Calábria
Estou
lização,
O PrOA antecipa nesta página excertos de publicações no
têm o
aqui
prelo ou às vésperas do lançamento.
costume
Leia a seguir um trecho do capítulo de abertura de Viagem
de comer
à Calábria, novo romance de Sérgio Capparelli. Mineiro,
na Itália,
um coração de
VIAGEM À CALÁBRIA
professor aposentado da Universidade Federal do Rio
negro no almoSérgio Capparelli
Record, 288 páginas, R$ 40.
agora, para
Grande do Sul (UFRGS), Capparelli conduz uma
ço e um coração
trama que intercala passagens entre Calábria, a
de gay no jantar.
cumprir uma
região italiana que dá título ao livro, e Uberlândia
Mas preferem so(MG), cidade em que o autor nasceu. O romance
bremesas sortidas: naacompanha o reencontro, na Itália, de dois
promessa que
riz, orelha ou joelho de
irmãos entre os quais paira uma dúvida
napolitanos e calabreses.
nunca fiz. Nunca fiz,
capaz de corroer a relação fraternal. Os
Mas, pai, não se preocupe,
irmãos, filhos de um caixeiro viajante
pode ser só a primeira immas agora cumpro. A
italiano que não teve dinheiro para
pressão.
retornar ao país natal passeiam
O senhor se lembra de quanpela Calábria relembrando cenas
de meu pai ver a Itália
do mamãe queria saber se algum
da infância em Minas Gerais.
lugar era aceitável de se viver? Ela
com os meus olhos. Não
Subterrânea, contudo, está a
perguntava: A água é boa? O povo
grande interrogação: por que
é bom? Sim, pai, aqui o povo é bom e
promessa lacrimosa, de matriz
o irmão teria entregado o
a água é boa, e posso concluir com maprotagonista e o pai aos
mãe: este é um lugar bom de se viver.
militares após o golpe
melodramática. Não, isso, não.
Olho de novo a praça. As mães de
de 1964. O livro tem
bicicleta com as crianças. O dono da
Mas o que posso fazer? De vez
lançamento previsto
imobiliária apressado. Os cafés sobre as
pela Record para este
mesas do terraço. Cappuccino, café ristretto ou
em quando a realidade segue esse
mês.
americano. E os jornais abertos. Corriere e La
Reppublica. E observo mais uma vez o seu paese,
caminho. Muitos e muitos anos atrás
pai, mesmo que seu paese de verdade esteja mais
longe do que os seus olhos conseguem avistar.
meu pai me pediu dinheiro para ver a Itália
Naquele tempo eu não tinha dinheiro para te emprestar, papai. Quer dizer, tinha como ajudar com o dinheiro
antes de morrer. Eu não tinha. Melhor, não
da passagem, mas economizava para algo que julgava mais
importante, não para uma viagem saudosa de um pai frágil.
quis emprestar. E só agora venho à terra que ele
Por isso não te emprestei. É por isso que todo dia observo o
movimento da praça, para que o senhor também o veja, com estanto queria ver e lhe empresto meus olhos. Com
ses olhos de empréstimo.
No instante seguinte, a praça muda e entro em um sonho. Estou
eles, verá a terra que tanto amava.
numa quermesse. Não sei onde, nem por que, mas numa quermesse
de línguas estranhas. E não entendo quem você é. A música toca. Me
Se entrar em cunha na paisagem, tenho, à minha esquerda, a 50 quilômeouço dizer: é você, certeza, a música! E o relógio da sala do apartamento
tros, a entrada nos Alpes por Montereale e Barcis. E, à minha direita, o Mar de baixo bate duas da madrugada, e eu me digo, é tarde, pai, as magnólias
Adriático, com as praias de Caorle, Bibiano ou Lignano Sabbiadoro. Às minhas já se descabelam no caminho de Savorgnano. Ouço então estalos. Viro-me
costas, Veneza. À minha frente, Trieste. Mas não é aqui, San Vito, que eu pago na cama. Quero paz; paz; pai, quero dormir.
o que não prometi. Esta pequena cidade onde moro é um posto de passagem.
Mas é impossível. Não consigo. A quermesse prossegue agora no jardim
Já o que pago divido em prestações, mais ao sul.
da velha senhora, que pede sempre para o mundo dormir na hora certa,
No fim da tarde, me sento na Piazza del Popolo, abro os olhos, e meu pai
sem tentativas de evasão e desculpas incendiárias, dessas que deixam a
examina detidamente as pessoas, as crianças de bicicleta, o campanário, a
boca e o coração em descompasso. Aí me levanto, pisando duro, cheio de
Loggia Publica e a Porta Scaramuccia. E, 50 anos depois, meu pai aprova o
ódio, e me ponho a escrever esta carta. Passe bem, pai, passe bem, e me dê
que vê com um leve movimento da cabeça. Eu fico comovido. E, por minha
também um pouco de paz.
vez, repasso com esses mesmos olhos o que ele viu: as pessoas, as crianças de
E aí, me ergo, esfregando os olhos, e me insurjo. Não, não pode. Minha
bicicleta, o campanário, a Loggia Publica e a Porta Scaramuccia.
vida quer imitar dramas lacrimosos. Alto lá! E no instante seguinte já estou
Me lembro de dizer ao meu pai, chega aqui, pai, não fique repassando
com Zuddio na Torre dos Turcos, perto de Spezzano Albanese, na Calálugares. Alguns selvagens, por exemplo, incendeiam acampamentos de cibria. O assunto é o mesmo. Havia comentado alguma coisa sobre telenoganos, porque não gostam de quem chega. É uma situação muito diferente
vela, com a obsessão de pais em busca de filhos, de filhos em busca de pais
do que aconteceu com o senhor, quando chegou ao Brasil. Há também aqui
ou de Caim em busca de Abel. Nessa busca, disse a Zuddio, algumas fasociedades secretas e seus clãs dominam a política em pequenas e grandes
mílias chegam a se reconstituir, se bem que depois de 300 capítulos, com
cidades. E, se alguém os combate, seus membros pactuam com a máfia do
muita luta e muitas lágrimas.
Estado para derrotá-los.
Ele estava distraído. E disse: o homem sente necessidade de
Mais para o norte, de Milão até a fronteira suíça, no Vêneto e em outras
suas origens. Falei: ótimo, assim poderá se consolar. Consolar-se
regiões, estudiosos tentam sem sucesso entrar em contato com algumas triem relação a quê? Respondi: em relação a esse grande mal-enbos isoladas da Padânia. Dizem que esses selvagens, sem contato com a civitendido que é a vida. Para ser sincero, nunca fui muito tentado
caderno proa - Diagramação: laura rinaldi e rafael ocaña
Jelly, Wikicommons
Por Sérgio Capparelli
Leroy, Stock Images
Viagem à
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Estou aqui na Itália, agora, para cumprir uma promessa que nunca