O discurso de despedida do ex-primeiro-ministro britânico pode
ser um modelo para os líderes que querem manter seu legado em
evidência ao irem embora. Por Nick Morgan
Especialista em comunicação
verbal e não-verbal, Nick
Morgan é presidente da firma
de consultoria Public Words,
com sede em Boston,
Massachusetts, nos EUA, e
autor dos livros Give Your
Speech, Change the World: How
to Move Your Audience to Action
(ed. Harvard Business School
Press) e Gerenciamento de
Reuniões (ed. Campus/Elsevier).
Ele escreveu este artigo para a
Harvard Management Update.
fato: atualmente, no mundo corporativo, dizemos mais vezes adeus ao
longo da carreira do que se fazia antigamente. E com freqüência, apesar de
termos as melhores intenções e de nos esforçarmos muito, o legado que
deixamos é confuso aos olhos dos colegas.
Não que isso não fosse previsível. Como líderes, cada um de nós serve a vários
públicos, cada um com seu conjunto próprio de demandas e expectativas.
Satisfazer a todos é impossível. Nossas decisões deixam algumas pessoas felizes e
outras, nem tanto.
A boa notícia é que, numa despedida, temos a oportunidade de estruturar
nosso legado e o contexto da saída para apresentá-los de modo positivo e, ao mesmo
tempo, realista.
O que você vai dizer ao deixar a empresa pode marcar a ocasião, enfatizar suas
conquistas e as de sua equipe, e ajudá-lo a seguir em frente para abraçar os novos
desafios que o aguardam. Foi exatamente isso que fez o primeiro-ministro britânico
Tony Blair, um dos mais articulados líderes mundiais da atualidade, no discurso em
que renunciou à liderança do Partido Trabalhista em maio de 2007.
Não há dúvida de que seus dez anos no cargo, com vários êxitos dignos de nota,
foram permeados de enormes tensões devido ao envolvimento do Reino Unido na
guerra do Iraque e ao apoio ao presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Para
muitos, tal aliança foi mesmo o fator definidor do legado de Blair. Seu desafio ao
renunciar, portanto, era o de ampliar o foco sobre sua gestão, encorajar a população
britânica a enxergar as outras conquistas.
Debruçar-se sobre a elaboração desse discurso de despedida pode ajudar a nós, os
líderes corporativos, a expor nossos legados à melhor luz possível. Analise, um por um,
os diferenciais demonstrados por Tony Blair em seu pronunciamento:
É
1. BLAIR ADOTOU UM TOM PESSOAL
Nós nos sentimos muito mais próximos de nossos líderes hoje em dia tanto na
esfera política como na empresarial do que acontecia com as gerações anteriores. De
modo amplo, a comunicação da liderança se transformou em uma relação pessoal
entre líderes e seguidores. Por isso, quando um líder vai embora, ninguém quer ouvir
dele uma retórica pomposa. Quer, isso sim, um reconhecimento sincero, humano, do
que funcionou ou não sob sua batuta.
Vale a pena comparar um trecho do discurso de despedida do primeiro-ministro
HSM Management Update nº 47 - Agosto 2007
Winston Churchill no Parlamento britânico um discurso forte em plena Guerra Fria
com o de encerramento de Blair:
Churchill: “Ainda veremos o dia em que o jogo justo, o amor pelo próximo, o respeito
por justiça e liberdade permitirão às gerações atormentadas seguir em frente com
serenidade e triunfo, deixando para trás a terrível época em que vivemos. Mas, até lá,
não desistam, não se deixem abater, não se desesperem”.
Blair: “Eu agradeço a vocês, britânicos, pelas vezes em que tive êxito, e lhes peço
desculpas pelos momentos em que deixei a desejar. Boa sorte”.
As palavras de Churchill simplesmente não funcionam mais; esse não é um
recurso disponível para os líderes atuais. Então, quando você estiver se despedindo de
seus liderados, mantenha sua linguagem real, humana, como numa conversa.
Exatamente como Blair fez.
2. BLAIR ENFATIZOU OS ÊXITOS DURADOUROS
Quando você deixa um legado que mistura coisas boas e ruins que é o caso da
maioria dos líderes, seus seguidores tendem a se concentrar nos aspectos negativos:
iniciativas estratégicas que não vingaram, conceitos de produtos que fracassaram,
oportunidades de negócios perdidas.
Tanto você como sua equipe precisam de um encerramento que celebre os êxitos
tão suados. Mas omitir de sua fala toda a parte ruim não vai funcionar, ao contrário, a
ausência amplificará a presença na mente de quem ouve. O que você tem de fazer é
encorajar os outros a enxergar além dos fatos negativos.
Em seu discurso, Blair admitiu que durante a década em que esteve no poder
“certamente grandes expectativas não foram atendidas em todas as áreas”. Ele
reconheceu, por exemplo, os elevados custos de participar da derrubada de Saddam
Hussein do poder no Iraque, mas pediu que as pessoas voltassem ao ano de 1997 e
comparassem o padrão de vida no país na época com o de hoje.
Ele disse: “Visite a escola de seu bairro e o entorno, ou qualquer lugar na
moderna Grã-Bretanha. Pergunte-se qual foi a última vez em que você ficou um ano
na lista de espera de um hospital ou em que ouviu falar de aposentados congelando no
inverno, sem dinheiro para aquecer suas casas. Há apenas um governo desde 1945 que
pode dizer o que vou dizer: mais empregos. Menos desempregado. Melhores
resultados em saúde e educação. Menor taxa de criminalidade. Crescimento
econômico em todos os trimestres. Este”.
Blair entendeu que todo líder tem o poder de pôr as questões na mesa, apesar do
que as notícias que circulam 24 horas na mídia falarem sobre ele. Ele não achou que
sua platéia esqueceria a guerra do Iraque, mas, enumerando seus êxitos e apontando
seu real significado, ele fez com que os britânicos enxergassem o quadro maior.
No mundo dos negócios, isso é similar. Os líderes corporativos devem admitir o
ruim e enaltecer o bom. Não se trata de distorcer os fatos, e sim de apresentá-los
com equilíbrio.
3. BLAIR DEU A SEUS SEGUIDORES UMA VISÃO CLARA DE QUEM
ERAM E DE SEU FUTURO
Em grande medida, seus sucessos e fracassos também são os sucessos e fracassos
de sua equipe. Para sentir-se bem sobre sua liderança e sobre como estão agora, seus
seguidores precisam sentir orgulho do que atingiram sob ela.
HSM Management Update nº 47 - Agosto 2007
Blair fez um trabalho magistral ao pintar um quadro positivo do Reino
Unido atual:
“Olhem para nossa economia. Está muito confortável com a globalização.
Londres é o centro financeiro do mundo. Visitem nossas grandes cidades e compare-as
com o que eram dez anos atrás. Nenhum país atrai tanto investimento estrangeiro
como nós. Pensem na cultura na Grã-Bretanha de 2007. Não digo apenas que nossas
artes estão 'bombando', eu me refiro a nossos valores. O salário mínimo. Direito a
férias remuneradas. Uma das melhores licenças-maternidade da Europa. Igualdade
para os gays. Ou olhem para os debates que repercutem no mundo. O movimento
global de apoio à África em sua luta contra a pobreza. Mudança climática. Guerra
contra o terrorismo. A Grã-Bretanha não é seguidora. É líder.”
Ao destacar a posição do país no mundo, Blair implicitamente convidou seus
compatriotas a orgulhar-se de seus esforços para atingi-la.
Ao preparar-se para dizer adeus, faça o mesmo. Pense em frases de 12 segundos.
Seja sucinto nas idéias, para que fiquem claras, precisas. Quanto mais diretamente
você conseguir apresentar as conquistas de sua equipe, mais positiva será a imagem que
terão de si mesmos e falarão melhor de você ao próximo líder.
A tarefa de Blair em seu discurso de despedida era, sem dúvida, maior que a de
qualquer líder corporativo que deixa a empresa, mas o modo como ele a desempenhou
serve de lição e de inspiração para todos nós.
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O exemplo de Tony Blair.