POR QUE ESTÃO DEMONIZANDO AS ONGS?
Mauri J.V. Cruz1
Mais uma vez denuncias de desvio de recursos públicos por
empresas privadas travestidas de ongs tomam as páginas noticiários da grande
mídia. Ato imediato, vários colunistas e articulistas políticas que odeiam as
organizações sociais aproveitam para pedir o fim das ongs em todo o Brasil.
Acuado, o Governo Brasileiro pede desculpas e se diz arrependido de não ter
promovido o controle necessário e prontamente prepara novo decreto para
limitar e dificultar o acesso das verdadeiras ongs a recursos públicos. Estando
em Brasília, assisti estarrecido ao Senador Heráclito protagonizar a frase de que
é preciso acabar com as ongs que só existem para desviar os recursos públicos.
Por quê a mídia e parte da classe política demoniza tanto as
ongs? Por que esta saga não ocorre contra outros setores quando há denuncias
de desvio de recursos públicos como, por exemplo, quando uma agência de
publicidade é flagrada desviando recursos públicos para campanhas eleitorais
porque não se prega com tanta veemência o fim das agências de publicidade que
fazem campanhas eleitorais? Ou mesmo, após comprovadas fraudes nos sistemas
financeiros nacional e internacional não se ouviu uma voz pedindo o fim dos
bancos privados e sua farra com dinheiro público.
Parece inequívoco que os setores conservadores pretendem
atingir as ongs porque se deram conta do papel transformador das verdadeiras
organizações não governamentais no seio da sociedade. Transformações essas
que ferem diretamente seus privilégios e que visam garantir direitos à todos os
cidadãos e cidadãs. O Brasil de hoje é muito diferente daquele de 1964 porque
possui movimentos sociais enraizados em todas as regiões e nos mais variados
temas. Estes movimentos, aliados a governos locais, estaduais e nacional
democráticos e com espírito participativo fortalecem sua organização. As ongs
participam deste processo, proporcionando através de programas e projetos
públicos o acesso de milhões de pessoas a formação continuada, mobilização,
troca de experiências, fortalecimento da cultura e educação popular e a
construção de propostas que visam a melhoria da qualidade de vida.
Aliás, é importante que se recorde que a inclusão das ongs como
agentes realizadores de políticas públicas decorre da onda neoliberal que
assolou no Brasil na década de 90 que implantou a redução do tamanho e de
papel do estado criando na sociedade brasileira a ideia de que o mesmo era
ineficiente e caro.
1
Advogado socioambiental (PUCRS/2004) com especialização em direitos humanos
(UFRGS/2009), é diretor executivo do Instituto de Estudos Jurídicos em Direitos Humanos,
Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – IDhES, membro do Conselho Diretor da CAMP –
Centro de Assessoria Multiprofissional/Porto Alegre, membro do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social do Governo do Estado do Rio Grande do Sul – CDES-RS,
membro da Comissão Organizadora do Fórum Social Temático Crise Capitalista, Justiça
Social e Ambiental e representante das organizações não governamentais na Comissão
Nacional para a Rio+20.
Na política forma é conteúdo. Uma proposta decidida pelo
governante sem ouvir ninguém ou decidida em processos de consultas e
discussões com dezenas de organizações e movimentos sociais, mesmo
tecnicamente sendo a mesma, politicamente é outra proposta. Seu valor político
e social é bem diferente.
O Governo Brasileiro, por ter origem popular, reconhece que os
movimentos sociais e suas organizações não governamentais tem conhecimento
político, técnico, com acúmulos, capacidades de negociações nacionais e
internacionais e experiência direta com a população há muitos anos. Seus
dirigentes possuem capacidade de gestão dos interesses públicos porque tem
alto grau de compromisso público e capacidade de execução de políticas sociais.
Até porque faziam isso muito antes do estado brasileiro voltar seus olhos para o
povo. As verdadeiras ongs estão ao lado do povo há muitas décadas
independente de ter ou não acesso a recursos públicos.
É preciso reafirmar que a ideia de uma faxina é inadequada quando o
assunto é o combate à corrupção. De nada adianta a divisão dos cidadãos entre
pessoas boas e puras e pessoas más e ruins. De nada resolve simplesmente pedir
a cabeça e retirar da vida pública uma ou outra pessoa ou mesmo condenar um
dirigente e achar que se está acabando com a corrupção. O melhor caminho é o
aprimoramento institucional dos órgãos de planejamento e controle e a
constituição de uma dinâmica permanente de participação social na gestão das
políticas públicas.
É importante se afirmar que o Brasil avançou muito nestes últimos
anos na criação de mecanismos de participação e controle social. No entanto,
estes mecanismos estão restritos as áreas sociais como saúde, educação,
assistência social, meio ambiente e cultura. Nas áreas estratégicas não há
nenhuma participação e controle social, como por exemplo no setor de energia,
transportes, finanças e política econômica. Nestas áreas onde as decisões mas
interessam diretamente ao capitalismo e que controlam a maior parte dos
recursos públicos a sociedade civil não entra.
O setor privado possui capital acumulado para investir em sua
qualificação e participação nas coisas de estado que lhe interessam. Já a
sociedade civil não possui esta capacidade de financiamento da participação
social. É equivocado imaginar que a participação de amplas camadas sociais iria
ocorrer de forma voluntaria e sem apoio de recursos públicos. Aliás, os recursos
públicos financiam os parlamentos, os partidos políticas, apoiam missões
internacionais para ajudar países a construir a suas democracias. Porque não
podem ser aplicados também no fortalecimento da participação da sociedade
civil nas coisas de estado?
Repito que há uma estratégica deliberada dos setores conservadores
em criminalizar os movimentos sociais, ongs e entidades que tenham agenda
social e que buscam a transformação. Por isso, quando pessoas que não são deste
setor e que usam mecanismos legais para constituir entidades para desviar
recursos a culpa é sempre remetidas para as ongs e movimentos sociais.
De nossa parte, acreditamos que uma das principais causas destes
problemas é a falta de um marco regulatório que defina o que são as
organizações de defesas de direitos e como elas podem acessar recursos
públicos. Esta proposta é defendida pela ABONG e por uma série de redes e
organizações do campo democrático para que se separe as verdadeiras
organizações sociais de defesa de direitos e aquelas criadas com o único fim do
desvio do recurso público. É necessário um marco legal que fortaleça as várias
formas de organização da sociedade civil criando mecanismos de controle e de
transparência numa dinâmica permanente de controle público e social. A
criminalização das organizações e movimentos sociais só interessa à quem não
gosta da verdadeira democracia.
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