O QUE ELES QUEREM?
DESEJOS E OPINIÕES DOS JOVENS PUNKS BRASILEIROS NAS
MÚSICAS E NA MODA DOS ANOS 70 e 80
Jessica Torres Briano
Naiara Emanueli de Souza
André Luiz Joanilho (Orientador)
No século XX, os jovens representaram uma massa ideológica,
cultural e política que sacudiu a sociedade. Vários movimentos de
contestações sociais tiveram na juventude sua ilustre representante, isso
foi uma forma tanto de chamar atenção para os problemas da época,
como uma rejeição aos padrões de vida dominantes. O caso punk
expressa claramente esse posicionamento, a produção artística do
movimento é uma linguagem de inconformismo e revolta, as músicas,
roupas, acessórios são uma forma de comunicação indireta, porém,
objetiva. Portanto, neste trabalho serão analisados os aspectos históricos
que culminaram na formação da juventude como grupo ideológico, as
condições que propiciaram o surgimento do movimento punk no mundo e
especificamente no Brasil e as formas de expressão do movimento através
da música e da moda, ou melhor, do estilo punk.
Na modernidade a juventude começou a se apresentar como uma
“força social destacada”
459
, com interesses, anseios, dúvidas e vontades
próprias. Se antes, a família era a responsável por sua inserção no
ambiente social, inversamente, hoje o ambiente social foi reinventado pelo
jovem com particularidades e singularidades. Não podemos dizer que a
juventude é uma massa padronizada, dentro dela existem variedades
459
LASSANCE, Antonio. A criação da juventude. Juventude.br, Ano 1 n.º 1, I Festival Nacional da
Juventude, p.1-3, Dezembro/1998.
1040
culturais, por isso, o jovem tem a opção de escolher o que mais o atrai ou
inventar seu próprio estilo.
Em algumas sociedades a passagem da infância para a juventude
é marcada por um ritual e, por isso, pode ser considerada apenas um
deslocamento do ser social, geralmente nessas sociedades os novos
jovens não tem a opção de escolha, a escolha ali é realizada pelo grupo no
qual ele está inserido e é aceita por força da tradição. No centro urbano,
contudo, o jovem encontra várias possibilidades, sua juventude não é
delimitada por um ritual em um dia específico, ele vive uma fase de
transição de personalidade e de valores do mundo. Por isso, “não há como
separar juventude e história. Isto significa dizer que não se pode separála da política, da cultura, da economia e da luta de classes”
460
. Os jovens
são exemplares desses fatores, provocam mutação cultural, ideológica e
social por meio de suas atitudes e posicionamentos adquiridos dentro de
um contexto histórico.
A partir da década de 1950, vemos um grande êxodo rural nos
países menos desenvolvidos, isso refere-se ao fato da industrialização
propor mais ofertas de emprego e ser uma esperança de novas
conquistas. Como afirma Hobsbawm, “quando o campo se esvazia, as
cidades se enchem. O mundo da segunda metade do século XX tornou-se
urbanizado como jamais fora”
461
surgiram
cidades
nas
grandes
consequentemente,
muitos
, como resultado dessas transformações,
jovens
aglomerações
filhos
desses
proletárias
e,
trabalhadores.
A
urbanização foi uma peça chave para a caracterização da juventude como
grupo social, ao mesmo tempo em que ela dá possibilidades de recriação
de identidade, a urbanização também traz problemas com os quais esses
jovens terão que conviver.
460
Idem, p.2.
HOBSBAWM, Eric J., 1917- Era dos Extremos : o breve século XX : 1914-1991. 2ª ed, tradução: Marcos
Santarrita – São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 288.
461
1041
Outro fator relevante foi a necessidade de escolarização, o ideal
burguês de melhores oportunidades através da educação já estava
absorvido pela maior parte da sociedade. Hobsbawm afirma que a
demanda de vagas na educação superior e secundária aumentou
consideravelmente na década de 1980, mas, esse processo já havia
começado bem antes. O Brasil foi um pioneiro na educação universitária
em massa ao lado de países como EUA, França, Alemanha, Itália,
Espanha, URSS, etc., e já na década de 1960 se podia constatar que “os
estudantes tinham constituído, social e politicamente, uma força muito
mais importante do que jamais haviam sido, pois, em 1968 as explosões
de radicalismo estudantil em todo o mundo falaram mais alto que as
estatísticas”462.
Essa massa universitária constituiu um elemento novo dentro da
cultura e da política, remetendo-nos novamente a Hobsbawm, esses
universitários
Eram transnacionais, movimentando-se e
comunicando idéias e experiências através de
fronteiras com facilidade e rapidez, e
provavelmente estavam mais a vontade com a
tecnologia das comunicações que os governos.
Como revelou a década de 1960, eram não
apenas
radicais
e
explosivas,
mas
singularmente eficazes na expressão nacional,
e mesmo internacional, de descontentamento
político e social.463
Foi assim que os universitários, constituídos em sua maioria de
jovens passaram a se comunicar e consequentemente posicionar-se frente
a questões políticas e sociais, no âmbito internacional através da
tecnologia as distâncias encurtaram, assim foi possível movimentos
culturais saírem de seus “berços” e se propagarem pelo mundo.
462
463
Idem, p. 290.
Idem, p. 292.
1042
Enfim, fatores como urbanização, escolarização e comunicação
transformaram a juventude em uma “força social destacada”, que ao
mesmo tempo constituiu-se em um problema para a sociedade e,
inversamente, a sociedade um problema pra ela, nesses dois vieses uma
depende da outra para se constituir como identidade e para evoluir
socialmente,
pois,
enquanto
os
jovens
formam
suas
identidades
individuais e coletivas, mobilizam-se no sentido de pedir mais da
sociedade, proporcionar melhores condições não só para a sua ala, mas
para a população em geral. O movimento punk foi exemplar nesse
sentido, entretanto, não apenas se constituiu como uma revolta contra a
sociedade, mas também, contra a própria cultura e a música da época.
O punk surge na década de 1970, suas origens, contudo, são um
tanto quanto controversas. Alguns teóricos do assunto colocam a cena
norte-americana como a precursora do estilo punk, outros a inglesa,
entretanto, o que vale dizer é que o punk surgiu quando o movimento
hippie perdeu sua popularidade e estava extremamente desgastado pelo
estrelismo de seus representantes musicais. O punk veio pra contestar a
música, a forma de vestir extrovertida e colorida e a esperança de um
mundo melhor. Antes de contestar a sociedade, o punk foi uma quebra do
estilo musical. O rock progressivo já havia saturado aqueles jovens,
perdido sua essência rápida e prática, havia se transformado em um ritmo
repleto de aparatos e distorções, algo que fugia de suas origens. O punk,
antes de tudo, foi um fôlego ao rock que estava imerso em um mar
profundo.
Constituído essencialmente de jovens de subúrbios operários e,
por isso, de famílias pobres, o rock star estava longe de ser um referencial
para eles. Reinventaram, portanto, seu estilo através de uma música
rápida com instrumentos simples que podia ser tocada por qualquer
jovem. Revolução da música e do estilo, suas roupas tinham como
1043
objetivo chocar e passar uma imagem de violência, externando o que a
juventude sofria.
A originalidade do estilo punk recebeu principalmente influências
de bandas norte-americanas como New York Dolls, The Stooges, Velvet
Undergrund, MC5 e Ramones, para citar apenas algumas, porém foi na
Inglaterra que o punk se concretizou como um movimento. A cena norteamericana propiciou uma influência notável e incontestável aos jovens
ingleses, segundo Fabio Henrique Ciquini, em 1973, nos EUA já se
produzia
um
americanos
rock
rápido
possuíam
com
músicas
atitudes
com
polêmicas.
temas
sociais,
Alguns
grupos
características
pessimistas e que muitas vezes retratavam o lado desprivilegiado da
sociedade, outros se restringiam ao som rápido, aos insultos contra o
público e às drogas, além de encenações absurdas e da moda e estética
que não primava o belo, mas o diferente. Contudo, muito mais envolvidos
com a música e com a rebeldia sem causa, o cenário pré-punk americano
esteve pouco envolvido com a política daquele país, diferenciando-se do
punk inglês que terá a sociedade como o alvo direto de suas críticas. Mas
não podemos deixar de assinalar o quão importante foram essas
mudanças, que começaram nos Estados Unidos, para o surgimento do
movimento punk na Inglaterra.
Na Inglaterra a banda precursora do punk foi o Sex Pistols.
Criada em um Sex Shop por Malcolm McLaren, esse grupo foi uma mistura
de artigos da loja com a música norte-americana, rápida, rebelde com
atitudes que confrontavam o público e a sociedade. Considerados
precursores do movimento, os Sex Pistols não sabiam tocar, e diziam que
estavam interessados apenas no caos e não na música. Outras bandas
como o The Clash também faziam parte da cena punk inglesa, entretanto,
o sucesso dos Sex Pistols deve-se ao seu comportamento em um
programa de TV de 1976. Em uma transmissão ao vivo da emissora BBC,
apresentada por Bill Grundy no horário do chá da tarde britânico, os
1044
jovens integrantes da banda além de insultos, xingamentos e gestos
imorais, pronunciaram o palavrão “Fuck”. A reação da sociedade foi a
fúria, as pessoas quebraram seus televisores ficaram extremamente
irritadas, contudo, a partir daí, os Sex Pistols foram lançados à fama,
eram a capa dos jornais e revistas, ganharam notoriedade internacional.
A explosão do punk no cenário internacional ocorreu exatamente
em 1976, no Brasil chegavam parcas informações sobre o movimento e
muitas vezes informações distorcidas que faziam do punk uma espécie de
“manditismo mirim”
464
. Contudo, alguns jovens brasileiros procuravam
informações mais sólidas a respeito do movimento surgindo assim, uma
grande quantidade de consumidores do som e do estilo punk.
Para Antonio Bivar o punk no Brasil se originou na cidade de São
Paulo, que por ser a maior do país, é onde as coisas acontecem, as
informações são mais acessíveis e onde seria possível um movimento de
rebeldia jovem urbana. Hobsbawm afirma que São Paulo tornou-se uma
das maiores aglomerações urbanas na década de 1980 e, como é no
espaço urbano que a juventude encontra condições para se desenvolver
como um grupo ideológico, o punk encontrou nela um ambiente propício
para seu surgimento no Brasil. O punk de São Paulo não foi uma “cópia
importada do punk lá fora mas uma identificação adaptada à realidade
local”
465
. As primeiras bandas datam de 1978, contudo, foi nos anos 80
que o movimento se consolidou no país.
Em 1978, na Inglaterra, havia a suspeita de morte do movimento
punk, pois, os Sex Pistols em uma viagem de turnê aos EUA anunciaram a
separação do grupo. Ocorreu também, que os novos ritmos passaram a
ser chamados de New Wave466, inclusive o punk, descaracterizando o
movimento num processo de “adestramento” por parte das grandes
464
BIVAR, Antonio. O que é punk. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982, p. 65.
Idem, p. 94.
466
Nova Onda.
465
1045
gravadoras. Esses dois eventos desequilibraram o movimento punk que
vai perdendo sua vitalidade. Nos anos seguintes (1979-80) foram intensos
os lançamentos de novas bandas consideradas New Waves em todo o
mundo, inclusive no Brasil.
Mas,
como
toda
rebeldia
jovem
possui
suas
táticas
de
sobrevivência, com o punk não poderia ser diferente. Em 1981 surge um
novo grito de revolta “Punk’s not Dead!”467, segundo Bivar, “não importa
que pareçam diferentes entre eles, os contestadores das ruas, os
escapistas e os anarquistas, todos fazem parte de um movimento que
deflagra uma rebelião adolescente. (...) O punk tem que continuar como o
veneno na máquina”468. E continuou, nesse mesmo ano vemos um
crescente número de bandas punks e o mais interessante é que agora eles
estão por todos os lados, em países capitalistas e socialistas, na periferia
e no centro urbano.
No Brasil mesmo sem estratégias do mercado fonográfico, jovens
moradores dos subúrbios e periferias começaram a buscar informações de
discos e tendências musicais, que não faziam parte da cultura de massas.
Ao identificarem-se com o som, as idéias e o visual punk de grupos
ingleses, adaptaram o movimento à realidade brasileira.
Na década de 1970 a crise econômica do petróleo atingiu o
mundo, quanto ao Brasil, ainda sob impulso do milagre econômico,
postergou seus efeitos utilizando reservas cambiais e, em seguida,
empréstimos
internacionais
para
equilibrar
sua
deficitária
balança
comercial. Porém o milagre econômico começa a entrar em declínio. Tanto
aqui, como em outros países, o desemprego, a estagnação econômica e
cultural
assola
as
camadas
da
sociedade
menos
privilegiadas.
É
importante lembrar que o punk se desenvolveu no Brasil em um período
467
468
O Punk não Morreu.
BIVAR, Antonio. Op. cit., p.85-86.
1046
de extrema repressão cultural, política e social. O golpe de estado de
1964 estabeleceu no país um regime de ditadura militar, que perdurou até
1985. Mesmo assim, os jovens brasileiros encontraram alternativas para o
estilo proposto pelo punk.
O movimento punk brasileiro, assim como o inglês e norteamericano, possuiu uma vasta produção cultural. O lema do punk “Do it
yourself”
469
motivou os jovens a confeccionarem suas roupas, acessórios,
produzirem suas músicas e suas revistas. Como foi dito anteriormente, a
música era muito simples, e poderia ser composta e tocada por qualquer
jovem, mesmo aqueles que não sabiam tocar instrumentos musicais. Na
Inglaterra as letras das músicas ganharam uma motivação social, falavam
sobre problemas da época, ideologia anarquista, guerras, desemprego,
dúvidas, aflições e cotidiano. No Brasil os jovens se identificaram com
essas letras e também resolveram expor em suas músicas os problemas
sociais que o país enfrentava. Na letra da música “Garoto Podre”
composta pela banda paulista Garotos Podres, esses jovens expressam
claramente suas opiniões sobre a sociedade,
Os que moram
Do outro lado do muro
Nunca vão entender
O que se passa no subúrbio
Eles te consideram
Um plebeu repugnante
Eles te chamam
De garoto podre
Se está desempregado
Te chamam de vagabundo
Se fizer greve, te chamam de subversivo
Mas se arrumar um emprego
Não lhe dão dignidade
Apesar do sujo macacão e do rosto suado
Não há um deus que nos perdoe
Não temos destino
Para nós não há futuro, para nós não há futuro
469
Faça você mesmo.
1047
Vivendo acossados pelos batalhões
Proletários escravizados
Destinos abortados, destinos abortados.470
No Brasil a maioria das músicas vão expressar características
sociais e críticas a desigualdade. Antonio Bivar afirma, que a mensagem
transmitida pelo movimento é a mesma, não há diferença entre o
movimento internacional e o brasileiro, “cada um, à sua realidade, adotou
o protesto punk, (que se asemelha porque é, em todos os lugares, a)
externação de um sentimento de descontentamento que já existia
atravessado na garganta de uma certa ala jovem, das classes menos
privileiadas do mundo”471. Na música punk brasileira podemos notar
muitas semelhanças com o movimento internacional, no entanto, essa é
uma forte característica que marca a identidade musical do punk, a sua
letra.
A música, entretanto, não será a única forma de posicionamento
dessa ala juvenil. O fanzine punk, é uma revista alternativa, geralmente
fotocopiada que é utilizada para divulgar bandas, ideologias e o próprio
movimento. É uma forma de comunicação, de interação entre os
participantes do grupo. Segundo Antonio Bivar, “fanzine é a junção das
palavras fan (de fã, em português) com magazine (revista, em inglês).
Fanzine: uma revista do fã, feita pelo fã e para o fã” 472. Mas, o fanzine
como meio de comunicação adquiriu uma expressão bem maior do que
uma simples revista do fã, tornando-se um grande difusor do movimento
punk.
O fanzine foi, e ainda é, um meio alternativo de informação. Sem
visar o lucro e, por isso, geralmente gratuito, nele se encontravam
noticias que normalmente eram negligenciadas na comunicação comercial
470
Musica: Garoto Podre, LP Pior que antes de 1988.
BIVAR, Antonio. Op. cit., p. 96. (grifo meu)
472
Idem, p. 51.
471
1048
de massa. Seu objetivo, além de informar, era possibilitar ao leitor a
consolidação de uma cultura punk;
(...).
Não estou pregando a passividade. Isto é
apanhar sem revidar. Estou dizendo que
temos de nos defender se formos provocados,
mas não ficar provocando para bater em tipos
bunda-mole. Estamos vivendo hoje num
mundo onde os mais fortes e espertos pisam
nos mais fracos. Usam a violência, que é o
jogo deles, um jogo onde eles são os
melhores, os campeões. Nós só poderemos
perder. Temos de usar nossa inteligência e
astúcia, que são, sem dúvida nenhuma, as
maiores armas que possuímos. Juntando isso
à nossa força física e à nossa união,
poderemos fazer muita coisa. Talvez não
derrubaremos esse sistema, mas, com toda
certeza, vamos abalar eles um pouco. E eles
não vão nos chamar de marginais ou jovens
frustrados. Vão nos chamar de homens
conscientes. É isso que somos.473
Assim, o fanzine foi amplamente utilizado, principalmente para
propor uma ação mais significativa contra o sistema. Quando houve a
necessidade de se reorganizar e se consolidar, por exemplo, o movimento
passou a trabalhar o sentido de anarquismo colocando-o como uma
doutrina política e não mais como destruição e caos. Com as variadas
vertentes
do
punk,
questões
como
violência,
homossexualismo,
ambientalismo, política, etc., são discutidas e divulgadas através desse
veículo alternativo.
Outra forma de expressão foi o visual Punk que vai se
formulando a partir de seu surgimento, incorporando ao longo do tempo
novos elementos segundo as diferentes vertentes do punk e assumindo
473
Fanzine Anti-Sistema, nº 2, outubro/novembro, 1984.
1049
características diversas nos países por onde foi se alastrando, desde seu
surgimento na década de 70 e ainda hoje no século XXI é tomado por
seus partidários como um estilo de vestir indiferente aos padrões de moda
vigentes, o que podemos compreender hoje como uma "moda contra o
modismo", já que renega o que é aceito e massificado, dignificando o
particular, dando as roupas um novo sentido banhado em novos valores e
anseios inspirados na música.
Expressa como uma forma de afirmação pessoal, não sendo
apenas um elemento previamente planejado como símbolo da ideologia
libertária
anarquista,
mas
algo
que
se
desenvolve
conforme
as
circunstancias ganhando um sentido posterior a sua incorporação, a forma
de vestir-se dos partidários do movimento punk, ou de uma cultura punk
como é por vezes denominada, está imersa num contexto maior, político,
cultural, social e principalmente ideológico e não apenas no de vestir-se
para se diferenciar por um motivo aleatório qualquer, mas de vestir-se
para se expressar frente à sociedade e a opinião pública. Pois, é através
das roupas que os indivíduos criam posições e oposições dentro do grupo,
mostrando o que são em particular.
Desta forma, o visual punk que incorpora tanto as roupas justas,
rasgadas, surradas, jaquetas com mensagens ou símbolos nas costas,
lenço no pescoço ou bolso traseiro das calças, coturnos, tênis converse,
correntes, botons de protesto ou de bandas punks, bem como símbolos
nazi-facistas, anarquistas e socialistas, alfinetes, patches, rebites, pregos,
pinos, itens sadomasoquistas, cabelos espetados, coloridos, com corte
moicano, maquiagem pesada, compõe um estilo visualmente chocante e
grosseiro que visa expor, pela forma de vestir, críticas ante os regimes
totalitários, as repressões sexuais, o individualismo, sublinhando o
autodidatismo como princípio do “faça você mesmo” e o cosmopolitismo.
As roupas então têm no movimento punk como em nenhum
1050
outro, um sentido de pertencimento onde não existe uma verdade única,
mas anseios e ideais comuns, contrários ao que a sociedade facilmente
aceita e massifica, impondo sem medo um ponto de vista, uma ideologia,
uma forma de pensar que rejeita as imposições morais e os costumes de
uma determinada sociedade, identificando um grupo e o diferenciando de
outros, o que por algumas vezes foi motivo de conflitos.
No Brasil os punks foram vítimas de preconceitos e repressão
policial devido ao seu estilo e suas roupas, com coturnos, jaquetas de
couro, jeans e cabelos moicanos eram alvos fáceis de se identificar, por
este motivo, muitos participantes do movimento perderam seus empregos
e foram vistos como marginais e vândalos. Isso ocorreu também, como
conseqüência de matérias da imprensa sensacionalista sobre o movimento
punk que atribuíram à esses jovens o título de “geração abandonada”474,
geralmente retratava-os “armados de canivetes, estiletes, correntes,
machados;
discípulos
(como)
de
marginais
satã”475.
violentíssimos,
Entretanto,
não
sujos,
estavam
assaltantes
e
completamente
incorretos, a geração realmente estava abandonada pela política, pelo
sistema e pela própria sociedade.
O que esses jovens, não só brasileiros, mas os punks do mundo
todo queriam expressar? O inconformismo, a revolta, a crítica, a
contestação de uma sociedade suja que tinha como espelho os próprios
representantes do movimento. A música foi extremamente importante nos
movimentos de estilo, através dela se expressaram os desejos reprimidos
pela ordem social, o punk soube utilizar muito bem todas as formas de
produção cultural e, assim como a música, o estilo punk foi exemplar em
mostrar aquilo que os jovens queriam dizer.
Superar os limites que as instituições, familiar, política, escolar e
474
475
Expressão do jornal “O Estado de São Paulo” em matéria de 1982.
BIVAR, Antonio. Op. cit., p. 98. (grifo meu)
1051
religiosa lhes impunham, sempre foi o desejo desses punks. Eles
desprestigiaram a moral e os bons costumes da sociedade, mas pregaram
a igualdade de classes. Negaram a moda, e impuseram um estilo que vai
além das roupas, que é (re)produzido através da atitude punk. Eles foram
contra as regras, contra os padrões, eles foram diferentes e chamaram
atenção. Não há futuro para o punk, pois, não haverá um futuro que
suporte suas ideologias.
Contudo, o punk soube se consolidar como um grupo social,
cultural e político. Os jovens reinventaram um estilo, em um século
repleto de estilos. Manifestaram seus anseios, e criticaram a fim de
mostrar o que estava errado na sociedade. Desenvolveram táticas contra
a assimilação de sua cultura pelo sistema e continuam ainda hoje
produzindo materiais que divulguem o movimento e que o mantenham. O
punk quis ser diferente e autêntico e, foi.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
BIVAR, Antonio. O que é punk. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982.
CARMO, Paulo Sérgio. Culturas da rebeldia: a juventude em questão.
São Paulo: Ed. SENAC, 2003, p.124-150.
CIQUINI, Fabio Henrique. Da rebeldia ao consumo: uma análise
estética e comportamental da moda e música no movimento punk.
2006. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso – Comunicação Social,
habilitação em Jornalismo) Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
HOBSBAWM, Eric J., 1917- Era dos Extremos : o breve século XX :
1914-1991. 2ª ed, tradução: Marcos Santarrita – São Paulo: Companhia
das Letras, 1995, p.282-362.
LASSANCE, Antonio. A criação da juventude. Juventude.br, Ano 1 n.º 1,
I Festival Nacional da Juventude, p.1-3, Dezembro/1998.
1052
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