JOHN RUSKIN – RESTAURADORES E SEUS IDEAIS1
VOGT, Fernanda²; RIGO, Karina².
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Artigo elaborado para a disciplina de Técnicas de Restauro - ARQ 343 - UNIFRA
2
Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria/RS,
Brasil
E-mail: [email protected]; [email protected].
RESUMO
Este artigo tem por finalidade apresentar brevemente os ideais de John Ruskin
quanto aos seus conceitos de restauro anti-intervencionista, relatar seu contexto histórico no
século XVIII, relatar a principal corrente oposta aos seus pensamentos, a de Viollet–le-Duc,
que defende a restauração, permitindo ao arquiteto completar edifícios através de uma
unidade estilística.
Ruskin possuía uma teoria ruinística. Segundo ele, o monumento deve permanecer
intocado como no projeto original do arquiteto, e/ou das gerações passadas, juntamente
com as marcas do tempo, nele impressas.
Também é analisada uma obra de restauro feita em São Paulo-SP, a Casa
Bandeirista, que se encontrava em ruínas e foi restaurada, mantendo as características
originais da época de sua construção (século XVIII) em taipa de pilão, para conhecimento e
apreciação das futuras gerações.
Palavras-chave:
Ruskin;
Restauro,
Anti-intervencionista,
Arquitetura
romântica,
Conservação.
Ao longo dos séculos ocorreu uma evolução e alteração tanto nos estilos
arquitetônicos como nos métodos, matérias e técnicas construtivas que fundamentaram
novas correntes artísticas e arquitetônicas, influenciando diretamente nas práticas de
recuperação e intervenção em pré-existências.
Apesar disso, sabe-se, baseado em textos e artigos relacionados ao assunto, que a
idéia de restauro que se conhecia antigamente, não era exatamente a mesma que se tem
hoje. As necessidades de técnicas de recuperação eram constatadas, porém não se tinha
em nenhuma situação, a preocupação em se preservar as características do que antes ali
existia. Foi somente no século XVIII que a preocupação, teorias e técnicas em prol da
preservação dos antigos monumentos históricos iniciaram.
Este trabalho tem por finalidade apresentar como John Ruskin (Séc. XVIII) - escritor,
crítico de arte e sociólogo -
trabalhava e via a ideia do Restauro e seus resultados.
Mostraremos através do estudo o contexto em que estava inserido, como pensava e
o que escreveu a respeito de suas Teorias Românticas e anti-intervencionistas
1. HISTÓRICO
Durante o século XVIII, foram dados os primeiros passos para a iniciação das idéias
e aprofundamentos no que se relaciona ao restauro visando a preservação dos
monumentos históricos. Anteriormente a esse período ocorriam alterações nas edificações
mas não podem ser consideradas como restauro considerado hoje, já que a ideia de
restaurar visando a consciência histórica de preservar para a posteridade iniciou-se no
século XVIII.
A partir daqui surgem duas teorias: a intervencionista (Viollet-le-Duc - França) e a
anti-intervencionista (John Ruskin - Inglaterra).
Viollet–le-Duc (1814-1879) defende a restauração, permitindo ao arquiteto: completar
edifícios através de uma unidade estilística, completar através da lógica, agregar partes
novas ainda que não tenham nunca existido na historia da edificação possibilitando sua
conclusão. Ele se apoderava das obras, ou seja, o que pensava estar ruim, modificava.
Tomava posse do projeto respeitando as características estilísticas e desconsiderando os
aspectos históricos, porém havia a preocupação com a busca da perfeição formal. Isso fazia
com que fosse possível reconstituir as partes desaparecidas por meio daquelas ainda
existentes.
Os acabamentos eram tal qual o projeto original, não era possível perceber suas
intervenções. Interpretava a arquitetura de uma forma bastante racionalista.
Viollet–le-Duc enuncia - Restauração:
“A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício
não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um
estado completo que pode não ter existido nunca em um dado
momento.”
(VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Trad. Beatriz
Mugayar Kühl. Cotia: ed. Ateliê Editorial, 2000. p.29)
John Ruskin (1819-1900) defende o anti-intervencionismo, isto quer dizer, uma teoria
ruinística. Segundo ele, o monumento deve permanecer intocado como no projeto original
do arquiteto, e/ou das gerações passadas, juntamente com as marcas do tempo, nele
impressas.
Considera a restauração como a destruição mais completa que pode ter em uma
edificação, como uma falsificação. Para ele o destino de todo monumento histórico é a ruína
e a desagregação progressiva. Para Ruskin a restauração era uma consequência da
negligência humana.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
A Revolução Industrial começa na Inglaterra, em meados do século XVIII. É
caracterizada pela passagem da manufatura à indústria mecânica, possibilitando a
ascensão da burguesia às esferas de poder, produzindo mudanças políticas e econômicas
que modificaram a atitude dos colecionadores de arte, resultando na entrada das classes
menos favorecidas no mundo da cultura.
Centrada no progresso científico e na introdução de novos materiais, a Revolução
Industrial facilitou o enriquecimento cultural de todas as classes sociais e propagou
princípios científicos e culturais graças a novas técnicas de impressão, aumentando o
interesse das diferentes classes sociais pela educação. Nessa fase surgiram novas ciências
com campos de ação claramente definidos e com métodos próprios de trabalho. Entre essas
novas ciências, nasceu - advinda do aprimoramento das técnicas da restauração - a
conservação de bens culturais e a conservação preventiva.
John Ruskin, vivenciando esse período, foi um dos principais personagens para a
construção do pensamento sobre conservação. Representante da restauração romântica,
defendia a intocabilidade do monumento degradado. Era partidário da autenticidade
histórica, acreditando que os monumentos medievais, representativos do antigo, deveriam
ser mantidos sem modificação alguma. Tinha a destruição como uma idéia em si mesma
bela, defendendo "a morte da edificação quando chegar o momento" e acreditando que "o
ato de restaurar é tão impossível quanto o ato de ressuscitar os mortos.”
Indiretamente deu os primeiros passos na direção da conservação preventiva, ao
defender que as edificações ancestrais deveriam ser tratadas com muito cuidado e respeito,
dessa maneira tornando-as mais duráveis ao privilegiar a integridade e autenticidade física
do bem e ao atentar para o fato de que a vigilância a um velho edifício, por meio dos
melhores cuidados possíveis, o salvaria de qualquer causa de degradação.
“ O culto às ruínas se exprime em todo o seu romantismo
quando Ruskin propõe uma reflexão sobre o valor dos trabalhos de
restauração sobre o antigo estado da edificação, pois acreditava que
aqueles remanescentes possuíam o encanto do mistério do que
teriam sido e a dúvida do que teria se perdido.(...)
As ruínas se tornam sublimes a partir dos estragos, das
rachaduras, da vegetação crescente e das cores que o processo de
envelhecimento confere aos materiais da construção. A ruína é o
testemunho da idade, do envelhecimento e da memória, podendo
nela estar expressa a essência do monumento.”
OLIVEIRA, Rogério Pinto Dias de. O pensamento de John Ruskin.
Resenhas Online, São Paulo, 07.074, Vitruvius, fev 2008
4.AS SETE LÂMPADAS DA ARQUITETURA
Livro escrito por Ruskin admite sete valores que iluminam a arquitetura. São eles: o
Sacrifício, a Verdade, a Potência, a Beleza, a Vida, a Memória e a Obediência.
A mais relevante para a Arquitetura é a LÂMPADA DA MEMÓRIA.
Ruskin introduz o discurso sobre a lâmpada da memória afirmando que podemos
sobreviver sem a arquitetura, mas que esta é essencial para nossa memória.
"Quantas páginas de incertas reconstruções do passado não
poderíamos economizar em troca de umas poucas pedras deixadas
em
pé
uma
sobre
as
outras"
John Ruskin.
Primeiramente ele apresenta a necessidade de se conferir uma dimensão histórica à
arquitetura de "hoje", contemplando algumas preocupações para com o seu cuidado, para
que as futuras gerações possam usufruir delas (edificações residenciais e públicas) .
Já quanto as edificações antigas, ele descreve como protegê-las mostrando que
devem ser cuidadas como as mais preciosas heranças da humanidade.
Para Ruskin o restauro é considerado a pior das destruições. Justifica essa opinião
afirmando que é impossível reconstruir o que foi perdido. No máximo o que aconteceria é
uma imitação do que existia e isso é falso e enganador, pois o espírito da obra nunca será o
mesmo. Poderão vir outros espíritos, mas um que já se foi, nunca retornará. A obra antiga
possui um quê de vitalidade, de misterioso e sugestivo vestígio do que ela foi e do que se
perdeu. A suavidade nas linhas macias modeladas pelo vento e pela chuva, que não pode
ser encontrada na brutal dureza do novo (restauro).
Melhor que o restauro é a destruição do edifício e a utilização de seus materiais em
qualquer outra coisa, mas não o enganemos tentando repará-lo. Se tomarmos todo o
cuidado com nossos monumentos essa necessidade de restauro deixa de existir.
4. ESTUDO DE CASO
CASA BANDEIRISTA:
Construída em taipa de pilão, no século XVIII, a casa situada no número nove da rua
Iguatemi, Itaim Bibi, zona Oeste da capital paulista divide harmonicamente espaço com o
arranha-céu Brookfield Malzoni. A casa do período colonial é um dos poucos exemplos de
habitação ainda existente desta época e, em 1982,quando foi tombada pelo CONDEPHAATConselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, já se
encontrada em ruínas.
“(...) Planta simples com distribuição simétrica, construção em taipa de
pilão, com alpendre central separando o quarto de hóspedes da capela (com
um autêntico e raro altar de madeira do século 18); salão central e quatro
ambientes laterais, dois de cada lado, com seus respectivos jiraus. Cozinha e
despensa foram acrescentadas no século 19.”1
Figura 1: planta esquemática de um modelo de casa Bandeirista do séc XVIII; acessada em blog.hsvab.eng.br em
23/05/2012
1
Segundo o site http://www.piniweb.com.br/construcao/arquitetura/casa-bandeirista-e-restaurada-em-sao-paulo249932-1.asp acessado em 07/05/2012;
Devido seu abandono e ações da chuva e vento, as paredes feitas em taipa de pilão
já estavam desbarrancadas em sua grande parte. Após o tombamento, foi determinado que
a preservação da casa e de 300 metros ao seu entorno ficaria sob responsabilidade do
proprietário do terreno, no caso a incorporação do Edificio Brookfield Malzoni. O arquiteto
Júlio Neves, em 1997, autor do primeiro projeto do edifício, convidou a arquiteta Helena Saia
para recuperar a casa do Itaim.
"Foram 14 anos entre pesquisas, estudos, projeto e execução, período em
que enfrentamos não só grandes problemas técnicos, mas também jurídicos,
com o embargo da obra durante quase dois anos, pelo Ministério Público
Federal, sob alegação de que se estava "destruindo um sítio arqueológico".2
Figura 2: Imagem da Casa Bandeirista antes do restauro; Acessada em http://noticias.bol.uol.com.br/imoveisdecoracao em 08/05/2012
Foi foram feitas remoções de vegetação que havia crescido entre as ruínas, as quais era ainda
mais degradadas em função das raizes. Como o arranha-ceu estava sendo construído, foi feita uma
grande cobertura metálica para proteger o que ainda restava da casa de entulhos da obra, chuvas e
demais intempéries. "Depois da retirada do entulho acumulado ao longo dos anos, a estrutura
remanescente foi suficiente para informar muita coisa sobre a casa e nortear a restauração"
conta o arquiteto Alberto Arruda, especialista em restauro, contratado para a obra.
Em 2009, a obra foi embargada e neste período o restauro estava bastante
adiantado. Já estavam concluído trabalhos de recomposição das paredes de taipa
obedecendo a critérios da técnica, exceto por alguns reforços nas paredes em concreto
celular e concreto armado; recolocado esquadrias entre outras recuperações. Nesta mesma
época, estavam escavando o subsolo do edifício vizinho, e feitas cortinas de contenção para
2
Arquiteta Helena Saia para o site http://www.piniweb.com.br/construcao/arquitetura/casa-bandeirista-erestaurada-em-sao-paulo-249932-1.asp acessado em 07/05/2012;
proteger a casa. Com a paralisação da obra de restauro e problemas na contenção houve
movimentações de solo na parte do terreno em que a casa se situa, causando trincas de até
doze metros.
Em 2010 foi retomada a obra. Como primeira providência foram feitas obras para
eliminar as trincas, usando argamassa seca de areia e cimento preenchendo todos os
espaços das mesmas. Entre outros procedimentos, foi colocado o telhado novo, ao quais as
telhas seguiram o padrão das originais.
Figura 3: Fachada da Casa Bandeirista já restaurada; acessada em http://noticias.bol.uol.com.br/imoveisdecoracao em 08/05/2012
Figura 4: imagem mostra o vão do edifício Brookfield Malzoni com vão de 44,4m de largura e 30m de altura que
permite a ligação visual da casa com a rua. Acessado em http://www.piniweb.com.br em 08/05/2012
5. RUSKIN X CASA BANDEIRISTA
Ruskin prega a ideia de que, em ruínas, as edificações são muito mais verdadeiras, e
restaurando-as, elas passariam a “mentir” para a sociedade. Neste ponto podemos observar
que Helena Saia estudou durante quatorze anos para poder identificar como a casa era
anteriormente, mas, mesmo sendo restaurada, nas condições em que se encontrava, não se
pode afirmar totalmente que se manteve exatamente igual era no século XVIII.
Analisando as etapas do restauro feito na Casa Bandeirista podemos observar que
as técnicas utilizadas não se acemelham quase em nada com os ideais de Ruskin, que
presa pela degradação natural das edificações. A edificação em questão sofreu vários
estudos prelimináres para buscar materiais mais próximos o possivel do original, porém
utilizou-se também técnicas novas, assim, a casa, atualmente, possui desempenho superior
ao logo após sua construção.
No contexto “Casa Bandeirista mais Edifício Brookfield Malzoni”, notamos a ideia de
preservação da identidade quando falamos do enorme vão que foi feito na nova edificação
para que se mantivesse a visual da rua para a casa e da casa para a rua, hoje muito mais
movimentada.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que para Ruskin seria melhor é a destruição do edifício e a
utilização de seus materiais em qualquer outra coisa, que restaurá-lo tirando a ‘dignidade’
da obra e de quem a fez.
Quanto ao estudo de caso percebe-se que mesmo não querendo alterar o projeto
definitivamente têm-se hoje em dia um pensamento mais próximo à Viollet-Le-Duc, pois não
é interessante perder uma edificação podendo com especialistas melhorar seu uso. Mas
alterar fachadas, ‘completar’ o que o obrista deixou inacabado prejudica tanto quanto deixar
a obra ir a ruínas, já que estamos ignorando a essência do edifício.
Como arquitetos deveremos aprender a trabalhar com a pré-existência: corrigir
problemas causados pelo tempo, pragas e o vento; mas não alterar seu projeto de tal
maneira que pareça ser de tal forma desde sua concepção.
8. REFERÊNCIAS
KÜHL, Beatriz Mugayar, Preservação do Patrimonio Arquitetonico da Industrialização:
Problemas Teóricos de Restauro, Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008;
LUSO, Eduardo, LOURENÇO, Paulo.B., Almeida, M., Breve história da teoria da
conservação e do restauro, Engenharia Civil, ISSN 0873-1152.20, maio 2004. p.31-44;
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.074/3087 - acesso em maio de
2012.
http://gestaobensculturais.blogspot.com.br/2008/10/teorias-da-restaurao-john-ruskin.html; acesso em maio de 2012.
http://www.conservacao-restauracao.com.br/resumo_da_historia.pdf; - acesso em maio de
2012.
http://www.usp.br/cpc/v1/php/wf07_revista_interna.php?id_revista=2&tipo=7; - acesso em
maio de 2012.
http://pt.scribd.com/doc/57518252/A-Lampada-da-Memoria; - acesso em maio de 2012.
http://www.piniweb.com.br/construcao/arquitetura/casa-bandeirista-e-restaurada-em-saopaulo-249932-1.asp; - acesso em maio de 2012.
http://noticias.bol.uol.com.br/imoveis-decoracao/2012/04/27/restaurada-casa-bandeirista-doseculo-18-divide-espaco-com-arranha-ceu-de-vidro-espelhado.jhtm; - acesso em maio de
2012.
http://www.civil.uminho.pt/cec/revista/Num20/Pag%2031-44.pdf- acesso em maio de 2012.
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