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Basileia II – Como funciona?
O tema Basileia não é novo, mas continua a merecer
cada vez mais destaque. Para os Bancos que optaram
pelo Foundation Internal Ratings-Based Approach
(IRB Simples) a implementação ocorre em 2007. Já
para os que optaram pelo Advanced Internal Ratings-Based Approach (IRB Avançado) 2008 é o ano de
todas as decisões.
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REVISORES AUDITORES OUT/DEZ 2007
Sendo certo que o 1.º Acordo, assinado em 1988, revolucionou o panorama financeiro dos países aderentes, a
verdade é que o impacto de Basileia II não foi menos
sentido. Contudo, por parte dos intervenientes e,
sobretudo por parte das empresas, há ainda muitas
dúvidas. O tema não é fácil e as fórmulas envolvidas
são algo complexas. As próximas linhas tentarão abor-
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Cláudia Queirós
dar, de forma simples, alguns dos factores
presentes nos cálculos subjacentes à atribuição do grau de risco às Empresas.
Basileia II é ainda mais sensível ao risco,
permite métodos alternativos para cálculo dos requisitos mínimos de capital em
função da realidade de cada Banco e
introduz o Risco Operacional como grande novidade enquanto factor a ter em
conta no cálculo dos requisitos mínimos, a
par do Risco de Crédito e Risco de
Mercado.
O MÉTODO DO IRB SIMPLES
O Método de Ratings Internos (Internal
Ratings-Based Approach) é um dos métodos que possibilita a adequação das exigências de capital ao risco de crédito a
que o Banco está exposto, medido pelas
características do devedor e especificidade
da transacção. Uma carteira de crédito de
menor qualidade exigirá capital superior,
enquanto que uma de maior qualidade
originará um custo menor.
São duas as abordagens possíveis ao
Método IRB: a Simples e a Avançada. A
primeira é aplicável a bancos que cumpram as exigências mínimas em termos de
Sistema Interno de Rating, processo de
gestão de risco e capacidade de previsão
de componentes de risco. Todos os componentes do modelo são definidos pela
Entidade Supervisora, à excepção de
Probability of Default (PD) que pode ser
definido internamente, após aprovação
pela entidade competente. Por outro lado,
a Abordagem Avançada possibilita às
entidades financeiras a utilização das suas
próprias avaliações de componentes de
risco internos. A sua utilização obriga, no
entanto, a um conjunto adicional de exigências específicas para a quantificação
dos componentes de risco. Estando o IRB
Simples na ordem do dia será este o tema
objecto de estudo deste artigo.
O MÉTODO DO IRB SIMPLES
- PARÂMETROS-CHAVE
Para estimar os riscos de crédito são
imprescindíveis quatro parâmetros-chave:
Probabilidade
de
Incumprimento
(Probability of Default-PD), Perda
Esperada em caso de Incumprimento
(Loss Given Default-LGD), Exposição à
data do Incumprimento (Exposure at
Default-EAD) e Maturidade (MaturityM).
Probability of Default (PD) corresponde à
probabilidade de incumprimento por
parte de um devedor no horizonte temporal de um ano. Loss Given Default (LGD)
é a medida de perda média esperada por
unidade de exposição em caso de falha da
contraparte, enquanto que Loss Given
Default (LGD) é a medida de perda média
esperada por unidade de exposição em
caso de falha da contraparte. A
Maturidade (M) corresponde ao prazo de
vencimento das operações.
Os cálculos do PD, LGD e M são desenvolvidos separadamente e usados como
componentes para cálculo dos respectivos
ponderadores de risco. A PD resulta da
avaliação do risco do cliente e da notação
de risco que lhe é atribuída. Já para cál-
OUT/DEZ 2007 REVISORES AUDITORES 57
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culo da LGD são tidos em conta os colaterais e o
nível de protecção encontrado em cada um deles,
enquanto que o tipo de operação em causa assume
primordial importância no EAD.
ASPECTOS A TER EM CONTA NOS
PARÂMETROS-CHAVE
Probability of Default (PD)
Ao calcular o risco ponderado dos activos, os bancos multiplicam os ponderadores de risco pela exposição assumida (EAD), adicionando os valores daí
resultantes pelo portfolio. Posteriormente, poderá
ser aplicado um factor de ajustamento ao risco total
ponderado dos activos, sob a forma de um índice
standard de supervisão, para reflectir a granularidade da carteira do banco para além do retalho.
Ponderadores de Risco dos Activos
=
Ponderadores de Risco x EAD
O risco de crédito será então atenuado por colaterais, garantias, derivados de crédito e pela situação
patrimonial líquida do devedor, de que resulta um
relevante impacto no cálculo de PD, LGD e EAD.
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REVISORES AUDITORES OUT/DEZ 2007
Para cada classe de devedor deve ser estimada a
probabilidade de incumprimento baseada em
médias históricas, representativas do valor médio de
PD a longo prazo e apoiada em evidências
empíricas. O seu valor corresponderá à
probabilidade de incumprimento atribuída
internamente ao Mutuário, não podendo porém ser
inferior a 0,03%.
Ao ser atribuída pelo Banco uma PD média a cada
classe, garante-se que os Mutuários enquadrados
numa mesma categoria são tratados como tendo a
mesma probabilidade de incumprimento. Um ano
será o horizonte temporal a considerar, pois é o
prazo típico dos inputs dos sistemas de alocação de
capital interno e coincide não só com o período de
relatório financeiro, mas também com a frequência
mínima de revisão interna de ratings.
Cláudia Queirós
Os Sistemas de Rating devem permitir a distinção
entre Mutuários livres de risco dos que têm maior
propensão para o incumprimento. Devem possuir,
desejavelmente, entre 6 a 9 classes de Mutuários em
função da sua actuação, e um mínimo de 2 classes
para os não classificados. De realçar que as exposições brutas não deverão recair em mais de 30%
numa única classe de Mutuário.
Reveste-se de particular importância a intervenção
de entidade isenta devidamente habilitada e reconhecida para o efeito na apreciação e validação final
dos ratings, por forma a assegurar a sua independência e imparcialidade.
Os cálculos da PD são apoiados em período histórico de, pelo menos, cinco anos, podendo a sua estimativa basear-se na experiência de incumprimento
do Banco, esquema de dados externos ou modelos
estatísticos de incumprimento.
Em operações confortadas com garantias adicionais,
a PD Efectiva (PD*) a considerar é calculada com
recurso à PD não apenas do Devedor, mas também
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atendendo às características do Garante, com as
devidas ponderações.
PD* = w x PDB + (1-w) x PDG
Em que w é o ponderador da transacção (0,15 para
garantias e derivados creditícios reconhecidos ou 0
se o garante é Soberano, Instituição Bancária ou
Banco Central); PDB a Probabilidade de
Incumprimento do Devedor e PDG a Probabilidade
de Incumprimento do Garante.
À parte não coberta da exposição será atribuída a
PD da classe do Mutuário.
Em situações de cobertura parcial ou de diferenças
de moedas entre a obrigação subjacente e a garantia, é necessário proceder à separação da parte
coberta e da não coberta.
Na situação de cobertura proporcional, a parte
garantida da exposição (GA) corresponde ao nominal da garantia ajustado pela diferença de moedas.
OUT/DEZ 2007 REVISORES AUDITORES 59
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LGD Aplicada
GA = Gnominal / (1-Hfx)
A parte não garantida da exposição corresponderá ao
total de exposição (E) deduzido da parte garantida.
Transacção Principal sem Garantia
Créditos Subordinados sem Garantia
Transacção sem Colateral Financeiro
E* = E - GA
Transacção Com Colateral Qualificado
Loss Given Default (LGD)
As perdas são influenciadas pelas características do
Mutuário (dimensão do seu activo, país e sector de
actividade) e da transacção (quantia em causa, existência e natureza do colateral e covenants aplicados
ao empréstimo). Desta forma, a diferentes exposições de um Mutuário poderão corresponder diferentes perfis de LGD.
No IRB Avançado o banco determina o LGD a aplicar a cada exposição, com base em dados e análises
passíveis de validação, não só a nível interno, mas
sobretudo pelos Supervisores.
O colateral será ajustado pelos componentes de
risco do próprio colateral, da exposição e da diferença de moedas.
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REVISORES AUDITORES OUT/DEZ 2007
50%
75%
Elevado até ao ponto
em que a transacção
está garantida,
utilizando o Método
Haircut
Conjunto separado
valores LGD e
regras de reconhecimento
Se o valor da exposição for superior ao valor
ajustado do colateral, a LGD Efectiva será
LGD* = LGD x [1 - (1-w) x (CA/E)], em que
w é factor limite aplicado à parte garantida da
transacção, CA o colateral ajustado e E a parte da
exposição sem colateral.
Caso contrário, LGD* = w x LGD.
Nos casos em que o Banco aceita colaterais em
imóveis comerciais (CRE) ou residenciais (RRE), a
metodologia para determinar LGD* baseia-se no
peso do colateral em relação à exposição (rácio
C/E).
Cláudia Queirós
Condição
C/E <=30%
C/E>140%
30%<C/E <=140%
LGDph*
50% 1
40%
(1-(0.2 x (C/E)/140%)) x 50%
Nas situações em que as exposições são garantidas
por ambos os Colaterais (Financeiro e Físico),
LGD* = [(E-Eph) x LGDfi* + Eph x
LGDph*] / E.
E = Efi+Eph; Efi é a exposição com colateral
financeiro; Eph corresponde à exposição com colateral físico; LGDfi* representa a LGD* com colateral
financeiro; LGDph* será a LGD* com colateral físico.
Condição
LGDph* para exposição reduzida
Cph / Eph <= 30%
50%
Cph / Eph < 140%
40%
30% < Cph / Eph <= 140% {1-[0,2x(Cph/Eph)/140%]}x50%
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EXPOSURE AT DEFAULT (EAD)
Tenderá a igualar o montante inicialmente
contratado, sendo que, no caso concreto dos extrapatrimoniais, incluirá uma estimativa de futuros
empréstimos/utilizações anteriores ao incumprimento. Ora, no caso do IRB Simples a EAD é estimada
de acordo com as regras impostas pela Entidade
Supervisora. Já no caso do IRB Avançado, o banco
terá autonomia para determinar o valor apropriado
a cada exposição, de acordo com bases de dados e
análises adequadas, previamente aceites pela entidade competente.
Para as transacções do Balanço, a EAD é idêntica à
quantia nominal da exposição, podendo no entanto
a situação patrimonial líquida reduzir a EAD estimada, desde que asseguradas determinadas condições que terão que ser previamente delineadas.
Para os itens Extra-Patrimoniais há que distinguir
transacções com activação futura incerta (tais
como os compromissos e créditos revolving) e os
derivados OTC2 (intercâmbio exterior, taxa de
juro e contratos de capital derivados).
1 - se houver um empréstimo subordinado e assegurado por Colateral, a LGD Efectiva seria baseada na LGD de Empréstimos
Subordinados (ou seja, 75%).
2 - Over The Counter - Mercado de Balcão
OUT/DEZ 2007 REVISORES AUDITORES 61
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Todas as estimativas de EAD são calculadas líquidas de provisões específicas, a cuja criação o Banco
possa vir a ser obrigado.
No que concerne aos compromissos e créditos revolving, a EAD deverá corresponder a 75% do valor
Extra-Patrimonial. Contudo, quando o cálculo incidir sobre as quantias utilizadas e por utilizar, a
EAD a aplicar deverá ser de 100% da quantia utilizada, acrescida de 75% do valor não utilizado. A
título de exemplo, para uma linha de crédito de
€100, utilizada em 40%, a EAD corresponderia
a € 85 ( 40€ + [75%(100-40)] ).
Dito de forma simples, 75% não é mais do que uma
estimativa do valor que poderá ser activado antes
do incumprimento ocorrer, independentemente da
qualidade do Mutuário e da Maturidade do compromisso.
As linhas de compromisso imediata e incondicionalmente canceláveis pelos Mutuários, assim como as
linhas sem compromisso, cuja disponibilização não
se encontra assegurada pelo Banco, têm um factor
de conversão de crédito com valor zero.
É muito importante que a aplicação dos factores de
conversão seja a mais adequada à gestão creditícia
do Banco.
Em transacções de derivados OTC, o risco de crédito que um Banco terá de enfrentar em caso de
incumprimento é, normalmente, apenas uma pequena percentagem do valor nominal da transacção,
estando o risco de crédito limitado ao custo potencial de reposição de fluxo de caixa.
Extra-patrimoniais
1.
2.
3.
4.
5.
Factores Conversão Crédito
Substitutos directos de crédito
Certos itens contingentes relacionados com a transacção
Curto-prazo, contingências associadas a transacções comerciais internacionais auto-liquidáveis
Acordos de venda e recompra e vendas de activo com recurso onde o risco de crédito permanece no banco
Compras de activo futuras, depósitos futuros, acções parcialmente pagas e títulos que representam
compromissos com uma determinada activação
6. Emissão de obrigações e dívida revolving
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REVISORES AUDITORES OUT/DEZ 2007
100%
50%
20%
100%
100%
50%
Cláudia Queirós
Assim, os valores de risco de crédito nestes contratos resultam do custo de substituição da
transacção (Mark-to-Market positivo) e dos acréscimos específicos que resultam do tipo de transacção
e maturidade residual que reflectem a Exposição
Potencial Futura (PFE), expressos como uma percentagem no intervalo entre 9% e 15% do valor
hipotético.
MATURIDADE (M)
A incorporação directa de M no cálculo da adequação do capital para o Risco de Crédito será vantajosa na medida em que o cálculo do capital terá
maior sensibilidade ao risco (consistente com os
desempenhos adoptados) e práticas de gestão de
risco da maioria das Instituições Financeiras (consistentes com o preçário de risco de crédito nos mercados financeiros).
Ceteris paribus, a reduzida maturidade corresponderá menor risco de crédito. Todavia, os financiamentos de longo prazo distinguem-se como elementos estabilizadores, devido à previsibilidade de
pagamentos por longos períodos, reduzindo a vulnerabilidade dos Mutuários às variações nas taxas
de juro. Como tal, a concessão de empréstimos a
longo prazo não é necessariamente um factor penalizador.
Se todas as exposições fossem tratadas como tendo
uma M média de 3 anos o ponderador de risco de
uma exposição dependeria apenas de PD e LGD.
A definição proposta de Maturidade Efectiva (M*)
permite reduzir a complexidade, quer para os
Bancos, quer para os Supervisores, embora com
algum sacrifício em termos de precisão.
A M* é então definida como sendo o maior dos
seguintes valores:
• 1 ano;
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• Maturidade ponderada = ∑ tPt ÷ ∑ Pt, para
um instrumento sujeito a um programa pré-definido de amortização mínima, em que Pt
não é mais do que a quantia mínima do principal contratualmente amortizável em t meses
futuros.
Como excepção, e para qualquer activo, a M* medida estaria coberta pelo prazo de 7 anos, tendo em
conta as implicações das condições anteriores. Esta
definição aplicar-se-ia a empréstimos utilizados e
compromissos extra-patrimoniais. Excepto em circunstâncias claramente controladas e delineadas
(Segunda Condição), a M* seria medida como o
maior dos valores entre um ano e o tempo remanescente imediatamente antes de o Mutuário ser obrigado a honrar o compromisso assumido, dentro do
prazo acordado (conforme a Primeira Condição).
Para além dos 7 anos, a única excepção à Primeira
Condição refere-se à amortização de exposições. Os
empréstimos amortizáveis são, geralmente, reembolsados mais rapidamente que empréstimos não
amortizáveis e, como tal, acarretam menor risco de
crédito.
À medida que M se estende além dos 7 anos, os
estudos sugerem que o impacto de M no capital
económico para o risco de crédito se torna significativamente exagerado.
Para activos com prazo muito longo, a proposta
conduziria a uma medida conservadora de M na
determinação de requisitos de capital, dado que:
• Primeiro, não reconheceria reduções na M*
inferiores a um ano. Ao ser fixado o limite de
um ano, são atenuados os incentivos e oportunidades de arbitragem no ajustamento de M no
Método IRB;
• Segundo, tal definição resultaria em medidas de
M* tão abrangentes quanto as normas padrão
dos mercados financeiros para atribuição de
pricing e spreads aplicáveis a empréstimos.
• prazo máximo remanescente que o Mutuário
terá para liquidar totalmente a sua obrigação
contratual (principal, juros e comissões);
OUT/DEZ 2007 REVISORES AUDITORES 63
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PONDERADORES DE RISCO
BRWc (PD) corresponde ao ponderador de risco
empresarial de referência associado à PD facultada.
Para cada classe de exposições, os ponderadores de
risco derivam de uma função específica e contínua.
CONCLUSÃO
Risco Ponderado do Activo
=
Ponderador Risco Transação
x
Exposição Transacção
O Total de Risco Ponderado dos Activos (RWA)
resulta da soma dos RWA de todas as transacções.
No caso concreto das Exposições Empresariais, e
onde não exista dimensão de M explícita na
Abordagem Simples, será atribuído um Ponderador
de Risco (RWc) dependente de PD e LGD. A M
média de todas as exposições é assumida como
sendo três anos. RWc será expresso em função de
PD e LGD, de acordo com a seguinte fórmula:
RWc
=
[(LGD/50 x BRWc (PD)] ou 12.50
x
LGD
(sendo considerado o menor resultado)
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REVISORES AUDITORES OUT/DEZ 2007
Tal como referido inicialmente, não se pretende com
o presente artigo abordar de forma exaustiva o tema
Basileia II. O tema é demasiado complexo para que
seja viável aprofundá-lo num artigo desta natureza.
Basileia II exige que os Bancos conheçam os riscos
a que estão expostos, o que lhes permite uma afectação de capitais mais correcta e aplicação de mais
justo, de acordo com o nível de risco do mutuário e
do tipo de operação. Com este artigo pretendeu-se
apresentar os factores-chave do Acordo por forma a
divulgar a quem está do lado da procura de financiamento as ideias chave e os conceitos que o
rodeiam e os cálculos intrínsecos a que o mesmo
obriga com o objectivo principal de dar um primeiro
passo para o esclarecimento do tema e das suas
implicações e envolventes.
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Versão PDF - Ordem dos Revisores Oficiais de Contas