PERIOSTITE. ESTUDO DE ALGUNOS CASOS SEVEROS IDENTIFICADOS NUM OSSÁRIO EXUMADO DA ANTIGA NECRÓPOLE DO JUNCAL (PORTO DE MÓS)
Assis, S y Oliveira, L
Centro de Investigação em Antropologia e Saúde. Departamento de Antropologia – Universidade de Coimbra
Rua Arco da Traição. 3000-056 Coimbra. [email protected]
Resumo
No ano de 2006, durante os trabalhos de remodelação do espaço ocupado pelo antigo cemitério do Juncal – Porto
de Mós (extinto no início do século XX), foi possível recuperar alguns fragmentos ósseos provenientes de um
ossário.
De entre as patologias detectadas, evidenciaram-se três tíbias com extensas lesões no periósteo. As alterações descritas caracterizam-se por uma grande severidade, exibindo áreas reactivas em forma de crista ou de flor, algumas,
eventualmente, subjacentes a ulcerações da pele.
No presente trabalho discutem-se os possíveis diagnósticos, tendo por base a análise macroscópica e o estudo
radiológico.
palavras-chave
Juncal, ossário, tíbias, periostite, infecção
Abstract
In the year of 2006, during the renewal of the ancient necropolis of Juncal – Porto de Mós (extinct in the early of
XX century) it was exhumed some bones fragments from an ossuary.
Between the lesions detected, it was possible to observe three tibias with marked lesions in the periosteum. The
alterations descript are characterized by a great severity, showing reactive areas that resemble flowers and crests,
some, eventually, underlying skin ulcerations.
In the present paper we discuss the possible diagnosis, having for support the macroscopic analysis and the radiological study.
key words
Juncal, ossuary, tibiae, periostitis, infection
587
PERIOSTITE. ESTUDO DE ALGUNOS CASOS SEVEROS IDENTIFICADOS NUM OSSÁRIO EXUMADO DA ANTIGA NECRÓPOLE
DO JUNCAL (PORTO DE MÓS)
Introdução
A periostite: breve abordagem paleopatológica
A periostite constitui uma resposta do esqueleto a alterações patológicas do tecido subperiósteo (Aufderheide e Rodríguez-Martín, 1998; Ortner, 2003; Roberts e
Manchester, 2005). Esta camada interna do periosteum
é um dos poucos tecidos com propriedades proliferativas, por acção dos osteoblastos, mesmo após a cessação do normal processo de crescimento do esqueleto.
Por este motivo, reage com frequência a diferentes
agressões (internas e externas), formando lâminas de
osso novo anómalo, cuja morfologia reflecte, de sobremodo, o estímulo patológico a que esteve adstrito
(Ortner, 2003).
Comummente, o termo periostite é utilizado para referir a deposição de tecido ósseo neoformado na superfície dos ossos. Quando a produção afecta o córtex
assume a designação de osteíte. O termo osteomielite
implica a afecção da cavidade medular (Mann e Murphy, 1990).
A periostite estimula a produção de osso novo do tipo
woven que, posteriormente, é incorporado no córtex e
transformado em osso lamelar. Em termos estruturais,
o osso woven apresenta uma aparência porosa que se
deve, não apenas à orientação das fibras de colagénio,
mas também à extensa vascularização (Rothschild e
Martin, 1993; Ortner, 2003).
A resposta do esqueleto pode ser desencadeado por
condições patológicas específicas, como as trepanomatoses; a lepra e a tuberculose, ou não específicas,
como a osteomielite hematogénica; a insuficiência venosa crónica; a osteoartropatia hipertrófica primária e
secundária; os tumores dos tecidos moles e do osso;
algumas enfermidades metabólicas, como o escorbuto; o trauma e as infecções dos tecidos moles (Schultz,
2001; Ortner, 2003).
Em contexto osteoarqueológico, as lesões mais frequentes são observadas na diáfise das tíbias (Steinboch,
1976). As tíbias reúnem um conjunto de características
que as tornam vulneráveis à acção de microrganismos infecciosos e ao trauma, nomeadamente, superfí-
588
cies vasculares extensas, circulação sanguínea lenta e
poucos tecidos moles a cobrir (Roberts e Manchester,
2005).
Objectivos
O presente artigo discute a presença de periostite severa em três tíbias recuperadas de um ossário exumado
da antiga necrópole da Vila do Juncal (Porto de Mós
– Portugal). Em conformidade propõe-se como objectivos: descrever as alterações paleopatológicas observadas, averiguar a sua natureza e distribuição na diáfise
e propor possíveis diagnósticos, tendo subjacente, as
limitações inerentes ao estudo de espólio ósseo descontextualizado.
O registo osteológico
Proveniência e cronologia
A antiga necrópole da freguesia do Juncal (Porto de
Mós - Portugal) localiza-se nas imediações da Igreja
Matriz de S. Miguel erigida no século XVIII (1780)
(Furriel, 1999). É possível encontrar referências a
um templo do século XVI, que terá sido demolido
dando lugar ao actual edifício (Cacela, 1977; Furriel, 1999).
A inexistência de fontes documentais impediu que se
apurasse, com alguma exactidão, a data da fundação e
de cessação da necrópole. Não obstante, e segundo algumas informações cedidas pelos populares, é possível
situar a desactivação da necrópole no início do século
XX, período coincidente com a edificação do novo espaço cemiterial.
A partir das lápides retiradas do antigo cemitério (e armazenadas em terrenos da Junta de Freguesia) foi possível estabelecer um intervalo temporal situado entre
1850 e 1904. Uma vez que não foi possível obter dados
concretos sobre a altura de construção deste cemitério,
podemos considerar as datas apresentadas como marcos cronológicos, ainda que com as devidas reservas,
uma vez que muitas inumações podem ter sido efectuadas sem que houvesse um registo em suporte pétreo,
acrescido ainda do facto de o local se encontrar em
abandono há vários anos (Oliveira, 2006).
Assis, S y Oliveira, L
Material e métodos
No ano de 2006, durante os trabalhos de remodelação
da antiga necrópole do Juncal, foram recuperados vários ossos dispersos provenientes de um ossário. Do
conjunto supradito foram identificadas três tíbias com
extensas lesões no periósteo.
O estudo paleopatológico baseou-se na observação macroscópica, tendo-se procedido ulteriormente à análise
descritiva com recurso a métodos radiológicos.
Os estudos de caso: resultados e discussão
caso 1
No terço superior da diáfise de uma tíbia esquerda, identificada pelo acrónimo C. JUNC. 06. 01. OSS.1, foram
observadas múltiplas excrescências ósseas na face medial e lateral (figura 1). Das alterações assinaladas sobressaiu uma placa de osso novo de textura lisa e com
aparência remodelada, à qual se sobrepunha uma roseta
com 30 x 26 mm, formada por espículas dispostas radialmente (figura 2). Da porção postero-lateral projectam-se
várias cristas espiraladas, com configuração dendrítica,
acompanhadas por porosidade vascular (figura 3).
A análise radiológica revelou um espessamento acentuado e uniforme do córtex, com ligeira constrição da
cavidade medular (figura 4). Este adensamento ósseo
mostrou-se indistinto nas neoformações descritas, não
existindo sinais de actividade osteoclástica. Apesar de
se tratar de um elemento osteológico isolado, a tipologia das lesões e a sua refracção radiológica, parecem
excluir uma neoplasia.
Uma pesquisa em fontes paleopatológicas permite
avançar com alguns diagnósticos. Neste âmbito a osteomielite, a sífilis, a melorreostos, e a osteoartropatia
hipertrófica (pulmonar) são patologias a considerar.
A osteomielite designa um processo infeccioso desencadeado por vários microrganismos, podendo ser espe-
Fig. 2. Pormenor da roseta ósseo observada na face anterior da diáfise de uma tíbia esquerda. Norma anterior.
Fig. 1. Figura 1. A: diáfise da tíbia esquerda (C. JUNC. 06. 01.
OSS.1) onde é possível observar os crescimentos ósseos massivos.
B: densificação do córtex visível na imagem radiológica (norma
ântero-lateral direita).
Fig. 3. Formação de cristas e projecções dendríticas na porção posterior da diáfise de uma tíbia esquerda. Norma lateral.
589
PERIOSTITE. ESTUDO DE ALGUNOS CASOS SEVEROS IDENTIFICADOS NUM OSSÁRIO EXUMADO DA ANTIGA NECRÓPOLE
DO JUNCAL (PORTO DE MÓS)
cífica ou não específica (Steinbock, 1976; Aufderheide e
Rodríguez-Martín, 1998; Ortner, 2003). Com incidência
primária sobre a cavidade medular, a osteomielite pode
também produzir uma inflamação no periósteo (periostite), e/ou endósteo (osteíte) (Steinbock, 1976). Esta condição afecta com alguma recorrência as tíbias e os fémures, manifestando-se através de fenómenos destrutivos
e remodelativos; necrose; aumento da densidade óssea
e esclerose reactiva (Aufderheíde e Rodríguez-Martín,
1998; Ortner, 2003). Contudo os traços mais distintivos
incluem a formação de sequestra, periostite hipervascular porosa e cloaca (Ortner, 2003).
No fragmento ósseo em discussão apenas foi assinalada
a presença de periostite hipertrófica. A sua incompleta
recuperação impediu que se averiguasse a presença de
cloaca, uma característica considerada patognomónica
para a ocorrência de osteomielite piogénica. Na ausência deste indicador poderão se apontadas como possíveis
causas a osteomielite não supurativa crónica (osteomielite esclerótica de Garre) e a sífilis venérea (ou adquirida)1
(Zimmerman e Kelley, 1983; Mann e Murphy, 1990).
A sífilis é uma patologia infecciosa provocada pela acção do Treponema pallidum que alcança o organismo
através da pele e das mucosas (Steinboch, 1976; White,
2000; Roberts e Manchester, 2005). De natureza progressiva, é no último estado da sua evolução que se
produzem as alterações esqueléticas mais exuberantes.
Genericamente a sífilis pode afectar vários ossos do esqueleto, incorrendo numa distribuição simétrica com
preferência pelas tíbias, ossos nasais e abóbada craniana (Ortner, 2003). Nos ossos longos as lesões podem
ser agrupadas em gumatosas, caracterizando-se por um
alargamento localizado da diáfise, aumento da hipervascularização (por vezes com exposição do córtex) e
formação de sulcos irregulares, os “snail track”. A forma não gumatosa é menos sugestiva, manifestando-se
por periostite conspícua, com formação de exostoses do
tipo placa, e aumento da hipervascularização. Este espessamento é acompanhado de igual transformação no
córtex assistindo-se, em casos avançados, à obliteração
da cavidade medular por esclerose trabecular (Mays,
1998; Ortner, 2003; Roberts e Manchester, 2005).
A melorreostose (melorheostosis) é uma patologia
rara, congénita e não hereditária, que pode afectar o
esqueleto e os tecidos moles adjacentes. Descrita pela
primeira por Leri e Joanne em 1922, encontra o seu
significado nos vocábulos gregos “melos” que designa
membro; “rheos” que significa escorrer ou fluir e “osteon” que descreve osso. Este conceito vem de encontro à morfologia e à aparência das lesões ósseas que se
assemelham a cera derretida (Freyschmidt, 2001; Mariaud-Schmidt et al., 2002; James e Davies, 2006). Este
fenómeno decorre da contínua deposição de camadas
de osso novo cortical, que se expandem distalmente em
fluxo (Aufderheide e Rodríguez-Martín, 1998).
Não obstante as incertezas que mediam a sua origem,
várias teorias tem sido propostas para justificar a sua
ocorrência. Assim são apontadas como possíveis etiologias: processos infecciosos; factores neurogénicos;
obliteração vascular; defeitos congénitos; trauma uterino ou danos durante o desenvolvimento das estruturas
anatómicas. Paralelamente têm sido enunciadas algumas condições neoplásicas, malformações arteriovenosas, neurofibromatoses, etc (Mariaud-Schmidt et al.,
2002). Alguns investigadores têm sumariado as ocorrências patofisiológicas em quatro tipos: (1) vasomotoras; (2) infecciosas; (3) embrionárias, e (4) endócrinas
(Kraft, 1933 in Kelley e Lytle, 1995).
A melorreostose é frequente nos ossos longos, contudo
pode afectar outras porções do esqueleto, designadamente, as costelas, o crânio e a coluna (Kelley e Lytle,
1995; Ortner, 2003). É predominantemente unilateral
e acomete frequentemente um conjunto de elementos
ósseos contíguos (Ortner, 2003).
Outra patologia a considerar é a osteoartropatia hipertrofica. Esta enfermidade de manifestação dúbia pode
ter uma origem genética, a paquidermoperiostose, ou
adquirida, a osteoartropatia hipertrófica pulmonar. Esta
forma secundária tem sido associada a várias condições
do foro neoplásico, nomeadamente, a cancro do pulmão,
do pâncreas ou do estômago, mas também a casos de
fibrose pulmonar e de tuberculose; a doença congénita
do coração; endocardites bacterianas; mixoma auricu-
A sífilis adquirida ou venérea é transmitida por contacto sexual. Esta designação é utilizada para fazer a distinção com a sífilis
congénita transmitida entre mãe e feto (Ortner, 2003).
1
590
Assis, S y Oliveira, L
lar; aneurisma aórtico, etc. (Aufderheide e RodríguezMartín, 1998). Recentemente tem surgido outras hipóteses que advogam a produção anómala de toxinas que
estimulam a síntese óssea, ou a falhas nos mecanismos
neurocirculatórios (Resnick e Kransdorf, 2005).
Em termos paleopatológicos esta condição manifestase através de periostite simétrica que afecta preferencialmente a diáfise das tíbias, fíbulas, rádios e ulnas,
sendo menos frequente nos restantes ossos longos e ossos tubulares das mãos e dos pés. O osso recém-formado apresenta uma espessura considerável, assumindo
por vezes a aparência de “cera derretida”. As alterações
nosológicas são frequentemente observadas na porção
média das diáfises (Aufderheide e Rodríguez-Martín,
1998; Ortner, 2003).
Algumas das alterações observadas na tíbia assemelham-se às lesões produzidas pela sífilis, designadamente, a periostite severa com formação de exostoses,
a hipervascularização da superfície óssea e a formação
de pequenos sulcos serpenteados recobertos por pontes
ósseas. Já a escorrência óssea e as múltiplas cristas que
suportam a roseta espiculada, parecem consubstanciar
um caso de osteoartropatia hipertrófica pulmonar ou
de melorreostose. A inexistência de mais ossos do esqueleto impediu que se averiguasse a distribuição das
lesões, no que diz respeito à simetria e à localização de
afecções complementares. Em conformidade, o diagnóstico permaneceu indeterminado.
caso 2
Nesta tíbia esquerda, referenciada como C. JUNC. 06.
01. OSS.2, foi observada uma extensa área de osso
reactivo na porção medial da diáfise. Esta ocorrência
localizada configura uma periostite ossificante do tipo
placa com 12 cm de comprimento e 5 cm de largura.
Uma observação minuciosa permitiu destacar a sua
projecção face ao córtex e uma aparente organização
do tecido ósseo recém-formado (figura 4).
Na porção posterior assinalou-se um espessamento
considerável do periósteo, com formação de espículas
e deposição de osso novo poroso (figura 5). O estudo
radiológico revelou uma densificação da porção média
da diáfise, com obstrução parcial da cavidade medular.
Fig. 4. Periostite reactiva ossificante do tipo placa na diáfise da tíbia
esquerda (C. JUNC. 06. 01. OSS.2). Norma medial.
Fig. 5. Formação de espículas ósseas de organização reticulada na
porção média da diáfise. Norma posterior.
De igual modo ao observado para o caso precedente, na
presente análise devemos considerar no diagnóstico diferencial a osteomielite crónica não supurativa (já que
não foi observada cloaca) e a sífilis. Conjuntamente
podemos enumerar um possível caso de ulceração da
pele, com repercussões em termos esqueléticos.
A ulceração da pele, ou úlcera varicosa, resulta de um
transtorno na circulação sanguínea das extremidades,
sendo frequente no terço inferior das pernas. Associada
em 70% dos casos a insuficiência venosa crónica pode,
contudo, manifestar-se secundariamente a outras condições como a diabetes, a artrite reumatoíde, as vasculites, os tumores da pele, a osteomielite crónica, etc.
(Sandeman e Shearman, 1999 in Abbade e Lastória,
2005). Em termos patofisiológicos caracteriza-se por
produzir edemas de morfologia irregular e profundida-
591
PERIOSTITE. ESTUDO DE ALGUNOS CASOS SEVEROS IDENTIFICADOS NUM OSSÁRIO EXUMADO DA ANTIGA NECRÓPOLE
DO JUNCAL (PORTO DE MÓS)
de variável, hiperpigmentação da superfície adjacente e intumescimento cutâneo (Ortner, 2003; Abbade e
Lastória, 2005). Em cerca de 10 a 60% dos casos pode
observar-se um espessamento considerável do periósteo por deposição de placas de osso novo (Rosenthal e
Kirsh, 1976 in Gensburg et al., 1988).
Esta condição encontra algumas referências no registo
paleopatológico. Ortner (2003) descreve alguns casos
cuja morfologia e localização se assemelham às alterações observadas. Também Pinheiro et al. (2004) discutem duas ocorrências em território português, uma
no domínio forense, outra presente na Colecção de
Esqueletos Identificados do MAUC2. Segundo os autores o diagnóstico afigurou-se conclusivo para doença
vascular crónica, no caso forense, devido à existência
de elementos médicos facultados pelos familiares; no
espécime da Colecção, por comparação macroscópica
e radiológica. Nos casos averbados, a inexistência de
cloaca, de sequestra ou de alterações osteolíticas permitiu excluir eventuais condições infecciosas, como a
osteomielite (Pinheiro et al., 2004).
A tíbia proveniente do Juncal apresenta lesões que parecem compatibilizar-se com o padrão descrito, isto é,
como uma possível doença vascular. Não obstante, a
obstrução parcial da cavidade medular parece indicar a
existência de uma condição infecciosa, prévia ou decorrente. Algumas infecções específicas como a sífilis e a
lepra podem provocar ulcerações na pele por exposição
a agentes patogénicos e/ou por diminuição da sensibilidade cutânea, e predisposição para episódios traumáticos
(Ortner, 2003). Por seu turno, a severidade de algumas
ulcerações crónicas pode degenerar em processos infecciosos, como a osteomielite (Abbade e Lastória, 2005).
Apesar da inexistência de cloaca na porção preservada,
estas hipóteses poderão explicar a ocorrência simultânea de traços caracterizadores de ulceração cutânea,
com uma possível manifestação infecciosa.
caso 3
A terceira evidência paleopatológica foi observada
numa tíbia direita identificada pela designação C.
2
Museu Antropológico da Universidade de Coimbra.
592
JUNC. 06. 01. OSS.3. Apesar da destruição da extremidade proximal, foi possível observar um alargamento anómalo na diáfise. A destruição tafonómica
expôs o osso em secção, revelando uma cavidade
medular expandida e preenchida por tecido esponjoso
densificado (figura 6). Na face lateral da diáfise foi
assinalada periostite reactiva com formação de osso
novo espiculado. O estudo radiológico destacou um
espessamento do tecido cortical , mais expressivo na
face lateral, com ligeira constrição da cavidade medular (figura 7).
As análises macroscópicas e radiológicas revelaram
um conjunto de alterações que se enquadram no domínio das infecções específicas, como a sífilis, ou não
específicas como a osteomielite. Apesar das hipóteses
sugeridas, o diagnóstico diferencial viu-se dificultado
pela degradação da peça óssea. Esta constatação foi
particularmente incisiva na despistagem da osteomielite já que impediu que se averiguasse a existência de
cloaca. Em conformidade, o diagnóstico mantém-se
inconclusivo.
Considerações finais
Os casos apresentados são bastante reveladores das
limitações inerentes ao diagnóstico paleopatológico,
principalmente, em espólio ósseo descontextualizado. Neste âmbito, a inexistência de dados complementares relativos ao perfil demográfico dos indivíduos e à distribuição das lesões pelos restantes
elementos do esqueleto constituíram a principal dificuldade. Acresça-se ainda a fragmentação observada
nas peças ósseas.
Apesar das restrições interpretativas, os case study
descritos são reveladores do modo como o esqueleto
responde a condições patológicas distintas (e aparentemente indiferenciadas), reclamando em seu favor o
refinamento de novas técnicas de análise, nomeadamente, a nível paleohistopatológico.
Assis, S y Oliveira, L
GENSBURG, R.; KAWASHIMA, A.; SANDLER, C.
(1988): Scintigraphic demonstration of lower extremity periostitis secondary to venous insufficiency. The
Journal of Nuclear Medicine, 29 (7): 1279-1282.
JAMES, S.; DAVIES, A. (2006): Surface lesions of the
bones of the hand. European Radiology, 16: 108-123.
Fig. 6. Periostite reactiva na tíbia direita (C. JUNC. 06. 01. OSS.3)
com formação de osso novo de natureza espicular. Norma lateral.
KELLEY, M.; LYTLE, K. (1995): Brief communication: a possible case of melorheostosis from antiquity.
American Journal of Physical Anthropology, 98(3):
369-374.
MANN, R.; MURPHY, S. (1990): Regional atlas of
bone disease. A guide to pathologic and normal variation in the human skeleton. Charles C. Thomas Publisher. Springfield.
Fig. 7. Grande densificação do córtex com preenchimento exuberante da cavidade medular. Norma lateral.
Agradecimentos:
Ao Centro de Investigação em Antropologia e Saúde
da Universidade de Coimbra e ao Serviço de Radiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Bibliografia
ABBADE, L.; LASTÓRIA, S. (2005): Venous ulcer: epidemiology, physiopathology, diagnosis and
treatment. International Journal of Dermatology,
44: 449-456.
AUFDERHEIDE, A.; RODRÍGUES-MARTÍN, C.
(1998): The Cambridge Encyclopedia of Human Paleopathology. Cambridge, Cambridge University Press.
MARIAUD-SCHMIDT, R.; BITAR, W.; PEREZLAMERO, F. (2002): Melorheostosis unusual presentation in a girl. Journal of Clinical Imaging, 26:
58– 62.
MAYS, S. (1998): The archaeology of human bones.
Routledge. London.
OLIVEIRA, L. (2006): Acompanhamento Arqueológico do Antigo Cemitério do Juncal. Relatório Final.
Porto de Mós, Leiria. [não publicado].
ORTNER, D. (2003): Identification of pathological
conditions in Human Skeletal Remains. Academic
Press. Amsterdam.
CACELA, A. (1977): Porto de Mós e seu Termo, Porto
de Mós.
PINHEIRO, J.; CUNHA, E.; CORDEIRO, C.; NUNO
VIEIRO, D. (2004): Bridging the gap between Forensic Anthropology and Osteoarchaeology: a case of vascular pathology. International Journal of Osteoarchaeology, 14 (2): 137-144.
FREYSCHMIDT, J. (2001): Melorheostosis: a review
of 23 cases. European Radiology, 11: 474-479.
RESNICK, D.; KRANSDORF, M. (2005): Bone and
Joint Imaging. Elsevier. Philadelphia. 3rd Edition.
FURRIEL, F. (1999): Da Pré-História à Actualidade – Breve Monografia de Porto de Mós. II volume,
Porto de Mós.
ROBERTS, C.; MANCHESTER, K. (2005): The archaeology of disease. Sutton Publishing. Gloucestershire. 3rd Edition.
593
PERIOSTITE. ESTUDO DE ALGUNOS CASOS SEVEROS IDENTIFICADOS NUM OSSÁRIO EXUMADO DA ANTIGA NECRÓPOLE
DO JUNCAL (PORTO DE MÓS)
ROTHSCHILD, B.; MARTIN, L. (1993): Paleopathology: disease in the fossil record. CRC Press. Florida.
SCHULTZ, M. (2001): Paleohistopathology of bone:
a new approach to the study of ancient diseases. Yearbook of Physical Anthropology, 44: 106-147.
STEINBOCK, R. (1976): Paleopathological diagnosis
and interpretation. IL CC Thomas. Springfield.
WHITE, T. (2000): Human Osteology. Academic
Press. San Diego. 2nd Edition.
ZIMMERMAN M.; KELLEY M. (1982): Atlas of human paleopathology. Praeger. New York.
594
Download

mado da antiga necrópole do juncal (porto de mós)