre o amor e o ciúme de Bento Santiago, o
ciúme torna-se vencedor.
Os nomes dos personagens machadianos também sofrem influências de Shakespeare.
Analisemos o nome de Bento Santiago, o personagem principal. O nome “Bento” é derivado
de Benedito (forma portuguesa). O significado do adjetivo bento é abençoado, bendito, que
recebe as bênçãos de Deus; qualidades confiadas a Bento Santiago na obra. E o sobrenome
Santiago é um tradicional nome português da época do descobrimento. E, por influência de
Shakespeare, pode-se pensar: Sant-, ou seja, um santo, primoroso, verdadeiro em suas atitudes
e –iago, o criador da desarmonia. Bento Santiago é, ao mesmo tempo, causador e vítima de
seus atos. É ele que tem ciúme de Capitu por qualquer pretexto.
No entanto, podemos concluir que as duas obras citadas apresentam histórias de
relacionamentos amorosos atravessados pelo ciúme, que terminam em separação e tragédias
familiares, apesar das circunstâncias que ocasionaram tais atos não serem realmente
comprovadas.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na presente dissertação, realizamos uma reflexão sobre o ciúme dentro da teoria
psicanalítica de Freud, tendo como inspiração a crescente violência contra as mulheres. Essa
violência legitimou a criação de leis para a proteção do sexo feminino em países como o
Equador, a Espanha e o Brasil. São inúmeros os casos divulgados pela mídia de agressão
doméstica contra o parceiro amoroso, tendo como principal causa o ciúme. Esse cenário social
nos serviu de inspiração para a realização deste trabalho.
O ciúme causador dessa violência é justificado pelos agressores através do amor. Para
tanto, investigando as diversas formas de amor, descobrimos que amor e ciúme são dois
sentimentos existentes desde os primórdios da sociedade. As formas de manifestação do amor
sofreram influências com o decorrer dos anos, sendo um sentimento discutido desde Platão
até Bauman. No amor andrógino e no amor romântico, busca-se o retorno a uma ilusão de
completude originária; procura-se no outro a metade perdida anteriormente; deseja-se
encontrar no parceiro a felicidade tão almejada.
A partir dessas considerações, buscamos na psicanálise freudiana indícios que possam
oferecer sustentação para os acontecimentos cotidianos. São várias as teorias e diversos os
eixos epistemológicos que pesquisam este tema; todavia, a psicanálise apresenta uma leitura
estrutural do ciúme.
Nesse sentido, acreditamos na importância da constituição do sujeito para a
compreensão das manifestações ciumentas. Freud ([1925]1976) afirma ser o ciúme uma das
consequências da inveja do pênis na menina, exercendo papel muito maior na vida psíquica
das mulheres, podendo ser considerado mais devastador, decorrente do complexo de
castração.
No menino, acreditamos que o complexo de castração também possui relevância para
a emergência do ciúme. Se o menino conclui o Édipo por uma escolha narcísica e o falo é o
articulador dessa solução narcísica, podemos dizer que uma falha na constituição do eu no
menino pode retornar com mais potência do que na menina. Por isso, sendo o ciúme
relacionado a uma ameaça de perda do objeto amado, ele pode surgir no homem com uma
agressividade maior, uma defesa de sua masculinidade. Segundo o pensamento freudiano, são
três camadas de ciúme: ciúme normal, projetivo e delirante.
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Na tentativa de compreender melhor o ciúme, e entendendo ser a literatura uma
expressão do cotidiano, buscamos as duas obras literárias clássicas sobre o ciúme, sendo elas:
Otelo e Dom Casmurro.
Otelo, um mouro de Veneza, jovem negro e guerreiro, esposa-se de Desdêmona contra
a vontade de seu sogro. Perturbado com as palavras de Iago, desconfia do amor de sua esposa
e a condena por traição injustamente. É o ciúme que se encarrega de interpretar as cenas e as
atitudes de Desdemôna de maneira errônea e culmina em seu assassinato. Para Freud
([1922]1996), o ciúme de Otelo pode ser classificado como projetivo, pois ele acalenta um
desejo inconsciente de infidelidade do mouro. Dessa forma, acredita-se numa relação
recalcada de desejo homossexual entre Otelo e Iago.
Em Dom Casmurro, conhecemos a história e seus acontecimentos segundo o olhar do
narrador-personagem, Bentinho. Após a morte de seu amigo Escobar, Bentinho interpreta o
sofrimento de Capitu como prova de infidelidade. Durante o decorrer dos capítulos, ele
procura fatos que comprovem a traição de sua esposa, dando significado aos atos e palavras
de Capitu. O ciúme normal não está necessariamente baseado em eventos reais; está enraizado
no inconsciente e originado no complexo de Édipo. A relação de Bentinho com sua mãe nos
fornece indícios de que ele representa o falo para ela, o filho único e prometido a Deus. Sendo
o ciúme uma defesa da falta fundamental, ele entra em cena para reafirmar a demanda de
Bentinho ser o único, insubstituível para a mãe e para Capitu.
Contudo, o ciúme demonstrou ser um tema de grande importância e a constituição do
sujeito essencial para a compreensão desse objeto. Percebemos que as questões sobre o ciúme
e o amor são diversas, sendo que ainda possuem muitos pontos a serem estudados.
Deixamos questões abertas para um outro momento de continuidade das pesquisas
relacionadas ao ciúme. Após a reflexão já realizada e o levantamento bibliográfico sobre o
tema acima exposto, podemos questionar se há alguma especificidade de gênero na
manifestação do ciúme. Seria o ciúme masculino mais violento e o feminino mais devastador?
A emergência do complexo de castração poderia ser o regulador desse ciúme? Assim, a ferida
narcísica no masculino é sentido de forma mais violenta?
Sabemos que não encontramos a diferenciação entre agressividade e violência em
Freud, mas outros autores, como Lacan, podem nos oferecer formulações interessantes para
distinção entre esses dois conceitos. A partir dessa caracterização pode ser possível
compreender, na psicanálise, o ciúme e sua especificidade na questão de gênero? Dessa
forma, não se obtém um esgotamento de todas as reflexões sobre esses sentimentos
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avassaladores à alma humana. Ainda possuímos demanda para muitos pontos de investigação
sobre o sentimento de ciúme.
90
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