RELATÓRIO DA VIAGEM SOBRE A INVASÃO DO MST
FAZENDA SOUTHAL – SÃO GABRIEL/RS
ORDEM CRONOLÓGICA DOS ACONTECIMENTOS
Dia 17/04/2008
11:30 horas – Chamamento à Porto Alegre pelo Desembargador Gercino Silva,
Ouvidor Agrário Nacional, para reunião com o Chefe da Casa Civil César
Busatto e o representante do INCRA Mozart Dietrich, marcada para as 14:00
horas. Esta reunião tinha o propósito de construir o acordo para desocupação
pacífica da fazenda Southal em São Gabriel.
14:00 horas – Reunião na Casa Civil com o Secretário Busatto. Presentes o
Ouvidor Geral da Segurança, Adão Paiani, Ouvidor Agrário Nacional, Gercino
Silva, Superintendente do INCRA, Mozart Dietrich, Dep. Estadual Ervino Bhon
Gass, Dep. Estadual Dionilso Marcon e o Dirigente Sindical da CUT, Nilson
Viário. Nesta reunião foi acordado a desocupação pacífica da propriedade
invadida.
15:00 horas – Reunião com o Comando da Brigada Militar, Cel. Nilson Bueno,
onde foi decidido que haveria o deslocamento de reforço do efetivo para
cumprir com a determinação judicial de desocupação da área, mas que essa não
seria acionada caso não houvesse resistência do MST.
15:50 horas – Deslocamento à São Gabriel juntamente com o Desembargador
Gercino, a fim de acompanhar a desocupação da referida área.
19:30 horas – Chegada ao hotel em São Gabriel, onde imediatamente houve
uma reunião com os líderes do MST e os representantes do INCRA, que
estavam coordenando a invasão. Nesta reunião, foi solicitado aos ouvidores que
seguissem até o acampamento do MST para que a proposta de identificação dos
invasores fosse discutida.
21:00 horas – Deslocamento até o acampamento do MST. Neste descolamento
fomos seguidos por inúmeros veículos de ruralistas que, indignados e
transparecendo desconformidade com a situação, cercaram os veículos que
estavam dirigindo-se em comboio, nos parando junto a barreira feita pela
Brigada Militar. Nesta barreira encontravam-se apenas três PMs, que estavam
com a responsabilidade de impedir o acesso de qualquer veículo ao local do
conflito. Nesta parada os ruralistas puseram seus veículos atrás da comitiva,
composta pelo veículo do INCRA, um veículo dos advogados do MST a viatura
da Polícia Federal onde estavam os ouvidores e a viatura do Governo do Estado
onde estavam os assessores da Ouvidoria de Segurança e Ouvidoria Agrária,
impedindo que os mesmo retornassem caso essa fosse a intenção. Como não
havia autorização por parte dos PMs para que a comitiva prosseguisse, ficamos
parados na barreira onde os ruralistas desceram de seus veículos e iniciaram
um protesto que por vezes quase extrapolou os limites do pacificamente
aceitável. Os mesmos mencionavam que se nos entrássemos no local do
acampamento, eles entrariam a força. Neste momento, o Ouvidor da Segurança,
Adão Paiani, recebeu as reclamações e pedidos dos ruralistas, estando entre
eles, inclusive, o dono da Propriedade invadida, que narrou vários fatos
ocorridos durante a semana. A exigência dos ruralistas era de que todos os
invasores fossem identificados. Houve a manifestação do INCRA e dos
advogados do MST completamente contrários a exigência dos ruralistas, a qual
resultou numa exaltação de ânimos que nos obrigou a evadir do local eis que
não havia a mínima condição de segurança pelo ínfimo contingente de policiais,
além de que se entrássemos havia o risco de conflito no local com os ruralistas e
a BM.
22:50 horas – Retornamos ao hotel onde houve uma reunião com
representantes da FARSUL e do SINDICATO RURAL DE SÃO GABRIEL, onde
a Ouvidoria de Segurança e Agrária do Estado, buscou compor um acordo com
os ruralistas de identificar cerca de 10% dos invasores, livremente escolhidos
pela BM, o que perfaria um total aproximado de 80 pessoas, cerca de 2 ônibus.
Nesta reunião estava presente apenas o Ouvidor Paiani, sem a presença o
INCRA que seguiu até o acampamento junto com os advogados do MST. Desta
reunião, saiu à proposta final, corroborando a proposta acima.
Dia 18/04/2008
00:20 horas – Após contato com os advogados do movimento para construção
do acordo proposto, foi combinado que encontraríamos os líderes do MST na
residência do Dr. Abib, advogado do MST, juntamente com todas as principais
lideranças do movimento. Dirigimo-nos, então, para a residência do mesmo
onde estavam presentes o MST e o INCRA, que definiram pela não aceitação do
acordo. Naquele momento foi nos mostrado um vídeo feito internamente pelo
MST na periferia do acampamento, mostrando técnicas de intimidação contra a
BM, realizadas e gravadas na tarde do dia 17/04. Nesta gravação podemos
perceber que os integrantes do MST estavam preparados para o enfrentamento
e que não tinham o menor receio de resistir a qualquer investida por parte da
polícia ou dos próprios ruralistas. Podemos perceber que ali existiam diversas
armas rudimentares como: foices, lanças, machados, facões, paus, escudos feitos
de madeira, etc..
02:10 horas – Sem sucesso na proposta, eis que os mesmos a levariam até o
acampamento para debate, antes da sua aceitação ou não, dirigimo-nos ao
acampamento dos ruralistas, para que pudéssemos avaliar os ânimos dos
mesmos e dissuadi-los de qualquer intenção de conflito com os invasores.
Nossa proposta e intenção foram bem recebidas pelas lideranças ruralistas que
analisariam com seus membros e decidiriam na manhã seguinte, onde estava
marcada uma reunião as 08:30 horas, com o juiz de direito e o promotor de
justiça da comarca. Houve a informação extra-oficial dos representantes dos
ruralistas de que os invasores não seriam identificados e que isso poderia ser
motivo de rechace e de conflitos entre as partes.
03:20 horas – Ao pesquisar as repercussões do caso da invasão na mídia
eletrônica, tomamos conhecimento através de publicação no site
www.zerohora.com, que as 20:20 horas havia sido divulgado uma reportagem
onde o Comandante Geral da Brigada Militar afirmou que a BM estava pronta
para cumprir com a determinação judicial de reintegração de posse, mas que
ninguém seria preso caso não oferecessem resistência.
08:15 horas – Dirigimo-nos ao Forum de São Gabriel para reunião com o Juiz e
o Promotor da cidade. Nesta reunião estavam fazendo a segurança do local
vários policiais civis, fortemente armados e preparados para eventual protesto
ou ação violenta. Durante a reunião, houve uma manifestação de um cidadão
do povo que fora entrevistado pela rádio de maior audiência local, onde o
mesmo conclamava a toda população de São Gabriel e região, para se insurgir
contra o MST e contra a BM caso esta não identificasse os responsáveis pela
invasão na fazenda Southal.
09:20 horas – Temendo que houvesse algum tipo de conflito mais violento,
dirigimo-nos em comboio junto com a Polícia Cívil, o Juiz, o Promotor, o
Delegado de Polícia e o advogado do MST, para o local do conflito. O ânimo
inicial do Juiz da comarca era de não identificar os invasores, contrário a
intenção do Promotor de Justiça que requeria a identificação de todos. Neste
interregno de tempo, o Secretário Busatto, pessoalmente, requisitou ao Dr.
Paiani, por telefone, que fosse identificado no mínimo os 10% propostos pela
Ouvidoria às partes envolvidas. A partir deste momento o Ouvidor Agrário
Nacional, Des. Gercino Silva, por orientação e determinação da Polícia Federal,
não fez mais parte do processo.
10:00 horas – Chegada ao acampamento da Brigada Militar onde fomos
recepcionados pelo Cel. Binsfield, comandante da operação, onde,
completamente irresignado, nos comunicou que não foi enviado o contingente
de reforço prometido e que seria impossível haver qualquer identificação, eis
que não havia efetivo para tal. Percebemos que realmente o efetivo ali no local
era bastante inferior ao necessário para uma operação daquela natureza, sendo
que foi-nos esclarecido pelo Cel. Binsfield que o mesmo solicitou 400 homens
para garantir a operação de desapropriação, e não havia sido disponibilizado
nenhum reforço. Percebemos, também, um abalo moral muito forte no
contingente que ali estava, eis que era visível e notório que os mesmo não
conseguiriam fazer frente a qualquer investida ou conflito violento do MST ou
dos ruralistas.
10:40 horas – Dirigimo-nos ao local do acampamento para acompanhar a
movimentação do MST na desocupação da fazenda Southal. Ao chegar ao local
fomos encaminhados diretamente no local onde a BM estava acampada e
observando o movimento dos invasores do MST. Lá estavam acompanhando os
PMs o dono da propriedade, seus familiares, os empregados que residiam na
sede da fazenda invadida e alguns representantes do Conselho Tutelar de São
Gabriel. A imprensa foi impedida de permanecer no local, sendo oportunizada
sua presença em uma oportunidade com acompanhamento da BM. O dono da
propriedade, aproveitando a chegada das autoridades ao acampamento,
desabafou toda sua indignação com o ocorrido, narrando fatos ocorridos
durante a semana que variavam desde a depredação de diversos bens da
propriedade até a crueldade contra os animais, o que depois foi confirmado
quando da entrada da Ouvidoria ao término da invasão, comprovada através
de fotos retiradas por este órgão. Quando da chegada da Ouvidoria no local do
acampamento, imediatamente pudemos perceber que o efetivo era
assustadoramente reduzidíssimo, comprometendo até mesmo a sua própria
segurança.
11:50 horas – Iniciam-se os primeiros movimentos de ônibus para retirada do
restando dos invasores, sendo que, naquele momento, tivemos a informação de
que um grupo já tinha desocupado a fazenda e dirigira-se ao novo local cedido
pelo INCRA. O restante do grupo aguardava os caminhões para levar seus
pertences. Com isso, as autoridades locais (Juiz, Promotor e Delegado),
deixaram o local eis que o movimento estava controlado. A nova área de
assentamento do MST fica a aproximadamente 16 Km adiante do ponto onde
estávamos. Tivemos a informação pelo INCRA, de que a área que os mesmos
estavam sendo transferidos não possui a condições mínimas de permanência
(água, luz, comida, etc.), o que nos deixou muito preocupados quanto a
possibilidade da não permanência no local a eles destinados.
14:20 horas – Retiram-se da fazenda os últimos cinco ônibus e dois caminhões
da fazenda Southal em São Gabriel. Na medida em que os integrantes do MST
saíam da propriedade ora invadida, os mesmos simplesmente chacotaram e
provocaram todos ali presentes, principalmente a Brigada Militar e os
proprietários da fazenda, gritando: - Nós ganhamos! Ganhamos dos porcos! A
Fazenda Southal é nossa! A gente volta! Neste momento, também irresignados
por ter sido alvo das chacotas do MST, pudemos perceber o semblante de
desolação e humilhação ao qual a Brigada Militar e os proprietários da fazenda,
foram obrigados a suportar sem poder oferecer qualquer reação por completa
falta de contingente que garantisse a ordem do local. A manifestação dos
invasores gerou nos presentes uma sensação de mal estar que só seria
suprimida pelas atrocidades que veríamos logo a seguir quando da entrada nas
dependências da fazenda.
14:45 horas – Entrada da perícia na sede da Fazenda a qual se fez acompanhada
de apenas um integrante da família, que posteriormente fora somado pela
Ouvidoria da Segurança Pública e Ouvidoria Agrária.
15:30 horas – A Ouvidoria adentra as dependências da sede da Fazenda
acompanhada do Ten. Cel. João Zazicki, que nos acompanhou em vários
momentos de nossa avaliação. Encontramos vários armamentos rudimentares,
mas bem organizados quando as suas táticas e estratégias de utilização. Vimos
lanças feitas de taquara sendo utilizados de barreira de proteção contra a
cavalaria, botijões de gás dentro desta barreira para ser utilizado de
combustível para atear fogo a esta barreira em caso de invasão da força policial,
posto de observação feito de madeira para poder fazer uma vigilância à
distância, botijas de 20L com óleo diesel e pano para servir de estopim fazendo
uma “bomba molotov”, pedras feitas de telhas da residência para poder atirar
contra quem os ameaçasse, estacas de madeira e bambu cravadas no solo com
arames de cerca espalhados ao seu redor para que os cavalarianos ou soldados
a pé pudessem tropeçar ou emaranhar-se nos fios e cair sobre as estacas afiadas,
entre outras. A barreira de proteção feita de taquaras e partes da casa (portões
internos, janelas, banheira e até a pia da cozinha, foi feita ao redor de toda a
propriedade, tornando-a um verdadeiro “Forte Apache” do MST, construído
em pouco menos de duas horas de acordo com o relato dos próprios peões que
lá residem. Dentro da casa os estragos e as atrocidades encontradas foram bem
mais significativas. Encontramos a residência praticamente destruída com
diversos vestígios de vandalismo, dentre eles: fezes espalhadas por toda a casa,
boa parte da residência estava destelhada, vários livros rasgado e espalhado
pelo chão, janelas quebradas e arrancadas das paredes, garrafas e vidros
quebrados e espalhados pelo chão, móveis quebrados, paredes pichadas,
banheiros quebrados, restos de animais espalhados pela propriedade, venenos e
defensivos agrícolas espalhados por toda a residência. Porém, o que mais
chamou a atenção de todos, inclusive comovendo a grande maioria dos
presentes, foi ter encontrado no poço de água alguns animais boiando sendo
que dois gatos aparecem com vestígios de extrema crueldade, estando um deles
trespassado com uma estaca na altura do abdômen, demonstrando que os
mesmos foram vítimas de severas crueldades. Visualizamos, também, um
cavalo agonizando com a sua anca deslocada o que estava impossibilitando o
seu deslocamento. Testemunhas afirmam que o mesmo teve o seu ferimento
devido a um espancamento com paus pelos integrantes do MST. Bezerros
“guachos” berrando no campo. Relato do próprio dono da propriedade que
acompanhou a movimentação do MST nos dias que antecederam a
desocupação, diz que os invasores inundaram o “banheiro” dos animais, à
noite, e obrigaram os bovinos a passar pelo líquido e enfrentar a noite fria
completamente molhados e ao relento. Diz a BM que esta prática de crueldade
contra os animais deste porte é usual e que tem o intuito de matar os animais
com pneumonia. A Ouvidoria fez o registro de 190 fotos de alta resolução, as
quais seguem em anexo ao presente relatório sendo que estas passam a ser
parte integrante do mesmo.
21:30 horas – Alguns Deputados e representantes de entidades rurais da região
foram reuniram-se com Ouvidor Adão Paiani para analisar e discutir as ações
das polícias na desocupação. O descontentamento de todos os representantes ali
presentes era visível no sentido de que os mesmos não aceitaram as medidas
que foram tomadas.
Dia 19/04/2008
06:30 horas – Retorno a Porto Alegre.
Adão José Correa Paiani
Ouvidor-Geral da Segurança e Ouvidor Agrário
Cícero Luiz dos Santos
Assessor de Gabinete
Edson Silva dos Passos
Assessor de Gabinete
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