Como Amar Seu Público: Etapa Brasil
O que seria dos produtores culturais do Brasil se, de repente, para propor qualquer tipo de projeto
fosse necessária a apresentação de um projeto de Desenvolvimento de público?
O que ainda nos parece um código estranho, um dialeto não identificado, já é um procedimento
comum na Europa. A idéia remete um pouco ao marketing, um pouco ao compromisso social da
arte de chegar a um número cada vez maior de pessoas e inclui elementos de arte-educação.
Desenvolvimento de público, de forma simplificada, seria a criação de ações que busquem saber
quem é o alvo de um projeto e a partir daí elaborar planos de atividades que estimulem a
freqüência e o poder de atração de platéia. Isso tudo é colocado de forma muito simples por quem
já aplica esse tipo de ação com sucesso. É certamente o caso de Mark Ball, diretor do Fierce
Festival [Birmingham, Inglaterra] – que falou nas edições carioca e paulistana da Conferência
Internacional de Dança. Ball sabe muito bem do que fala. Ao mesmo tempo em que seleciona
artistas e define programação, dirige o programa de Desenvolvimento de público . Graças a sua
paixão pelo público, conseguiu de 1998 para cá aumentar a audiência de 2 mil pessoas para 60 mil,
das quais 18% vêm de cidades vizinhas.
Mark Ball contextualizou o festival à realidade local, antes de relatar sua experiência. A cidade de
Birmingham, com pouco mais de 1 milhão de habitantes, tem a maior audiência dos filmes
indianos da Bollywood fora da Índia, com expressiva parcela de população jovem. Até meados da
década de 1990, no entanto, tinha nas salas de concertos e ópera tradicional sua grande fonte de
expressão cultural. Como fazer esse público assistir a performances contemporâneas e um tanto
incomuns? Na resposta do inglês está um dos primeiros mandamentos do Desenvolvimento de
público : nunca subestime seu público , ele é muito mais sofisticado e muito mais aberto a novas
experiências do que se pensa.
Foi com esse direcionamento que os artistas – selecionados por Mark Ball – começaram a se
apresentar em salões de beleza, casas noturnas, ruas, prédios e até mesmo pelos céus de
Birmingham [com uma performance sonora em balões]. Aliadas às apresentações inusitadas,
acontecem iniciativas de educação. O Fierce Festival hoje trabalha em cinco escolas e atua no
desenvolvimento profissional com jovens e emergentes artistas.
Outro mandamento para quem quer pensar estrategicamente [e também é uma lei para o
marketing]: conheça seu público . Saber o que o público pensa, sente e saber o que ele espera de
você como programador cultural são fatores essenciais para planejar uma ação cultural. No Fierce,
isso é feito por pesquisadores independentes, que procuram saber o que o público não quer e do
que ele precisa. E, ao longo desses anos, o Fierce Festival constatou que as pessoas NÃO querem
interferir na qualidade ou no conteúdo artístico. Elas querem mudanças nos horários, locais,
preços e na comunicação dos eventos. E no caso do Fierce essas mudanças são feitas. Manter
essas pesquisas para se sentir na pele da platéia também virou regra para a equipe do festival.
Objetividade e Sedução
A comunicação é de certa forma outro mandamento para quem quer se voltar para a platéia:
comunique-se com clareza, objetividade e sedução . Comunicadores e produtores culturais sabem
que textos pedantes ou extremamente subjetivos podem afastar as pessoas. Então, ao fazer uma
sinopse de um espetáculo, por exemplo, é importante dizer o que pode ser visto ou que sensações
são exploradas. Ball mostra que o público jovem gosta de ver fotos dos freqüentadores do evento
e que a atividade cultural transforma-se num happening social. E isso precisa ser levado em
consideração na hora de criar estratégias de comunicação.
Em Birmingham, Mark Ball tem a maior parte de seu trabalho de comunicação voltada à internet,
pois é onde está mais de 80% de seu público diariamente. A verba – que antes era pequena para a
publicidade impressa – tornou-se um bom valor para desenvolver teasers no site, comunicação via
e-mail, fóruns para a platéia mais jovem, cadastro de usuários, entre outras estratégias virtuais.
"Hoje já não convidamos tantos jornalistas de grandes jornais para coletivas. Convidamos muito
mais bloggers, porque são eles que vão se comunicar mais diretamente com o público", contou
Ball, profetizando novos caminhos para o relacionamento com os meios de comunicação.
Na conferência no Rio de Janeiro, foi questionado se não seria obrigação do governo brasileiro
pensar no Desenvolvimento de público . A resposta quase uníssona de Mark Ball e da palestrante
Jane Greenfield foi: não dependa do governo para pensar no seu público . Provavelmente elaborar
esse plano seja papel do produtor ou programador cultural. Mas se o artista, no papel de criador,
também se apaixona pelo público, talvez ele se aproxime mais do produtor e da própria platéia.
O que vemos no Brasil é que essas ações ainda estão começando. E talvez isso tudo ainda soe um
pouco estranho para o meio cultural. O fato é que é cada vez mais necessário pensar no público e
nas formas de trazê-lo para perto da atividade. Se a preocupação existe, o desenvolvimento de
platéias [a estruturação de atividades] passa a ser um projeto relativamente simples.
Case Itaú Cultural
O Instituto Itaú Cultural em 2002 teve um reposicionamento de atuação. O prédio foi reformado,
com acesso direto pela avenida Paulista, os espaços de atividades foram ampliados e a
programação ganhou mais fôlego. Em um ano o público diário que não chegava a uma centena
passou a ser de mais de 1000 visitantes por dia.
O primeiro projeto do Itaú cultural que dialogou diretamente com o público antes de se tornar real
foi a reformulação do site, em 2003. Fizemos um projeto piloto e convidamos grupos específicos [
focus groups ] para discutir e propor ajustes e mudanças. Com isso, houve adaptações na palheta
de cores, forma de apresentação de menus e a necessidade de criar ferramentas de cadastro dos
usuários. Desde então, o Itaú Cultural vem recebendo premiação como melhor site de Arte e
Cultura pela Academia do Ibest [formada por jornalistas, designers e especialistas em tecnologia],
em todas as edições do evento. Em 2005, também recebeu o prêmio de melhor site do país. Entre
2004 e 2005 os acessos ao site aumentaram 65%, chegando a 300 mil usuários por mês.
Em 2004 foi criado o Núcleo de Comunicação e Relacionamento, que iniciou a elaboração de
estratégias nessa área. Foram implementadas ferramentas de diálogo, como planos de pesquisas
de perfil de público e de aceitação dos eventos. O público freqüentador do Instituto é formado em
sua maioria por mulheres [57%] e jovens [41% entre 18 e 25 anos]. Cerca de 42% acessa a internet
diariamente. Com esses dados, foram criadas campanhas publicitárias mais visuais, mais ousadas
e mais freqüentes. Também iniciou-se intensa campanha para reformular as peças de
comunicação, o mailing e foi desenvolvido um programa de envio de newsletters.
A Arte de Amar
Sabemos hoje que a Internet no Brasil começa a ter importância efervescente na comunicação
com o público e os brasileiros são provavelmente os maiores usuários de suas ferramentas. Sites
de relacionamento viram mania no país. Este é um vasto terreno, ainda deserto de ações no campo
das expressões artísticas. Artistas e comunicadores precisam afinar um discurso em prol da
cultura que ocupe com firmeza o território dos internautas. Mas acredito que esta é a tendência
natural e evolutiva. Vamos chegar lá.
A missão do Itaú Cultural versa justamente sobre o compromisso de levar os bens culturais a um
número cada vez maior de pessoas. Daí a preocupação em reconhecer a platéia e criar ferramentas
para atrair um público ainda não conectado às ações do Instituto. Este é um desafio e também um
compromisso diário de elaborar formas de relacionamento que possam concretizar o espírito que
move a instituição.
Acredito firmemente que, a partir do momento em que entidades públicas, privadas, do terceiro
setor e até mesmo individual, quando todos enfim perceberem que tudo de que precisamos é amar
nosso público, aí sim a cultura ocupará um espaço bem mais interessante no dia-a-dia do país.
Ana de Fátima Sousa
Jornalista e gerente de comunicação e relacionamento do Itaú Cultural, é responsável por
pesquisas e desenvolvimento de estratégias de atendimento ao público participante e potencial da
instituição e aos visitantes. Colaborou em cadernos de cultura no Jornal do Commercio e no
Diário de Pernambuco e em revistas como Superinteressante e Galileu .
Saiba mais sobre:
Fierce Festival www.fierce.info
Desenvolvimento de público e Marketing de Arte www.audience-development.net/audience.htm
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