REVISTA
DO
TRIBUNAL DE CONTAS
DO
DISTRITO FEDERAL
V. 2
1975
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SUMÁRIO
I. - DOUTRINA __________________________________________________________ 4
OS TRIBUNAIS DE CONTAS E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA _____________6
M. SEABRA FAGUNDES ___________________________________________________________6
A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E SEUS CONTROLES__________________________13
HELY LOPES MEIRELLES_________________________________________________________13
NOTAS SOBRE FUNCIONÁRIO PÚBLICO ____________________________________22
LAFAYEZTE PONDE _____________________________________________________________22
DAS NOTÓRIAS ESPECIALIZAÇÕES ________________________________________33
WALDYR CASTRO QUINTA _______________________________________________________33
DOS RECURSOS NO TRIBUNAL DE CONTAS _________________________________36
MARCOS AFONSO BORGES _______________________________________________________36
FUNDAÇÃO CRIADA PELO PODER PÚBLICO. A FINALIDADE PÚBLICA _______41
ROBERTO ROSAS ________________________________________________________________41
II. - VOTOS E PARECERES ______________________________________________ 49
1 — PROCESSO N.° 693/71 ___________________________________________________51
Relator: Conselheiro HERACLIO SALLES _____________________________________________51
2 — PROCESSOS N.º 892 E 894/62_____________________________________________59
Relator: Auditor ad hoc JOMAR MACIEL PIRES ________________________________________59
3 - PROCESSO N.° 638/74 ____________________________________________________68
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO ____________________________68
4 - PROCESSO N.° 1.442/74-STC ______________________________________________77
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO ____________________________77
5 — PROCESSO N.° 1.663/73-STC _____________________________________________81
Procuradora-Geral: ELVIA LOBDELLO CASTELLO BRANCO ____________________________81
6 — PROCESSO N.° 23/74-STC _______________________________________________85
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO ____________________________85
7 — PROCESSO N.° 688/73 ___________________________________________________89
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO ____________________________89
8 - PROCESSO N.° 370/74 ____________________________________________________95
Procurador: HERMENECILDO FERNANDES GONÇALVES______________________________95
9 — PROCESSO N.° 490/73 __________________________________________________101
Procurador: HERMNEGILDO FERNANDES GONÇALVES ______________________________101
10 — PROCESSO N.° 846/73 _________________________________________________105
Procurador: HERMENEG1LDO FERNANDES GONÇALVES ____________________________105
11 — PROCESSO N.° 1.757/74-STC ___________________________________________108
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ___________________________________________108
12 — PROCESSO N.° 509/73-STC ____________________________________________116
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ___________________________________________116
13 - PROCESSO N.° 109/72 __________________________________________________128
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ___________________________________________128
14 — PROCESSO N.° 064/69-STC ____________________________________________136
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Procurador: José GUILHERME VILLELA_____________________________________________136
15 - PROCESSO N.° 491/63-STC______________________________________________140
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ___________________________________________140
16 — PROCESSO N.° 439/70-STC ____________________________________________144
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ___________________________________________144
17 — PROCESSO N.° 1.235/68 _______________________________________________149
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA ___________________________________________149
18 - PROCESSO N.° 781/74-STC______________________________________________151
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ____________________________151
19 - PROCESSO N.° 781/74-STC______________________________________________160
Procurador: LI COLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ _____________________________160
20 - PROCESSO N.° 1.488/69-STC ____________________________________________170
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ____________________________170
21 - PROCESSO N.° 587/70 __________________________________________________174
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ____________________________174
22 - PROCESSO N.° 677-70 __________________________________________________178
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ____________________________178
23 - PROCESSO N.° 291/71-STC______________________________________________183
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ____________________________183
24 - PROCESSO N.° 53/74 — STC ____________________________________________194
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ ____________________________194
III – DECISÕES E PARECERES DE OUTROS TRIBUNAIS DE CONTAS ______ 197
PROCESSO TC — 16.260/74 _________________________________________________199
IV – JURISPRUDÊNCIA SOBRE TRIBUNAIS DE CONTAS __________________ 205
1 — FUNCIONALISMO_____________________________________________________207
2 — MANDADO DE SEGURANÇA ___________________________________________207
3 — SERVIDOR INATIVO — PROVENTOS ___________________________________208
4 - AÇÃO POPULAR _______________________________________________________208
CONCEITO DE ALIENAÇÃO MENTAL — ENQUADRAMENTO NA LEGISLAÇÃO
VIGENTE _________________________________________________________________212
PARECER: L-039 __________________________________________________________215
V – NOTAS BIBLIOGRÁFICAS______________________________________________220
HELY LOPES MEIRELLES — Licitação e Contrato Administrativo — Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo, 1973. _______________________________________________222
V. - NOTICIÁRIO ______________________________________________________ 228
NOTÍCIAS DO CENTRO DE ESTUDOS DO TCDF (Trecho do Relatório da Presidência
— 1974) ___________________________________________________________________231
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OS TRIBUNAIS DE CONTAS E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA
M. SEABRA FAGUNDES(*)
I
Todas as atividades estatais se acham vinculadas a um teor ético. Nesse sentido se pode
falar de uma ética política com raízes na Lei Maior (expressa entre vários outros preceitos,
nos que dizem com a dignidade do cidadão, da família, do trabalho), a refletir-se nas leis
ordinárias, que lhe desenvolvem os princípios, na execução geral da Constituição e das leis,
pelo Poder Executivo, incumbido de transferir dos textos normativos para a realidade
material cotidiana, quanto previsto na generalidade das regras extraordinárias e ordinárias
do direito positivo, e, por último, nas sentenças com que o Poder Judiciário, ao trancar os
litígios, define, explícita ou virtualmente, as inspirações morais da Carta Constitucional e
das leis a ela sucessivas.
II
Sobre o prisma prático, ou seja, o do funcionamento das instituições políticas no dia a dia
da vida, o aspecto ético da atividade do poder público avulta de importância,
principalmente no que concerne à atividade administrativa. A maciça atuação do Poder
Executivo, a penetrar em mil e um escaninhos da vida do indivíduo, desde o policiamento
da sua conduta de administrado e de cidadão, até a interferência com os problemas de
família, de trabalho, educacionais, de saúde e de propriedade, os múltiplos instrumentos de
ação que manipula, o enorme complexo de servidores, civis e militares, através dos quais
atua, tudo está a indicar a importância que as possibilidades de desbordamento conferem ao
comportamento moral do administrador. Entendida, acentue-se, a moralidade
administrativa naquele sentido amplíssimo em que a situou Maurice Hauriou, em certa
oportunidade, como equivalente ao "espírito geral da lei administrativa", do mesmo modo
que a moralidade privada se identifica com o "espírito geral da lei civil" (Précis de Droit
Administratif et de Droit Public, 10ª edição, pág. 456), ou, como a caracteriza Henri
Welter, na sua monografia clássica, de conduta dimensionada "pelas regras da boa
administração" (Le Controle Jurisdictionnel de Ia Moralité Administrative, ed. Recueil
Sirey, pág. 77).
(*)
Ex-Ministro da Justiça e Consultor Geral da República.
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III
Essas posições, no entanto, prevaleceram, em sua largueza, nos campos da construção e da
prática do Direito Administrativo, onde a expressão moralidade administrativa se traduz,
mais restritamente, no comportamento adequado à isenção, ao zelo, à seriedade e ao
espírito público, que hão de caracterizar o administrador como mandatário da coletividade.
IV
Todavia, ao ângulo que aqui nos ocupa — o da atuação dos Tribunais de Contas — não é
ainda a moralidade administrativa com esse teor, também amplo, e a bem dizer
inespecífico, tanta a variedade dos seus ângulos, que interessa. A moralidade da
Administração aparece, no que concerne à atuação deles, num terceiro estágio, em sentido
ainda mais restrito: o de lisura na aplicação dos dinheiros públicos. Desde o
condicionamento da despesa aos créditos próprios, até o emprego efetivo do dinheiro nas
destinações (obras, serviços, fornecimentos etc.) e nos valores indicados na lei
orçamentária e nas leis com ela conexas, seja porque no seu texto referidas, seja porque
relacionadas necessariamente com a aplicação de recursos.
V
Tal é, porém, a importância da manipulação dos dinheiros públicos, tanto mais quanto o
Estado abrange atualmente, e tende a abranger ainda mais, áreas extensíssimas de aplicação
de recursos, que o âmbito específico, no qual atuam as Cortes de Contas, não lhes diminui
a projeção. E porque é na aplicação dos dinheiros públicos que mais se ensejam desvios da
moralidade administrativa, esses colegiados são, em verdade, no mecanismo dos órgãos do
Estado, os entes de controle de maior importância no que diz com a atividade de execução.
E se é certo ficarem na dependência de atos decisórios do Poder Legislativo algumas das
suas manifestações (parecer sobre as contas do Chefe do Poder Executivo e sustação de
atos impugnados — Emenda Constitucional n.º 1, art. 70, §§ 1º, 2º e 3º, e art. 72, §§ 4º, 5º e
6º) é certo, igualmente, que elas repercutem, por si mesmas no plano da moralidade,
valendo como sanções perante a opinião pública, ainda quanto o desate político dos
assuntos leve a desprezar as observações formuladas pelos tribunais.
VI
As atribuições dos Tribunais de Contas envolvem sempre, ao ângulo da aplicação dos
dinheiros públicos, a moralidade administrativa, porém onde avulta, a nosso ver, a
importância atual da sua função típica, é no poder de inspeção, que é conferido ao Tribunal
da União pela Emenda n.º 1 (art. 70, §§ 3º e 4º) e, à sua semelhança, pelas Constituições
Estaduais às respectivas cortes. Poder, aliás, que aparece pela primeira vez em nosso
direito constitucional positivo, com a Carta Política de 1967 (art. 71, §§ 3º e 4º) .
VII
Sempre se nos afigurou indispensável elevar o controle dos Tribunais de Contas, do plano
estrito, e de resto falso, da constatação meramente documental de regularidade na aplicação
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dos dinheiros públicos, para o do confronto dos processos de prestação de contas com a
realidade material. Porque somente assim será possível evitar que se tenha por legítimo o
emprego fictício de dotações, acobertado por documentação urdida a propósito. E no poder
de inspeção está o grande instrumento para alcançar esse objetivo, pois através dele as
cortes fiscalizadoras se libertam da passividade que obriga a conformação com o
documentário acumulado na rotina dos processos, para atuar de modo positivo, pela
indagação da correspondência entre o que diz, demonstra e pretende provar o
administrador, com o que realmente existe. Esse poder, transferindo a atuação
fiscalizadora, da mentira do exame de papéis sem conotação exata com a realidade, para o
plano da confrontação do documentário das despesas com o resultado efetivo do emprego
dos dinheiros públicos, permite moralizar, efetivamente, a despesa pública, afastando a
simulação e os expedientes e que se possam valer administradores menos honestos, ou
mesmo apenas sem o zelo adequado pelo dever funcional.
Aliás, cabe às Cortes de Contas, na expansão jurisprudencial do seu papel, desenvolver e
prestigiar o poder de inspeção, pelo uso, tão freqüente quanto se imponha à mais leve
suspeição de irregularidade. Estarão aplicando, nesse passo, "a capacidade inventiva", de
que aqui mesmo falou o eminente Temístocles Cavalcanti, como fator de aperfeiçoamento
do processo operacional que lhes incumbe ("O Tribunal de Contas. Órgão Constitucional.
Funções Próprias e Funções Delegadas"; Rev. Dir. Administrativo, vol. 109, pág. 1-10) .
VIII
Sempre se nos afigurou de significação relevante a investigação, em espécie, nos processos
relativos ao emprego de verbas orçamentárias, ou especiais. Daí porque, ainda em 1958,
num trabalho intitulado "Reformas Essenciais ao Aperfeiçoamento das Instituições
Políticas Brasileiras", escrevíamos em relação ao Tribunal de Contas da União:
"O atual controle, adstrito à legalidade, leva esse órgão a homologar contratos,
cuja falta de lisura é manifesta, mas cuja exterioridade se afigura regular. É
preciso que, de permeio com negócio prejudicial ao interesse da Fazenda, surja
algum erro de forma para que se chegue à recusa do registro. Dever-se-ia
permitir ao Tribunal a determinação de diligências, In loco, a fim de verificar o
exato emprego das dotações para obras públicas, quando dúvidas fossem
argüidas quanto à utilização efetiva dos créditos orçamentários. Haveria, então,
elementos para pilhar a malversação de dinheiro, fácil de ocorrer na construção
de obras de vulto" (pág. 17).
E íamos mais longe, tendo por acertado "que a qualquer cidadão se permitisse suscitar a
dúvida". É que sempre se nos afigurou próprio, porque de interesse para regularidade de
obras e serviços públicos, e educativo sob o aspecto cívico, prestigiar a vigilância do
cidadão sobre a gestão da coisa pública. Temem-se abusos, porém, atrás desse temor o que
há, em verdade, é o receio da incômoda atuação dos que, tendo a vocação da militância
política, apareçam para falar em nome de todos, em defesa daquilo que é de todos. As
demasias seriam contidas pelo exame preliminar de requisitos mínimos para a postulação
(identidade comprovada, teor da matéria exposta etc.), que os tribunais fariam. Foi ainda
preocupado com o poder de inspeção, como força vitalizadora do controle dos gastos
públicos, que perante a "Comissão de Reforma Constitucional", instituída em 1966, e da
qual fizemos parte por algum tempo, sugerimos se dispusesse caber ao Tribunal de Contas
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"promover diligências necessárias à verificação direta da regularidade da guarda ou no
emprego dos dinheiros, valores e bens de qualquer natureza, pertencentes a pessoas sujeitas
à sua jurisdição".
IX
O controle prévio, que para muitos se afigurou sempre a grande expressão de poder das
cortes controladoras, na verdade é menos expressivo da importância delas do que a
jurisdição investigadora. Porque aquele, uma vez atendo-se aos aspectos meramente
formais, evita, sem dúvida, a execução de contratos não condizentes com as normas a ele
aplicáveis, porém não impede que a execução dos contratos registrados e, destarte, havidos
como perfeitos do ponto de vista legal, envolva a malversação de verbas.
O registro prévio de contratos e de atos administrativos em geral, implicando obrigação de
pagamento pelo Tesouro Nacional ou por sua conta, que a Constituição Federal de 1946
consagrava (art. 76, §§ 1º, 2º e 3º), repetindo a Constituição de 1934 (art. 101), tornara-se,
de resto, há muito tempo, motivo de objeção pelo que representava de embaraço às
atividades administrativas, a inevitável demora da apreciação pelas Cortes de Contas,
principalmente pelo Tribunal de Contas da União, dado o volume de serviço a seu cargo. É
expressiva, nesse sentido, tese oferecida por Amaral Freire, em 1959, ao "Primeiro
Congresso de Tribunais de Contas do Brasil", na qual se conclui que a "fiscalização da
execução orçamentária a posteriori pelos Tribunais de Contas é a que mais convém aos
altos interesses do Estado e melhor permite o exercício de sua atividade" ("Anais", vol. II,
pág. 1.352). Com efeito, dependente a realização de obras públicas, bem assim a ação
administrativa noutros setores, das manifestações dos tribunais, condição de eficácia de
tantos atos e contratos, a máquina da Administração Pública, tradicionalmente emperrada
em todos os níveis, tinha no registro prévio um dos fatores maiores de lerdeza. E tal
situação tender-se-ia a agravar com a sempre crescente expansão da atividade estatal no
plano das obras públicas, a envolver, cada vez mais, numerosas contratações de pessoal, de
fornecimentos e de empreitadas. Mas de não esquecer a ponderação feita, nesse mesmo
trabalho, e logo a seguir, de que tal regime "deve ser posto em prática acompanhado de
providências que, sem prejuízo de uma execução orçamentária flexível, permitam
inequivocamente a identificação dos ordenadores da despesa, bem como sejam definidas
suas responsabilidades".
X
É de lembrar que o acúmulo de trabalho dos órgãos incumbidos da fiscalização financeira,
também alhures, tem desencadeado clamores contra os sistemas de controle. Os Estados
Unidos nos oferecem exemplos disso. Embora não caiba ao Controlador Geral o registro
prévio das despesas, pode ele, a posterori, "declarar inexistente toda dívida do Tesouro, que
lhe pareça mal fundada". Daí resultar que os órgãos incumbidos de despesas
freqüentemente se guardem do cancelamento de pagamento, solicitando a antecipada
apreciação da sua legitimidade. Sobrecarregam-no, assim, de trabalho, fazendo se atrase a
liberação das dotações. Tal situação fez que o Presidente Franklin Roosevelt, a ela
reagindo por via oblíqua, num expediente muito próprio da índole política dos povos
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10
anglo-americanos, deixasse vacante, por três anos, o cargo de Controlador-Geral (Henry
Puget, "Les Institutions Administratives Étrangêres", 1969, pág. 173) .
XI
A outros dois ângulos se nos afigura, ainda, de ressaltar a importância dos Tribunais de
Contas para a moralidade no comportamento da Administração Pública: o da função
consultiva e o do controle na distribuição dos recursos de fundos especiais, ou provenientes
de outras fontes específicas.
XII
Ouvidas em consulta e solucionando dúvidas suscitadas por autoridades de boa-fé, as
Cortes de Contas, do mesmo passo que evitam irregularidades na prática administrativa,
mercê do seu conselho, educam as administrações despreparadas, sobretudo as da área
municipal. A ajuda que assim prestam, quer de imediato ao correto emprego dos dinheiros
do erário, quer a longo prazo para o bom ordenamento dos negócios públicos, contribui
para o aperfeiçoamento do administrador brasileiro. Até porque, em muitos casos, nos
tantos Municípios espalhados pelo imenso e atrasado interior do País, o malbarato dos
recursos públicos, ou a insuficiente comprovação do seu emprego, é antes o reflexo da
despreparação do elemento humano do que desonestidade.
Na jurisprudência mesma desta Colenda Corte se encontram, pelo exercício da função
consultiva (sabiamente prevista na Lei n.º 10.319, de 16 de dezembro de 1968, art. 20,
inciso XVII), exemplos curiosos de como, ainda num Estado onde as administrações
municipais contam, as mais das vezes, com pessoal razoavelmente habilitado, é útil para a
moralidade administrativa o controle dos Tribunais de Contas.
Assim é que Prefeito dotado de nobre escrúpulo indaga sobre a possibilidade de contrair
empréstimo no último ano do mandato (Processo TC-1.259, Município de Matão,
"Jurisprudência e Instruções", 1972, págs. 229-300). E um outro, em quadro típico da
vivência municipal, já não de São Paulo, e sim brasileira, pergunta, com certa ingenuidade,
ou talvez, até pelo inverso, com a urgência de quem pretende devolver à Corte a
dificuldade da negativa, se pode a "Prefeitura adquirir um aparelho telefônico e
posteriormente cedê-lo, por empréstimo, ao Delegado de Polícia, para uso em sua
residência" (Processo TC-708/72, Município de Mirassol, "jurisprudência e Instruções",
1972, pág. 300).
E é de ver como as resoluções evitam infrações à ética administrativa, e por vezes, sem
negar a legitimidade do que se pretende, sugerem soluções mais adequadas. Tal o caso de
resposta à indagação da Câmara Municipal sobre a possibilidade do Município doar terreno
para a localização da sede de sindicato de trabalhadores rurais. A resposta afirmativa se
completa com esta útil sugestão:
"É oportuno observar que, consoante reiterada experiência administrativa, ora
transportada pela legislação positiva (art. 63, § 1º da referida lei; reporta-se à
Lei n.º 10.319/68), é preferível, prudente e conveniente, fazer a concessão do
direito real de uso, por tempo determinado e mediante condições bem
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explícitas, em vez da doação" (Processo TC-8.776/71, Município de Pinhal,
"Jurisprudência e Instruções", 1972, págs. 318-320.)
XIII
A competência atribuída ao Tribunal de Contas da União pela sua Lei Orgânica —
Decreto-lei n.º 199, de 25 de fevereiro de 1967 — para fiscalizar a legalidade da aplicação
das "importâncias que são devidas aos Estados, Distrito Federal e Municípios e deduzíveis
da arrecadação federal, bem como os "recursos do Fundo de Participação dos Municípios"
(art. 31, incisos VIII, IX e X), constitui poderoso instrumento de moralização no emprego
dos dinheiros públicos. Inspira-se na experiência dos esbanjamentos sob a Constituição de
1946, da quota reservada aos Municípios no total da receita do imposto de renda (art. 15, §
4º). A falta de controle efetivo, somente realizável pela União, porque desvinculada de
interesses e pressões locais, fez que na maioria dos municípios, em todo o País, muito
pouco resultasse da aplicação de tais cotas. É sabido, aliás, que a sofreguidão no mal
usufruí-las levou muitos Estados à multiplicação do número de Municípios, alguns sem um
mínimo de condições próprias de vida.
Tanto mais o controle ora instituído é útil, quanto, por força do próprio texto
constitucional, o recebimento das quotas é dependente da aprovação de programas de
aplicação elaborados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com base nas diretrizes
e prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Federal, também da vinculação de
recursos próprios, por essas pessoas jurídicas, para execução dos citados programas. Afora
outras exigências (Emenda Constitucional n° 1, art. 24).
XIV
Ressalte-se que a legislação paulista confere a esta Corte competência similar. Referimonos à Lei n.º 10.319, de 16 de dezembro de 1968, quando lhe atribui:
a) "ao exame e a aprovação da aplicação dos auxílios concedidos pelo Estado a entidades
particulares de caráter assistencial bem como o exame dos concedidos pelos Municípios,
que não tiverem Tribunal próprio, a entidades particulares de caráter assistencial ou que
exerçam atividades de relevante interesse público" (art. 20, inciso VII) ;
b) "o julgamento, em caráter originário, das contas relativas à aplicação dos recursos
recebidos pelos Municípios, do Estado, ou por seu intermédio" (art. 20, inciso VIII).
XV
A presença atuante dos Tribunais de Contas há de desencadear, por vezes, inconformação e
mal-estar. Não tanto por alguma inevitável demasia da atividade fiscalizadora, senão pelo
vezo, muito nosso, de tomar todos os tipos de estágios de controle ao exercício do poder,
seja quando este se manifeste nas esferas eminentes, seja quando se exprima nas mais
modestas, como algo que afeta a autoridade no seu prestígio, e até mesmo na dignidade
pessoal dos que a encarnam. Contudo, esse primarismo, incompatível com qualquer
estrutura séria de limitação de poderes, não poderá ser obstáculo à mecânica de fiscalização
do emprego dos dinheiros públicos. A reiteração acabará como fazer aceitas, sem
estardalhaço publicitário, nem protestos dos agentes públicos, exigências e sanções
peculiares à atuação das Cortes de Contas.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E SEUS CONTROLES
HELY LOPES MEIRELLES(*)
1. Considerações gerais. 2. As várias formas de controle
administrativo. 3. As atuais atribuições do Tribunal de
Contas.
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
O Poder Público e seus desmembramentos administrativos, nos Estados de Direito como o
nosso, atuam dentro das normas legais que fixam a competência de seus órgãos e
delimitam o campo de atuação da Administração, estabelecendo os controles a que se
sujeitam a atividade pública e seus agentes.
Esses controles, segundo o Poder que os exerce, são classificados em judicial, parlamentar
e administrativo. Nesta exposição só nos interessam os controles administrativos, mas é
necessário que se conceituem as duas primeiras modalidades, para bem compreendermos a
terceira.
1.1. CONTROLE JUDICIAL
Controle judicial1 é o exercido exclusivamente pelos órgãos do Poder Judiciário, na sua
função judicante e contenciosa. Essa correção das atividades públicas pelo Poder Judiciário
visa à defesa dos administrados e à manutenção da Administração dentro das normas
legais. pelo que é apenas um controle de legalidade.
A propósito já escrevemos e ora repetimos que todo ato administrativo, para ser legítimo e
válido, há de ser praticado em conformidade com o Direito (principio da legalidade), com a
moral da instituição (princípio da moralidade) e com o interesse público (princípio da
finalidade). Faltando, contrariando ou desviando-se desses princípios, a Administração
comete ilegalidade passível de invalidação por ela própria ou pelo Poder Judiciário, desde
que o requeira o interessado.
(*)
Ex-magistrado. Professor na Universidade de São Paulo. Emérito Publicista.
Não se empregue "controle jurisdicional" em lugar de "controle judicial". Jurisdição é atividade de dizer o
direito, e tanto diz o direito o Poder Judiciário como o Executivo e até mesmo o Legislativo, quando
interpretam e aplicam a lei. Portanto, todos os Poderes e órgãos exercem "jurisdição" mas somente o Poder
Judiciário tem o monopólio da jurisdição "judicial", isto de dizer o direito com força de coisa julgada. Não se
confunde, pois, o controle judicial, privativo do Poder Judiciário, com o controle jurisdicional administrativo,
exercido por qualquer outro órgão, inclusive o Poder Judiciário em função administrativa.
1
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
14
Para obter a invalidação de ato administrativo ilegítimo, a parte interessada poderá valer-se
do procedimento judicial comum (ação ordinária), ou de meios especiais, adequados à
defesa de direitos individuais (mandado de segurança, ação cominatória, interditos
possessórios etc.), ou à preservação do patrimônio público lesado pela própria
Administração (ação popular).
A competência do judiciário para a revisão de atos administrativos restringe-se ao controle
da legalidade do ato impugnado. Mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a
conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse
coletivo, indissociável de toda atividade pública. Tanto é ato ilegal ou ilegítimo o que
desatende a lei. corno o que violenta a moral da instituição, ou se desvia do interesse
público, para servir a interesses privados de pessoas, grupos ou partidos favoritos da
Administração.
Ao Poder judiciário é permitido todos os aspectos de legitimidade, para descobrir e
pronunciar a nulidade do ato administrativo onde ela se encontre e seja qual for o artifício
que a encubra. O que não se permite ao judiciário é pronunciar-se sobre o mérito
administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato, porque, se
assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração e não de jurisdição. O
mérito administrativo, relacionando-se com questões políticas e elementos técnicos, refoge
do âmbito do Poder judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei
escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito.
1.2. CONTROLE PARLAMENTAR
Controle parlamentar é o exercido exclusivamente pelo Poder Legislativo sob o duplo
aspecto da legalidade e da conveniência pública, pelo que se caracteriza como um controle
eminentemente político e, como tal, alheio aos direitos individuais do administrado, mas
adstrito aos interesses coletivos da comunidade.
A vigente Constituição da República nos oferece exemplos típicos de controle parlamentar
na tomada de contas do Presidente da República (art. 40, II, e 44, VIII); na autorização para
obtenção de empréstimos e realização de operações externas pelos Estados, Distrito
Federal e Municípios (art. 42, IV) ; na sustação da execução de contratos administrativos
(art. 72. §§ 5º, c, 6º e 7º); no exame das medidas adotadas durante o estado de sítio (art.
158), e outros mais em que o Legislativo aprecia, prévia ou posteriormente, atos do
Executivo, para dar-lhes ou negar-lhes eficácia.
1.3. CONTROLE ADMINISTRATIVO
Controle administrativo é todo aquele que o Executivo e os órgãos de administração dos
demais Poderes exercem sobre suas próprias atividades, visando mantê-las dentro da lei,
segundo as necessidades do serviço e as exigências técnicas de sua realização, pelo que é
um controle de legalidade, de conveniência e de eficiência. Sob esses três aspectos pode e
deve operar-se o controle administrativo, para que a atividade pública atinja a sua
finalidade, que é o pleno atendimento dos interesses coletivos a cargo da Administração em
geral.
O controle administrativo pode ser exercido pelos próprios órgãos internos da
Administração (controle hierárquico propriamente dito), como por órgãos externos
incumbidos do julgamento dos recursos (tribunais administrativos) ou das apurações de
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irregularidades funcionais (órgãos correcionais). Todos eles, entretanto, são meios de
controle administrativo.
Esses meios de controle podem ser preventivos, sucessivos ou corretivos. Pelos primeiros
estabelecem-se formalidades e exames prévios dos atos administrativos para adquirirem
eficácia e operatividade; pelos segundos acompanha-se a formação dos atos; pelos terceiros
corrigem-se os atos defeituosos ou ilegítimos.
2. AS VÁRIAS FORMAS DE CONTROLE ADMINISTRATIVO
O controle administrativo, em sentido amplo, realiza-se através de: a) fiscalização
hierárquica; b) recursos administrativos; e) prestação de contas dos dinheiros públicos,
como veremos a seguir. Esse controle atinge não só os órgãos da Administração
centralizada (impropriamente chamada "Administração direta"), como a descentralizada ou
"indireta"2, nestas compreendidas as autarquias, como também as entidades paraestatais. ou
seja, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as fundações instituídas ou
subvencionadas pelo Poder Público e os serviços autônomos custeados por contribuições
parafiscais, embora o Decreto-lei n.º 900/69 tenha excluído, expressamente, da
Administração "indireta", as fundações e silenciado sobre os serviços sociais autônomos.
No que tange aos dinheiros públicos, a prestação de contas ao Tribunal de Contas é
obrigatória para todos aqueles que os gerem. sejam entidades públicas ou de personalidade
privada, sejam pessoas físicas ou jurídicas, como se infere do art. 33 do Decreto-lei n.º
199/67.
Fiel a essa orientação doutrinária, o Decreto-lei n° 200/67, ao ensejo da reforma
administrativa federal, estabeleceu expressamente em seu art. 13 que:
"O controle das atividades da Administração Federal deverá exercer-se em
todos os níveis e em todos os órgãos, compreendendo, particularmente:
a) o controle, pela chefia competente, da execução dos programas e da
observância das normas que governam a atividade específica do órgão
controlado;
b) o controle, pelos órgãos próprios de cada sistema, da observância das normas
gerais que regulam o exercício das atividades auxiliares;
c) o controle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens da União
pelos órgãos próprios do sistema de contabilidade e auditoria."
Essas normas, embora dirigidas exclusivamente à União, devem prevalecer na
Administração estadual e local pela validade de seus princípios e eficácia de seus
resultados práticos, pelo que tem sido encampadas pela maioria das legislações dos Estados
e Municípios.
Vejamos, em síntese, no que consistem esses controles.
2.1. FISCALIZAÇÃO HIERÁRQUICA
2
A Administração Pública pode ser centralizada, descentralizada e desconcentrada; a execução de obras e
serviços pode ser direta, indireta ou delegada. Entretanto, a Constituição da República e o Decreto-lei federal
n.o 200/67, confundiram e baralharam esses conceitos, empregando as expressões "administração direta" e
"administração indireta" em lugar de centralizada e descentraizada, e até mesmo confundindo com serviço
desconcentrado e serviço delegado. Com essa advertência, passamos a adotar a terminologia constitucional e
legal, "administração direta" e "administração indireta", embora conceituaimente imprópria.
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A fiscalização hierárquica é uma das modalidades de controle administrativo e, quiçá, a
mais atuante, pela sua constância e perenidade na Administração. Ela deve estender-se a
todas as repartições do Executivo e a todos os serviços administrativos dos demais Poderes,
descendo verticalmente dos órgãos de direção superior às unidades inferiores.
A. hierarquia é a base da organização administrativa, o que levou Duguit a afirmar que o
princípio hierárquico domina todo o serviço público e é de ser aplicado mesmo que
nenhum texto legal o consagre (Traitc du droit constitucionnel. 1926, 1I1/250) . Entende-se
por hierarquia a relação de subordinação existente entre os vários órgãos do Executivo,
com a gradação de autoridade de cada um: é o escalonamento das funções no quadro da
Administração. A hierarquia é privativa da atividade administrativa, como elemento típico
da organização do Executivo, pelo que não há hierarquia nas funções judicantes3 e
legislativas4. Não se pode compreender as atividades administrativas sem a existência de
hierarquia entre os órgãos e pessoas que as exercem.
O poder hierárquico tem por missão ordenar, coordenar, controlar e corrigir a atividade
administrativa. Com esses objetivos é que se desenvolve a fiscalização hierárquica, no
âmbito interno da Administração. Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas
para o superior, tais como: a de dar ordens e acompanhar o seu cumprimento, delegar e
avocar atribuições; rever atos inferiores5.
2.2. RECURSOS ADMINISTRATIVOS
Recursos administrativos, em acepção ampla, são todos os meios hábeis a propiciar o
reexame da atividade administrativa pela própria Administração, e abrangem a
representação, a reclamação e o pedido de reconsideração; e, em sentido estrito,
compreendem unicamente os recursos hierárquicos, próprios e impróprios.
Representação administrativa é a denúncia formal e assinada, de irregularidades internas ou
de abusos de poder na prática de atos da Administração, feita por quem quer que seja, à
autoridade competente para conhecer e coibir a ilegalidade apontada. O direito de
representar tem assento constitucional e é incondicionado e imprescritível (Constituição
Federal, art. 153, § 30) . Pode ser exercitado por qualquer pessoa, a qualquer tempo e em
quaisquer circunstâncias, mas não obriga a autoridade a nenhum procedimento interno:
vale como informação de ilegalidades, a serem conhecidas e corrigidas pelos meios que a
Administração reputar, convenientes. Como não se exige qualquer interesse do
representante, para exercitar o direito público de representação, não se vincula o signatário
da denúncia ao procedimento a que der causa.. mas poderá ser responsabilizado civil e
criminalmente por quem for lesado pela falsidade da imputação.
Reclamação administrativa é a oposição expressa a atos da Administração, que afetam
direitos ou interesses legítimos do administrado. O direito de reclamar é amplo, e se
estende a toda pessoa física ou jurídica, que se sentir lesada ou ameaçada de lesão pessoal
ou patrimonial por atos ou fatos administrativos. Tal direito, se não tiver outro prazo fixado
3
No Poder Judiciario não há hierarquia. há gradação de jurisdição, que perue ao tribunal superior reformar ou
cassar a decisão inferior.
4
Entre os Legislativos não há qualquer subordinação ou hierarquia; o que é delimitação constitucional de
competência normativa entre a União, os Estados e Municípios.
5
Não incluímos dentre as faculdades implícitas do poder hierárquico a de punir, porque esta, a nosso ver,
decorre do poder disciplinar que é correlato, mas distinto do poder hierárquico, como demonstramos no nosso
Direito Administrativo Brasileiro. 1966, p. 70 e seg., ao qual remetemos o leitor.
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em lei, extingue-se em um ano, a contar da data do ato ou fato lesivo que rende ensejo à
reclamação (art. 6°, do Decreto federal n.º 20.910, de 6-1-32) .
Pedido de reconsideração é a solicitação da parte, dirigida à mesma autoridade que expediu
o ato, para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente. Deferido
ou indeferido, total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova
modificação pela autoridade que já reapreciou o ato. Se outro prazo não estiver fixado em
lei, extingue-se o direito de pedir reconsideração ao término de um ano da data da primeira
decisão administrativa e a sua apresentação não suspende a prescrição, nem interrompe os
prazos para os recursos hierárquicos, como também não impede a cobrança da dívida fiscal
(Decreto federal n.º 20.848, de 23-12-31) .
Recursos hierárquicos são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à autoridade ou
instância superior da mesma Administração, para obterem o reexame do ato inferior, sob o
duplo aspecto de sua legitimidade e conveniência. Tais recursos podem ter efeito
suspensivo e devolutivo, ou simplesmente este, que é a regra; o efeito suspensivo há de ser
expressamente concedido em lei ou regulamento, por constituir a exceção. Tais recursos,
segundo o órgão julgador a que se dirigem, classificam-se em próprios ou impróprios.
Recurso hierárquico próprio é o que a parte interpõe contra o ato do inferior para o superior
imediato, dentro da mesma repartição administrativa. É recurso interno no sentido de que
só tramita dentro do serviço a que pertence o agente administrativo que praticou o ato
recorrido. Decorre da hierarquia e do escalonamento de competências que se estabelecem,
necessariamente, na Administração ativa e, por isso mesmo, pode ser utilizado ainda que
nenhuma norma o institua expressamente. É um consectário do Estado Democrático, que
não admite as decisões únicas e irrecorríveis. Seu efeito normal é o devolutivo, admitindose, porém, o suspensivo, desde que explícito na lei ou no regulamento do serviço. A
autoridade superior tem ampla liberdade decisória na apreciação do recurso hierárquico
próprio, podendo manifestar-se sobre aspectos de conveniência e legalidade mesmo que
não suscitados pelas partes, como também lhe é facultado reformar a decisão inferior além
do pedido, ou agravar a situação do recorrente (reformatio in pejus) . Esse poder deflui dos
próprios caracteres da hierarquia e de sua finalidade corretiva dos atos inferiores
inoportunos ou ilegítimos que cheguem ao conhecimento da autoridade superior, antes de
se tornarem operantes e imodificáveis.
Observe-se, finalmente, que o recurso hierárquico próprio pode ser compulsório ou
voluntário. No primeiro caso, a autoridade inferior é obrigara a recorrer de ofício sem o
que a sua decisão não se torna exeqüível: no segundo, o recurso é facultado ao interessado
dentro de um prazo fatal. Casos há ainda, em que é reservada à autoridade superior a
possibilidade de avocar a decisão inferior para reexame; a avocação, porém, só é legai nos
estritos termos da norma que a permite, para não se converter num fator de tumulto e
instabilidade dos atos da Administração.
Recurso hierárquico impróprio é o que a parte dirige à autoridade ou órgãos estranhos à
repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, como
ocorre com os tribunais administrativos e com os Chefes do Executivo federal, estadual e
municipal. Esse recurso só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique
as condições de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos
em que tem cabimento. Isto porque, como salienta Zanobini: "Il ricorso gerarchico
improprio ê di aplicazione eccezionale e puó farsi solo nei casi in cui una norma
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expressamente lo ammette." Embora se trate de pessoa ou tribunal estranhos à repartição
de onde emanou o ato recorrido a apreciação deste recurso continua a cargo da
Administração, o que lhe assegura a mesma liberdade e amplitude decisória de que dispõe
no recurso hierárquico próprio, visto que, em ambos os casos, os pronunciamentos são atos
jurisdicionais administrativos de agentes do Executivo.
No julgamento de qualquer desses recursos hierárquicos (próprios ou impróprios) o órgão
julgador pode examinar tanto a legalidade quanto o mérito do ato, isto é, os aspectos de
legitimidade, conveniência e oportunidade de sua emissão, porque todos se incluem no
controle administrativo, ou seja, no poder de auto-tutela da própria Administração. E esse
poder se estende tanto aos órgãos da Administração centralizada ou "direta", quanto ao da
descentralizada ou "indireta", com a só diferença de que para aqueles está implícito na
organização hierárquica e para estes depende de explicitação da lei reguladora da atividade
do ente autárquico ou paraestatal.
O controle das autarquias — já escrevemos em estudo anterior — se realiza na tríplice
linha política, administrativa e financeira, mas fora da hierarquia interna da Administração
centralizada. São recursos externos que não se baseiam na hierarquia — inexistente entre a
autarquia e a entidade estatal que a instituiu — mas, sim, no poder de controle
administrativo dos entes estatais sobre os serviços públicos de sua competência, ainda que
realizados por entidades autônomas descentralizadas (cf. nosso Direito Administrativo
Brasileiro. 1966, págs. 289 e seg.) .
2.3. PRESTAÇÃO DE CONTAS
A prestação de contas é obrigação indeclinável de todo aquele que administra bens. valores
ou dinheiros públicos. É decorrência natural da administração, como atividade exercida em
relação a interesses alheios Se o administrar corresponde ao desempenho de um mandato
de zelo e bom emprego do patrimônio de outrem, manifesto é que quem o exerce deverá
contas ao proprietário. No caso do administrador público, esse dever ainda mais se alteia
porque a gestão se alteia, porque a gestão se refere a bens e interesses da coletividade e
assume o caráter de um múnus público. isto é, de um encargo para com a comunidade. Daí
o dever inescusável de todo gestor da coisa ou do dinheiro público — funcionário ou
simples cidadão — de prestar contas de sua aplicação.
Não só os órgãos da denominada "administração direta", mas também, os entes da
chamada "administração indireta" (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia
mista, de acordo com a sistemática do art. 4º, II, do Decreto-lei n.° 200/67), e ainda as
entidades mantidas ou subvencionadas com recursos públicos (fundações, associações,
serviços sociais autônomos) e até as pessoas físicas que recebam coisas públicas ou
dinheiro dos cofres públicos para aplicações determinadas ficam sujeitas à prestação de
contas. Não é, pois, a natureza do órgão ou da pessoa que obriga a prestação de contas; é a
origem pública do bem administrado que acarreta para o seu gestor a obrigação de prestar
contas.
A prestação de contas não se refere somente aos dinheiros públicos, à gestão financeira,
mas a todos os atos administrativos de um Governo e a todos os órgãos e entidades de uma
Administração. Mas certamente por sua repercussão imediata no erário, a administração
financeira está sujeita a maiores rigores de fiscalização, tendo a Constituição da República
determinado que, no âmbito federal, seja submetida ao controle interno do Poder Executivo
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e ao controle externo do Congresso Nacional auxiliado pelo Tribunal de Contas da União
(art. 70 e §§).
O controle interno objetiva a criação de condições indispensáveis à eficácia do controle
externo e visa assegurar a regularidade da realização da receita e da despesa, possibilitando
o acompanhamento da execução do orçamento, dos programas de trabalho, dos contratos, e
a avaliação dos respectivos resultados. É, sobretudo, um controle de legalidade,
oportunidade e eficiência.
O controle externo visa comprovar a probidade da Administração e a regularidade da
guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos, e a fiel execução do
orçamento. É, por excelência, um controle político e de legalidade contábil e financeira, o
primeiro aspecto a cargo do Legislativo, o segundo, do Tribunal de Contas, como veremos
a seguir.
3. AS ATUAIS ATRIBUIÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS
No controle externo da administração financeira e orçamentária é que se inserem as atuais
atribuições do Tribunal de Contas, consubstanciadas:
a) na emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do
Executivo;
b) na auditoria financeira e orçamentária sobre as contas das unidades administrativas dos
três Poderes;
c) na representação ao Executivo e ao Legislativo sobre irregularidades e abusos
verificados nas contas examinadas;
d) na assinação de prazo para que a Administração adote as providências necessárias à
regularização das contas;
e) na sustação do ato impugnado, se excedido o prazo assinado sem regularização, exceto
em relação a contrato;
f) na solicitação ao Legislativo para que suspenda a execução de contrato irregular ou adote
outras providências necessárias à sua legalização;
g) no julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por
bens e valores públicos;
h) no julgamento da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e
pensões.
Como se vê dessa enumeração, haurida no texto constitucional vigente (Const. Rep. 70 a
72), o Tribunal de Contas no Brasil tem atribuições opinativas (a), verificadoras (b),
assessoradoras (c, d, f), corretivas (e) e jurisdicionais administrativas (g, h), atribuições
essas exercidas simetricamente, tanto pelo Tribunal de Contas da União, quanto pelos
Tribunais de Contas dos estados e municípios.
No que concerne aos municípios que não tenham Tribunal de Contas próprio (e atualmente
só o Município da Capital de São Paulo o tem), suas contas são julgadas pelas respectivas
Câmaras de Vereadores, "com auxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a
que for atribuída essa incumbência" somente onde não houver tribunal de contas próprio
deixando de prevalecer o "parecer prévio" do Tribunal ou órgão especial "por decisão de
dois terços dos membros da Câmara Municipal" (Const. Rep., art. 16, §§ 1º e 2º). Criou-se,
portanto, para as cortas municipais, um sistema misto em que o "parecer prévio" do
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Tribunal de Contas do Estado ou órgão equivalente é vinculante para a Câmara de
Vereadores, até que a sua deliberação em contrário atinja dois terços dos membros da
Corporação, passando, daí por diante, a ser meramente opinativo e invalidável pela decisão
qualificada do Plenário. Essa deliberação da Câmara é que constitui o julgamento das
contas municipais, substituindo o parecer do Tribunal ou deixando-o prevalecer na forma
constitucional.
A nova orientação no controle de contas. Desde a Constituição de 1967, vigora no Brasil
uma nova orientação no controle de contas, visando substituir as meras verificações
formais, pelo acompanhamento efetivo da conduta contábil e financeira da Administração,
quer na execução do orçamento, quer no desenvolvimento dos programas de trabalho.
Suprimiram-se os registros da despesa e dos contratos que tanto emperravam a atuação do
Executivo, aliviou-se o Tribunal do julgamento de pequenos atos que em nada
contribuíram para a probidade da Administração e atribuíram-se-lhes funções de maior
relevância e assessoramento administrativo na dinâmica governamental.
Daí a justa observação de Fernando Bessa de Almeida, em estudo pioneiro, de que "no que
concerne à conceituação de controle, a Constituição de 1967 (mantida nesse ponto pela
Emenda n° 1/69) seguiu de perto a mais moderna orientação a respeito dessa fundamental
atividade do administrador, quer público, quer particular. Ao invés de enfatizar, como
anteriormente o tinham feito as Constituições de 1934 e 1946, exclusivamente os aspectos
legais e contábeis da despesa pública, preferiu dar àquela atividade um aspecto dinâmico.
Por esse motivo introduziu um outro tipo de controle, o que tem por objetivo verificar o
cumprimento dos programas de trabalho dos diversos órgãos integrantes da Administração,
expressos em termos monetários, mas também em termos de realização de obras e de
prestação de serviços". E remata o autorizado professor da EBAP: "Deixou, portanto, a
fiscalização financeira e orçamentária, de ser uma função isolada, exercida sem qualquer
sentido de coordenação. Seu objetivo não ficou adstrito a verificar, em casos específicos,
os atos dos agentes da Administração de que resultassem a realização da despesa, a
arrecadação da receita, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações e a fidelidade
funcional daqueles agentes responsáveis por bens e valores públicos. Essa concepção de
controle, puramente punitiva. e assim sem qualquer sentido construtivo, fazia com que o
Tribunal de Contas, não raro, tivesse um comportamento negativo. O mais importante era,
em face da legislação reguladora da matéria, o exame dos aspectos formais das ordens de
pagamento, das requisições de adiantamento, dos contratos e da despesa realizada.
Nenhuma atenção, em geral, era dada à programação governamental, visto como o controle
financeira e orçamentário não era considerado como parte integrante da atividade de
planejamento"6.
Hoje, o acompanhamento da realização da receita e da despesa permite ao Tribunal de
Contas não só punir, mas orientar o administrador dos três Poderes e das três áreas estatais
— União. Estados, Municípios e seus desmembramentos autárquicos e paraestatais — para
a fiel execução do orçamento e dos programas de trabalho, com pleno atendimento das
normas legais e regulamentares de caráter contábil e financeiro.
Esse é o moderno e eficiente controle de contas que se espera ver implantado no Brasil.
6
A fiscalização financeira e orçamentária na Constituição de 1967. Revista de Administração Fública, RJ,
FGV, v. 1. p. 103, 1. sem. 1967.
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NOTAS SOBRE FUNCIONÁRIO PÚBLICO
LAFAYEZTE PONDE(*)
A noção de funcionário público é menos uma noção específica de direito administrativo do
que da teoria geral do Estado.
Uma noção jurídica: é funcionário aquele que ocupa, regularmente ou não, uma posição
definida pela lei, em função da qual sua vontade, seus atos, são imputados ao Estado, isto
é, valem legalmente como vontade e atos do Estado, ou contribuem para a formação desses
atos e dessa vontade.
Em outros termos, a atividade do Estado toda ela se expressa pela atuação de indivíduos,
isoladamente ou organizados em grupos ("collegium"), investidos de poderes que são
poderes próprios do Estado, e não desses indivíduos, os quais jamais os exerceriam se não
ocupassem essa "posição" ou centro jurídico, em que tais poderes se inserem. A noção de
funcionário integra a de "órgão" do Estado, é o elemento subjetivo.
Esse é um conceito amplo que, em nosso Direito, é o conceito adotado no art. 107 da
Constituição da República, assim redigido: "As pessoas jurídicas de direito público
responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.
Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de
culpa ou dolo" (sic, os grifos são nossos).
É certo que a indenização pelos danos resultantes do funcionamento normal ou anormal
dos serviços públicos independe da identificação do autor do ato lesivo. Mas, quando a
responsabilidade se funde na culpa pessoal, é indispensável que o culpado tenha agido na
sua condição de funcionário (ou a esta equivalente) para que se possa imputar o dano ao
Estado: "Les consequentes dommageables, à liégard des tiers, des fautes personnelles
commises par les agents publics som désormais prises en charge par les collectivités
administratives dont dépendent ces agents, à la condition, toutefois, quiil subsiste un lien,
si ténu soit-il, entre le fait personnel, générateur des dommages, et le service public. Dans
le cas contraire, 1iagent a agi en qualité de simple particulier et le droit commun reprend
necessairement sou empire" (G. Morange, in "Revue de Droit Public", 1956, pág. 893) .
Na aplicação do citado dispositivo constitucional, nossos Tribunais têm insistido nesse
amplo sentido da expressão "quem quer que opere em nome do Estado, ou exerça qualquer
das atividades em que a Administração se manifeste" (RT 181/316). Ou, em outras
(*)
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Reitor.
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palavras: "O conceito de funcionário, para o fim previsto na Constituição Federal, tem
extensão a mais longa. Devem ser considerados funcionários públicos, quando se cogita de
aplicar o mencionado texto constitucional, todos os que praticarem o ato danoso, ou
incorrerem em omissão no exercício da função pública. Não importa a legalidade ou
ilegalidade da investidura" (acórdão do STF, in "Revista do Supremo Tribunal Federal"
63/19 e 93; acórdão do TJSP, in RT 203/299). A definição, aliás, está conforme o princípio
fundamental da teoria geral da responsabilidade civil do Estado, segundo o qual "une
collectivité administrative répond du fait de ses agents, au sens le plus large du mot" (G.
Morange, in "Revue de Droit Public", 1957, pág. 709).
Entram, portanto, na categoria de funcionário todos aqueles que estejam inseridos (m um
serviço público, em uma posição jurídica, em virtude da qual seus atos são considerados
atos do Estado, por exercerem, a qualquer título, poderes ou atividades dele. "Não importa
a legalidade ou ilegalidade da investidura", e aí se incluem os funcionários de fato, isto é,
os que, sem serem legalmente funcionários, exercem de fato uma função e atuam de fato
como se fossem funcionários de jure: os nomeados irregularmente, ou mesmo os que não
tenham sido nomeados mas sejam conhecidos na comunidade como se o tivessem sido, isto
é, como se tivessem sido providos regularmente no cargo que de fato exercem. Seus atos
são atos válidos, nas mesmas condições em que o seriam se tivesse havido o provimento
regular; e pelos danos por eles causados responde o Estado, tal como responderia se se
tratasse de funcionário legalmente investido (STF, in "revista do Supremo Tribunal
Federal" 63/19 e 93; RDA 33/84; Giovani Duni, "Lo Stato e le Responsabilità
Patrimoniale", 1968, págs. 30 e segs.; M. Corkie, "Municipal Administration", 1942, pig.
105; Unit, "An Introduction to Administrative Law", 1950, págs. 144 e segs.; E. Jouve, in
"Revue de Droit Public", 1968, págs. 314 e segs.) .
São também "funcionários" o motorista, ainda que contratado, ou ainda que seja posto à
disposição de uma entidade pública — o Município — por outra entidade — o Estado (RT
203/299, 181/316, 254/414, 234/268 e 410; RF 131/152); os serventuários de justiça,
sejam, ou não, estipendiados pelo Estado, e ainda quando admitidos ad hoc, inclusive os
escreventes juramentados (RF 108/295; RDA 33/84 e 13/123; RT 341/336, 188/103,
268/376, 221/460) ou o soldado de polícia (RF 105/322; RT 178/830).
Nesta conceituação do funcionário, não interferem o processo nem o regime jurídico de sua
designação; seja por eleição, seja por nomeação, seja por sorteio (como os jurados), seja
mediante contrato. Tampouco interfere a qualificação constitucional de sua competência:
isto é, sejam funcionários do Executivo, ou do Legislativo, ou do judiciário, todos são
igualmente ocupantes de "cargos" (Constituição da República, arts. 76, parágrafo único,
78, 79, 151, parágrafo único, 185, 99, n° I, 114, 113, n.º 1, 123, 181, n.º II, 150, § 1º, a e b,
etc.) .
Nesse sentido aliás a definição adotada pelo STF, já em acórdão de 17-1-1920: "Nessa
expressão "funcionários" estão compreendidos os deputados federais, pois a referida
expressão compreende assim os funcionários propriamente ditos, como os representantes
da Nação" (acórdão do STF, in "Revista do Supremo Tribunal Federal" 25/12).
Mas essa afirmativa parece posta em dúvida, outras vezes, em particular, para efeito da
ação regressiva, prevista no parágrafo único do preceito constitucional. Assim, na apelação
n° 17.480, o Tribunal de São Paulo entendeu que "ao Governador do Estado não se aplica o
disposto na Constituição, visto que se lhe não pode atribuir a qualidade de funcionário
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público, senão a de órgão político do Poder Executivo" (acórdão in RT 143/191). O mesmo
entendimento foi repetido, na Apelação n° 19.593: "O Prefeito Municipal e, com maiores
razões, o Interventor Federal não podem ser considerados funcionários públicos. Um e
outro são órgãos de administração pública, Chefe dos Poderes Executivos do Município e
do Estado" (Revista cit. 149/607).
E o Supremo Tribunal, na ação proposta pelo Recebedor da Tesouraria-Geral do Ministério
da Educação, à qual se quis chamar como litisconsorte o Presidente da República, seguiu o
voto do Ministro Plínio Cesado, segundo o qual, embora essa autoridade, "possa
considerar-se funcionário em sentido lato" (sic), não o deveria ser, para efeito de
responsabilidade civil: "É evidente que se não pode dar à expressão "funcionários
públicos", empregada no art. 171 da Constituição (1934), esse sentido lato, mas sim a sua
acepção própria e o seu verdadeiro sentido, que é o stricto sensu — no rigor da técnica
constitucional e administrativa" (RT 111/725) . Em oposição a esse entendimento, ficaram
vencidos os Ministros Laudo de Camargo, Costa Manso e Hermenegildo de Barros.
já no caso do Município de Piraju (ação regressiva proposta por este Município contra seu
ex-Prefeito e contra o ex-Governador de São Paulo), em que o Tribunal local confirmara
aquela sua tese de que essas autoridades não são funcionários, mas órgão dos poderes
políticos da República (sic), o STF, posto deixasse subsistir essa decisão, por não ter
tomado conhecimento do recurso extraordinário dele interposto, sublinhou
significativamente, que "a tese e controvertida" (sic), e observou que, no caso, não teria
havido "culpa" que motivasse o pretendido direito de regresso: "Não foi salientado prática
do ato ilícito por parte de tais autoridades e, sim, ato normal da Administração a que se não
podiam furtar tais pessoas, no exercício da autoridade de que se achavam investidos" ( sic,
voto do Relator, Min. Afrânio Costa, in RDA 48/171-172).
Em relação aos juízes, assim votou o Min. Nélson Hungria, de acordo com a decisão das
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Minas Gerais: "Os juízes são funcionários
públicos. Para entender-se de outro modo, seria preciso admitir que o cargo de juiz não seja
cargo público, ou que o ¡triz não exerça função pública, com garantias especiais" (voto
vencido do Min. Nélson Hungria, in RF 157/133). O mesmo conceito amplo, aliás, tem
sido consagrado, quando os Tribunais estendem aos magistrados a revisão dos proventos
de aposentadoria, establecida pela Constituição para os funcionários em geral (RF
152/312).
É certo que aquele voto do Min. Nélson Hungria ficou vencido, na decisão contrária do
STF (cf Revista cit., loc. cit.). Também é certo que outros acórdãos se repetiram, no
mesmo sentido daquele (RT 111/725 HF 92/77, 83/257; RDA 30/137, 38/112) .
Mas, hoje, parece vencida a questão, com o julgamento unânime do STF, de 12-8-1971, em
embargos de divergência (Tribunal pleno), julgamento esse que, confirmando a decisão
embargada, assim esclareceu: "A decisão embargada em nenhum passo negou fosse o juiz
funcionário público; o que acentuou, e essa foi a determinante de sua conclusão, é que no
exercício de sua função jurisdicional ainda que origine danos, por eles não responde o
Estado" (acórdão unânime do STF, RTJ 59/787 sobre a responsabilidade civil do Estado,
conforme mesma RTJ 56/273 e RF 152/43 e segs.)1
1
A segunda parte desse enunciado é evidentemente contraditória, em relação à primeira. Nada explica dizrrse irresponsável o Estado por ato de seu funcionário, quando este seja um juiz. É certo que, no caso de
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25
Mas a denominação pode variar de conteúdo e ser tomada em sentido restrito, conforme o
regime jurídico de sua relação com o Estado. Já aí, as dificuldades de caracterização são
tamanhas que Waline sugeriu "la seule definition exacte que 1ion puisse donner
aujourdihui... est la suivante: "Un fonctionnaire public est un homme a qui a été reconnue
la qualité de funetionnaire public" ("Revue de Droit Public", 1953, 470).
Observe-se o texto mesmo da Constituição Federal: a) são funcionários públicos não
somente os de administração direta mas também os de administração ind°reta (art. 197, c),
isto é, os das autarquias bem como os das empresas públicas e sociedades de economia
mista (Decreto-lei n.º 200), conforme assim definidos pela legislação específica; b) o art.
106 admite a existência de agentes públicos em regime jurídico diverso do regime de
direito administrativo, próprio dos "funcionários", e para diferenciar uns dos outros —
talvez em termos de gênero e espécie, chama aqueles "servidores" (sic, arts. 106, 109 e
110).
Mas, o art. 108, § 2°, emprega essa mesma denominação "servidores" em relação ao
provimento de cargos criados por lei, elemento este da definição de "funcionários" (arts. 97
e segs., bem como a legislação ordinária respectiva); c) por sua vez, o mesmo termo
"servidores" é de novo usado no art. 65, de referencia a "leis que lhes fixem vencimentos e
vantagens" (sic), regime este mais próprio dos "funcionários", dado que aqueles, pelo
menos quando "contratados", terão seu tratamento pessoal regulado pelo respectivo
contrato.
Segundo o citado dispositivo constitucional, esse contrato obedecerá a regime específico,
diverso cio regime dos "funcionários". Estes se submetem ao regime estatutário. de direito
administrativo, consagrado entre nós, na legislação, na doutrina e na jurisprudência
A expressão decorre da noção conceituai de que o cargo público é um status objetivo,
impessoal, (irado e regulado pela lei, tendo em vista os interesses próprios da função. e não
os interesses subjetivos do seu titular. Todos os poderes, todas as atribuições, os direitos, as
vantagens, os proveitos, as regalias, os deveres, decorrem direta e unicamente da lei
reguladora do cargo e são por essa lei instituídos exclusivamente em razão do serviço
público, de que esse cargo é uma unidade, e jamais em contemplação pessoal ao seu
ocupante. "Tons le avantages personnels attachés à une fonction de qualque nature quiils
soient sont determines par les lois et rêglements sur 1iorganisation de chacun des services
publics. Ils sont un élément essentiel de cette organisation. Ils sont fixés non pas en vue
diune personne determinée, pour chaque agent public au moment oú il entre en service,
mais objectivemente, pour le bons fonetionnernent du service, pour la fonction, par
eonséquent pour tous les agents publies titulaires présents et futurs diune certaine fonction
Ciest un status, une situation juridique objetive, générale et impersonnelle, légale et
rêglementaire, au sem technique de ces expressions. Ce niest pas une situation juridique
individuelle crée pour chaque agent par 1iacte de désignation" (G. Jêze. "Cours de Droit
Public", 1929, pág. 361; cf. também "Les Principes Généraux", 1930, 3° vol., pág. 759;
Kelsen, "Teoria General dei Estado", pág. 355).
sentença passada em julgado, não pode haver responsabilidade. em relação ao litigante vencido, porque não
haverá como possa este alegar "dano". ou lesão jurídica, pois é próprio da sentença decidir em definitivo
sobre o direito das partes. Destruída, porém, a força jurídica da sentença, pela rescisória ou pela revisão
criminal, salta à evidência o dano indenizável, fundado na culpa do serviço, comprovada e corrigida pela
decisão rescindente.
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26
Esse conceito está firmemente assentado entre nós, na legislação (Lei n° 1.711, art. 10),
bem como na doutrina e na jurisprudência (acórdãos do STF. in "Revista de Direito"
53/146; Azevedo, `A Constituição Federal, interpretada pelo STF", n° 324, págs. 112 e
segs.; "Revista do Serviço Público", 1944, IV, 3/110 e 112 1953, II, 1/143 e 145, 1945, II,
1/103, 1945, IV, 3/102, 1948, II, 3/143; RF 150/194; RDA 44/189; RT 221/544, 242/637,
233/537), e dele decorrem os seguintes princípios:
a) ato da designação (nomeação, eleição, sorteio) não regula nem condiciona os poderes,
ou deveres, ou vantagens do funcionário: esse ato limita-se a investi-lo no status em que
tais vantagens, poderes e deveres se inserem; b) para que o funcionário se prevaleça desses
direitos e vantagens e poderes é preciso que ocorram os requisitos estabelecidos na lei que
os instituiu, enquanto esta lei subsista; e pode ele exigi-1os, ou exercê-los, tanto que esses
requisitos ocorram; c) todos são iguais perante a função pública, corolário necessário da
igualdade perante a lei, que a regula; é inadmissível tratamento desigual de funcionários de
uma mesma categoria: todos estarão em uma mesma e única situação prevista e regida pela
lei: "La disuguaglianza é inconcepibile nelliimpiego pubbiico e importerebbe una grave
lesione dei suoi principi fondamentali: tutti gli impiegatti pubblici dello stesso grado e
categoria godono dello stesso stipendio" (L. Raggi, "Diritto Amministrativo", 1935,
IV/215-216; "Foro Amministrativo", 1964, 1-2, pág. 1.969; 1966, II/1.546; 1563, IV/ 76;
"Revoe de Droit Public", 1964, págs. 504 e 845; acórdão do Supremo Tribunal Federal, in
RDA 94/75; idem "Revista de Direito", 92/81; TFR, in DJU de 12-8-1964, pág. 2.818); d)
o funcionário não pode renunciar ao exercício dos seus poderes, nem mesmo seu direito às
vantagens pessoais, pois isto implicaria em alterar a lei que os instituiu, embora possa
abster-se de reclamar essas vantagens, ou deixar de receber o produto delas. É
inadmissível, portanto, transigir sobre tais vantagens (vencimentos, férias. licenças,
aposentadoria, etc.), as quais não têm qualquer caráter negocial e sobre as quais somente a
lei pode dispor, não o funcionário nem a Administração.
A Constituição permite, como acima se disse, a admissão de agentes públicos fora da
condição de "funcionários", seja sob regime de direito público, na forma do art. 111 do
Decreto-lei n.º 200, de 1967, ou na dos contratos dos antigos extranumerários e o de
locação de serviço regulado no Decreto n° 67.612, de 19-11-1970, seja sob a de direito
privado, de direito do trabalho, corno acontece com o art. 24 da Lei n° 3.780, de 12-71960, e os arts. 96 e 124, § 4°, etc., do Decreto-lei n° 200, de 1967.
Esta última, aliás, é uma tendência, hoje acentuada, de se utilizar no serviço público o
instrumento de emprego das empresas privadas, não obstante a relutante resistência da
doutrina, segundo a qual a regulação contratual seria "une notion juridiquement
scandaleuse", porque contrária ao princípio da igualdade perante as leis e regulamentos do
Serviço (J. de Soto, "Les fonct`onnaires contractuels", in " Études à A. Mais irei, 1956,
pág. 493). Tanto maior essa repugnância quanto, a admitir-se a figura jurídica do contrato,
este somente poderia ser um contrato de direito público, o direito próprio do serviço a cujo
exercício o contratado se associa.
As crescentes intervenções do Estado no mundo dos negócios privados, o desdobramento
dos seus serviços técnicos com a correlata exigência de profissionais qualificados a serem
recrutados em competição com as empresas particulares, quando não a necessidade mesma
da admissão de servidores a título precário para cobrir os claros do serviço e assegurar a
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este sua continuidade, impuseram à Administração não somente a sua subdivisão em novas
fórmulas de descentralização — empresas públicas, sociedades de economia mista,
fundações públicas — como a ampla adoção de instrumentos jurídicos específicos de
direito privado, mas também ela mesma — a Administração — foi levada a usar esses
instrumentos na composição de sua estrutura.
Mas a natureza do serviço público não se altera, pela circunstância de nele se investir um
agente contratado, nem dele o Estado se aliena. Não se transforma em "serviço privado".
Os poderes atribuídos ao agente, conteúdo da prestação contratual, não deixam de ser
poderes públicos, poderes do Estado, a serem exercidos conforme a lei reguladora da sua
organização e segundo o princípio fundamental da articulação dos seus órgãos. Subsiste
pois, ao lado do contrato, na relação de emprego, o direito próprio da função pública:
"Liadministration peut exiger de son agent contractuel, diabord, quiil execute son servive,
quiil a promis par contrat; mais elle peut exiger de lui tout ce qui découle du droit de la
fonction publique en général, car 1iagente contractuel est un collaborateur de
1iadministration" (J. de Soto, ob. cit., pág. 510) .
A aplicação do direito privado ao serviço público tem de ser compatível com os princípios
fundamentais desse serviço, sob pena de o desfigurar.
Seria um contrasenso que, em um mesmo serviço — setor específico de atuação do Estado
— os poderes deste fossem exercidos de modo diferente, senão contraditório, por seus
próprios agentes, todos afinal admitidos somente para servi-lo.
A aplicação da legislação trabalhista é, pois, condicionada à natureza mesma do serviço
público, do que o contratado é mero instrumento de ação. A posição deste é uma posição
de agente público e sua relação é relação de serviço público. Seus atos são atos
administrativos, posto possam também ser atos de direito privado, como ocorre com
qualquer outro órgão público, em razão de sua competência específica.
Por isto, no mesmo sentido, sublinha Giannini: "Questo (a natureza de relação de emprego
público) infatti ê sempre pubblico, e gli atti che lo regolano sono atti amministrativi, non
negozi privati. Solo che essendo regolato dalle norme del diritto privato, subiste delle
modificazioni strutturali ..." (Giannini "Diritto Amministrativo", 1970, I, §§ 115 e 120; no
mesmo sentido U. Romagnoli, in "Revista Trimestrale di Diritto Pubblico", 1971, págs.
1.560 e segs.: sobre os problemas levantados pela lei italiana de 20-5-1970, que mandou
aplicar a legislação trabalhista às relações de emprego público, cf. a crítica de S. Bevenuti e
de U. Fragola, in "Foro Amministrativo", 1970, III, págs. 454 e segs. e 953 e segs.) .
Esta confluência do direito administrativo com o direito trabalhista ressalta, entre nós, nos
textos da legislação escrita, como, por exemplo, no art. 13, § 2º da Lei n.º 5.539, de 27-111968, que assim dispôs: "A Justiça do Trabalho aplicará as normas da legislação trabalhista
aos professores contratados, nos termos desta lei, dos estatutos universitários e dos
regimentos escolares".
No mesmo sentido, o art. 11 do Decreto-lei n.º 464, de 11-2-1969: "Aos membros do
magistério superior, admitidos no regime da legislação trabalhista, a Justiça do Trabalho
aplicará também as normas das leis do ensino e dos estatutos e regimentos universitários e
escolares."
Ainda, no mesmo sentido: o Decreto n.º 62.661, de 1968, sobre a contratação de pessoal
para a Comissão Nacional de Energia Nuclear.
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Foi bem acertado, pois a Constituição reservou para o juízo privativo da União, senão para
um sistema de contencioso administrativo (arts. 110 e 111), os litígios entre a
administração federal e os seus servidores, excluindo-os assim, por inteiro, da Justiça
Especial do Trabalho, perante a qual, provavelmente, seria subestimada aquela
interferência do regime próprio dos serviços públicos, sobre a legislação trabalhista.
Qualquer que seja o seu título de admissão, ou o regime da sua investidura, o agente, ou
servidor público, é sujeito de direitos e de deveres, na sua relação com o Estado, e
responde perante este e perante terceiros por seu comportamento pessoal.
Entre esses direitos está o de ocupar, exercer, o cargo ou função, isto é, o de ter a
possibilidade jurídica de exercer as atribuições legais desse cargo ou função. O exercício,
posto exija a presença física do funcionário no local do serviço, é um conceito jurídico: por
isto mesmo, pode não coincidir com essa presença, como por exemplo, no caso de férias,
ou licença especial, etc. Outros direitos são o de permanecer no cargo (vitaliciedade,
estabilidade), o de receber a remuneração para este estabelecida, o de gozar férias ou
licenças, o de ser promovido, ter aposentadoria, etc. Todos são criados pela lei, como
vantagens pessoais concedidas como estímulo, ou atrativo, para o bom desempenho do
cargo.
Pela violação dos deveres, responde o funcionário.
A palavra "responsabilidade", cuja origem se prende à fórmula romana da "stipulatio" ("respondeo"), significa a posição jurídica de alguém responder pelos efeitos dos seus próprios
atos, ou dos que lhes sejam imputados, segundo uma norma, em razão da qual sejam
aferidos. Da natureza dessa norma resulta a variedade das responsabilidades — moral,
religiosa, jurídica.
De referência ao funcionário, sua responsabilidade se desdobra em categorias diferentes,
cada uma das quais submetida a princípios específicos, de que decorre um regime peculiar
a cada situação jurídica sobre que se reflita a conduta pessoal do agente: responsabilidade
civil, penal, administrativa, contábil, política.
O funcionário "responde" pelo exercício dos poderes do seu cargo ou, conforme o caso,
pelo não exercício desses poderes, bem como pela utilização material dos elementos de que
possa dispor ilegalmente em razão de sua investidura.
Em termos da lei penal e independente da sua condição de funcionário, responde este pelas
infrações cometidas, nas mesmas condições de qualquer outra pessoa. Mas há certas
figuras delituosas que pressupõem sua qualidade de agente público, ou mudam de
qualificação quando por ele cometidas.
Pelos danos patrimoniais por ele causados ao Estado ou a terceiros, ocorre a
responsabilidade civil: Os efeitos lesivos do seu ato devem ser por ele indenizados. O
adjetivo "civil" qualifica essa obrigação de indenizar.
A responsabilidade civil pressupõe um dano, sem o qual não há o que indenizar. Um dano
ou prejuízo. Os termos são sinônimos, pois não vingou a terminologia que pretendeu
reservar o primeiro — o "dano" — para significar a lesão feita diretamente à coisa, e
"prejuízo" para dizer da violação causada ao titular do direito. A diferença não logrou
maior aceitação: basta ver, entre nós, que a Constituição (art. 107) repele a pretendida
distinção, ao dizer de "danos causados a terceiros" e, por outro lado, a expressão "dano
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
29
moral" é consagrada sem restrições, o que importa em desligar da palavra qualquer sentido
de ordem econômica ou material.
Na relação jurídica de que ele é o sujeito passivo da obrigação de indenizar, o funcionário
sempre figura pessoalmente, e nunca na qualidade de "órgão" da entidade pública.
Por isto responde ele perante esta entidade, seja porque sobre ela recai diretamente o dano
por ele causado, seja porque ela se sub-roga no direito do terceiro, que tiver sofrido esse
dano: no primeiro caso, a responsabilidade do funcionário é primária; no segunco, deriva
do direito regressivo a que alude o parágrafo único do preceito constitucional citado (a Lei
n.º 4.619, de 28-4-1965, dispõe sobre o direito regressivo da União contra seus agentes).
O prejuízo deve ser efetivo, isto é, certo e atual; e não eventual ou futuro, incerto na sua
ocorrência ou na sua extensão. Deve ser direto, isto é, que seja uma conseqüência imediata
do ato imputado ao funcionário. Deve ser "material", isto é, economicamente avaliável;
mas admite-se a indenização do dano moral, quando acarrete para a vítima sofrimentos que
excedam um certo grau de gravidade (por exemplo, o dano estético: "Revue de Droit
Public", 1958, pág. 565); e a nossa Lei Federal n.º 4.117, de 27-8-1962, Código Brasileiro
do Ar, admite a reparação do dano moral pela calúnia, difamação ou injúria cometida por
meio de radiodifusão: "Na estimação do dano moral, o juiz levará em conta, notadamente,
a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do
ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa" (art. 84).
Se o prejuízo é o primeiro pressuposto da responsabilidade, o segundo é a ocorrência de
um ato do funcionário. O Estatuto dos Funcionários da União (art. 197) fala em
"procedimento doloso ou culposo" (sic) . A distinção, no caso, não tem sentido: nada
importa, para efeito de indenização, que o dano tenha sido resultante de dolo ou de culpa:
"La question de savoir si 1iagent a commis une faute avec ou sans intention de nuire est en
principe indiferente" (Planiol e Ripert, "Traité Élémentaire," II, n.º 863) .
Ressalta a culpa pessoal quando o ato é de todo estranho ao serviço público, isto é, quando
tenha ele ocorrido fora da qualidade de funcionário. Neste caso, não há maior dificuldade
para caracterizar a responsabilidade, e esta se rege pelos princípios do direito civil.
Mas, quando se trata de ato praticado pelo funcionário nesta sua qualidade, isto é, em razão
das suas atribuições, ou do funcionamento do seu serviço, ou mesmo em razão de um seu
ato não de todo destituí-do de ligação com o seu serviço, podem surgir dificuldades:
porque o ato ilícito pode decorrer de culpa do próprio serviço, objetivamente considerado,
sem culpa pessoal do funcionário, ou pode decorrer desta culpa pessoal.
Em outras palavras, um ato que cause dano a terceiro: a) pode ser estranho a qualquer
noção de culpa; b) pode consistir em culpa do serviço público, sem nenhuma culpa do
funcionário; c) pode expressar um procedimento culposo do funcionário. Na primeira
hipótese, haverá somente a responsabilidade do Estado, independente de culpa. Na segunda
hipótese, o Estado será responsável, não o funcionário. A responsabilidade funda-se na
culpa do serviço. Este, devendo funcionar, não funcionou; ou, funcionando, fê-lo mal ou
tardiamente. O Estado terá violado o dever, decorrente da lei ou regulamento que instituiu
o Serviço; uma culpa anônima do próprio serviço, o qual não funcionou ou funcionou
defeituosamente. Na terceira hipótese, há culpa do funcionário. Este pratica um ato ilícito
— ação ou omissão — e causa o dano. Agindo assim, acarreta ele também a
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30
responsabilidade do Estado: porque não estará funcionando bem o serviço cujo agente
utiliza mal os poderes desse serviço e com eles causa dano a outrem.
A violação dos deveres funcionais, isto é, dos deveres decorrentes de sua condição mesma
de funcionário, implica na responsabilidade disciplinar deste.
A repressão disciplinar, como o salienta Jêze ("Les Príncipes Généraux", 3, págs. 92 e 93),
tem em conta a melhoria do serviço público e, do fato mesmo de ser seu objeto essencial ao
funcionamento desse Serviço, submetem-se a ela todos os agentes públicos, enquanto
investidos na função. Não se submetem, porém, os altos funcionários, como o Presidente
da República, os governadores, os prefeitos, os ministros e secretários de Estado,
funcionários estes que estão fora da hierarquia, na qual se funda o poder disciplinar. Esses
não são subordinados a nenhum outro funcionário, ao qual pudesse caber o exercício desse
poder. Por definição, o poder disciplinar implica, de um lado, em contínua subordinação do
agente responsável e, por outro, em um poder administrativo de aplicar a este agente as
sanções corretivas da sua conduta. Quanto aos ministros e secretários de Estado, participam
eles da função governamental como auxiliar do Chefe de Estado (Constituição Federal, art.
81; Constituição do Estado da Bahia, art. 48); são órgãos integrantes do Governo e sua
posição constitucional é incompatível com a subordinação disciplinar. A condição de
demissíveis por ato do Chefe de Estado não os coloca, só por isto, em tal subordinação. O
poder de desinvestir não é necessariamente uma manifestação do poder disciplinar; nem
toda desinvestidura corresponde a uma punição.
A punição é, substancialmente, um ato administrativo e as faltas enumeradas na lei
constituem o motivo desse ato punitivo.
A lei enumera as faltas e as sanções disciplinares mas, de regra, não estabelece uma rígida
correlação entre umas e outras. Portanto, ocorrida uma falta disciplinar, para a qual a lei
não tenha determinado uma punição específica, é livre à autoridade aplicar uma das
sanções enumeradas. Não poderia o Judiciário anular a punição, sob pretexto de ser esta
muito severa. Cometeria ele uma invasão de poder, se quisesse restringir a competência
que a própria lei deferiu à Administração, para a escolha da punição mais adequada. Por
isto mesmo, é de subido valor o acórdão do STF, in "Revista do Serviço Público", 1944,
IV, 3/106: "O juiz não deve sobrepor seu critério pessoal ao da autoridade administrativa a
que a lei deferiu o exame do caso (demissão do funcionário), embora lhe pareça excessivo
o rigor na aplicação da pena".
Certos funcionários dispõem da guarda e do emprego de bens móveis, valores e dinheiros
do Estado. Também outras pessoas, em virtude de situação jurídica especial diversa da
condição de órgão do Estado, podem assumir igual disposição. A esses funcionários, ou a
essas pessoas para este efeito a eles equiparadas, corre a obrigação de restituir o bem
guardado, ou de dar a este o adequado emprego. Respondendo por esta obrigação, diz-se
que eles têm responsabilidade contábil, isto é, respondem pela exatidão das contas, ou seja,
pela importância necessária a que estas contas sejam reputadas boas ou bem prestadas.
Essa responsabilidade aproxima-se da responsabilidade civil, porque importa no dever de
pagar um valor econômico. Distingue-se, porém, porque não pressupõe um dano.
A ela estão sujeitos os gestores dos bens e dinheiros públicos, isto é, dos bens e dinheiros
pertencentes ao Estado. Não, porém, todos os dinheiros nem todos os bens a este
pertencentes. Não têm responsabilidade contábil: o motorista a cuja guarda está o veículo
do Estado, nem o soldado, obrigado a restituir o seu fuzil: "Isto demonstra que nem toda
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disposição, ou manejo, de dinheiro ou de bens, implica em qualificar o funcionário como
"responsável", mas que é necessário que essa disposição corresponda, explícita ou
implicitamente, de modo atual ou potencial, ao tipo de gestão prevista em termos abstratos
pela lei, ressaltando ainda que o seu titular, seja, ou não, funcionário, é investido de uma
função pública e tem, portanto, um poder jurídico conexo com os interesses públicos"
(Greco, fls. 303).
A responsabilidade contábil pressupõe que o titular da questão dos dinheiros esteja ligado
ao Estado por uma atividade econômica, no exercício da qual disponha de valores, arrecade
dinheiros ou realize despesas, na posição daquele a quem é confiado negócio de outrem.
O funcionário responde pessoalmente, e não na posição do órgão, embora disponha dos
dinheiros em razão desta posição funcional e para efeito mesmo do funcionamento do
serviço de que ele é órgão. A própria noção de dinheiros públicos está ligada à noção desse
funcionamento do serviço. "Dinheiros públicos são aqueles cujo pagamento,
correspondendo a uma obrigação preexistente, relativamente a um serviço público tem por
efeito extinguir essa obrigação; ou não existindo uma tal obrigação, tem por efeito, fazê-la
nascer como uma obrigação do serviço" ("Colloques", Grenoble, II, pág. 508).
Trata-se de uma definição correspondente à noção orgânica do serviço.
Resulta daí que a qualidade de dinheiro público pertence aos dinheiros dos serviços
públicos em sentido orgânico, isto é, da Administração Pública e das entidades
administrativas (autarquia, Municípios, etc.) ; ainda que esse dinheiro se destine ao
pagamento de uma obrigação de direito privado (o emprego do dinheiro recebido por
adiantamento orçamentário, para o pagamento de aluguel de casa locada ao Estado,
acarreta a responsabilidade contábil do funcionário responsável).
Mas, nem todos os funcionários estão sujeitos à responsabilidade contábil: razões de ordem
histórica e política excluem dessa responsabilidade os ordenadores da despesa, órgãos do
Governo que respondem politicamente perante o Parlamento.
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DAS NOTÓRIAS ESPECIALIZAÇÕES
WALDYR CASTRO QUINTA(*)
O Decreto-lei Federal 200, de 1967, consagra todo um capítulo às licitações para compras,
serviços e obras do interesse público. A regra, contida naquele diploma, é de que as
necessidades no campo de obras, serviços ou materiais obrigam à procura de quem melhor
e mais convenientemente possa atendê-las.
As exceções à regra legal das licitações não são muitas, e quase todas vêm claramente
explicadas. Mas uma, já de seu próprio enunciado, tem causado perplexidades e confusões.
É a que afirma dispensáveis as licitações para a "contratação de serviços com profissionais
ou firmas de notória especialização".
No que é que consistiria a especialização notória dos profissionais e firmas com que os
serviços públicos pudessem fazer negócios independentemente da licitação imposta como
regra pelo Decreto-lei 200?
Os dicionários (e entre eles busquemos o de Caldas Aulete) ensinam que alguém pode ser
especialista, pode estar a desempenhar funções de alguma especialidade, sem todavia ter
propriamente uma especialização. A especialidade, ao que ensina o prestante dicionário, é
o "ramo de estudos ou trabalhos a que alguém se dedica em particular" e, no caso, aquele
que tem a "habilidade ou prática especial" para bem realizar trabalhos ou estudos especiais
é um especialista. Mas, sendo especialista, somente será o detentor real de uma
especialização se, no seu campo de atividade, houver conquistado uma particularização,
uma "singularização", uma posição que o situe como digno de "menção especial" ou o faça
apontado como em situação de "primazia" dentre quantos ostentem a mesma especialidade.
Num meio em que há cinco médicos cardiologistas, todos os cinco evidentemente são
especialistas no tratamento de afecções cardíacas; mas se algum deles se avantaja aos
demais, destes se distinguindo pela "particularização" dos méritos e da habilidade, como os
outros tem a "especialidade" e nenhum dos outros tem a "especialização" que ele tem, e
somente ele.
Para o Decreto-lei 200, a especialização só ensejará uma dispensa de licitação se for
notória, isto é, pública, do conhecimento geral, "sabida de todos". Não basta, assim, que a
autoridade imagine estar encomendando serviços a um especialista que tenha a
especialização, se ele não a tiver, no consenso público: para que se possa dispensar a
(*)
Presidente do Tribunal de Contas de Goiás.
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licitação, é sempre mister que ninguém duvide de que o serviço será prestado por aquele
que reúne as qualificações para a melhor prestação possível.
Com isto, nem todo especialista pode ser contratado sem aquela pesquisa inicial da melhor
capacitação, que vem das licitações. Quando a lei dispensa os convites, as tomadas de
preços e as concorrências para o contrato de "profissionais ou firmas de notória
especialização", ela apenas está a dizer que se alguém já é sabidamente "o melhor" e se
dispõe a prestar os serviços encomendados pela administração pública, toda licitação já
está, por isso e desde logo, absolutamente desnecessária, pois ninguém pode mais duvidar
de que "a melhor escolha possível" se configurou desde o momento em que o proponente,
como titular da justa fama de excelência na escala dos valores da sua especialidade, se
ofereceu para executar o trabalho.
Se, ao revés, não houver ninguém com a especialização disposto a prestar o serviço, será
obrigatório fazer a licitação, para apurar quem, dentre os especialistas interessados, se
revelará o mais capacitado para um conveniente desempenho da espécie do desejado. No
caso, diversificando-se as ofertas pela variedade das capacitações, sem nenhuma capaz de
merecer particular distinção, o não fazer licitação para apurar quem faz melhor é violentar
a lei, na sua letra e no seu espírito.
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DOS RECURSOS NO TRIBUNAL DE CONTAS
MARCOS AFONSO BORGES(*)
Antes de abordarmos especificamente a matéria recursal, imprescindível se torna, a nosso
ver, uma perquirição sobre a estrutura funcional do Tribunal de Contas no Brasil, a fim de
que possamos analisar a natureza dos atos decisórios dele emanados.
Embora esteja mais ou menos assentado o entendimento no sentido da completa
independência desse órgão estatal, em suas relações com os poderes da República, persiste
ainda o debate sobre o caráter de suas atribuições, se meramente administrativas, ou se
também judiciais.
Dando ao Tribunal de Contas atividades meramente administrativas, o ilustre
constitucionalista Sahid Maluf leciona que: "não se poderia sustentar a sua natureza
judiciária, pois a jurisdição contenciosa que lhe é inerente consiste em julgar contas, não
pessoas", e que por isso "seria um órgão judicante sui generis, circunscrito ao terreno
administrativo" (Curso de Direito Constitucional, vol. II, pág. 210).
Não assiste, data venia, razão aos que assim pensam.
Como bem assevera Alberto Deodato, embora costume-se dividir os órgãos fiscalizadores
de contas em legislativos, judiciários e administrativos, quase todos os tipos vigentes nos
diversos países, em que existe esse controle, são mistos, ora preponderando um elemento,
ora outro (Manual da Ciência das Finanças, pág. 384).
No Brasil, ao contrário do que ministra Sahid Maluf, os Tribunais de Contas não exercem
apenas função administrativa mas também judiciária, porque pelo seu conteúdo as decisões
sobre contas não somente as julgam, mas de igual modo envolvem as pessoas que as
prestaram, e uma vez constatado o débito, o infrator tem que recolher ao órgão fazendário a
importância do alcance.
No ato decisório há uma condenação imposta ao infrator, julgado em débito. Essa
condenação é final definitiva e não comporta novo pronunciamento de qualquer outro
órgão julgador.
A necessidade, às vezes, da propositura de ação de cobrança não desvirtua a função
judicante da Corte de Contas, isto porque em tal hipótese a justiça ordinária funciona como
mero instrumento de efetivação da sanctio /uris emanada daquele órgão.
(*)
Professor nas Faculdades de Direito das Universidades Federal e Católica de Goiás. Procurador da Fazenda
junto ao Tribunal de Contas.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
37
A justiça comum é mera executora da decisão, não possui competência para investigar a
causa debendi, e conseqüentemente da condenação, nem modificá-la.
Ressalta, pois, aos olhos que a atividade desenvolvida pelo Tribunal de Contas, em tais
hipóteses, não é meramente de jurisdição administrativa, mas e sobre tudo judicante,
contenciosa inter nolentes com relação ao objeto, e especial, porque se refere a matéria
exclusivamente de sua competência.
Partindo desse pressuposto — exercício de função mista —, vejamos agora de que forma
se materializam estas atuações, para daí podermos verificar quais as decisões passíveis de
recursos.
Reza o art. 62 da Lei n° 6.830 de 12 de dezembro de 1967 (Lei Orgânica do Tribunal de
Contas do Estado de Goiás), corroborado pelo art. 49 da Resolução n° 1.733 de 22 de
dezembro de 1967 (Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Goiás) :
"Serão proferidos pelo Tribunal de Contas:
I - em forma de acórdãos, os atos que julgar contas:
a) dos responsáveis mencionados nos arts. 36 e 39;
b) da aplicação de auxílio concedido a Município pelo Estado ou por suas
autarquias e fundações;
II - em forma de resoluções, os demais atos."
Pelo exposto, duas são, portanto, as formas de manifestação do órgão colegiado de contas:
acórdãos e resoluções. Na primeira caracteriza-se a função judicial do Tribunal, na segunda
a administrativa. Aquelas são passíveis dos recursos adiante mencionados, estas de
recursos administrativos.
Tal conclusão torna-se ainda mais evidente quando o art. 45 da mencionada lei, secundado
pelo art. 152 do Regimento, estabelece de forma taxativa que:
"Das decisões do Tribunal de Contas nos processos de prestação e tomada de
contas são admissíveis:
I — embargos;
II — recurso de revisão."
Desta forma, verifica-se que nesse órgão colegiado as decisões, quando referentes ao
julgamento de contas, podem ser reapreciadas através do emprego dos recursos de
embargos e de revisão.
Antes, porém, de constatarmos se aqui também têm aplicação os princípios da teoria geral
dos recursos do Direito Processual, conceituemos os remédios admitidos, que têm por
objetivo a i eforma ou modificação total ou parcial de uma decisão desfavorável.
Os embargos, de origem portuguesa, no nosso direito, "são o recurso interposto perante o
mesmo juízo em que se proferir a decisão recorrida, visando a sua declaração ou reforma"
(Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, pág. 143).
Pela definição acima existem duas espécies de embargos: os reformatórios, que se
denominam infringentes, e os de declaração, chamados declaratórios.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
38
Torna-se necessário, outrossim, ressaltar que na realidade esta segunda espécie de
embargos não constitui efetivamente um recurso, pois objetiva somente a declaração da
omissão ou obscuridade do ato embargado, e não a sua modificação total ou parcial.
Com a acepção e as mesmas características do processo comum os embargos infringentes e
declaratórios são utilizados no Tribunal de Contas, quando fundamentados,
respectivamente, em pagamento ou quitação de quantia fixada como alcance (art. 46, I, da
Lei n° 6.830, e art. 153, I, do Regimento Interno), ou na necessidade de esclarecimento de
algum ponto obscuro, ou na supressão de omissão do julgado (art. 46, II, da Lei 6.830, e
art. 153, II, do Regimento Interno).
Já a revisão, que no sentido jurídico `é o exame, o estudo ou análise acerca de alguma coisa
para que corrijam ou se modifiquem os enganos ou erros, que nela se encontrarem" (De
Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, vol. IV, pág. 1.381) tem o mesmo sentido da revisão
criminal do Processo Penal, não encontrando qualquer semelhança com o sentido
processual civil da revisão, que constitui ato pelo qual nos juízos colegiados, o juiz revisor
examina o relatório apresentado pelo julgador relatór.
No Tribunal de Contas intenta-se esse recurso assentado em:
"I — erro de cálculo, nas contas;
II — omissão, duplicata, ou errada classificação da verba do débito ou do
crédito;
III — falsidade de documento em que se tenha baseado a decisão;
IV — superveniência de novos documentos em eficácia sobre a prova
produzida" (art. 47 da Lei n.º 6.830, e art. 157 do Regimento Interno).
No entanto, para que alguém utilize desses meios em juízo, mister se faz a verificação se o
postulante e sua peça recursal preenchem determinados requisitos, denominados
pressupostos, que são de duas ordens:
subjetivo e objetivos.
Pelo primeiro, a pessoa para recorrer tem que ter legítimo interesse, e somente o tem quem
sofreu prejuízo com a decisão. Refere-se, portanto, à titularidade do recorrente.
Os pressupostos objetivos, que são quatro, dizem respeito particularmente ao recurso em si,
sem levar em consideração o elemento volitivo. São eles: recorribilidade — a decisão deve
ser passível de modificação; tempestividade — o remédio tem de ser interposto no prazo
estabelecido em lei; adequação — deve ser o adequado à espécie; singularidade — não
podem interpor ao mesmo tempo dois recursos; fundamentação ou motivação — o
recorrente está obrigado a esclarecer quais os motivos de fato e de direito que o levaram a
pedir a modificação da decisão.
Quanto à legitimidade, rezam os artigos 45 da Lei 6.830 e 152 do Regimento Interno que
os recursos, admitidos em lei, podem ser interpostos pelos responsáveis, por seus herdeiros
e fiadores e pelo Procurador Geral da Fazenda.
No que se refere aos pressupostos objetivos também os dispositivos reguladores, na Corte
de Contas, obedecem o princípio geral do Direito Processual.
Se não vejamos:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
39
Os artigos 45, 46 e 47 da Lei 6.830, atrás invocados, bem como os artigos 153 e 157 do
Regimento Interno, estabelecem quais as decisões recorríveis (recorribilidade), os recursos
cabíveis (adequação), dispondo, outrossim, o § 2º do art. 45 da Lei 6.830 e o § 2º do art.
152 do Regimento Interno que nenhum recurso poderá ser interposto mais de uma vez com
o mesmo fundamento (singularidade). Os prazos (tempestividade) estão fixados nos artigos
461, § 1º, 47, § 2º, letras a, b e c da Lei n.º 6.830 e 153, § 1º, 159, incisos I, II e III do
Regimento Interno.
A exigência da fundamentação está implícita no direito de peticionar. Recurso sem
fundamentação não é recurso.
Relativamente ao procedimento, há uma diferença substancial entre o processo comum e o
do Tribunal de Contas. Neste o julgamento dos embargos e da revisão é feito em duas
etapas: na primeira decide-se do recebimento recurso (art. 155, I, e 162, I do Regimento
Interno), após o que em o recebendo, determina o órgão julgador sua instrução: informação
do Departamento de Tomadas de Contas da Secretaria da Fazenda, parecer do Procurador
Geral da Fazenda, e relatório conclusivo da Auditoria Financeira e Orçamentária (art. 155,
parágrafo único, a, b e c; art. 162, § 1º, a, b e c do Regimento Interno). Isto feito é
apresentado em plenário para julgamento do mérito.
Os embargos são apreciados e julgados sempre pelo órgão prolator da decisão embargada.
Assim, as Câmaras apreciam e decidem os acórdãos por elas proferidos, o mesmo
acontecendo com relação ao Tribunal Pleno (art. 46 da Lei 6.830, e 153 do Regimento
Interno).
Já a revisão é da competência exclusiva do Tribunal Pleno (art. 47, § 4° da Lei 6.830, e art.
158 do Regimento Interno).
Os embargos têm efeito suspensivo (art. 46, § 2° da Lei 6.830 e art. 153, § 2º do
Regimento Interno).
A revisão tem, normalmente efeito suspensivo, exceto, porém, nos seguintes casos:
"I — de ser interposto dentro de seis meses, contados da publicação das
conclusões do julgado no Diário Oficial;
II — vier o recorrente a prestar caução do débito, quando interposto depois de
seis meses da publicação do julgado pela forma prevista no item 1" (art. 47 § 3º
da Lei 6.830, e art. 160 e incisos do Regimento Interno)."
O assunto aqui abordado, como se vê, é bastante atraente e comporta estudo de porte.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
40
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
41
FUNDAÇÃO CRIADA PELO PODER PÚBLICO.
A FINALIDADE PÚBLICA
ROBERTO ROSAS
1. Conceito de fundação.
2. Da fundação privada à fundação criada pelo Poder
Público.
3. Personalidade jurídica.
4. Alcance da expressão paraestatal.
5. Criação e extinção.
6. Competência judiciária: justiça comum e justiça do
trabalho.
7. Tutela administrativa.
8. As fundações no complexo administrativo do Distrito
Federal.
9. Conclusões.
1. A pessoa jurídica fundação deriva do destino de um patrimônio que se vincula a
determinado fim. Alguém por ato intervivos ou mortis causa, delibera sobre a destinação
de certos bens ou valores para a constituição dessa pessoa jurídica.
De acordo com o art. 24 do Código Civil são requisitos para a instituição da fundação:
dotação de bens livres; especificação de finalidades; maneira de administração; registro.
Até aí estamos diante da fundação de direito privado, onde alguém resolve afetar
determinados bens, que sejam: dinheiro, imóveis ou móveis.
Qual seria a situação da fundação instituída pelo Poder Público através de lei? Mostram os
autores italianos e alemães que as fundações públicas são anteriores às autarquias
administrativas (Cino Vitta, Renato Alessi, Ernest Forsthoff, Otto Mayer). No Brasil
ocorreu o inverso. As autarquias surgiram como forma de descentralização e
desburocratização, chegando depois à hipertrofia.
2. Já Eduardo Espínola frisava que a fundação pública, assim chamada, consistia na
posição do Estado com intuito de promover o progresso e o aperfeiçoamento dos
indivíduos ou de assisti-los e socorrê-los, em caso de necessidade. Então, pode fundar seres
autônomos e elevá-los à categoria de pessoas jurídicas.1
No Brasil, a fundação privada antecipou-se à autarquia, e mesmo à chamada fundação de
direito público. Basta ver que o projeto Bevilácqua já previa as fundações. No entanto, a
1
Eduardo Espínola, Sistema I, 425.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
42
fundação criada pelo Poder Público generalizou-se no Brasil, com vários objetivos, e com
diversas estruturas.
3. Cretella Júnior, em seu conceituado Dicionário de Direito Administrativo, considera a
fundação pública como pessoa jurídica de direito público interno, espécie do gênero
autarquia. Ousamos discordar do ilustre Mestre mais para evitar a pena legiferante que
transforma tudo em fundação, e dá status de autarquia.
Com evidência temos a destacar a administração direta, a autarquia, a empresa pública e a
fundação. Não equiparemos a fundação à autarquia. Nem por semelhança, sob pena da
criação de institutos ociosos. Ou é autarquia, ou é fundação. Esta destina-se à
descentralização, à realização de objetivos que não podem ficar no âmbito angusto da
administração direta ou da autarquia. Se a própria Lei (D.L. n° 200/900) considera a
empresa pública como pessoa jurídica de direito privado, logo a fundação não poderá ficar
nesta personalidade? O simples fato da criação em virtude de lei, não será motivo,
porquanto a empresa pública assim é instituída. Se a fundação tem prerrogativas, também a
entidade privada pode ter (verbas, isenção, etc.).
Como deixamos entrever, a personalidade jurídica das fundações tem sido controvertida
apesar de grande número de administrativistas aceitar a personalidade jurídica de direito
privado.
Para Hely Lopes Meireles toda fundação é pessoa jurídica de direito privado, seja sua
finalidade particular, seja do direito público (R.F. 220/66) . Na mesma linha está Manoel
de Oliveira Franco Sobrinho, observando que a Fundação é pessoa jurídica de direito
privado. A diferença está entre a fundação privada com fins e objetivos públicos.2 Cretella
Júnior defende a fundação com a personalidade jurídica de direito público, considerando-se
surpreso com a equiparação que o Decreto-lei n° 200 fez das fundações às empresas
públicas, se esta é pessoa jurídica de direito privado (R.F. 221/33) .
Cretella Júnior sintetiza seu estudo sobre a fundação ao considerá-la como pessoa jurídica
de direito público visando e determinado objetivo.3
O Decreto-lei n° 200, que dispôs sobre a organização da Administração Federal e
estabeleceu diretrizes para a Reforma Administrativa, equiparou às empresas públicas as
fundações instituídas em virtude de lei federal, para os efeitos do Decreto-lei n.º 200 (art.
4º, § 2º). Portanto, nos limites da Reforma Administrativa. Para o Decreto-lei n.º 200,
empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com
patrimônio próprio e capital exclusivo da União (art. 5º, II) . José de Nazaré Teixeira Dias,
um dos colaboradores da feitura do Decreto-lei n° 200, é peremptório:
"Quanto às Fundações instituídas pela União, nota-se que a Lei de Reforma Administrativa
evitou classificá-las entre as categorias da Administração Indireta, a fim de resguardar, ao
máximo, sua condição de entidade privada, basicamente relacionada ao Código Civil."4
A despeito da personalidade jurídica de direito privado, aliás na mesma linha traçada pelo
Código Civil (art. 16, I) muitos chamaram-nas de fundações de direito público, pelo
simples fato da instituição pela União, através de lei federal. Daí concluiram que, à luz da
Constituição de 1967, as fundações estavam no mesmo pé das empresas públicas para a
2
Fundações e Empresas Públicas, pág. 10.
Tratado de Direito Administrativo VII/73.
4
A Reforma Administrativa de 1967, pág. 87.
3
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
43
aplicação dos textos constitucionais: acumulação de cargos, competência jurisdicional,
dotações públicas, afetação do patrimônio, participação orçamentária. Clóvis Bevilácqua já
assinalara a possibilidade do Estado criar fundações, e entre elas, apontava os institutos de
ensino (Código Civil, I, 193). Criaram-se fundações (v.g. Fundação Brasil Central,
Fundação Rádio Mauá, Fundação da Casa Popular), na verdade, autarquias como assinalou
Oscar Saraiva (R.F. 100/233) .
Dessa orientação, surgiria a impossibilidade da acumulação de um cargo público com outro
de magistério em fundação criada por lei federal. E nessa situação, estavam quase todas as
fundações ditas de direito público, pois, seus professores mais categorizados acumulavam,
e em vista disso, desacumulariam em massa, em prejuízo evidente do ensino brasileiro
(R.D.A. — 102/414), se bem que a Constituição não enquadra as fundações para fim de
acumulação (art. 99 § 2º) . Em decorrência surgiu o art. 3º do Decreto-lei n° 900, de 28 de
setembro de 1969:
"Não constituem entidades da Administração Indireta as fundações instituídas
em virtude de lei federal, aplicando-se-lhes, entretanto, quando recebam
subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, a supervisão
ministerial de que tratam os arts. 19 e 26 do Decreto-lei n.º 200, de 25 de
fevereiro de 1967."
Portanto, expressamente a lei retirou do rol da Administração Indireta as fundações ditas de
direito público.
A criação da pessoa jurídica pelo Poder Público não desnatura a personalidade de direito
privado. A finalidade pode ser pública, nem por isso terá personalidade de direito público.
O conceito de pessoa jurídica da fundação instituída por liberalidade privada, ou pelo
Estado, para fim de utilidade pública ou de beneficência, não será desvirtuado pelo fato da
criação da fundação pelo Estado. Como o particular cria a fundação, também o Estado a
pode criar, dando-lhe benefícios como dá ao particular. Este pode instituir um fundo de
manutenção, renda, etc., como são os exemplos americanos das Fundações Ford,
Rockefeller, e ainda o Estado poderá beneficiar a sua criação com a isenção,
excepcionalidade em matéria judicial como ocorreu com o Decreto-lei n° 779/69 que dá o
prazo em dobro para o recurso e dispensa de depósito para interposição de recurso, das
fundações de direito público.
4. Hely Lopes Meireles observa que a evolução da fundação constituiu uma nova espécie
do gênero paraestatal, por passar a auferir contribuições parafiscais do Poder Público, deste
recebendo delegações para a execução de serviços e atividades de interesse coletivo,
porém, acentua o acatado jurista, mesmo estas, não perdem a sua personalidade privada,
nem se estatizam a ponto de serem consideradas órgãos autônomos estatais, ou entidades
públicas.5
Na tese de concurso do Prof. Sérgio de Andréa Ferreira, da Universidade do Estado da
Guanabara, que trata exaustivamente das entidades paraestatais, isto é, as pessoas jurídicas
de direito privado criadas pelo Estado, para comporem a Administração Indireta, diz-se
expressamente: "Com o advento do Decreto-lei n° 900, de 1969, como já focalizamos, as
5
Direito Administrativo Brasileiro, 1966, pág. 311.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
44
fundações privadas instituídas pelo Governo Federal foram excluídas da Administração
Indireta, isto é, perderam a qualidade de entidades paraestatais"6.
Acentua Zanobini que o decreto-lei italiano que em primeira mão rezava a expressão ente
paraestatal se contrapunha a ente público 7.
Por isso, Miguel Reale acentuou:
"Não é demais observar que o termo "paraestatal" se presta a duas
interpretações diametralmente opostas, segundo o angulo por que se considere o
assunto e se interprete o prefixo grego "para" Segundo alguns, a
paraestatalidade seria própria de certas instituições privadas que estão "juntas ao
Estado", ou são "paralelas ao Estado", pelo fato de receberem delegação estatal
para exercer certas funções de interesse coletivo."
Não há dúvida que essa expressão é controvertida há muitos anos. Já o Código Penal de
1940 mencionava a entidade paraestatal para os eleitos do crime de peculato (art. 327).
Cretella Júnior é acertado em afirmar que a melhor doutrina sustenta que são paraestatais
as autarquias porque conservam fortes laços de dependência burocrática8.
Ainda, admitindo-se os empregados celetistas das autarquias, como servidores públicos,
não podemos adotar o mesmo princípio constitucional da acumulação (art. 99 § 2º) que
estendeu o princípio às autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Da distinção entre funcionário e empregado criada por Otto Mayer chegamos à unificação
do conceito de servidor público. Todos guardam em comum uma particularidade: estão
sujeitos à disciplina do direito administrativo. Se os empregados das fundações não se
subordinam às regras do Direito Administrativo, logo não são servidores públicos.
Também não se concebe, no estágio atual, considerar as fundações de direito privado
instituídas pelo Poder Público como entidades paraestatais.
As entidades paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelo Estado,
compondo a Administração Indireta9.
Aliás, a expressão paraestatal tem servido a várias acepções, como no art. 327 do Código
Penal, e até no Anteprojeto de Organização do Conselho das Profissões Liberais que dava a
natureza jurídica de "autarquia paraestatal".
5. Notamos o uso exagerado da expressão fundação. Mencionemos a Fundação Nacional
do Índio (FUNAI). A Lei n° 5.371, de 5-12-1967, que autorizou a instituição da Fundação
Nacional do índio para estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política
indigenista, estendeu à FUNAI os privilégios da Fazenda Pública quanto à
impenhorabilidade de bens, rendas e serviços, prazos processuais, ações especiais, juros e
custas. Já o Estatuto do índio (Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973) compete também
à administração indireta da União a proteção das comunidades indígenas e a preservação
dos seus direitos, cabendo ao órgão federal de assistência ao índio, isto é, a FUNAI, a
defesa judicial ou extra-judicial dos silvícolas e das comunidades indígenas (art. 35). Vê-se
6
As Fundações de Direito Privado instituídas pelo Poder Público no Brasil, pág. 78.
Corso di Diritto Amministrativo, pág. 128 — 1.. vol., 8. ed.
8
Tratado — Vol. VII/14; Celso Antônio Bandeira de Mello — Prestação de Serviços Públicos e
Administração Indireta.
9
Hely Lopes Meireles, Direito Administrativo, págs. 281, 283, 295; Cotrim Neto, Conceito Jurídico de
entidade "paraestatal" — R.D.A. 83/32; Oscar Saraiva, Estudos, pág. 34.
7
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
45
quão foi atropelado o conceito de fundação com uma série de vantagens inerentes às
autarquias.
Através da Lei n.º 3.998, de 15-12-1961 o Poder Executivo foi autorizado a instituir a
Fundação Universidade de Brasília que tem por objetivo criar e manter a Universidade de
Brasília. A Fundação é entidade autônoma, com patrimônio pela citada lei, constituído: por
dotação pecuniária, pela renda das ações ordinárias nominativas da Companhia Siderúrgica
Nacional pertencentes à União, pelos terrenos destinados, no Plano Piloto, à construção de
uma universidade em Brasília, pelas doações e subvenções da União, Distrito Federal,
entidades públicas ou particulares. Por outro lado, a Universidade goza de autonomia
administrativa, financeira e disciplinar (art. 13).
Vejamos, portanto, quais os requisitos de fundações, destacados na Fundação Universidade
de Brasília, ex-vi do art. 24 do Código Civil:
a) Dotação de bens livres (terrenos, rendas).
b) Especificação das finalidades (criação e manutenção da Universidade de Brasília).
c) Maneira de administração (Reitoria e órgãos auxiliares).
d) Títulos da dívida pública (art. 25 do Código Civil) — Renda das ações nominativas da
Companhia Siderúrgica Nacional de propriedade da União.
e) Estatutos (art. 27, do C.C.) aprovados pelo Presidente da República.
f) Fim da instituição (art. 30 do Código Civil) — Destinação dos bens.
Portanto, todos os pressupostos para a existência da Fundação previstos nos arts. 24 e
seguintes do Código Civil estão aí.
Quanto à Supervisão Ministerial prevista no Decreto-lei n° 900, a Universidade de Brasília
a tem do Ministério da Educação e Cultura, como tem qualquer Universidade particular. Se
alguma instituição obtiver dotação orçamentária, estará implicitamente vinculada ao
Ministério inerente à atividade dessa instituição. Em geral, ao Conselho Nacional do
Serviço Social do MEC.
Quanto ao orçamento universitário, este não está incluído na disciplina constitucional do
art. 62 que compreende no orçamento anual as despesas e receitas relativas a todos os
Poderes, órgãos e fundos, tanto da Administração Direta quanto da Indireta. Suas contas
serão apreciadas pelo Tribunal de Contas porque a Constituição afeta à Corte a apreciação
das contas dos responsáveis por valores públicos (art. 70 § 1°). Ora, se há dotação
orçamentária, logo terá que prestar contas. A Lei n° 5.540 sobre a reforma administrativa
determinou a organização das universidades em autarquias ou fundações, portanto bem
discriminou.
6. Em decorrência, vários princípios foram fixados. Assim, quanto à competência para
julgar as questões de interesse dessas fundações: a Justiça Comum.
Também aplicável a regra aos dissídios trabalhistas10.
O Tribunal Superior do Trabalho examinou com minúcias o sentido da expressão
"fundação de direito público", para distingui-la das outras fundações (R.R. n.º 788/72 —
D.J. 26-6-73 — pág. 4.641).
10
Luiz Fernando Coelho — As Fundações Públicas e o Processo Trabalhista. Ltr Maio de 1972. pág. 366.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
46
A propósito do tema, o Ministro Mozart Victor Russomano, em soberbo despacho analisou
a posição das fundações, frisando:
“...........................................................
A fundação é pessoa de Direito Privado, na forma do Código Civil. A
circunstância de o Estado ser o instituidor da fundação não altera a sua natureza
jurídica, no contexto da legislação nacional.
A pessoa do instituidor, sim, é do Direito Público; o ato de instituição (lei)
também é ato do Direito Público; mas, a pessoa que nasce da intenção e do ato
do Estado é uma pessoa jurídica de direito privado, sujeita, assim, a todas as
regras do Direito do Trabalho, inclusive quanto à competência jurisdicional
demarcada no art. 142 da Carta.
Não estaria completo este despacho se não fosse considerado outro aspecto.
A competência da Justiça do Trabalho para apreciação de ações contra
fundações criadas por lei poderia ser discutida, mais facilmente, no antigo
regime do Decreto-lei n.º 200.
Muito embora o art. 4.º § 2.º do Decreto-lei n.º 200 definisse a fundação como
pessoa jurídica de Direito Privado, ao equipará-Ia às empresas públicas (art. 5º,
inc. II ), o fato é que, ao fazer essa equiparação, o legislador incluiu as
fundações instituídas pelo Estado entre os órgãos de administração indireta,
enunciados no inciso II, do mencionado art. 4º.
À nova redação do art. 5º, no que concerne às empresas públicas, aplicável às
fundações, em virtude do preceito do art. 4º, § 2º do Decreto-lei n.º 200,
reduziu, sensivelmente, aquele argumento e contribuiu para que a fundação
instituída por lei mantivesse, mais ostensivamente, sua verdadeira natureza".
(D.J. de 21-6-74 — Pág. 4.343).
Sobre a competência da Justiça do Trabalho decidiu o STF no R.E. no 72.640 — RTJ
67/478; R.E. n° 72.641 — RTJ 69/440).
Em relação à FUNAI decidiu o Supremo Tribunal pela competência Estadual para o
julgamento de suas causas (R.E. n.º 78.289 — D.J. de 17-10-74).
O Tribunal Federal de Recursos teve oportunidade de acentuar que a decisão proferida
contra uma fundação (FUNABEM) instituída por lei não está sujeita ao duplo grau de
jurisdição (art. 475, II do C.P.C. ), como se fosse sentença proferida contra a União, nem
considera como vencida a Fazenda Nacional para os efeitos do art. 20 § 4º referente a
honorários (Apelação Cível n.º 38.326 — D.J. de 18-3-75, pág. 1.600).
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu pelo não cabimento de mandado de
segurança contra a Fundação Hospitalar do Distrito Federal que limitara a idade para
inscrição em concurso. Diz a ementa do acórdão:
"Concurso para emprego em Fundação, pessoa jurídica de direito privado.
Ataque de condição exigida para a seleção de pessoal de vínculo contratual,
pelo mandado de segurança. Recursos providos, ante a inidoneidade do remédio
eleito, só cabível contra atos de administradores particulares, nos estritos casos
de exercício de funções delegadas de poder público. Os atos decorrentes da
seleção e da administração de pessoal, sem vínculo estatutário ou legal, são de
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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natureza privada. Seriam atos públicos delegados, na espécie, por exemplo, os
praticados no exercício da polícia sanitária". (D.J. de 3-3-75 — Apelação n.º
3.819).
7. A tutela administrativa ou controle administrativo na expressão de André de Laubadêre é
poder conferido ao órgão de uma pessoa coletiva de intervir na gestão de outra pessoa
coletiva autônoma, autorizando ou aprovando os seus atos, suprindo a omissão de seus
deveres legais ou fiscalizando os seus serviços.11 Mas aqui também enquadramos as
fundações criadas segundo o Código Civil veladas pelo Ministério Público do Estado onde
situadas (art. 26). Enfim, é a própria tutela da pessoa jurídica limitada a seus fins
determinados.
8. A Lei n.º 4.545, de 1°-12-1964, que dispôs sobre a reestruturação administrativa do
Distrito Federal compreendeu na Administração descentralizada as fundações instituídas
por ato do Poder Público. Não falou em administração direta ou indireta. Dizia o art. 1º do
Decreto n.º 47.832, de 4-3-60: "Fica instituída a Fundação Educacional de Brasília, com a
finalidade de organizar e manter, na Nova Capital, estabelecimentos de ensino de grau
médio".
9. A expansão administrativa brasileira tem propiciado o desenvolvimento da estrutura da
administração, com o escopo de descentralizar e dinamizar, o que tornará mais ágil as
atividades do Estado. Mas desde a completa submissão aos princípios da tradicional
administração consubstanciados na Administração Direta, partiu o administrador para
novas formas com a autarquia, a empresa pública e a fundação. O Estado tornou-se
empresário cem a empresa pública, porque a autarquia que fora a grande solução
descentralizadora, não mais atendia a essa missão. Criou a fundação quando a autarquia, já
hipertrofiada, e a empresa pública não tinham cabimento, como ocorre com as fundações
culturais e universitárias.
Daí concluimos que cada ente da administração cumpre determinada finalidade.
Aprioristicamente dizer-se que é o Estado através das várias pessoas é simplista o
argumento. Então não haveria necessidade dessa fragmentação. O Estado necessita de
agilizar suas atividades, transformando os monstros sagrados da administração em
operosos seres dinâmicos. Foi criar a empresa pública com as características, tout cotürt, da
empresa; e a fundação nos moldes civilísticos. Não repugnará ao administrador essa
convivência com princípios privatísticos. A idiossincrasia é contrária aos princípios do
direito mode: no. O jurista que só vê os princípios publicísticos ou só idéias privatísticas,
não conciliou o direito novo com os fatos contemporâneos. Por isso não entendemos a
fundação como estanque no Direito Privado e não podendo ser utilizada pelo Poder
Público.
A fundação é pessoa jurídica de Direito Público com finalidades diversas da Administração
Direta ou a autarquia. Compará-la à autarquia é simbiose de contrastes. Equipará-la à
empresa pública é transformá-la em empresário.
Ao Estado não se veda a criação da função dirigida a um interesse público, por isso é
pessoa jurídica de direito privado.
11
André de Laubadêre — Traité, pág. 90.
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II. - VOTOS E PARECERES
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1 — PROCESSO N.° 693/71
Relator: Conselheiro HERACLIO SALLES
Licença especial. Cômputo em dobro. Alcance do art. 103
da Emenda Constitucional n° 1. Desnecessidade da Lei
Complementar. As regras gerais para a contagem de tempo
de serviço com vistas à aposentadoria permaneceram em
vigor, ex vi do § 3º, número II, do art. 102 da Emenda
Constitucional.
VOTO
Estou devolvendo a seu ilustre relator, Conselheiro Cyro dos Anjos, o Processo de número
693/71, do qual pedi vista no interesse de examinar a tese sustentada pelo douto
Procurador-Adjunto, Dr. José Guilherme Vilella, segundo a qual o benefício estatutário do
cômputo em dobro da licença especial não gozada estaria vedada pelo Artigo 103 da
Emenda Constitucional n.º 1(*).
Embora seja esta Corte soberana em suas decisões, que podem contrariar in totum os
pontos de vista da Procuradoria-Geral, na realidade tal hipótese não costuma ocorrer, e, de
um modo geral, o voto de cada um de nós tem coincidido com os pareceres de que se
acompanham, obrigatoriamente, determinados tipos de processo, quer os firmados pela
eminente Doutora Procuradora-Geral, quer os que vêm a Plenário sob a responsabilidade
dos Procuradores-Adjuntos, de cada um dos quais pode dizer-se que honra esta Casa com
sua presença e a enriquece com sua cultura jurídica. Acrescido ao saber o zelo com que
desempenha sua missão, a Procuradoria-Geral converte-se em fator de segurança de nossas
decisões, que somente por exceção e por divergências eventuais, situadas no plano alto da
doutrina, podem deixar de coincidir com os pareceres que dela nos habituamos a receber.
É o caso do presente processo, no qual vou divergir, pela primeira vez, do lúcido
Procurador-Adjunto, Dr. José Guilherme Vilella, a quem me senti vinculado, desde que
tomei uma cadeira neste Plenário, por afinidades quanto ao modo de sentir determinados
problemas e ao rigor das soluções para eles adotadas.
2. Sustenta Sua Excelência que o cômputo em dobro da licença especial, para efeito de
aposentadoria, implicando redução indireta do tempo de serviço, já não é de ser tolerada
(*)
Parecer publicado na Revista TCDF n.o 1/203.
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por haver passado à dependência de lei nova — e Lei Complementar — por imperativo do
Artigo 103 da Constituição, assim redigido:
"Lei Complementar, de iniciativa exclusiva do Presidente da República,
indicará quais as exceções às regras estabelecidas, quanto ao tempo e natureza
do serviço, para aposentadoria, reforma, transferência para a inatividade e
disponibilidade."
Tese nova, e respeitável pela respeitabilidade de quem a sustenta, merece ser examinada
com maior prudência e atenção, antes que a convertamos em lastro doutrinário de nossa
decisão no presente caso, principalmente se considerarmos o fato de que dela independe o
nosso voto: o ilustre Procurador-Adjunto conclui seu parecer pela legalidade do ato de
aposentadoria, o que basta para termos o prazer de acompanhá-lo na conclusão,
renunciando à honra de segui-lo na argumentação.
3. É que, na argumentação desenvolvida pelo eminente Procurador, a questão da contagem
da licença especial em dobro converteu-se numa espécie de cor pus alienum, embora, ao
contrário de estranha, fosse ela inicialmente o próprio objeto do parecer. A louvável
preocupação de Sua Excelência em profligar os abusos que floresciam, no regime
constitucional anterior à Carta de 24 de janeiro de 1967, conduziu-o a integrar nas
disposições de natureza genérica, sobre o instituto da aposentadoria, uma regra especial
que, por isso mesmo, deve ser interpretada restritivamente. O que se pretendeu deferir na
Constituição de 1967 à "lei federal" e na Emenda Constitucional n° 1, de 1969, à "lei
complementar", foi a indicação de "exceções" às regras gerais do art. 101 (da Emenda de
17 de outubro), quanto aos tipos de aposentadoria ordinária e extraordinária, aí
enumerados: por invalidez; compulsória, aos setenta anos de idade; e voluntária, após trinta
e cinco anos de serviço. Uma exceção foi desde logo indicada, tanto na Emenda n.º 1 como
na Constituição de 1967: no caso da aposentadoria voluntária, "o prazo é de trinta anos
para as mulheres".
Leiamos, então, o art. 103 como uma advertência: outras exceções somente serão admitidas
depois de indicadas em lei complementar, de iniciativa exclusiva do Presidente da
República, e hão de atender somente "ao tempo e natureza especial do serviço". Limitada a
iniciativa ao Presidente da República, o que se pretendeu foi subtraí-la aos acasos da
influência político-eleitoral do Congresso, fonte dos abusos verificados na vigência do neoliberalismo da Carta de 1946, aos quais se curvou por vezes o Supremo Tribunal Federal
quando provocado sobre a proliferação consentida de tais excessos na esfera estadual e
municipal. A vinculação sintática entre "tempo" e "natureza especial do serviço" indicou,
por outro lado, que as exceções haveriam de encarar a diminuição dos limites de tempo
(setenta anos de idade para a aposentadoria compulsória e trinta e cinco anos de serviço
para a voluntária) em função dos tipos especiais de cargos, cujos ocupantes mereceriam
reduções compensatórias de riscos e desgastes também excepcionais, ou por analogia com
outros.
A referência expressa a "limites" é da tradição de nosso direito constitucional. Figurou na
Carta de 1946 (§ 4º do art. 191) e na de 1967 (§ 2º do art. 100), passando a ser implícita na
Emenda Constitucional n.º 1, cuja reação foi mais severamente submetida aos princípios de
concisão e da eliminação de expressões supérfluas.
4. Para uma inteligência mais completa de determinadas normas, aconselham os mestres de
hermenêutica um esforço que em alguns casos há de ir além da simples procura de meus
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legis para alcançar a ratio legis e até a ocasio legis. Na hipótese, para entender o art. 103 da
Emenda Constitucional n.º 1, importa conhecer a razão e as circunstâncias que
determinaram a fixação dos termos severos em que foi posto. O principal escopo do
constituinte de 1967, que continuou na mira do constituinte de 1969, foi impedir que um
descuido de redação da Carta de 1946, pelo qual se autorizou simplesmente a redução de
limites para aposentadoria por expedição de "lei", mantivesse formalmente liberados os
órgãos legislativos estaduais e municipais para operar reduções ao sabor de conveniências
locais e até de apetites de grupos, que tendiam a multiplicar privilégios e a editar normas
pro domo sua.
Note-se que tais abusos, tão justamente condenados no parecer do Dr. José Guilherme
Vilella, eram praticados contra o pensamento e a palavra expresa de alguns dos mais
autorizados mestres da doutrina constitucional, para os quais nunca houve dúvida quanto à
abrangência do Título VIII da Constituição de 1946 em relação às ordens jurídicas internas.
Assim entendeu, por exemplo, Pontes de Miranda, que em um de seus comentários à Carta
promulgada no pós-guerra, escreveu textualmente:
"Na sistemática da Constituição, as regras do Título VIII incidem sem distinção,
quer seja federal, estadual, territorial ou municipal o funcionário público, salvo
ressalva explícita ou implícita na Constituição mesma."
Francisco Campos, em "Direito Constitucional", deu lição idêntica:
"Colocada a princípio no capítulo relativo ao Poder Executivo federal, foi
transposta sua matéria (do Título VIII) para um título especial ou à parte, com o
fim, precisamente, de significar que as disposições nele compreendidas não se
entendiam tão-somente com os agentes administrativos federais, senão com
todos os indivíduos investidos de funções públicas, fossem estas de natureza
federal, ou de caráter estadual ou municipal."
" … os Estados, assim como a União e os Municípios, ao legislarem sobre os
seus respectivos funcionários, podem criar-lhes regalias e deveres especiais, de
acordo com a categoria, a natureza ou os interesses do serviço. O que não
podem fazer, porém, é diminuir ou anular os preceitos constantes do Título
VIII, o qual, como já disse, constitui conteúdo obrigatório de toda a legislação
sobre funcionários públicos, seja federal ou local, da União, dos Estados ou dos
Municípios."
A questão do quantum — dos limites constitucionais da liberdade conferida então ao
legislador estadual e municipal — é que passou a constituir problema merecedor de
providências mais severas, embora o Supremo Tribunal Federal houvesse ratificado o
entendimento da doutrina, ao decidir sobre o Recurso Extraordinário n° 6.645, publicado
no "Diário da Justiça" de 22 de maio de 1955, no qual reafirmava decisão tomada
anteriormente à vigência da Constituição de 1946, no Recurso Extraordinário n° 5.084,
publicado em 30 de junho de 1945, quando sentenciara que "as legislaturas locais não
podem estabelecer estatuto mais favorável aos funcionários estaduais e municipais que o
assegurado aos federais".
Sem embargo, a própria jurisprudência da Suprema Corte passou a vacilar, até chegar ao
julgamento do Recurso Extraordinário n° 61.361, já em plena vigência da Carta de 1967,
mas ainda fundado nos preceitos da de 1946, pelo qual se convalidou — com enorme
repercussão na esfera administrativa federal — a contagem em dobro do tempo de mandato
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do Vereador João Mendonça Falcão e outros, para efeito de aposentadoria e por imposição
de lei emanada da própria Câmara da Capital de São Paulo. É preciso notar que votaram
contra, nada menos de seis Ministros: Gonçalves de Oliveira, Osvaldo Trigueiro, Adaucto
Cardoso, Hermes Lima, Eloy da Rocha e Luiz Gallotti, que presidia a sessão, realizada em
9 de agosto de 1967.
Antes desse exemplo extremo, e nos últimos cinco anos de vigência da Carta de 1946,
outros abusos eram registrados, igualmente clamorosos, como o de membros do Tribunal
de Contas do Estado do Rio, que eram nomeados num dia para se aposentarem no dia
seguinte; o de servidores que contaram em dobro tempo de serviço prestado na Baixada
Fluminense; e de cidadãos que eram nomeados para o Tribunal de Contas do Paraná,
levando por força de lei estadual, fossem ou não anteriormente servidores públicos, a
vantagem de quinze anos automaticamente computados para efeito de aposentadoria.
Foi para sustar esse processo de degradação dos princípios constitucionais que o
constituinte de 1967, fundado na melhor tradição e na melhor doutrina, tornou expresso, no
artigo 13, que os Estados se organizariam e se regeriam pela Constituição e leis que
adotassem, "respeitados, dentre outros princípios", "as normas relativas aos funcionários
públicos" (nº V do mencionado artigo).
Como simples corolário dessa disposição, nasceu o § 2º do art. 100, onde se fala em "lei
federal" e não mais simplesmente em "lei". Paulo Sarasate, um dos principais
colaboradores do Presidente Casteilo Branco na tarefa de redigir o anteprojeto
constitucional, anota em seu livro "A Constituição ao alcance de todos":
"Nesse caso da redução de limites, o que há de inovador e digno de realce é que,
pela nova Constituição, somente a lei federal poderá estabelecer tais reduções.
E como agora é incontroverso que o Capítulo "Dos Funcionários Públicos" se
estende integralmente aos servidores dos Estados e demais entidades públicas,
não mais ocorrerãoì~acilidades que não sejam as razoavelmente consentidas
pela legislação federal."
5. Com o entendimento que atribuo ao artigo 103 da Emenda n.º 1, pretendo demonstrar
que no próprio texto constitucional encontrar-se-á elemento bastante para indicar que as
regras gerais para a contagem de tempo de serviço com vistas à aposentadoria
permaneceram em vigor, ex vi do § 3º, n.º 11, do artigo 102, no qual se lê:
"O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal será computado
integralmente para os efeitos de aposentadoria e disponibilidade, na forma da
lei." (O grifo é meu.)
A fórmula grifada, "na forma da lei", com suas numerosas variantes, há de ser entendida
corno remissão à lei vigente, sob pena de conduzir-nos cada reforma constitucional, a uma
reformulação total do ordenamento jurídico e, portanto, à paralisia das relações de direito.
Entende-se, pacificamente, tanto entre os escritores do Direito Constitucional como nos
tribunais, que a Constituição não remete, por essa fórmula, a lei futura, senão quando o faz
expressamente. Vejamos, para simples confirmação desta assertiva, o § 2º do art. 176:
"Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual
merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive
mediante bolsas de estudo."
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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Grifei uma das variantes da fórmula "na forma da lei", que se vai encontrar, assim mesmo,
para mais um exemplo, no § 1º do art. 168, sem que se entenda estarem revogados o
Código de Minas e sua legislação complementar:
"A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos
minerais e dos potenciais de energia hidráulica dependerão de autorização ou
concessão federal, na forma da lei, dadas exclusivamente a brasileiros ou a
sociedades organizadas no País."
E vejamos, para ilustração completa, as duas fórmulas em convivência textual no conjunto
de disposições garantidores dos direitos do trabalhador:
"Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além
de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:
I–
II –
III –
V — integração na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação
nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, segundo for estabelecido em lei."
Neste exemplo, grifei também as palavras iniciais do caput do artigo, "A Constituição que
se refere evidentemente à Carta vigente e não a uma futura Carta. Bastaria que se
escrevesse: "Ficam assegurados", etc. O caput refere-se à Consolidação das Leis do
Trabalho, tal qual o § 3º do artigo 102 faz referência às regras do Estatuto dos Funcionários
Civis da União; e o número V indica não ser auto-aplicável, remetendo à lei que venha a
ser elaborada para disciplinar a controvertida questão da participação nos lucros e da cogestão.
Em plena vigência da Constituição de 1967 (para o caso pouco importa falar em "lei
federal" ou "lei complementar", pois se trata de demonstrar a desnecessidade de lei futura
para aplicar as regras de contagem de tempo), o legislador fez numerosas referências às
normas vigentes e, quando houve necessidade, estabeleceu exceções expressas. O Decretolei n° 489, de 4 de março de 1969, que regulou a disponibilidade dos funcionários públicos
no interesse da Reforma Administrativa em implantação, dispôs no artigo 2º:
"Na contagem de tempo de serviço para fins de disponibilidade, serão
observados os preceitos aplicáveis à aposentadoria."
O Decreto-lei n.º 367, de 19 de dezembro de 1968, excluiu das normas estatutárias
determinado número de servidores, isto é, os que no âmbito da Previdência "se afastarem
dos seus cargos por motivo de exoneração", mandando aplicar-lhes a Lei n.º 3.807, de 26
de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), no que respeita à contagem do
tempo de serviço para fins de aposentadoria. O parágrafo único do artigo 19, que assim
dispôs, estabeleceu o que se vai ler, deixando clara a natureza restrita da norma, que
haveria de ser tida com exceção à regra geral:
"Para os fins do disposto neste artigo, é vedado o cômputo de serviço público
simultâneo com o de atividade privada, bem como tempo em dobro e em outras
condições especiais."
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Salvo exceções como esta, continua em plena vigência o artigo 117 da Lei n.º
1.711, que, para efeito de aposentadoria, ordena ("será") a contagem em dobro
do tempo de licença especial "que o funcionário não houver gozado".
E, para que se afirme com maior nitidez a distinção entre as restrições do artigo 103 da
Emenda Constitucional n.º 1 e as regras de contagem de tempo visando à aposentadoria,
lembremos que o próprio Estatuto dos Funcionários já remetia a "lei especial" futura os
casos de redução do limite de idade. "atendida a natureza de cada serviço" (artigo 177) .
6. Restaria examinar a tese sustentada pelo douto Procurador-Adjunto, com o brilho que
nos habituamos a admirar nos trabalhos do Dr. José Guilherme Vilella, segundo a qual a
contagem em dobro da licença especial não gozada estaria vedada pelo artigo 103 da
Emenda n.º 1 por configurar redução indireta do tempo de serviço. Com efeito, aposenta-se
com trinta e quatro anos de serviço, voluntariamente, o funcionário que tenha um período
de licença-prêmio e não haja exercido o direito de gozá-la. Trata-se, entretanto, como
vimos, de regalia expressamente permitida em lei e que já se incorporou, como muito bem
observa o lúcido autor do parecer, à tradição de nosso Direito Administrativo.
Sua Excelência, aliás, ao mesmo tempo que impugna a contagem em dobro da licença
especial não gozada, com aquele argumento, aceita pacificamente em seu notável parecer a
prática do arredondamento, ordenada no § 2º do art. 78 do Estatuto dos Funcionários:
"Feita a conversão, os dias restantes, até 182, não serão computados,
arredondando-se para um ano, quando excederem esse número, nos casos de
cálculo para efeito de aposentadoria."
Que efeito produz na prática o arredondamento, senão aquela redução indireta do tempo de
serviço, impugnada pelo eminente Procurador na hipótese da licença especial não gozada?
A diferença entre um caso e outro é apenas de quantum: em um caso, admite-se a redução
indireta de um ano, quando há um período de licença especial que se não gozou; e no outro
a redução de 183 dias, o que vale dizer: o funcionário aposenta-se com 34 anos e 182 dias
de serviço. Se fosse lícito e razoável impugnar-se a redução indireta, deveria esta ser
repelida ainda que representada por vinte e quatro horas.
Redução indireta é também o cômputo do serviço militar voluntário (CPOR e Tiro de
Guerra), prestado anteriormente à data em que o funcionário entrou em exercício. O
Decreto-lei n.º 798, de 27 de agosto de 1969 — quando já vigorava a regra do § 2º do art.
100 da Carta Constitucional revolucionária — estendeu sem embargo aos segurados da
Previdência essa regalia, nos seguintes termos:
"Art. 2º O tempo de serviço militar, voluntário ou obrigatório, deve ser
computado, para o fim de que trata o artigo anterior (aposentadoria), mesmo
que tenha sido prestado quando o segurado da Previdência Social ainda não
possuía essa condição."
7. A prática do cômputo em dobro da licença especial não gozada e do arredondamento já
está consagrada pela jurisprudência administrativa e pacificamente reconhecida em
pareceres da Consultoria-Geral da República aprovados pelo Chefe do Poder Executivo.
Quanto ao primeiro caso, menciono a Formulação n.º 46 do DASP, publicada no Diário
Oficial de 18 de setembro deste ano; e o Parecer n.º I-109, de 9 de março também do ano
em curso, da Consultoria-Geral da República, que negou a contagem para o efeito da
percepção de qüinqüênios, com as palavras que transcrevo:
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"Na hipótese de o servidor não gozar a licença terá como exclusiva vantagem
contá-la em dobro para efeito de aposentadoria, nos precisos termos do artigo
117 do Estatuto. Essa vantagem, todavia, se restringe à aposentadoria, não se
estendendo a nenhum outro efeito, por ausência de disposição legal, ou mesmo
regulamentar, autorizativa."
Quanto ao procedimento ordenado pelo § 2º do artigo 78 do Estatuto, foi objeto da
Formulação n.º 50 do DASP e do Parecer n.º II-639, da Consultoria-Geral da República,
divulgado no Diário Oficial de 25 de maio do ano fluente.
Menciono, finalmente, outro caso em que se pleiteou a contagem em dobro da licençaprêmio para efeito de gratificação qüinqüenal, sobre o qual emitiu o Consultor jurídico do
DASP, Dr. Luiz Rodrigues, parecer publicado no Diário Oficial de 18 de junho deste ano,
com referência abrangente das duas regalias estatutárias:
"Realmente, a norma de caráter excepcional inserta no art. 117 da Lei n.º 1.711, de 1952,
conseqüentemente de interpretação restritiva, não enseja que se compute em dobro para
efeito outro, que não só e exclusivamente para aposentadoria, o período alusivo à licença
especial não gozada.
"A gratificação qüinqüenal tem por pressuposto básico o efetivo exercício, isto
é, a contrapartida de serviços, não havendo como prevalecer para aquele efeito
o arredondamento previsto no § 2º do art. 78 do Estatuto dos Funcionários e
nem tampouco a contagem em dobro de períodos de licença especial."
8. Devolvendo, assim, o processo a seu eminente relator, antecipo o meu voto no sentido
de que o Tribunal considere legal o ato de aposentadoria, com ressalva para os argumentos
de que se valeu o douto Procurador para chegar à mesma conclusão, os quais não devem,
salvo melhor entendimento das disposições constitucionais e legais que disciplinam a
espécie, converter-se em critério orientador das decisões desta Corte em casos análogos(*).
(*)
Voto em 25-11-1971.
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2 — PROCESSOS N.º 892 E 894/62
Relator: Auditor ad hoc JOMAR MACIEL PIRES
EMENTA
Prestações de Contas da Companhia Urbanizadora da
Nova Capital do Brasil (NOVACAP), exercícios de 1960 e
1961.
1. Com o advento da Lei n° 4.545/64, a competência deste
Tribunal para julgar as contas da NOVACAP nada tem de
diferente da competência para julgamento de toda e
qualquer conta a ele submetida.
2. O julgamento das contas anteriores à citada Lei n.°
4.545/64, por força da aplicação imediata da lei nova e por
se tratar de situações jurídicas ainda não constituídas
definitivamente (não havia pronunciamento enunciativo e
crítico do TCDF), passou à competência deste Tribunal.
3. A falta de elementos essenciais de comprovação que
permitam a apuração de responsabilidades, impõe-se o
arquivamento destas contas, sem que se forneçam
provisões de quitação.
RELATÓRIO
Tratam os presentes processos das prestações de contas da Companhia Urbanizadora da
Nova Capital do Brasil (NOVACAP), exercícios de 1960 e 1961.
Ab initio, por entender que essas contas configuram situações de ato e de direito
rigorosamente idênticas, resolvi promover sua unificaão, para evitar o bis in idem de dois
julgamentos cujas decisões seriam lênticas.
As contas em referência foram tempestivamente remetidas ao Tribunal de Contas da União
(TCU), em obediência ao disposto no art. 16 [a Lei n.º 2.874, de 19 de setembro de 1956,
que diz:
"A Companhia remeterá suas contas, até 30 de abril de cada ano, ao Tribunal de
Contas da União, que as apreciará, enviando-as ao Congresso Nacional,
cabendo a este adotar, a respeito delas, as medidas que sua ação fiscalizadora
entender convenientes."
4. Aquela Corte de Contas, em sessão de 2 de maio de 1962, declinou de sua competência
para delas conhecer, por força do disposto no art. 48 da Lei n.º 3.751, de 13 de abril de
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1960, que transferira ao Distrito Federal, sem qualquer pagamento ou indenização, 51%
(cinqüenta e um por cento) das ações representativas do capital da mencionada Companhia,
antes pertencentes, na totalidade, à União.
5. Tendo a citada Lei n.º 3.751/60, no seu art. 14, criado o Tribunal de Contas do Distrito
Federal, este, apreciando o Ofício n° 1.187, de 10 de maio de 1962, do TCU, em sessão
realizada a 14 de junho do mesmo ano, por unanimidade, aceitou a competência para
preliminar apreciação das contas, remetendo-es após ao Congresso Nacional, para os fins
previstos no citado dispositivo legal (Lei n.º 2.874/56, art. 16).
6. Em conseqüência dessa decisão, vieram as contas a este Pretório, aqui sendo autuadas a
17 de julho de 1962. Com estas contas vieram, também, as relativas aos exercícios de 1956
a 1959.
7. Em sessão de 10 de dezembro de 1964, resolveu o Tribunal que sua atuação deveria
circunscrever-se a uma apreciação de caráter enunciativo e crítico, enviando-as ao
Congresso Nacional, ao qual caberia adotar, a respeito delas, as medidas que a sua ação
fiscalizadora entendesse convenientes.
8. As primeiras manifestações deste Tribunal nos autos deram-se a 31 de janeiro de 1966,
nas contas de 1960 e, dois dias após, a 2 de fevereiro, com referência às de 1961.
9. Em 2 de setembro de 1969, às fls. 231 do Processo no 892/62, a Inspetoria-Geral, depois
de acurado exame das contas de 1960 e de inspeções in loco, pronunciava-se, dada a
impossibilidade material de análise minuciosa das despesas realizadas pela NOVACAP,
pela remessa dos autos ao Congresso Nacional. A 14 de maio de 1970, às fls. 241 do
Processo n.º 894/62, conclui a Inspetoria-Geral da mesma forma, com relação às contas de
1961.
10. Mesmo assim, o Tribunal insistiu em diversas e demoradas diligências, no escrupuloso
afã de colher mais elementos elucidativos para fundamentar seu pronunciamento final.
ll. Embora coligidos alguns dados de pouca importância, a verdade é que elementos
essenciais como, por exemplo, inventário físico de seus bens, termos de conferência de
caixa e almoxarifado e os extratos bancários, não puderam ser obtidos.
12. Novas inspeções in loco confirmaram a total impossibilidade de a NOVACAP fornecer
esses elementos, por inexistentes, conforme consta do Processo n.º 892/62, à fls. 233, e do
de n.º 894/62, à fls. 292.
13. Em sessão de 7 de dezembro de 1970, depois de exaustivas diligências e minuciosa
análise, quer quanto aos aspectos contábeis, quer quanto aos jurídicos, concluiu o Tribunal
pela remessa das contas de 1956 a 1959 ao Senado Federal. Isso, por força do disposto no
art. 42, V, da atual Constituição, que lhe transferira a competência atribuída ao Congresso
Nacional pelo art. 16 da Lei n.º 2.874/56.
14. A Procuradoria-Geral junto a esta Corte, com referência às contas sob exame,
manifestou-se também pelo seu envio ao Senado Federal, com os esclarecimentos de que a
falta dos elementos essenciais apontados no item 10 acima impede ao Tribunal seja a
apuração cabal da existência de débitos, seja a emissão do parecer crítico conclusivo.
15. Examinando-se, agora, os elementos indicados na parte histórica, verifica-se que, antes
da Constituição de 1967, havia dúvida razoável sobre se a apreciação preliminar das contas
da NOVACAP, anteriores a 1960, pertencia ao TCU ou a este Tribunal e se o seu
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
61
julgamento cabia ao Congresso Nacional ou ao Senado Federal, em face do art. 3º da
Emenda Constitucional n.º 3, de 8 de junho de 1961, combinado com os arts. 16 da Lei n.º
2.874, de 19 de setembro de 1956, e 15, VI, e 48 da Lei n.º 3.751, de 13 de abril de 1960.
Tal dúvida tinha cabimento porque, sendo a União a única acionista da NOVACAP, o
interesse direto e imediato no resultado das gestões dessa Companhia era do Congresso
Nacional, titular da fiscalização financeira da União, c ui do art. 77, § 4º, da Constituição
de 1946.
16. Mas, com o advento da Carta Magna de 1967, o controle financeiro e orçamentário da
União e do Distrito Federal, anteriormente atribuído ao Congresso Nacional, foi dividido,
conservando-se uma parte — a federal — a cargo do Congresso Nacional e a outra — a do
Distrito Federal — tão-somente a cargo do Senado Federal (artigos 70 e 42, V, da atual
Constituição, com a nova redação que lhe foi dada pela Emenda n.º 1/69).
17. Em conseqüência, essa dúvida foi dissipada pela regra ordinária do efeito imediato da
lei nova (art. 6º da Lei de Introdução ao Cód. Civil), resultando daí a transferência dessa
função jurisdicional do Congresso Nacional para o Senado Federal, na forma do art. 42, V,
c/c o art. 17, parágrafo único, da Constituição, que confere àquela Casa competência para
fiscalizar financeira e orçamentariamente o Distrito Federal.
18. Se o julgamento das contas anteriores a 1960, quando da transferência de 51%
(cinqüenta e um por cento) das ações representativas do (api.al da NOVACAP para o
Distrito Federal (Lei n.º 3.751, art. 48), por se tratar de situações jurídicas ainda não
constituídas definitivamente (não havia pronunciamento do TCU nem do TCDF), passou à
competência desta Corte para pronunciamento enunciativo e crítico — por igual razão,
advindo a Constituição de 1967, a competência para adoção de medidas fiscalizadoras
atribuídas ao Congresso Nacional, foi transferida ao Senado Federal (Const. art. 42, V).
19. Ora, referindo-se estas contas aos exercícios de 1960 e 1961, é evidente que a
competência para exercer a fiscalização financeira e orçamentária delas é do Senado
Federal, cabendo a este Tribunal auxiliá-lo, nos termos da lei.
20. É de entender-se, portanto, que, à época, a Procuradoria-Geral assim se houvesse
manifestado:
"Ante o exposto, resta-me apenas propor o encaminhamento dos autos ao
Senado Federal, com a informação de que este Tribunal, à falta dos elementos
essenciais de comprovação acima relacionados, não tem condições, quer para
apurar, cabalmente, a existência de débitos, quer para emitir, sobre as contas em
tela, apreciação crítica e conclusiva. Àquela Casa do Congresso caberá, nos
termos da lei, adotar as medidas que a sua ação fiscalizadora entender
convenientes."
21. Como vemos, este Tribunal, no desempenho de sua alta e relevante função de órgão de
controle externo, auxiliar do Senado Federal na fiscalização financeira e orçamentária do
Distrito Federal, esgotou todos os recursos técnicos e pôde exercitar também toda sua
capacidade de diligência, num trabalho longo, paciente, minucioso e persistente.
22. Casos que tais ensejariam, normalmente, o arquivamento das contas, consoante Súmula
n.º 3, do Tribunal de Contas da União, verbis:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
62
"O arquivamento é a solução indicada para as hipóteses em que as contas de
responsáveis por dinheiros, valores e bens públicos se tornarem iljquidáveis, por
causas fortuitas ou de força maior."
23. Todavia, com base no art. 16 da Lei n.º 2.874/56, não foi este o primeiro entendimento
surgido no processo.
24. De fato: a parte técnica, específica de atuação deste Tribunal, estava escorreita e
cabalmente realizada pela Inspetoria-Geral de Controle Externo, então dirigida pelo Dr.
Joaquim Simões Madeira, que desde o ano de 1969 já alvitrara a solução de enviar-se ao
Legislativo as contas, dando por cumprida a missão meramente técnica desta Corte.
25. Assim, a Procuradoria-Geral, por seu ilustre Procurador-Adjunto, Dr. Lincoln Teixeira
Mendes Pinto da Luz, batizou de legalidade a solução proposta por nossa Inspetoria-Geral.
26. Entretanto, em parecer emitido no processo n° 291/67, referente às contas de 1962 a
1967, revendo seu primeiro entendimento, a Procuradoria-Geral assim se expressa:
56. "Com o advento da Constituição de 1967, a função legislativa do Distrito
passou a pertencer ao Senado Federal, que se tornou ipso facto o órgão próprio
não apenas para o exercício do controle parlamentar indireto sobre as contas da
NOVACAP subseqüentes àquela Constituição, mas — em virtude da incidência
imediata das leis de ordem pública, gênero em que se compreendem as normas
de competência — para receber também as prestações de contas atrasadas, cujo
processo de apreciação por esta Corte não se tivesse ainda ultimado.
57. À vista de todo o exposto e encontrando as prestações de contas em exame
ainda eivadas das mesmas deficiências observadas nas anteriormente
submetidas à apreciação do Tribunal, parece-me que, tecnicamente, se imporia
a solução seguinte:
a) quanto às contas de 1962 a 1964, encaminhá-las ao Senado Federal, para, na
forma do art. 16 da Lei n° 2.874, serem adotadas pela Câmara Alta as medidas
que sua ação fiscalizadora entendesse convenientes;
b) quanto às pertinentes aos exercícios de 1965 a 1967, proceder o Tribunal a
seu julgamento.
58. Considerando, entretanto, que, ao receber as contas de 1956 a 1959, decidiu
o Colendo Senado Federal achar-se ultrapassada a oportunidade para adoção de
qualquer medida de fiscalização ou correção inclusa na esfera do controle
parlamentar e tendo presente ademais que as deficiências contábeis observadas
nas contas de 1962 a 1964 são genericamente da mesma natureza das apontadas
nas já remetidas ao Senado, indico ao Egrégio Plenário a solução alternativa de
— com fundamento no princípio da economia administrativa e na ausência de
finalidade de que se revestiria a remessa de tais contas ao Poder Legislativo —
deter-minar o arquivamento delas no próprio Tribunal, solução que poderá ser
estendida igualmente às de 1960 e 1961, em que já dei parecer."
27. Esse parecer alargou-nos a compreensão do problema das contas de 1960 e 1961 e, ao
mencionar a "incidência imediata das leis de ordem pública", lembrou-nos a lição de Paul
iloubier e sua distinção dos fatos jurídicos face à lei nova: fasta praetcrita, facta pendentia e
facta futura.
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63
28. Se é verdade que toda e qualquer tomada ou prestação de contas refere-se a facta
praeterita, mais verdade ainda é que o julgamento das mesmas é sempre facta pendentiaaté que se consume.
29. Estamos, portanto, perante facta pendcntia e, para estes, a aplicação imediata da lei é a
regra ordinária.
30. Mas a lei a ser considerada em primeiro lugar quanto à temporalidade é,
indubitavelmente, a Constituição, base de todo o ordenamento jurídico.
31. Ora, a Constituição vigente dá, como atribuição do Senado:
"Art. 42. Compete privativamente ao Senado Federal:
...........................................................
V — legislar para o Distrito Federal, segundo o disposto no § 1º do art. 17, e
nele exercer a fiscalização financeira e orçamentária, com o auxílio do
respectivo Tribunal de Contas."
32. Sendo a fiscalização acima referida feita "com o auxílio do Tribunal de Contas do
Distrito Federal", necessário se torna irmos à Lei Orgânica do nosso Tribunal e
verificarmos como agir em relação a toda c qualquer conta a ser por nós julgada.
33. A Lei Orgânica diz, no art. 27, qual a nossa competência, sem distinção entre entidades
a nós submetidas. Todas são iguais perante a nossa lei orgânica.
34. Entretanto, no caso especial da NOVACAP, o Poder Legislativo, pelo art. 16 da Lei n°
2.874/56, havia avocado a si a responsabilidade total das medidas a serem tomadas após o
simples exame das contas pelo Tribunal de Contas. Na ocasião, o Poder Legislativo era
representado pelo Congresso Nacional e o Tribunal de Contas era o da União. Em 1960,
com a criação do na-sso Tribunal, sai de cena o TCU, mas permanece o Congresso. Em
1967, com a nova Constituição, o Poder Legislativo passa a ser representado pelo Senado
Federal.
35. Corno vemos, mudam os personagens mas a relação em si permanece a mesma: Poder
Legislativo de um lado e Tribunal de Contas do outro.
36. A situação era regulada, na sua excepcionalidade, de forma atípica de controle
parlamentar — tão bem exposta no lúcido parecer do Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto
da Luz —, pela Lei n.º 2.874/56. A Lei n° 4.545/64, entretanto, ao alinhar a NOVACAP
nas fileiras da Administração Descentralizada (art. 18), derrogou o art. 16 da Lei n°
2.874/56.
37. Com isso, a partir de 10 de dezembro de 1964 (Lei n.º 4.545), a competëncia do
Tribunal de Contas do Distrito Federal para julgar as contas da NOVACAP nada tem de
diferente da competência para julgamento de toda e qualquer conta a ele submetida.
38. Assim sendo, embora concorde com a alternativa do parecer do ilustre ProcuradorGeral em exercício, para que estas contas sejam julgadas e arquivadas neste Tribunal,
pedimos vénia para discordar dos motivos por ele sugeridos no parecer às contas de 1962 a
1967, no trecho retro transcrito.
39. As contas de 1960 e 1961 devem ser arquivadas pelos motivos de fato já apontados,
quando lhes descrevemos a tida crucis, e pelo seguinte fundamento jurídico: o Tribunal tem
competência para tal, derivada de sua Lei Orgànica em combinação com o art. 18 da Lei n.º
4.545/64, que submeteu a. NOVACAP a esta Corte, em igualdade de condições a outras
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
64
entidades descentralizadas. Isto porque, "as leis políticas, de direito público, inclusive
administrativas, aplicam-se imediatamente, abrangendo as situações em curso" (Rev.
Forense, 167/140, apud Curso de Direito Civil, parte geral, pág. 35, de Washington de
Barros Monteiro).
40. Aliás. outro não é o entendimento da douta Procuradoria-Geral, quando no citado
parecer emitido no processo n.º 291/67, diz:
55. "Havendo cessado as causas excepcionais que reduziam suas funções à
simples apreciação das contas da NOVACAP, passou este Tribunal, daí por
diante, a ser competente para também julgá-las, par isso que não mais vigorava
o controle atípico do Legislativo sobre as atividades financeiras e
administrativas da empresa."
41. É irrelevante o fato de as contas ora em julgamento serem anteriores a 1964 — ano da
Lei n.º 4.545. A admitir que a data fosse relevante no caso, jamais poderia este Tribunal ter
recebido as contas anteriores à sua criação.
42. A rigor, desde a data da criação do Tribunal de Contas do Distrito Federal, a
NOVACAP passou à sua jurisdição, pois a mesma lei que instituiu o Tribunal de Contas do
Distrito Federal transferiu 51% (cinqüenta e um por cento) das ações da Companhia para a
antiga Prefeitura do Ditrito Federal.
43. Por isso, sabiamente aceitou-as, com fundamento na aplicação imediata da lei de sua
criação (Lei n.º 3.751/60).
44. Portanto, a partir da Lei n.º 4.545/64, todas as contas da NOVACAP — inclusive as
anteriores a 1960 — deveriam, como facta pendentia, ser julgadas por esta Corte, a
despeito do estatuído na Lei n.º 2.874/56, como decorrência da regra ordinária de aplicação
imediata da lei.
CONCLUSÃO
45. Em face de todo o exposto, concordamos plenamente com a conclusão do parecer do
douto Procurador-Geral em exercício, Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, no sentido
de que as contas sejam arquivadas, sem que se forneça quitação aos responsáveis.
1.335 SESSÃO ORDINÁRIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO
DISTRITO FEDERAL
PROCESSOS n.º 892 E 894/62
O Tribunal, com a abstenção do Conselheiro-Substituto Jesus da Paixão Reis, que já se
dera por impedido em sessão anterior, adotou a seguinte decisão:
As prestações de contas da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, referentes
aos exercícios de 1960 e 1961, juntamente com as relativas aos exercícios de 1956, 1957,
1958 e 1959, foram tempestiva-mente remetidas ao TCU, em obediência ao disposto no art.
16 da Lei n.º 2.874, de 19 de setembro de 1956, in verbis:
"A companhia remeterá suas contas, até 30 de abril de cada ano, ao Tribunal de
Contas da União, que as apreciará, enviando-as ao Congresso Nacional,
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
65
cabendo a este adotar a respeito delas, as medidas que sua ação fiscalizadora
entender convenientes."
Em virtude da mudança da Capital Federal e da transferência de 51% (cinqüenta e um por
cento) das ações daquela Companhia para o Distrito Federal, ex-vi do disposto no art. 48
da Lei n.º 3.751, de 13 de abril de 1960, aquela Corte, em sessão de 2 de maio de 1962, se
deu por incompetente para apreciar ditas contas, remetendo-as a este Tribunal, que aceitou
sua própria competência, a 14 de junho do mesmo ano.
Em conseqüência, depois de numerosas diligências empreendidas no sentido de
complementá-las, nos termos do Ato n° 8/57, do TCU, que se entendia aplicável ao caso,
este Tribunal, em 7 de dezembro de 1970, apreciou em conjunto as contas relativas aos
exercícios de 1956, 1957, 1958 e 1959, concluindo, em resumo:
a) que, de acordo com o disposto no art. 16 da Lei n.º 2.874, de 19 de setembro de 1956, é
competente para apreciar as contas anuais da NOVACAP e enviá-las ao Senado Federal, a
que passou o conhecimento delas, por força do disposto no art. 42, V, da Emenda
Constitucional n.º 1, de 1969;
b) que, a seu ver, o conhecimento pelo Senado Federal das aludidas contas não envolvia
exercício de função jurisdicional, não impondo julgamento, uma vez que diverso era o seu
objetivo, e no plano político: providências de controle parlamentar, sob a forma, quer de
leis, quer de recomendações, para o aperfeiçoamento da estrutura e da administração da
Companhia;
c) que, em razão das lacunas apontadas no processo, é impossível, quanto às contas sob
exame — todas, aliás, aprovadas pela Assembléia-Geral da Companhia — apurarem-se
débitos e imputá-los aos administradores de então;
d) que é significativo não haverem — ao que se sabe — decorrido condenações judiciais,
nem das investigações policiais e policiais-militares empreendidas sob ampla faculdade de
perquirição, nem do inquérito par-lamentar realizado;
e) que ao Senado Federal, por força do disposto no art. 45, III, atual art. 42, V, da
Constituição de 24 de janeiro de 1967, passou a competência atribuída, no citado art. 16 da
Lei n.º 2.874 ao Congresso Nacional, para adotar, a respeito das contas da NOVACAP, "as
medidas que sua ação fiscalizadora entender convenientes";
f) que, na ocasião em que este Tribunal, sob composição quase inteiramente outra, aceitara
receber essas contas, caducara já a oportunidade para tomar as medidas a que alude o item
anterior, in fine: e isso porque, no tocante ao escopo inicial e básico da Companhia — a
construção da futura sede do Governo —, Brasília já era, havia dois anos, a Capital da
República;
g) que, além disso — havendo ocorrido profunda transformação na Companhia, com sua
integração, pela Lei n.º 4.545, de 10 de dezembro de 1964, na administração indireta do
Distrito Federal, e com o fato de terem sido desmembrados dela, para constituírem
empresas distintas, os serviços de energia elétrica, telefones e águas e esgotos —, tornarase ainda mais evidente a extemporaneidade de qualquer indicação de reforma, com base
nas primeiras contas;
h) que, apresentadas assim à alta ponderação e à deliberação definitiva do Senado Federal,
tais conclusões conduzem ao arquivamento dos processos — por inexistirem providências
a tomar, em razão dos motivos aduzidos — sem prejuízo, contudo, de novo exame da
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matéria, caso venham a ser presentes elementos de informação e convicção que
fundamentem outra solução técnica.
2. Ao relatar, na Comissão cio Distrito Federal, os aludidos processos, e eminente Senador
Saldanha Derzi, após ressaltar "o esforço, a dedicação e o alto teor das decisões do
Tribunal de Contas do Distrito Federal", manifestou-se pelo arquivamento das contas sob
exame, adotando as sugestões desta Corte. A Egrégia Comissão aprovou, sem restrições, o
alvite do ínclito Relator (cf. Diário do Congresso Nacional de 25 de agosto de 1972, a pág.
2.479).
3. As deficiências existentes nas presentes contas são, basicamente, as mesmas dos
exercícios anteriores — dentre outras, a ausência de inventário dos bens da Companhia,
dos termos de conferência de caixa e almoxarifado, bem como de extratos bancários, que
corroborem os números apresentados nos diversos balanços, o que impede, como
anteriormente, se obtenha a posição dos administradores perante a Companhia.
4. Após aquela decisão, sobreveio a Lei n.º 5.861, de 12 de dezembro de 1972, que
restringiu o objetivo da NOVACAP à "execução de obras e serviços de urbanização e
construção civil de interesse do Distrito Federal, diretamente ou por contratos com
entidades públicas ou privadas". (Art. 1º)
5. A fortiori, temos que, se em 1970, era impertinente a sugestão de providências tendentes
ao aperfeiçoamento da estrutura e da administração da Companhia, qualquer alvitre, no
momento, mais intempestivo ainda seria, tendo em vista a superveniência, já aludida, de
norma legal, atribuindo mais modesto objetivo à entidade, cuias contas não mais estão
sujeitas à fiscalização direta do Poder Legislativo.
Em conseqüência, a remessa das presentes contas ao Senado Federal seria uma solicitação
à Câmara Alta de atividade inútil, a respeito de matéria sobre a qual já assentou precedente.
Nessas condições, o Tribunal, com fundamento no princípio de economia administrativa e
ria ausência de finalidade de que se revestiria o envio de tais processos ao Poder
Legislativo, acolhendo as sugestões do Ministério Público e do Relator, resolve determinar
o arquivamento, si et in quantum, das contas da Companhia Urbanizadora da Nova Capital
do Brasil, relativas aos exercícios de 1960 e 1961.
Sala das Sessões, 20 de agosto de 1974. — Cyro Versiani dos Anjos, Presidente.
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3 - PROCESSO N.° 638/74
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO
EMENTA
Consulta do Presidente da Fundação Zoobotánica do
Distrito Federa: sobre a necessidade de prosseguir na
cpuração de jatos presumivelmente ligados a contas já
aproradas.
1. As decisões do Tribunal em processos de contas estão
subordinadas à cláusula si et in quantum peio prazo de
cinco anos.
2. A aprovação de contas formalmente corretas não impede que se prossiga na apuração, por via administrativa, de
fatos
presuntivamente
irregulares,
praticados
por
administradores que já tenham recebido quitação.
3. O resultado das apurações poderá ensejar o pedido de
revisão das contas nos termos cio art. 44 da Lei n°
5.538/68.
4. Os fatos questionados, entretanto, não repercutem sobre
as contas do exercício de 1964, mas se deve prosseguir
nas investigações já iniciadas, com vistas aos exercícios
posteriores, de-vendo-se comunicar ao Tribunal os
resultados das apurações.
PARECER
1. A CONSULTA
Ao tornar conhecimento da decisão que julgou regulares as contas da Fundação
Zoobotànica, relativas ao exercício de 1964, o presidente dessa entidade pergunta ao
Tribunal se os esclarecimentos solicitados sobre o contrato celebrado entre a Fundação, a
Sociedade de Abasteci-mento de Brasília e a TECMISA já lhe haviam sido prestados e se
as questões que o envolviam haviam sido solucionadas.
A resposta à consulta poderia cingir-se apenas à citação do art. 44 da Lei n° 5.538/68, do
qual se infere que as decisões deste Tribunal em matéria de contas só transitam em julgado
decorridos 5 anos da data em que forem proferidas. Entendo, entretanto, que, para a
completa elucidação do assunto, são imprescindíveis um retrospecto completo dos fatos
que deram origem à consulta e o reexame das aludidas contas.
2. RETROSPECTO DOS FATOS
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a) Os Convênios
3. Em janeiro de 1965 o Diretor Superintendente da SAB comunicou ao Tribunal que,
juntamente com a FZDF, aquela empresa firmara, em dezembro do ano anterior, contrato
com a TECMISA, Técnica Industrial Michaelis e o convênio com o Instituto de Pesquisas
IRI, tendo por objeto pesquisas e experimentações no campo agropecuário. Esclarecia a
comunicação que tais pactos tinham sido estabelecidos em decorrência das cláusulas 6ª e 8ª
de convênios anteriormente firmados com a Superintendência-Geral de Agricultura.
4. Examinando à época os dois instrumentos, entendi que a despesa do convênio assinado
com o IRI não poderia ser atendida com a dotação orçamentária transferida à Fundação
Zoobotànica por meio da avença com a Superintendência-Geral de Agricultura. Parecia-me
que o objeto do ajuste se não adequava às obrigações assumidas pela Fundação
Zoobotànica no pacto anterior. Pedi então ao Tribunal que solicitasse à FZDF e à SAB os
esclarecimentos necessários à perfeita compreensão da matéria e cópia do ato do supervisor
do convênio originário, aprovando o plano que, à altura, fevereiro de 1965, já deveria ter
sido elaborado pelos convenentes, para a execução dos trabalhos.
5. O auditor Dr. Rubens Furtado, por sua vez, levantou outras objeções. Entendia não caber
à SAB fazer pesquisas; queria detalhes sobre os critérios seguidos para a escolha dos
contratantes de direito privado; impugnava o pagamento ao IRI por ser associação sem
finalidade lucrativa (fls. 15 a 17 do Processo n° 80/65).
6. Decidiu o Tribunal solicitar informações às duas entidades e dar do todo conhecimento
ao então Prefeito do Distrito Federal.
7. Em maio de 1965, o Diretor-Geral da Fundação Zoobotànica, que era também o
Superintendente da SAB, respondeu, em 5 páginas, ao questionário do Dr. Rubens Furtado.
Disse, no seu arrazoado, que a SAB contava com um departamento industrial incumbido da
fabricação de produtos alimentícios, que a participação da Zoobotànica justificava-se pela
estreita ligação entre a industrialização de produtos vegetais e a agricultura, apresentou os
motivos da escolha dos contratantes particulares e prestou esclarecimentos quanto à
dotação que atenderia às despesas (fls. 39 a 43 do Proc. n.º 80/65).
8. O que me parecera ilegalidade — uso dos dinheiros recebidos por meio do convênio
com a Superintendência-Geral de Agricultura para fim diverso do previsto — teria deixado
de existir porque, conforme se afirmara às folhas 42 e 43, as despesas com os dois ajustes
correriam por conta das dotações próprias da FZDF e da SAB. Manifestei-me, então, no
sentido de que o exame da legalidade desses pagamentos ficaria postergado para a
oportunidade do julgamento das contas anuais daquelas entidades (fls. 30 e 31) . Ao
mesmo tempo, solicitei a remesa, ao Tribunal, dos relatórios relativos ao convênio
celebrado entre a FZDF e a Secretaria de Agricultura. A este pedido, acrescentou o
Tribunal o da relação dos pagamentos feitos à conta dos convênios de que tratava o
processo, e resolveu, ainda, dar conhecimento ao novo Diretor da SAB de tudo quanto até
então se discutira em torno deles (decisão de agosto de 1965, pág. 32, do Proc. n.º 80/65) .
9. Em novembro do mesmo ano, o novo Diretor Administrativo da Fundação Zoobotànica
informou ao Tribunal que ainda não havia iniciado a "execução do serviço objeto do
convênio celebrado entre esta Fundação, a Sociedade de Abastecimento de Brasília e o
Instituto de Pesquisas IRI, dadas as mudanças recentemente efetuadas nas chefias das
referidas entidades". Acrescentou ainda que, tão logo fossem movimentados os recursos do
primeiro convênio, seriam remetidos ao Tribunal os respectivos relatórios (fls. 44).
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70
10. O Tribunal tomou conhecimento das informações e determinou a volta do processo ao
Serviço de Tomada de Contas para os devidos fins (decisão de dezembro de 1965, fls. 46).
11. As decisões da Corte implicavam, pois, a aceitação dos contratos, quer quanto ao
objeto, quer quanto à legitimidade das partes, quer quanto à anunciada propriedade das
dotações para atendimento das despesas. Remanesceu apenas a exigir a ação fiscalizadora
da Corte a execução dos contratos.
b) Reexame da Prestação de Contas
12. Quando da instrução da prestação de contas da FZDF relativa ao exercício de 1964,
Processo n.º 1.730/65, o Tribunal determinou, já em 1967, .inspeção in loco que abrangeu
os exercícios de 1963, 1964 e 1965. Vieram novamente à tona os contratos com a
TECMISA e o IRI. Insistiram os servidores em questão já ultrapassada: a Fundação firmara
contratos para serviços que de forma alguma se ligavam às suas finalidades precípuas.
Verificou-se, ainda, que restava um saldo de Cr$ 2.000,00 a favor da TECMISA, o que
fazia supor não tivesse ainda sido entregue à Fundação o resultado dos trabalhos. Quanto a
pagamentos feitos à conta de tais contratos, e cuja legalidade fora questionada, haviam sido
regularizados no exercício de 1965 (fls. 165 e segs.).
13. Lê-se, ainda, no relatório, o seguinte trecho:
"Podemos, ainda, citar as despesas com os integrantes da Missão Francesa, que
obtiveram da entidade recursos vultosos a título de aluguel de três casas HP-3,
ajuda de custo e viaturas à sua disposição."
"Nada nos foi mostrado que justificasse tal despesa." (fls. 167.)
14. Analisado o relatório da inspeção in loco, o Chefe do Serviço de Tomada de Contas
concluiu pela imputação do débito de Cr$ 1.040,28, aos administradores da Fundação.
Provinha o débito do pagamento de multas e juros de mora por atraso no recolhimento de
contribuições previdenciárias e de diferenças apuradas entre a documentação e o livro
diário.
15. Relatando o processo, o auditor Dr. Rubens Furtado voltou a manifestar sua
inconformidade, desta vez apenas com relação ao contrato com a TECMISA, e assim
concluiu:
"Lamentavelmente, entretanto, verificamos, pelo processo, que a TECMISA
recebeu, da Fundação Zoobotânica, Cri 10.000,00 (dez mil cruzeiros novos) na
assinatura do contrato, ficando Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros novos) para
pagamento a ser feito quando da conclusão das experiências.
Fato idêntico ocorreu com relação aos gastos com a chamada "Missão
Francesa", que custou à Fundação vultosos recursos, sem que se tenha
conhecimento dos resultados por ela apresentados.
Deste modo, como não é mais possível protelar o julgamento das presentes
contas, entendemos que o Tribunal, além da providência já sugerida de remeter
o processo à Procuradoria-Geral para ressarcimento do débito apurado de Cr$
1.040,28 (hum mil e quarenta cruzeiros novos e vinte e oito centavos) deva
oficiar ao Senhor Prefeito do Distrito Federal sugerindo a abertura de dois
inquéritos:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
71
O primeiro, para apurar a execução do contrato celebrado entre a Fundação
Zoobotánica do Distrito Federal, Sociedade de Abastecimento de Brasília e a
TECMISA — Técnica Industrial Michaelis Ltda., assinado em 18 de dezembro
de 1964.
Sugerimos, ainda, que os resultados dos referidos inquéritos devam ser
remetidos ao Tribunal com a possível brevidade."
16. Vindo o processo a meu exame, pedi a citação dos responsáveis para falarem sobre o
débito apurado, e me pus de acordo com as conclusões do Relator, no sentido de que se
apurasse devidamente a execução do contrato e os tais gastos com a "Missão Francesa" e
os resultados por ela apresentados.
17. Em janeiro de 1968, proferiu o Tribunal a seguinte decisão:
"O Tribunal determinou que se encaminhasse ao Senhor Prefeito, cópia da
análise do Senhor Ministro Relator, a fim de ensejar a apuração, em face do
disposto no art. 127 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, das
irregularidades que os fatos e omissões fazem presumir, com relação ao
contrato celebrado entre a TECMISA, a Fundação Zoobotânica do Distrito
Federal e a Sociedade de Abastecimento de Brasília Ltda., e aos gastos
efetuados com a missão francesa. Resolveu, outros-sim, solicitar, ao Senhor
Prefeito, a remessa ao Tribunal, de cópias das peças principais do processo
administrativo que vier a ser instaurado, tão logo seja concluído.
Determinou, ainda, a citação dos responsáveis pela Fundação no período,
Senhores Ivan Barcelos, Diretor-Geral, e Ary Marcos da Silva, DiretorAdministrativo, para, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, alegarem o que
tiverem em sua defesa quanto ao débito já apurado, ou recolherem a
importància correspondente, na forma legal" (fls. 192).
18. Citados, não apresentaram eles defesa e, em março de 1970, o Tribunal decidiu marcar
dia e hora para julgamento das contas e indagar ao então Governador Hélio Prates da
Silveira, pelo Ofício GP/236/70, de 5 de maio daquele ano, se teriam sido tomadas as
providencias solicitadas em janeiro de 1968 (fls. 203 e 204).
19. Em junho de 1970 o Tribunal julgou os responsáveis em débito pela quantia já referida.
Da decisão recorreu um dos diretores da Fundação e o seu recurso motivou a revisão, a
pedido desta Procuradoria, da posição de cada um dos responsáveis no exercício de 1964,
uma vez que se apurara ter tido a Fundação não apenas os dois diretores julgados em
débito, mas ainda outros sete.
20. Resultado do reexame do processo foi a constatação de que os administradores de 64
deveriam responder apenas pelo pagamento de 0,37% de juros; que a parcela impugnada,
no valor de Cr$ 233,85, referia-se à compra de viatura devidamente tombada, e Cr$ 16,28
correspondiam ao pagamento de horas extras.
21. Manifestei-me então pelo acolhimento do recurso, dizendo nos tópicos finais do
parecer:
"Os elementos do processo não me convencem de que se possa considerar
débito a quantia de Cr$ 233,85. Com efeito, do que se encontra a fls. 5 do Proc.
n.º 499/66-STC e a fls. 6 do Proc. s/n, a quantia, correspondente às fichas de
lançamento 28 e 30, foi despendida com aquisição de veículos, registrados no
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
72
patrimônio da entidade. Trata-se, portanto, de erro contábil e não de desvio de
dinheiro por parte dos responsáveis; tanto é que o organizador das contas
concluiu pela inexistência de quaisquer débitos.
Além desse aspecto, há a considerar que a Fundação teve, no exercício de 1964,
nada menos que 9 responsáveis: 5 Diretores-Gerais e 4 DiretoresAdministrativos, cujos exercícios variaram de 6 dias a 6 meses (fls. 224).
Desses, três já faleceram (fls. 226).
Caso o Tribunal considerasse débito a quantia acima referida, os 37 centavos
pagos de juros moratórios e os Cr$ 16,28 pagos por trabalho extraordinário e
determinasse o prosseguimento da apuração de responsabilidade de cada um
dos nove diretores (inclusive dos herdeiros dos três falecidos) as despesas que
resultariam do procedimento seriam, sem sombra de dúvida, muito mais
elevadas que o ínfimo e incerto prejuízo da entidade. Sábia é a regra do art. 14
do Decreto-lei n.º 200/67:
"O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de
processos e supressão de controles que se evidenciarem puramente formais, ou
cujo custo seja evidente-mente superior ao risco."
Em face do exposto, e tendo em vista que a competência deste Ministério
Público em matéria de tomada de contas, nos termos do art. 44 da Lei n.º
5.538/68, lhe permitirá promover qualquer responsabilidade que, de futuro, com
referência às presentes contas, venha a ser apurada, sou de parecer que o
Tribunal acolha a defesa apresentada para, reformando a decisão recorrida,
julgar regulares as contas e mandar expedir ao recorrente e demais responsáveis
solidários as respectivas provisões de quitação" (fls. 229 e 230 do Proc. n.º
1.230/65).
22. Esta Corte, entretanto, decidiu em 22 de abril de 1971:
"O Tribunal, tendo em vista os fundamentos do parecer da Procuradoria-Geral e
os demais elementos constantes do processo, decidiu: ct) tornar sem efeito a
decisão de fls. 18, tomada em sessão de 18 de junho de 1970; b) sobrestar o
novo julgamento do processo, até o cumprimento da diligência referente ao
levantamento de inventários físico-patrimoniais nas entidades de administração
indireta, conforme determinado, em sessão do dia 15 último, no Processo n.º
1.452/64; c) determinar seja reiterado o expediente de fls. 204, ao Exmo. Sr.
Governador" (fls. 231 do Proc. n.º 1.230/65).
23. A decisão revogada foi a que julgara em débito os Srs. Ivan Barcelos e Ary Marcos da
Silva. O reiteramento de expediente anterior ao Governador do Distrito Federal deu origem
a processo autônomo, no qual foi formulada a presente consulta.
24. Em 8 de julho de 1971 subiu novamente à deliberação do Plenário o processo da
prestação de contas e a decisão foi a de sobrestar o seu julgamento. Finalmente, em 2 de
julho de 1974, o Tribunal julgou regulares as contas e ordenou fossem expedidas as
provisões de quitação aos administradores.
25. Tomando conhecimento da decisão, o atual Presidente da Fundação perguntou ao
Tribunal se os esclarecimentos solicitados em 70 e 71 já lhe haviam sido prestados.
c) Gastos com a Missão Francesa
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26. Resta, agora, clarificar o que se chamou de gastos com a "Missão Francesa".
27. A única referência ao assunto feita pelos servidores que examinaram as contas da
Fundação Zoobotánica no exercício de 1964 é a do relatório da inspeção in loco realizada
em 1967. Reexaminado o processo, não encontrei nos vários balanços e discriminações de
despesas qualquer dispêndio relacionado com a "Missão Francesa". Pedi ao Inspetor
Seccional da 2.a Inspetoria de Controle Externo que reexaminasse as prestações de contas
dos exercícios posteriores e dele recebi as seguintes informações: no exercício de 1965
foram gastos com a Missão Francesa Cr$ 31.265,47, sendo Cr$ 8.000,00 de ajuda de custo,
Cr$ 12.295,49 de recepções e hospedagens e Cr$ 10.969,98 de aluguéis de casas HP-3. No
exercício de 1966 constatou-se o dispêndio de Cr$ 1.791,66 como ajuda de custo e gastos
com a aquisição de material de consumo cujo montante não foi possível identificar, mas o
balanço patrimonial registrava um saldo de Cr$ 24,00 de material de consumo adquirido
para a "Missão". Havia ainda indícios de que no mesmo exercício outras despesas teriam
sido realizadas e estariam classificadas em Passagens, Transportes etc.
3. REPERCUSSÃO JURÍDICA DOS FATOS SOBRE AS CONTAS DA
ZOOBOTÃNICA NO EXERCÍCIO DE 1964.
28. De todo o exposto ressalta que os fatos analisados não poderiam impedir que o
Tribunal julgasse regulares as contas do exercício de 1964, como passo a demonstrar.
29. A validade dos contratos e convênios, sejam quais forem as partes contratantes, está
subordinada a tríplice exigência de capacidade do agente, licitude do objeto e forma
prescrita ou não defesa em lei. Nos contratos administrativos, além destas, essenciais,
outras exigências são formuladas, com base nas leis orçamentárias e de contabilidade
pública, tais como a licitação, a indicação do crédito por conta do qual correrá a despesa, a
duração do contrato, a especificação minuciosa dos serviços contratados.
30. Ora, o contrato até hoje objeto de discussão, e em que são partes a Fundação
Zoobotânica do Distrito Federal, a Sociedade de Abastecimento de Brasília e a TECMISA
— Técnica Industrial Michaelis, tinha como objeto a realização, pela última, de pesquisas e
experiências visando à extração de óleos vegetais por solventes com o emprego do etanol
ou álcool etílico. O plano dos trabalhos seria elaborado pela Zoobotânica e a SAB, para ser
executado pela TECMISA no período de 19 de janeiro a 31 de dezembro de 1965 a FZDF
colocaria à disposição da TECMISA Cr$ 12.000,00, dos quais Cr$ 10.000,00 logo após a
assinatura do contrato e Cr$ 2.000,00 ao fim dele ou na entrega dos resultados finais das
experiências; a SAB, por sua vez, entregaria à TECMISA Cr$ 5.000,00, em parcelas nunca
superiores a Cr$ 1.000,00, para compra de matéria-prima; no término do contrato a
TECMISA prestaria contas à SAB dos resultados obtidos na fabricação e venda desses
produtos, reembolsando a SAB do que lhe coubesse, depois de feita a dedução do custo da
fabricação; a inspeção da execução do contrato ficaria a cargo do Engenheiro Agrônomo
da Secretaria de Agricultura, Dr. Roosevelt Nader (fls. 3 a 6 do proc. 80/65). Faltava
apenas no instrumento a estipulação quanto à procedência dos recursos para atendimento
das despesas, omissão que foi posteriormente suprida.
31. Constavam, pois, do contrato todos os dados imprescindíveis a atos dessa natureza. As
dúvidas que surgiram quanto à licitude do objeto, propriedade da dotação para atendimento
da despesa e licitação foram espancadas pelas razões e justificativas à época apresentadas
pelo Diretor das duas entidades contratantes. Nada havia a opor à representação das partes.
Por todos estes motivos o Tribunal deixou de impugnar o contrato no momento próprio e a
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decisão proferida em 1965 mandando guardar, para os devidos fins, o processo que a ele se
referia implicou julgamento de mérito, favorável ao pactuado, como já acentuei.
32. Nem outra conclusão seria lógica ou jurídica: de posse de todos os elementos
necessários ao julgamento da matéria, não poderia a Corte descumprir o seu dever de
impugnar cabalmente e de imediato o ajuste, se convencido de sua ilegalidade. Quanto ao
aspecto de oportunidade, fugia-lhe à competência.
33. Esta conclusão é tão mais verdadeira se se atentar para o fato de que as decisões
posteriores ao total esclarecimento do assunto cingiram-se apenas à execução do contrato
(decisões de 26 de agosto, de 19 de outubro de 1965, no processo 80/65, decisão de janeiro
de 1968, no processo 1.730/65, ofício de 3 de maio de 1971, processo 638/64).
34. A execução só ocorreria em 1965. Por outro lado, eram partes não só a Fundação
Zoobotânica, mas também a SAB e deveria inspecionar a realização dos trabalhos um dos
engenheiros da Secretaria de Agricultura e Produção, o Dr. Roosevelt Nader. A prestação
de contas deveria ser feita à SAB, ao fim dos trabalhos, e foi a constatação, em 1967, de
que havia um saldo de Cr$ 2.000,00 na FZDF a favor da TECMISA que fez presumir a
existência de irregularidades na execução, o que motivou a decisão do Tribunal proferida
em janeiro de 1968, no sentido de reme-ter cópia da análise do relator do processo ao
Prefeito para ensejar as apurações cabíveis.
35. Estas, à evidência, teriam de ser feitas em processo apartado do das contas, por
envolverem mais de um responsável e, se existentes, haverem ocorrido no exercício de
1965.
36. Quanto aos gastos com a "Missão Francesa", vagamente referidos em 1967 e que não
constavam das contas de 1964, também não poderiam interferir no julgamento da prestação
de contas referente ao exercício de 1964.
4. REPERCUSSÃO SOBRE AS CONTAS DOS EXERCICIOS POSIiERIORES.
37. Apuradas que sejam as supostas irregularidades, quer quanto à execução do contrato,
quer quanto aos gastos com a "Missão Francesa" e indicados os responsáveis por elas,
poderá o Ministério Público, nos termos do art. 44, III, da Lei n° 5.538/68 promover a
revisão da decisão do Tribunal que julgou regulares as contas de 1965 e 1966. A simples
presunção de erro, engano ou omissão não autorizam aquele procedi-mento. Na verdade até
agora não se sabe, por exemplo, por que seriam impugnáveis as despesas feitas com a
"Missão Francesa". A permissão legal para a revisão de contas está assim posta na Lei n°
5.538/68:
“Art. 44. Dentro do prazo de 5 (cinco) anos da decisão definitiva sobre as
contas, é admissível pedido de revisão pelo Ministério Público, pelo
responsável, seus herdeiros ou fiadores, e se fundará:
I — em erro de cálculo nas contas;
II — na falsidade de documento em que se tenha baseado a decisão;
III — na superveniência de novos documentos com eficácia sobre a prova
produzida."
5. CONCLUSÃO
Em face do exposto, sou de parecer que o Tribunal responda ao consulente nos seguintes
termos:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
75
a) que as decisões do Tribunal em matéria de contas só transitam em julgado decorridos
cinco anos do dia em que forem proferidas;
b) que os fatos discutidos não envolvem os administradores da Fundação Zoobotânica no
exercício de 1964;
c) que é dever da Administração apurar a inexistência ou existência das alegadas
irregularidades, e quais os seus autores para que possam ser responsabilizados;
d) que se dê conhecimento ao Tribunal dos resultados obtidos, para que este Ministério
Público, se for o caso, tome a providência indicada na Lei e para que o assunto não fique
indefinidamente em aberto.
____________________________
Parecer em 25-9-1974.
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4 - PROCESSO N.° 1.442/74-STC
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO
EMENTA
Salário-família.
1. É devido aos pais, que comprovadamente e por motivos
alheios à sua vontade, não disponham de meios de
subsistência e vivam sob a dependência econômica do
funcionário.
2. Obrigação legal da prestação recíproca de alimentos
entre os pais e filhos (art. 397 do Código Civil).
3. Conceito estatutário de família: predominância do critério
de dependência econômica (art. 241 da Lei n° 1.711/52).
PARECER
Funcionário desta Corte, invocando a Formulação n.º 169 do DASP, requereu saláriofamília sob alegação de que seus pais são seus dependentes. Declarou que eles não
dispõem de quaisquer meios de subsistência, não recebem auxílio de instituições de
previdência social e nem vivem sob a dependência de qualquer dos irmãos do requerente.
2. Instruiu ainda o pedido com certidão de casamento dos pais, atestado de dependência
econômica fornecido pelo DFSP e atestado de médico da Secretaria de Saúde confirmando
o estado de invalidez e a conseqüente incapacitação do pai para o trabalho.
3. O Diretor-Geral de Administração, a quem caberia decidir sobre o pedido, submeteu-o
ao Presidente do Tribunal por não lhe haver encontrado amparo em lei. Sua Excelência
solicitou, então, o parecer desta Procuradoria.
4. Salário-família é a prestação paga pelo Estado ao funcionário com a finalidade de ajudálo a prover os encargos familiares. Não tem caráter comutativo porque independe da
efetiva prestação de serviço; seu valor não está relacionado com o da retribuição do cargo e
nem é devido indistintamente a todos os servidores. É prestação de caráter essencialmente
social, que tem sua origem mais remota na obrigação da prestação recíproca de alimentos
entre pais e filhos, obrigação que se estende a todos os ascendentes, e recai nos mais
próximos em grau, uns em falta de outros, nos termos do artigo 397 do Código Civil.
5. O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, no artigo 241, considera como
integrantes da família do funcionário, além do cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que
vivam às suas expensas e constem do sea assentamento individual. Ao tratar, entretanto, do
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
78
pagamento do salário-família, inexplicavelmente, deixou de atender ao conceito do citado
artigo e no artigo 138, limitou o benefício apenas à satisfação dos encargos com:
—
filho menor de 21 anos;
—
filho inválido;
—
filho estudante que não exerça atividade lucrativa, até a idade de 24 anos;
—
filha solteira sem economia própria;
—
menor que mediante autorização judicial viver sob a guarda e sustento do
funcionário.
6. Atento à regra do artigo 241 e à evolução da legislação quanto às pessoas que podem ser
consideradas dependentes do servidor — art. 16, parágrafo único da Lei n.º 4.242/63, que
admite a mãe viúva e pobre, naquela categoria, expressamente para o efeito do saláriofamília; a Lei n.º 1.765, de 18-12-52, que autoriza o pagamento do benefício ao cônjuge do
sexo feminino que não exerça profissão remunerada nem receba pensão; a legislação do
imposto de renda que engloba no mesmo conceito, também, a companheira de desquitado,
os ascendentes ou descendentes diretos (pais, avós, sogros, netos, bisnetos) incapacitados
para o trabalho, irmãos e cunhados inválidos sem arrimo dos pais —, o DASP vem
construindo, justa e corretamente, jurisprudência ampliativa da concessão do benefício.
7. Com efeito, além da invocada Formulação n.º 169, que reza:
"Incluem-se no conceito de dependente, para fins de salário-família, os país
inválidos e sem economia própria que sejam sus-tentados pelo funcionário"
(DO de 6-12-71, pág. 9.965).
podem ser citados, entre outros e no mesmo sentido, os pareceres no Processo n.º 4.176/70,
(DO de 11-2-71, pág. 1.111), no Processo número 32.779/70 (DO de 8-1-69, pág. 173/75)
e no Processo n.º 9.355/66.
8. A madrasta viúva também é considerada pelo DASP dependente para o efeito de saláriofamília, conforme Processo n.º 5.540/64 (D.O. de 27-7-64, pág. 6.656).
9. Condiciona-se a concessão, em todos os casos, à prova de que a pe;-soa para a qual se
invoca a condição de dependente não disponha de quaisquer rendas, não tenha condições
de trabalho e, além disso, seja sustentada pelo funcionário.
10. Esta prova entendo-a feita com a documentação apresentada, inclusive a declaração do
servidor, feita nos termos e sob as penas da Lei n.º 1.765, de 18-12-52, que estatui no § 39
do art. 11:
"§ 3° A verificação das condições estabelecidas para concessão do saláriofamília terá por base as declarações do servidor que a requerer, o qual
responderá funcional e financeiramente por quaisquer incorreções."
11. Este Tribunal, aliás, ao deferir ao requerente, pelo Processo número 827/66-STC,
salário-família correspondente a dois irmãos menores que viviam sob sua guarda,
reconheceu, com base em justificação judicial e demais provas que instruíram o pedido,
que o pai do servidor era inválido e sua genitora não tinha possibilidade de exercer
atividade remunerada, razões pelas quais não podiam prover a subsistência dos filhos
menores.
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12. Sou, pois, de parecer que se defira o benefício, a partir da data em que foi requerido,
com fundamento nos arts. 241 da Lei n.º 1.711/52 e 397 do Código Civil, e na Formulação
n.º 169 do DASP.
__________________________________
Parecer em 18-11-1974.
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5 — PROCESSO N.° 1.663/73-STC
Procuradora-Geral: ELVIA LOBDELLO CASTELLO BRANCO
EMENTA
Depósito para formação do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço e suspensão do contrato de trabalho.
1. A regra geral é que durante a suspensão do contrato de
trabalho ficam abolidas as obrigações e direitos mútuos que
dele resultam. Em vista disso, cessa a obrigação do
emprega-dor de continuar os depósitos na conta do
empregado vinculado à formação do FGTS.
2. Exceções a esta regra têm de constar expressamente de
lei, e a única admitida no art. 99 do Decreto n.º 59.820/66
não incide sobre o caso em exame.
PARECER
Funcionário desta Corte, admitido sob o regime da CLT e com o contrato de trabalho
suspenso em virtude de ter sido nomeado para ocupar cargo em comissão do seu quadro de
pessoal, requereu ao Conselheiro Presidente da Casa informações sobre a situação de sua
conta vinculada para efeito da formação do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço.
Queria, enfim, saber se o Serviço de Pessoal continuava ou não procedendo ao
recolhimento a que se refere o art. 2º da Lei n.º 1.507, de 13 de dezembro de 1966.
2. Remetido o processo ao Serviço de Pessoal, seu Chefe, em cuida-doso estudo, expôs
toda a situação do servidor e informou que, a partir da suspensão do seu contrato de
trabalho e sua posse em cargo em comissão do Quadro de Pessoal, do que decorreu
mudança do seu status, cessaram as obrigações do Tribunal em relação ao Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço.
3. Conclui a informação asseverando a legalidade da medida adotada e sugerindo o
encaminhamento de expediente à Coordenação Regional do Fundo de Garantia, com cópia
da informação para aquele órgão, analisando os argumentos expendidos, confirmasse o
acerto da medida ou a contestasse, apresentando as suas razões.
4. Decidiu o Presidente levar a matéria à apreciação dos seus ilustres pares.
5. Apesar de amplamente fundamentada, a conclusão do Serviço de Pessoal não convenceu
o relator, que requereu com acolhida do Plenário, a audiência deste Ministério Público,
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
82
sobre serem devidas ou não as contribuições ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,
quando ocorrer suspensão do contrato de trabalho.
6. A questão, a mim, me parece de clareza solar. Em verdade, nada haveria a acrescentar
aos argumentos trazidos ao processo pelo chefe da Seção de Pessoal, nem à primeira parte
da conclusão do seu trabalho.
7. O Decreto n° 59.820, de 20 de dezembro de 1966, que regulamenta a lei instituidora do
FGTS, diz, no art. 99, que as empresas ficam obrigadas a depositar, até o último dia de
cada mês, em conta bancária vinculada, importância correspondente a 8% da remuneração
paga no mês anterior a cada empregado, optante ou não. No parágrafo primeiro, discrimina
os casos em que, mesmo sem a prestação do trabalho, ficam as empresas obrigadas à
contraprestação do depósito, nos seguintes ter-mos:
“§ 1º O depósito de que trata este artigo é também exigível nos seguintes casos
de afastamento de serviço do empregado, incidindo a percentagem, durante o
seu curso, sobre a remuneração do mês em que o afastamento se verificar:
a) para prestação de serviço militar;
b) por motivo de doença, até 15 (quinze) dias;
c) por acidente de trabalho;
d) por motivo de gravidez e parto;
e) para exercer cargo de diretoria na empresa;
f) por outros motivos também admitidos em lei, que interromper o contrato de
trabalho."
8. Ora, a situação do servidor não se enquadrava em qualquer dessas hipóteses, nem em
qualquer outra que pudesse estar abrangida na alínea f transcrita. Seu contrato estava
suspenso e não interrompido. Durante a suspensão do contrato, nenhum direito adquire o
empregador, nem qualquer obrigação se impõe ao empregado.
9. Direito do empregado que tem seu contrato suspenso é o de retornar ao emprego, com as
vantagens atribuídas aos empregados de sua categoria funcional durante o afastamento,
desde que cumpridas certas formalidades, tais como as do art. 472, § 1° da CLT. O
empregador, por sua vez, fica obrigado a dar-lhe o emprego de volta ou a indenizá-lo.
10. Exceção a estes princípios tem de vir em lei, como a da alínea a do § 1º do art. 9º do
Decreto n.º 59.820 citado. O afastamento para prestação de serviço militar em tempos
normais, em realidade, configura caso de suspensão do contrato de trabalho; não obstante,
o citado decreto faz remanescer, nesse caso, uma das obrigações do empregador.
11. Para aclarar as dúvidas suscitadas pelo tema, invoco alguns mestres do direito
trabalhista. Mozart Vitor Russomano, tratando da suspensão e interrupção do contrato de
trabalho, assim professa:
"A interrupção distingue-se da rescisão porque, em face da causa interruptiva, o
contrato não termina; distingue-se da sus-pensão porque, embora também em
caráter provisório, nem todas as cláusulas apontadas deixam de produzir efeitos.
Apenas algumas cláusulas ficam imobilizadas até que desapareça a razão de ser
da interrupção. Enquanto, na interrupção, o contrato continua a vigorar, embora
com parte de seus dispositivos momentaneamente inaplicáveis e inexigíveis, na
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
83
suspensão o contrato não vigora" (M.V. Russomano. Comentários à
Consolidação das Leis do Trabalho, II, v, pág. 630, Ed. Konpino, 1955).
12. Délio Maranhão, das maiores autoridades do país em Direito do Trabalho, discorre:
"Suspensão e interrupção do contrato — Como foi dito no capítulo anterior (n"
131), a suspensão do contrato é a sua parada temporária. Pode ser total, quando
atinge todas as obrigações. Parcial, quando alguma ou algumas subsistem.
A interrupção do contrato não significa senão sua parcial sus-pensão, de regra por breve
intervalo, não acarretando prejuízo salarial, nem impedindo seu cômputo no tempo de
serviço" (Délio Maranhão, Direito do Trabalho, pág. 223. Edição FGV, 1966).
13. O caso sob exame era de suspensão total do contrato de trabalho, e todas as obrigações
das partes foram atingidas pela inércia. Arnaldo Sussekind, situa a questão desse modo:
"No âmbito deste livro e, sobretudo, na análise do sistema legal vigente no
Brasil, cumpre distinguir entre a rescisão (melhor seria denominar-se
"cessação" do contrato de trabalho), que põe fim ao contrato; a suspensão, que
desobriga as partes contratantes de cumprirem o contrato durante determinado
período; e a interrupção, que acarreta a inexecução provisória da prestação de
serviço, sem embargo da eficácia de outras cláusulas contratuais". Arnaldo
Sussekind. Délio Maranhão, Segadas Viana — Instituições de Direito do
Trabalho, pág. 390, Vol. 1º, 5ª- Edição. Livraria Freitas Bastos, 1971.
14. E na mesma obra, especificamente sobre o terna, consta:
"Mensalmente e sobre a remuneração paga no mês anterior, incluídas as horas
extras, deverá o empregador efetuar o depósito correspondente a 8% da
importância paga. Tal depósito é exigível durante a interrupção remunerada do
contrato, prestação de serviço militar, exercício de cargo de diretoria, gerência
ou outro de confiança" (pág. 518).
15. Em resumo, parece não haver a mínima dúvida sobre os dois pontos capitais da
questão: o empregado esteve com o seu contrato de trabalho suspenso; durante a suspensão
do contrato, por força mesmo do decreto regulamentador do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço, estava o Tribunal desobrigado de proceder a qualquer recolhimento à conta de
formação daquele fundo. Afinal, entendo ser desnecessário que o Tribunal encaminhe
qualquer expediente à Coordenação Regional do Fundo de Garantia para ver suas razões de
decidir endossadas ou refutr:das por aquele órgão.
____________________________
Parecer em 5-3-1974.
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6 — PROCESSO N.° 23/74-STC
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO
EMENTA
1. Requerimento de férias relativas ao exercício de 1973.
2. Servidora que esteve em gozo de licença para
acompanhar o cônjuge durante 23 meses, parte dos quais
no exercício de 73.
3. A licença sem vencimento mantém os vínculos entre o
Estado e o funcionário, mas durante o período do
afastamento, este não adquirirá qualquer direito. Mantém
apenas o de voltar ao cargo e o de receber o salário-família.
4. Por seu caráter higiénico, as férias devem atender à
necessidade de repouso do servidor, não se concebendo
seu deferimento a quem, durante o período aquisitivo cio
direito, esteve sem trabalho e sem remuneração.
5. Dentro do sistema do Estatuto ,só os afastamentos
considerados como efetivo exercício e os remunerados não
retiram ao servidor direito à aquisição do gozo de férias.
PARECER
Servidora desta Corte requer férias relativas ao exercício de 1973, em "decorrência de ter
sido funcionária do Estado da Guanabara no período de 3 de setembro de 1970 a 20 de
julho de 1973".
2. A instrução do processo mostra que a requerente ingressou no Quadro de Pessoal do
Tribunal em 20 de julho de 1973, que até então era funcionária do Estado da Guanabara e
que estivera em gozo de licença sem vencimentos de 19 de agosto de 1971 até à data em
que entrou no exercício
de suas funções nesta Corte, isto é, 20 de julho de 1973.
3. A certidão passada pela Secretaria de Administração do Estado da Guanabara confirma
estes dados e a eles acrescenta que a peticionária
foi admitida como professora de Ensino Médio em 3 de setembro de 1970 e que se
licenciara para acompanhar o marido.
4. Em resumo, é a seguinte a situação: a servidora esteve em exercício 3 meses e 27 dias
em 1970, 7 meses em 1971 (dos quais um mês, pelo menos, presumivelmente em gozo de
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
86
férias devido à sua condição de professora), em Iicença sem vencimentos durante 23 meses
e 20 dias e em exercício, nesta Corte, durante 5 meses e 10 dias, no ano de 1973.
5. O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União é muito parco em disposições
relativas a férias. Estabelece basicamente que o funcionário gozará obrigatoriamente 30
dias consecutivos de férias por ano, que somente depois do primeiro ano de exercício
adquirirá direito a férias e que é proibida a acumulação de férias, salvo imperiosa
necessidade de serviço e pelo máximo de 2 anos.
6. A parcimônia do legislador deixou, pois, larga margem de interpretação e construção aos
órgãos de pessoal e sobretudo ao DASP. Têm-se hoje como certos alguns pontos
essenciais: só depois do primeiro ano de exercício adquirirá o servidor direito a férias;
passado o primeiro ano, não é necessário o decurso de doze meses para que o servidor goze
novas férias; as férias devem ser requeridas dentro do exercício a que se referirem e não
poderão ser acumuladas, salvo imperiosa necessidade de Serviço; o direito adquirido às
férias acompanha o servidor na sua nova situação funcional; o afastamento que é
considerado, por ficção legal, como efetivo exercício não lhe retira o direito à aquisição e
ao gozo de férias, bem corno o afastamento para gozo de licença remunerada.
7. Todas essas criações em torno do tema, transformadas em jurisprudência, resultam de
entrosamento entre normas afins do Estatuto e têm como base primacial o caráter
nitidamente higiênico das férias. As férias devem atender à necessidade de repouso do
funcionário, devem ser instrumento para recuperação das suas energias físicas e mentais,
não apenas em seu próprio benefício, mas ainda no interesse do Estado para o qual
produzirá melhor se em satisfatórias condições de saúde.
S. Interpretações e criações que fujam ao sistema do Estatuto, que tornem suas disposições
contraditórias, que retirem às relações entre funcionário e o Estado certo caráter
sinalagmático, ou que firam o conjunto de direitos e deveres assegurados e impostos às
duas partes da relação de trabalho, devem ser rejeitadas.
9. Absurdos me parecem certos entendimentos consagrados em pareceres que se pretende
ter por normativos, como, por exemplo, o de que o funcionário, vindo a adoecer em gozo
de férias, só poderá entrar em licença para tratamento de saúde depois de terminadas as
férias; ou o de que, se o funcionário completar o primeiro ano de exercício já iniciado o
mês de dezembro só terá direito ao gozo de férias pelos dias restantes do mês; ou ainda o
citado na informação do processo, produzido, aliás, anteriormente ao atual estatuto e
segundo o qual mesmo que o servidor tenha estado em licença sem vencimento, deve gozar
férias, obrigatoriamente.
10. O afastamento do exercício do cargo para gozo de licença sem vencimento mantém,
sem dúvida, o vínculo que liga o funcionário ao Estado. Este não lhe deve, entretanto, outra
prestação além do salário-família que acaso receber, e isso por força de caráter alimentar e
assistencial do benefício. O único direito que o servidor conserva durante o afastamento é o
de retornar ao exercício do cargo. O tempo do afastamento não é contado para qualquer
efeito.
11. Ora, se o servidor licenciado sem vencimento não adquire qualquer direito e se as férias
devem corresponder à necessidade de repouso e recuperação pela prestação de trabalho,
não há como deferir esse benefício a servidor que permaneceu sem trabalhar parte do ano
em cujo decurso deveria adquirir o direito às férias.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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12. No caso presente, a funcionária, não fosse o seu cargo de professora, não teria
adquirido direito a férias no antigo emprego, onde não chegou a completar um ano de
exercício; depois de 23 meses sem trabalhar, ingressou nesta Corte em julho do ano p.
passado, como já assinalado.
13. Se se quisesse entender que o tempo em que esteve afastada do cargo, em licença sem
vencimento para acompanhar o marido, seria adicionável aos cinco meses que trabalhou
nesta Corte no ano de 73, para o efeito de completar um "exercício" ao qual
corresponderiam férias, o requerimento e o gozo delas teriam de ocorrer naquele ano, uma
vez que nenhum fato alheio à vontade da servidora ou dependente da vontade do Estado
obstou a que apresentasse oportunamente o seu requerimento. As-sim, o requerimento
deveria ser indeferido pela preliminar de intempestividade.
14. Direito a férias terá a requerente a partir de julho deste ano, e relativas ao exercício de
1974.
________________________________
Parecer em 22-2-1974.
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7 — PROCESSO N.° 688/73
Procuradora-Geral: ELVIA LORDELLO CASTELLO BRANCO
EMENTA
Prestação de Contas da CENABRA.
1. Validade, à vista da Lei n° 5.691, de 10 de agosto de
1971, da norma estatutária que instituiu o 14.9 salário para
os empregados regidos pela CLT.
2. Impropriedade do pagamento de vantagens não previstas
na Lei n° 1.71152 e outras que a complementam, aos
funcionários públicos postos à disposição da empresa, falha
que se deve relevar em face da decisão proferida no
processo n.° 714/72-STC.
3. Quitação aos responsáveis e sustação de tais pagamentos no exercício corrente.
PARECER
Em sua 1.311ª Sessão Ordinária solicitou o Tribunal, além do parecer de praxe em
processos dessa natureza, estudo da gratificação prevista no art. 16, parágrafo único, do
Estatuto da Entidade, em relação ao disposto no art. 69 do Decreto n.º 1.800, de 21 de
dezembro de 1971.
2. Antes de atender à solicitação da Corte, o Procurador Dr. Hermenegildo Gonçalves
pediu a conversão do julgamento em diligência para que o órgão fiscalizador esclarecesse:
"a) a que regime jurídico estão submetidos os servidores relacionados à fl. 23,
beneficiários da gratificação especial "14º salário";
b) se ditos servidores receberam também o 139 salário;
c) por que não há correspondência entre os valores das gratificações "Auxílio
Moradia" e de "Representação" da relação de fls. 21 e 22 com os mencionados
na Escritura de Constituição da CENABRA, publicada no Distrito Federal de 05
de novembro de 1971; e
d) se, ao efetuar os pagamentos referentes a "Auxílio Moradia" e "149 salário",
considerou a Sociedade o disposto no art. 6° parágrafo único do Decreto n°
1.890, de 21 de dezembro de 1971."
3. Endossado o pedido pelo Tribunal, veio a CENABRA ao processo com as alegações e
documentos de fls. 148 a 166, sobre os quais se manifestou aquele Procurador, que
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
90
concluiu pelo sobrestamento do julgamento até que o Tribunal julgasse o Processo n°
714/72-STC., que versava, entre outras matérias, o pagamento de vantagens peculiares a
empregados regidos pela CLT (13° e 14º salários e auxílio moradia) a servidores sob
regime estatutário e prestando serviços a órgãos da Administração Descentralizada, os já
famosos "fichamento de veículos" e o "bloqueio" de cargos públicos.
4. Julgado aquele processo, volta este à Procuradoria com solicitação de novo parecer.
Antes de me manifestar sobre o mérito das contas, passo ao exame do artigo 16, parágrafo
único, do Estatuto da entidade, à vista do art. 69 do Decreto n.º 1.890, de 21 de dezembro
de 1971, tal como solicitado pela Corte.
5. Reza o Estatuto, aprovado em 5 de outubro de 1971:
"Art. 16. O Regulamento do Pessoal estabelecerá normas quanto ao pessoal,
dispondo sobre a admissão, acesso, vantagens e regime disciplinar.
Parágrafo único. Como vantagem especial será concedida uma gratificação até
o máximo de 2 (dois) meses de remuneração sendo metade em duas parcelas de
6/12 avos cada uma, nos meses de julho e dezembro de cada ano, e a outra
metade, a título de participação nos lucros, após a aprovação do balanço,
havendo resultado positivo superior à previsão necessária para seu pagamento."
6. O artigo 6° do Decreto n° 1.890/71 está assim redigido:
"Além dos salários, é vedado às Empresas Públicas, Sociedades de Economia
Mista, Fundações, Autarquias e órgãos relativa-mente autônomos do Distrito
Federal outorgar a seus empregados quaisquer outras vantagens de caráter
pecuniário.
Parágrafo único. Na proibição deste artigo não se incluem:
a) a gratificação de Natal (13° salário);
b) a gratificação de serviços extraordinários, nos termos do artigo 50 a 61, da
Consolidação das Leis do Trabalho;
c) salário-família, de acordo cem a Lei n.º 4.266, de 8 de outubro de 1963;
d) participação nos lucros da entidade, na forma prevista nos respectivos
Estatutos;
e) diárias de viagem;
f) outras vantagens decorrentes de lei ou expressamente autorizadas pelo
Governador do Distrito Federal."
7. A gratificação sob exame divide-se em duas partes: uma com o cará-ter de participação
nos lucros, e outra totalmente incondicionada a qual-quer fato.
8. A participação nos lucros, além de mandamento constitucional, é referida na alínea d do
parágrafo único do artigo acima transcrito, mas a segunda parte da gratificação não tem
embasamento em qualquer das exceções abertas no mesmo parágrafo às proibições do
caput do artigo. Emana pura e simplesmente da vontade dos sócios, expressada na
Escritura de Constituição da Sociedade, na qual se integram os seus Estatutos. Estes são, na
verdade, fonte supletiva dos direitos e vantagens conferidos aos seus empregados, e ainda
instrumento hábil para a regulação da vida da empresa, pois a lei que a criou, de n.º 5.691,
de 10 de agosto de 1971, estabeleceu:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
91
"Art. 4º A CENABRA será admirai,trada na forma estabelecida por seus
Estatutos."
9. A meu ver, será à luz dessa autorização legal e não à do Decreto no 1.890/71, que terá de
ser examinada a legitimidade do pagamento da gratificação especial a que se convencionou
chamar de 14° salário e das outras vantagens atribuídas aos empregados, tais como a
gratificação de representação. e o auxílio moradia. Deve-se indagar, inicialmente, quais os
limites da competência dos acionistas na elaboração dos Estatutos.
10. A dificuldade que se oferece à análise da matéria é a ausência de um estatuto básico das
empresas públicas e sociedades de economia mista, ausência que tem sido lamentada por
todos quantos se devotam ao estudo dessas pessoas jurídicas. Tal estatuto, entendo, deveria
especificar, entre outras matérias, o que na criação desses entes devesse ser objeto da lei
instituidora e o que pudesse emanar da vontade dos sócios, quando dos atos constitutivos.
Com efeito, é de praxe conterem as leis que criam esses órgãos da administração indireta
mandamento que os autorizam a reger-se por seus estatutos e pelas disposições relativas às
sociedades anônimas (Dec-lei n.º 490, de 4 de março de 1969, que criou as sociedades de
economia mista CAESA, CAERD e CAER; Lei n.º 3.890-A, de 25 de abril de 1961, que
trata da constituição da ELETROBRÁS; Lei n° 3.115, de 16 de março de 1957, que
autorizou a Constituição da Rede Ferroviária Federal; Lei Delegada n° 6, de 26 de
fevereiro de 1962, que criou a COBAL e a Lei Delegada n° 7, de 26 de setembro de 1962,
que autorizou a constituição da CIBRAZEM, para só citar alguns exemplos) .
11. Em alguns casos, prevê o legislador a aprovação dos Estatutos por decreto do
Executivo, em outros essa aprovação não é exigida, como no caso da COBAL, e de quase
todas as empresas públicas e sociedades de Economia Mista do Distrito Federal, como se
infere da Lei n.º 4.545, de 10 de dezembro de 1964. No artigo 15, dispôs:
"Fica o Prefeito do Distrito Federal autorizado a constituir, nos termos desta Lei
e da legislação que lhes for aplicável, as seguintes sociedades por ações:
a) Companhia de Telefones de Brasília (COTELB) destinada a administrar os
serviços telefônicos urbanos e interurbanos;
b) Companhia cio Desenvolvimento do Planalto Central (CODEPLAN),
destinada a promover a expansão das atividades econômicas do Planalto
Central;
c) Companhia de Eletricidade de Brasília (CEB) destinada a administrar os
serviços de energia elétrica;
d) Banco Regional de Brasília S.A. (BRB)."
12. Nada mais disse a lei sobre essas empresas, além de definir-lhes o objeto e a
personalidade jurídica. O art. 25 disciplinou, em caráter geral, o processo de seleção do
pessoal para os quadros dos órgãos da administração indireta; o 27 proibiu que se lhe
fossem pagos vencimentos e vantagens maiores que os do Serviço Público Federal, para
cargos e funções semelhantes, e o art. 29 estabeleceu que os servidores da então Prefeitura
do Distrito Federal e os da NOVACAP abrangidos pelo art. 4º da Lei n.º 4.242 de 17 de
março de 1963, poderiam ter exercício nos órgãos da administração descentralizada
previsto na lei.
13. A CENABRA foi criada, como já acentuado, pela Lei n° 5.691, de 10 de agosto de
1961, que dispôs apenas sobre a personalidade jurídica da empresa, seu objeto e
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
92
competência, constituição do capital e forma de sua integralização, método para celebração
de acordos e financia-mentos externos, obrigatoriedade de declaração de bens pelos
membros da Diretoria, Conselho Fiscal e empregados em geral, regime jurídico do pessoal
— que é o das leis trabalhistas — e aplicação subsidiária da lei das sociedades por ações,
Todos os demais aspectos da vida da empresa foram delegados às disposições estatutárias.
14. Quais seriam, então, na ausência de lei geral que defina os poderes dos acionistas na
elaboração dos estatutos, os limites que estes se devam impor? Que princípios deverão
orientar sua atuação?
15. Antes de mais nada, deverão os acionistas subjugar-se às normas constitucionais que
devam e possam incidir sobre as relações a regular, aos princípios básicos traçados pela lei
criadora da entidade, à política salarial do governo, e à moralidade administrativa que deve
ser inerente a toda atividade empresarial, mormente se desenvolvida pelos órgãos públicos
e semipúblicos.
16. Nessa linha de raciocínio, seria nula qualquer disposição estatutária que ferisse a
Constituição, que modificasse o que foi expressamente objeto da lei criadora da entidade,
que criasse vantagens desconhecidas no direito trabalhista que preside o regime de pessoal,
ou que dispusesse sobre matéria que só por lei pode ser regulada. A gratificação instituída
pelo art. 16 parágrafo único do estatuto, a que se tem chamado 140 salário, não fere
qualquer norma constitucional ou legal e muitas empresas privadas ou mesmo estatais a
adotam. A manutenção dela foi objeto de estudo por parte dos acionistas depois de editado
o Decreto n° 1.890/71, como se informa à fl. 150, e idêntica disposição consta do art. 38 do
Estatuto da COBAL, que lhe serviu de paradigma.
17. Também não discrepam dos usos e costumes que regem as relações de trabalho sujeitas
à CLT, nem contrariam a política salarial do governo, o pagamento das outras vantagens
estatutárias.
18. Impugnável, a meu ver, é apenas a atribuição, aos servidores públicos postos à
disposição da empresa, de vantagens estranhas à Lei n° 1.711/52 e outras que a
complementam. Deixo, entretanto, de propor que seja levado a débito dos administradores
as quantias que lhes foram pagas porque, ao decidir o Processo n.º 714/72-STC, o Tribunal,
acompanhando o brilhante e lúcido parecer do Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz,
decidiu representar ao Governo do Distrito Federal encarecendo a urgente necessidade de
norma legal que disciplinasse as matérias versadas naquele processo e aqui referidas no
item 3, uma vez que a imediata sustação das despesas poderia criar embaraços à
Administração.
19. As medidas legislativas já começaram a surgir. A Lei n.º 6.162, de 6 de dezembro de
1974, dispôs sobre a integração dos funcionários públicos do Distrito Federal nos órgãos a
cuja disposição se encontravam à data da lei e extinguiu o famoso e esdrúxulo "bloqueio"
de cargos públicos. Conseqüência disso, será a cessação da hibridez de regime jurídico a
que vinham sendo submetidos certos servidores do Distrito Federal; procedimento tantas
vezes verberado por esta Corte de Contas. A efetivação dessas medidas legais, entretanto,
poderá prolongar-se por tempo demasiado longo, ensejando que se persista na prática das
impugnadas irregularidades.
20. Sou, pois, de parecer que o Tribunal aprove as presentes contas e mande expedir aos
diretores relacionados às folhas 140 e 141 as respectivas provisões de quitação, e determine
à atual diretoria da empresa que se abstenha, no corrente exercício, de pagar aos servidores
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
93
que se encontram à sua disposição quaisquer vantagens que não constem do EFPCU e leis
que o complementam.
______________________________
Parecer em 5-3-1975.
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8 - PROCESSO N.° 370/74
Procurador: HERMENECILDO FERNANDES GONÇALVES(*)
EMENTA
Aposentadoria de Hermes Soares de Brito.
1. Invalidez simples — alcoolismo crónico.
2. Proventos proporcionais calculados em quantia inferior à
metade do salário-mínimo.
3. Conciliação da norma contida no art. 181, parágrafo
único, in fine do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da
União com o disposto no art. 3.°, 5.°, inc. I da Lei n.° 5.890,
de 8 de junho de 1973, que altera a legislação da
Previdência Social.
4. Salário-mínimo como salário vital (art. 76 da CLT).
Proventos mínimos iguais ao salário-mínimo.
5. Remuneração mínima como direito fundamental a que
estão obrigados os particulares e também o Estado.
6. O provento mínimo na legislação francesa, mexicana,
espanhola e americana.
7. Jurisprudência do Tribunal de Contas da União e do
Judiciário.
8. Diligência para revisão dos cálculos, acrescentando-se a
"complementação" necessária para atingir o salário-mínimo.
PARECER
Reunida para exame do Servente nível 05, Hermes Soares de Brito, a junta do Serviço
Médico do Distrito Federal o declarou fisicamente incapaz, por padecer de alcoolismo
crónico (fls. 2).
2. O servidor contava ao aposentar-se com apenas 4.420 dias de serviço, e, assistindo-lhe
direito a provento proporcional, este foi calculado na base de 12/35 avos de Cr$ 409,00,
resultando na importância de Cr$ 170,56, já acrescentados os 5% de gratificação adicional
por tempo de serviço (fls. 20).
3. A este provento chegou o Serviço de inativos do Governo do Distrito Federal, com apoio
no art. 181, parágrafo único da Lei n° 1.711/52.
(*)
Atualmente Juiz da Justiça do Distrito Federal.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
96
4. No mesmo sentido é a conclusão da Inspetoria-Geral que, assim, opina pela legalidade
da aposentadoria.
E o relatório.
5. O presente processo apresenta, como peculiaridade, o fato de o servidor estar recebendo,
após o decreto de aposentadoria (fls. 09) menos da metade do salário-mínimo para o
Distrito Federal, que segundo o Decreto n° 73 995, de 29 de abril de 1974, é de CrS 376,80
(trezentos e setenta e seis cruzeiros e oitenta centavos).
6. A Lei n° 4.242. de 17 de julho de 1963. em seu art. 31 dispõe:
"Nenhum funcionário da administração direta e indireta do Poder Executivo
poderá perceber vencimento inferior ao maior salário-mínimo vigente do país e
nenhum servidor temporário ou de obras perceberá retribuição inferior ao
salário-mínimo da região em que estiver lotado" (grifo nosso).
7. No mesmo sentido, já dispusera a Lei n.º 3 531, de 19 de novembro de 1959 em seu art.
5º.
8. Alega-se, porém, que estas normas não se estendem aos inativos, pois só cuidam de
estabelecer o limite mínimo de retribuição em atividade.
9. No Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União o legislador, já preocupado com o
tema, estatuiu no art. 181:
"Art. 181. Fora dos casos do art. 178, o provento será proporcional ao tempo de
serviço, na razão de um trinta avos por ano. Parágrafo único. Ressalvado o
disposto nos arts. 179, 180 e 184, o provento da aposentadoria não será superior
ao vencimento ou remuneração da atividade nem inferior a um terço."
10. Estabeleceu, assim, irrecusavelmente, um valor mínimo para os proventos da
aposentadoria, mas não vinculou esse mínimo ao salário mínimo e sim a um percentual do
vencimento ou remuneração da atividade.
11. Esse percentual era, segundo o legislador da época, o mínimo necessário para a
sobrevivêneia do servidor aposentado. Hoje. porém, já não atende à realidade.
12. Em face disto, na recente Lei n.º 5.890, de 08 de junho de 1973 — art. 30, § 5°, inc. I,
regulada pelo Decreto n° 72.771, de 6-9-73 — art. 50, § 4°, inc. I, cuidou-se de idêntico
tema, isto é, procurou o legislador fixar um mínimo indispensável à sobrevivência do
trabalhador aposentado e o fez, assentando que o "Benefício" da aposentadoria não poderá
ser inferior a 90% do salário mínimo.
"Art. 50, § 4º cio Decreto n° 72.771, de 6-9-73 "verbis" — a renda mensal não
poderá ser inferior:
I — a 90% (noventa por cento) do salário-mínimo mensal de adulto vigente na
localidade de trabalho do segurado, para os casos de aposentadoria."
13. Ora, se os vencimentos não podem ser inferiores ao salário mínimo, por que o provento
mínimo há de ser tão inferior ao benefício mínimo?
14. Por outro lado, a Consolidação das Leis Trabalhistas em seu art. 73, dá a definição
legal de salário-mínimo:
"Salário-mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente a todo
trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
97
normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do
País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene
e transporte."
15. Salário-mínimo, pois, é salário vital sem o qual ninguém pode sobreviver.
16. É irrefutável que tal noção está longe de equiparar-se ao conceito de "salário vital
adequado" preocupação constante da Organização Internacional do Trabalho, conforme se
verifica do preâmbulo de sua Constituição e da Declaração de Filadelfia, de 1944.
17. Segundo a OIT, o salário vital adequado deve assegurar, além da subsistência algumas
comodidades, também consideradas necessárias à vida normal.
18. Inobstante, somos um País em desenvolvimento e justifica-se a cautela do legislador. O
que não nos parece razoável é entender-se que o provento mínimo possa ser inferior ao
salário-mínimo, que é o mínimo indispensável à sobrevivência, consoante índices oficiais.
19. já vimos que no próprio regime estatutário o legislador teve o cuida-do de fixar um
provento mínimo, já vimos que, para o trabalhador, o benefício mínimo na aposentadoria é
igual a 90% do salário-mínimo, já vimos que, segundo nossa lei o salário-mínimo é o
mínimo vital à sobrevivência de quem quer que seja, resta extrair a adequada men,s legis e
fazer justa aplicação dela.
20. Abandonando-se a pura e simples interpretação literal, buscando adaptar a lei à vida e à
realidade duas opções se nos oferecem:
a) Proventos mínimos iguais a 90% (noventa por cento) do salário-mínimo, ex ui do art. 50,
§ 4º, inc. I do Regulamento da Previdência Social, interpretado sistematicamente.
b) Proventos mínimos iguais ao salário-mínimo, porque o salário-mínimo é o mínimo vital.
21. Ensina Hely Lopes Meirelles "a aposentadoria é a prerrogativa da inatividade
remunerada, reconhecida aos funcionários que já prestaram longos anos de serviço público,
ou se tornaram incapacitados para as suas funções (Direito Administrativo Brasileiro, Ed.
Revista dos Tribunais Ltda., S. Paulo, 1984, pág. 388).
22. Logo, o ato de aposentação gera dupla conseqüência: desliga o funcionário do serviço
ativo e cria para o Estado a obrigação de continuar a prover a sua subsistência.
23. Aliás, os sistemas de aposentadoria, aqui ou alhures, visam exatamente a manter a
eficiência do serviço público e prover à segurança social dos servidores.
24. Donde se conclui que não é justo, legal ou humano fixar proventos de aposentadoria,
proporcionais ou integrais, em quantia inferior à considerada oficialmente como o mínimo
indispensável à sobrevivência, que é o salário-mínimo.
25. Destarte, o critério até aqui adotado manda fixar os proventos do interessado em menos
da metade do salário-mínimo, ou seja, em Cr$ 162,56, descontados os Cr$ 8,00 que, no
caso, são devidos ao IPASE.
26. É imperativo que tal critério seja substituído, máxime considerando que, quando o
Estado fixa um mínimo a ser pago pelos particulares também se vincula a esse mínimo,
indispensável à sobrevivência humana.
27. Só os desavisados ou divorciados da realidade podem acreditar que os servidores
públicos aposentados tenham condições de sobrevivência com proventos inferiores ao
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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salário-mínimo e, no caso, bem inferiores até ao que receberia o trabalhador ou servidor
regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
28. Abreu de Oliveira em seu apreciado e utilíssimo "Aposentadoria no Serviço Público"
disserta às fls. 158:
"O salário do servidor público não há de ser aquele que o submeta, a ele e à
família, a "condições de vida infra-humanas".
Tendo caráter alimentar, o provento, como o vencimento, não pode ser menor que o
mínimum vital.
Na França, antes mesmo que um mínimo salarial fosse fixado para as classes obreiras, o
Estatuto de 1946 estabeleceu que os funcionários públicos não poderiam perceber menos
que o minimum vital, a ser fixado por decreto do Conselho de Ministros:
"Lei tritement fixé pour un functionaire nommé à un emploi de début doit être
calcule de telle façon que le traitement net perçu ne soit pas inférieur à 120 p.
100 du minimum vi-tal" (art. 32) .
O minimum vital foi definido, pela lei francesa de 19 de outubro de 1946, como
"la somme au-dessous de laquelle les besoin individuels et sociaux de la
personne humaine consideres comme elementaires et incompressibles, ne
peuvent pas étre satisfaits".
O provento mínimo corresponde, então, lá, a 80% do menor padrão de
vencimento e este (traitement de base) não pode ser inferior a 120% do saláriomínimo de empregado de empresa privada; todavia, há um máximo relativo:
quando o provento ultra-passa seis vezes o mínimo vital, a fração excedente é
computada pela metade.
No México, o vencimento do funcionário não pode ser inferior ao mínimo
fixado para os trabalhadores em geral.
Na Espanha, a pensão mínima de aposentadoria era de quatrocentas pesetas
mensais.
Também nos Estados Unidos, procura-se estabelecer um mínimo "living wage"
(to maintain an appropriate estandard of living)."
29. O Eg. Tribunal de Contas da União, pronunciando-se sobre o assunto (Proc. 36.290/60,
julgado em Sessão de 20-10-70) optou por fixar os proventos mínimos em 70%, hoje 90%
do salário-mínimo, adotando, como razão de decidir, a interpretação sistemática da Lei da
Previdência Social.
30. O Colendo Tribunal Federal de Recursos, porém, ao julgar o Ag. de Petição em
Mandado de Segurança n° 25.793, afirmou: "Os proventos não podem ser inferiores ao
salário-mínimo da região."
31. Igual entendimento sufragou a Eg. 2 Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
ao julgar a apelação cível n.º 3.258 (acórdão publica-do no Diário da Justiça de 10 de maio
de 1974, pág. 3.075):
Ementa: "Servidor inativo — Proventos — Servidor aposentado não poderá
perceber proventos de valor inferior ao salário-mínimo. A regra da
proporcionalidade ao tempo de serviço é subordinada àquele piso."
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99
32. Ressalte-se ainda que se o interessado neste processo morresse antes de se aposentar,
sua família receberia de pensão mais do que ele vem recebendo de proventos, já que lhe
caberia pelo menos 50% do salário-mínimo.
33. O critério até aqui seguido atenta também contra o direito natural e a eqüidade, pois,
"jus naturale est dictatum rectae rationis" (O direito natural é ditado da reta razão) e
"aequitas nihil aliud est quam jus, quam lex scripto praetcrmisit" (A eqüidade nada mais é
do que o direito que a lei omitiu no escrito).
34. Ademais, não é o juiz simples máquina de calcular.
35. A aplicação do direito não é simples atividade mecânica, mas aplicação humana e
social.
36. E de Ferrara a lição: "O juiz é o intermediário entre a norma e a vida, o instrumento
vivo que transforma o regulamento típico imposto pelo legislador no regulamento
individual das relações das pessoas; que transforma o comando abstrato da lei em comando
concreto na sentença."
37. Toda norma jurídica supõe uma finalidade e à investigação dessa finalidade dá-se o
nome de interpretação.
38. In caso, a finalidade da norma que estabeleceu um provento mínimo é garantir a
sobrevivéncia do servidor aposentado. Não importa, pois, que a fórmula usada seja
inadequada.
39. Essa realidade que deve guiar os passos do intérprete nesse terreno.
40. ex positis, nosso parecer é no sentido de que o provento mínimo, mesmo no caso de
aposentadoria com proventos proporcionais (invalidez simples, compulsória ou punição
pelo Ato Institucional) seja sempre igual ao salário-mínimo. Caso o somatório das parcelas
a que fizer jus o servidor não chegue ao salário-mínimo, dever-se-á adicionar uma
"complementação" até atingir o mínimo vital.
41. Em qualquer hipótese, porém, essa "complementação" constituirá par-cela variável, não
incorporada ao provento propriamente dito e que oscilará à medida que se modificarem os
níveis do salário-mínimo e os valores dos vencimentos com reflexos nos proventos, tudo
para assegurar sempre e tão-somente um salário-mínimo ao servidor aposentado com
proventos proporcionais.
42. Assim, pela conversão do julgamento em diligencia para ser efetuada a revisão dos
cálculos dos proventos nos seguintes termos:
a) 12/35 do nível 05
Cr$ 140,00
b) 12/35 de Cr$ 30,80 (absorção)
Cr$ 10,56
c) 5% de adicionais
Cr$ 20,00
d) soma (proventos proporcionais)
Cr$ 170,56
e) "arredondamento"
Cr$ 206,44
f) Total equivalente a SM
Cr$ 376,80
___________________________________
Parecer em 8-7-1974.
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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
101
9 — PROCESSO N.° 490/73
Procurador: HERMNEGILDO FERNANDES GONÇALVES
EMENTA
Aposentadoria de Ipiranga Curado.
1. Invalidez qualificada — cardiopatia grave.
2. Diligência parcialmente cumprida.
3. Servidor aposentado quando respondia a inquérito
administrativo.
4. Inquérito arquivado pela verificação de que o servidor era
portador de cardiopatia grave.
5. Decisão sem amparo legal. A autoridade julgadora não
cabe renunciar ao jus puniendi em tal hipótese.
6. A apuração do ilícito administrativo é regida pelos
princípios
da
legalidade
ou
obrigatoriedade
e
indisponibilidade (art. 217 da Lei n.° 1.711/52).
7. Por nova diligência.
PARECER
Cuida-se no presente processo da aposentadoria de Ipiranga Curado, Delegado de Polícia,
do Quadro de Pessoal Civil, da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.
2. Conforme se vê de fls. 6, foi o próprio servidor que requereu sua aposentadoria,
alegando ser portador de cardiopatia grave.
3. Submetido a exame, a Junta Médica o considerou, realmente, inválido para o Serviço
Público por padecer da alegada cardiopatia grave (fls. 5 e 58).
4. Vale ressair, entretanto, que na data do exame, isto é, a 5 de julho de 1966 o servidor
respondia a inquérito administrativo instaurado pela Portaria n.º 398, de 23-7-65 do então
Diretor-Geral do Departamento Federal de Segurança Pública, Cel. Jurandir Palma Cabral.
5. Tendo verificado que o servidor fora aposentado a despeito do inquérito e ainda porque
nos autos quase nada existisse sobre esse inquérito, solicitamos, a fls. 49, maiores
informações sobre o assunto.
6. O Egrégio Tribunal acolheu a solicitação desta Procuradoria, mas a Secretaria de
Segurança Pública não atendeu à diligência ordenada, nesse ponto.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
102
7. Esse fato provocou o retorno do processo em nova diligência e vieram, então, os
esclarecimentos de fls. 72, os quais, todavia, ainda são insuficientes para o julgamento da
aposentadoria.
8. Sabe-se, porém, agora que o inquérito administrativo é oriundo de expediente da
Primeira Vara Criminal do Distrito Federal e que, embora em suas conclusões não se
opinasse pela inocência do servidor, foi este inquérito arquivado em virtude da seguinte
decisão do Conselho Superior de Polícia:
"À unanimidade o Conselho decidiu mandar arquivar o processo disciplinar e
restaurar o relativo à aposentadoria, tendo em vista que o Conselheiro Dr.
Almiro Gerin de Amorim informou não haver localizado o mesmo, de acordo
com o voto do Relator — Dr. Synval Rogério Wanderley. — Sala de Reuniões
do CEPDP, em 7 de junho de 1968. As.) Bel. Aderbal Silva, Secretário ad-hoc."
9. Embora esta decisão, como está redigida a fls. 21, seja ininteligível, depreende-se que o
processo disciplinar foi arquivado porque a Administração tomou conhecimento do laudo
médico que declarou o servidor incapaz para o Serviço Público por padecer de cardiopatia
grave.
10. Impõe-se, pois a conclusão de que a autoridade julgadora entendeu que a doença do
servidor o desonerou de suas responsabilidades funcionais e o punha a salvo de qualquer
punição.
3.1. Data venia, esta decisão nos parece legalmente vedada à autoridade julgadora, já que
os poucos informes que existem nos autos sobre o inquérito administrativo são todos no
sentido de que ficou provada a responsabilidade funcional do servidor indiciado.
12. Conforme soa o art. 217 da Lei n° 1.711, de 28-10-52, a autoridade que tiver ciência de
irregularidade no serviço público é obrigada a promover-lhe a apuração imediata em
processo administrativo.
13. Ora, se a autoridade é obrigada a agir, não podendo transigir nem aguardar
oportunidade para atuar, a conseqüência inevitável é que também não pode renunciar ao jus
1ntniendi, depois de comprovada a falta funcional.
14. De nosso acordo, pois a apuração do ilícito administratvio é regido pelos princípios da
legalidade ou obrigatoriedade e indisponibilidade (art. 217 do EFCU).
15. Subsistem, todavia, dúvidas no que tange à penalidade proposta pela Comissão que
apurou os fatos.
16. Com efeito, a fls. 19 noticia-se que no Processo 16.613/66 (inq. adm.) foi solicitada a
demissão do servidor a bem do serviço público e a fls. 72 fala-se que o parecer final pedia
a suspensão do servidor pelo prazo máximo de 90 dias em virtude de falta grave.
17. Nada se esclarece, no entanto, sobre o dispositivo legal violado pelo servidor. É
patente, assim, a carência de informações precisas sobre o precitado inquérito.
18. Sem embargo disso nos parece irrecusável que este inquérito não poderia ser
arquivado, por apresentar-se o servidor com cardiopatia grave.
19. Se fizermos interpretação extensiva da norma contida no art. 231 do referido Estatuto
também chegaremos a mesma conclusão:
"O funcionário só poderá ser exonerado a pedido após a conclusão do processo
administrativo a que responder, desde que reconheci-da sua inocência."
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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20. É óbvio que não se trata de exoneração, mas o objetivo num caso como no outro é o
mesmo: evitar a impunidade do funcionário faltoso.
21. Na verdade, pois, a Administração, sem amparo legal, renunciou ao jus puniendi,
arquivando um inquérito no qual ficou provado um ilícito administrativo cometido pelo
servidor em causa.
22. O reexame dessa matéria no momento em que se vai julgar a legalidade da
aposentadoria é, pois, de toda conveniência e, destarte, nenhum obstáculo legal há para
isto, já que não ocorre com o ato administrativo o fenômeno da coisa julgada.
23. Demais disso, em face do disposto no art. 68, item 11 do Código Penal e das
referências constantes de fls. 72, entendo necessária, também para o jalgarnento da
presente aposentadoria a juntada ao processo de cópia da folha penal do Sr. Ipiranga
Curado.
24. Ex positis requeiro:
a) que o Egrégio Tribunal requisite os autos do inquérito administrativo (proc. 16.613/66
na repartição de origem) a que respondeu o servidor em tela;
b) que se oficie à Douta Corregedoria de justiça do Distrito Federal, solicitando cópia da
folha penal do Sr. Ipiranga Curado para instruir pedido de aposentadoria.
______________________________
Parecer em 29-8-1974.
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105
10 — PROCESSO N.° 846/73
Procurador: HERMENEG1LDO FERNANDES GONÇALVES
EMENTA
1. Contrato de mútuo entre o Banco Nacional da Habitação
(BNH), Sociedade de Habitações de Interesse Social Ltda
(SHIS), a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do
Brasil (NOVACAP) com a interveniência do Banco Regional
de Brasília (BRB).
2. Empresa Pública. Pessoa Jurídica de Direito Privado,
criada por Lei. Incabível foro de eleição em face do
domicílio necessário estabelecido na lei.
3. Instrução incompleta. Necessidade de serem anexadas
aos autos as diversas resoluções do BNH referidas no
ajuste.
4. Diligência.
PARECER
Trata-se de contrato de empréstimo entre o Banco Nacional da Habitação, a Sociedade de
Habitações de Interesse Social Ltda., a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do
Brasil, com a interveniéncia do Banco Regional de Brasília S/A.
2. O BNH é o mutuante; a SHIS o agente financeiro e repassador; a NOVACAP a entidade
tomadora do repasse; e o BRB o interveniente e co-responsável "Del Credere".
3. O valor do empréstimo é de Cr$ 51.987.809,00 (cinqüenta e um milhões, novecentos e
oitenta e sete mil e oitocentos e nove cruzeiros) e destina-se a financiar obras de rede de
águas pluviais, pavimentação, meios-fios e calçadas nos conjuntos habitacionais "Guará I e
II".
4. A Inspetoria-Geral opinou por que o Tribunal tome conhecimento do contrato.
5. O processo foi distribuído ao eminente Auditor Dr. Luiz Zaidman e o Tribunal, em
sessão de 11-12-1973, houve por bem solicitar o pronuncia-mento da Procuradoria.
É o relatório.
6. Ex vi do disposto no art. 12 da Lei n° 5.762, de 14 de dezembro de 1971 a sede e o foro
do Banco Nacional da Habitação (BNH) é o Distrito Federal.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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7. De igual modo, as demais partes contratantes, ou seja, a Sociedade de Habitações de
Interesse Social Ltda. (SHIS), a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil
(NOVACAP) e o Banco Regional de Brasília S/A (BRB) tem sede e foro em Brasília.
8. Sem embargo disso, elegeram, para solução de quaisquer questões oriundas do presente
contrato, o foro da cidade do Rio de Janeiro, com renúncia expressa de qualquer outro.
9. O chamado domicílio de eleição pelo qual os contraentes de obrigações determinam o
local onde se sujeitam a demandar e ser demandados, está, basicamente, regulado pelo
artigo 42 do Código Civil Brasileiro, in verbis:
"Nos contratos escritos poderão os contraentes especificar domicílio onde se
exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes."
10. Todavia, quando se trata de pessoa jurídica que tem domicílio legal como na hipótese
em tela, nenhum interesse há em estabelecer o forum contractus, pois se a cláusula
respectiva dispuser contra a lei nenhuma eficácia terá e se se endereçar no mesmo sentido
será simplesmente ociosa.
11. Isto porque o dispositivo legal que determina a sede e o foro das pessoas jurídicas é
norma cogente, imperativa, contra a qual nada pode a vontade das partes.
12. Como é curial, a pessoa jurídica como ente abstrato que é não pode ter residência, mas
tem sede, que é o centro de sua atividade dirigente.
13. Em nossa sistemática legal há perfeita analogia entre a idéia de domicílio e a de sede
social daí que, por extensão doutrinária, pode-se dizer que a pessoa jurídica tem domicílio
no lugar de sua sede social. Esse local pode ser livremente, escolhido no ato constitutivo da
pessoa jurídica e deve constar do Registro Público, segundo dispõe o art. 19 do Código
Civil.
14. Destarte, se a hipótese, é de pessoa jurídica criada por lei nada há a escolher, pois a
sede e o foro serão necessariamente os fixados na lei criadora.
15. Nessa conformidade, pode-se afirmar que tanto a pessoa jurídica de Direito Público,
quanto a pessoa jurídica de Direito Privado, criada por lei, tem domicílio necessário, que,
mesmo no contrato, não pode ser postergado.
16. Ex posítis, somos pela conversão do julgamento em diligência para que:
a) seja lavrado termo aditivo de re-ratificação, do convênio, adotando-se como foro do
contrato o Distrito Federal; e
b) venham aos autos as diversas resoluções do BNH, referidas no ajuste, sem o que não se
pode examinar integralmente o contrato.
___________________________________
Parecer em 28-1-1974.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
108
11 — PROCESSO N.° 1.757/74-STC
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA
EMENTA
Tribunal de Contas do Distrito Federal. Autogoverno.
Pessoal dos serviços auxiliares. Regulamentação do Poder
Executivo. Interpretação do art. 7 .9, da Lei n.° 6.011, de 2612-73.
1. Em virtude da prerrogativa constitucional de autogoverno,
compete ao Tribunal não só a iniciativa das leis referentes à
organização dos seus serviços auxiliares, como também a
respectiva regulamentação.
2. Não está, assim, a Corte obrigada a observar os
regulamentos das leis de pessoal da União, que só têm
aplicação em caráter subsidiário, consoante validamente
exprime o § 2° do art. 24 do Regimento Interno.
3. As referências do art. 7.°, da Lei n.° 6.011, de 26 de
dezembro de 1973, à regulamentação federal não poderiam
tolher a mencionada prerrogativa do órgão. Para salvar a lei
da pecha de inconstitucionalidade, como é curial, deve ser o
dispositivo interpretado sob a inspiração da cláusula
"quando aplicável a regulamentação do Poder Executivo,
por não haver normas próprias do Tribunal".
PARECER
1. QUESTÃO EM EXAME
À invocação do art. 79 da Lei n.º 6.011, de 26-12-73, funcionário do Quadro dos Serviços
Auxiliares desta Corte, onde ocupa cargo de Motorista Oficial, pleiteia ascensão funcional
a uma das vagas existentes na classe C da categoria Agente Administrativo, demonstrando
possuir o grau de escolaridade necessário e haver-se habilitado em processo seletivo.
2. Examinando o pedido, o Serviço de Pessoal e a Diretoria-Geral de Administração
opinam pelo indeferimento, mas sugeriram que esta Procuradoria fosse ouvida sobre o
assunto, no seu aspecto jurídico, com o que concordou o eminente Conselheiro-Presidente.
125
3. Pelo que se depreende da informação de f. 3/8, o verdadeiro obstáculo ao atendimento da
pretensão do servidor residiria na inexistência, na órbita do Poder Executivo da União, de
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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uma regulamentação do aproveita-mento postulado, como seria imprescindível para
aplicação ao caso do art. 7°, parágrafo único, da mencionada Lei n° 6.011/73.
4. Eis o dispositivo legal em causa:
"Art. 7° Os funcionários do Quadro de Pessoal dos Serviços Auxiliares do
Tribunal de Contas do Distrito Federal, ocupantes de cargos da classe final da
Categoria Funcional de Agente de Porta-ria do Grupo — Serviços de
Transporte Oficial e Portaria poderão concorrer à ascensão funcional para
preenchimento de até 1/3 (um terço) das vagas da classe C da Categoria
Funcional de Agente Administrativo do Grupo — Serviços Auxiliares do
mesmo Quadro, desde que observados o grau de escolaridade e os demais
requisitos previstos em regulamentação do Poder Executivo.
Parágrafo único. No caso de insuficiência de habilitação à ascensão funcional
prevista neste artigo, as vagas a esta destinadas poderão ser preenchidas com
funcionários do Quadro de Pessoal dos Serviços Auxiliares do Tribunal de
Contas do Distrito Federal, integrantes dos demais Grupos, de acordo com a
regulamentação adotada na área do Poder Executivo."
2. TEMA PRÉVIO: AUTOGOVERNO DOS TRIBUNAIS
5. Creio que o tema prévio e necessário ao exame da matéria ventilada neste processo é o
do autogoverno dos Tribunais, pois jungir o Tribunal de Contas à observância de
regulamentação estranha tem a ver com eventual cerceamento de sua competência para
organizar os seus serviços auxiliares.
6. O princípio basilar da independência e harmonia entre os Poderes do Estado levou o
constituinte a conferir aos Tribunais a prerrogativa do auto-governo, que não passa de um
corolário daquele dogma e que sempre esteve presente em nossas Constituições
republicanas. Lê-se no art. 115 da versão de 1969:
"Compete aos Tribunais:
I — eleger seus Presidentes e demais titulares de sua direção;
II — elaborar seus regimentos internos e organizar os serviços auxiliares,
provendo-lhes os cargos na forma da lei; propor ao Poder Legislativo a criação
ou a extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos; e
III — conceder licença e férias, nos termos da lei, aos seus membros e aos
juízes e serventuários que lhe forem imediatamente subordinados."
7. Essa tradicional prerrogativa dos Tribunais tem resistido às sucessivas e profundas
reformas constitucionais e, com zelo, o Supremo Tribunal a vem defendendo dos ataques
dos legisladores estaduais, que vêm sendo mais freqüentes em relação aos tribunais locais
de menor hierarquia, como os de Alçada e os de Justiça Militar, que, vez por outra, são
despojados do autogoverno e submetidos aos Tribunais de Justiça, na presunção de que
esses últimos, que constituem a cúpula da justiça Estadual, já centenária entre nós, haverão
de melhor usar tão relevante prerrogativa.
8. Sobre esse ponto, podem ser mencionados três arestos do Supremo Tribunal, tomados
em caso:, originários de três dos mais importantes Estados brasileiros — Guanabara. São
Paulo e Rio Grande do Sul — a saber:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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a) Rp 746 (GB), julgada em 7-3-68, relator o eminente Ministro Gonçalves de Oliveira, itl
R.T.J. 45/281, com esta ementa:
"Tribunal de Alçada. Organização de sua secretaria e serviços auxiliares sem
interferência do Tribunal de Justiça. Inconstitucionalidade do art. 53, IV, da
Constituição da Guanabara" ( ... )
b) Rp 753, de 12-6-68, relator o eminente Ministro Djaci Falcão, R.T.J. 46/441:
"O inciso V, do art. 50, da Constituição de São Paulo, ao subtrair a iniciativa
exclusiva do Tribunal de Alçada para a criação de cargos de sua Secretaria,
transferindo-a para o Tribunal de Justiça, afeta a prerrogativa assegurada pelo
art. 110, inc. II, da Corte Federal, extensiva aos Tribunais dos Estados, por
força do disposto no art. 136 cama."
c) Rp 725 (RS) de 7-2-68, relator o eminente Ministro Evandro Lins e Silva. R.T.J. 46/352:
"Representação. A Justiça Militar estadual goza da garantia constitucional de organizar os
seus serviços, provendo-lhes os cargos na forma da lei. Inconstitucionalidade do ato do
Governo que nomeou o Diretor-Geral da Secretaria da Corte de Apelação da Justiça Militar
cio Rio Grande do Sul, por ofensa aos princípios da independência dos Poderes e garantias
do Poder Judiciário."
9. A atuação do Supremo Tribunal. naturalmente, não tem ficado circunscrita à repressão
de atentados à autonomia de Tribunais de menor importância, porquanto o legislador
estadual nem sempre tem poupado os Tribunais da justiça. Nesses casos mais graves, é
também freqüente o decreto de inconstitucionalidade, como ocorreu, por exemplo, na Rp
761, do Ceará, julgada em 4-9-68, cujo relator foi o eminente Ministro Adalício Nogueira
(pretendeu-se, a pretexto da iniciativa privativa do Executivo para as leis de aumento da
despesa pública, sujeitar o Tribunal de Justiça à mediação do Governo para propor ao
Legislativo a criação de cargos em sua Secretaria, havendo o Supremo declarado a
inconstitucionalidade dessa norma limitativa — cf. R.T.J. 47/633). A usurpação da mesma
prerrogativa de autogoverno aos Tribunais de Justiça de Pernambuco e do Ceará foi
denunciada e condenada no RMS 14.669, de 4-10-66, relator o eminente Ministro Vilas
Boas, R.T.J. 40/5, e no RMS 14.431, de 5-4-65, relator o eminente Ministro Gonçalves de
Oliveira, R.T.J. 33/320.
10. Diante de tão conspícuos precedentes judiciais, não pode remanescer qualquer dúvida a
respeito da intangibilidade da prerrogativa de auto-governo, que é um dos aspectos mais
significativos da independência do Poder Judiciário, como se acha consagrada em nossa
Constituição.
3. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AOS TRIBUNAIS DE CONTAS
11. Se é certo que essa prerrogativa de autogoverno pertence aos Tribunais Judiciários,
haveria ela de ser extensível aos Tribunais de Contas, que obviamente não pertencem ao
Poder Judiciário?
12. A respeito do Tribunal de Contas da União, a Constituição deixou claro no seu artigo
72, § 1º:
O Tribunal exerce, no que couber, as atribuições previstas no art. 115.
13. O órgão auxiliar da fiscalização financeira e orçamentária da União, cuja estrutura,
organização e funcionamento estão modelados nos Tribunais Judiciários, perderia,
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
111
certamente, sua independência funcional, se não lhe fossem dados também os
predicamentos e as garantias que visam a preservar a independência dos magistrados.
14. A Carta não incidiu em erro nem no cochilo de omitir-se em assunto de tal relevo. O
Tribunal de Contas da União recebeu uma outorga originária e os Tribunais locais dela se
beneficiam derivadamente, em razão da assemelhação obrigatória ao padrão federal de
fiscalização orçamentária (art. 13, inciso IV) .
15. Essa obrigatoriedade de seguirem os Estados as linhas fundamentais do modelo federal
de Tribunais de Contas tem sido reiteradamente proclamada pelo Supremo Tribunal em
numerosos julgados, dos quais me ocorre citar:
a.) Rp 856 (AL, de 26-5-71, relator o eminente Ministro Thompson Flores, R.T.J. 58/504:
"Tribunal de Contas Estadual. Exercício das atribuições previstas no art. 115 da
Constituição. Inconstitucionalidade parcial do § do art. 50 da Constituição do
Estado de Alagoas, no ponto em que subordina o Tribunal à iniciativa do
Governador, para propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de cargos de
seus serviços auxiliares e a fixação dos respectivos vencimentos.
Precedente do Supremo Tribunal Federal.
Representação julgada procedente."
b) Rp 886 (MT), de 5-4-73, do mesmo Relator, R.T.J. 65/305:
"Tribunal de Contas do Estado.
II — Provimento dos cargos de sua Secretaria. Prerrogativa que lhe é
assegurada pela Constituição Federal.
III — Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 198 da Constituição do
Estado de Mato Grosso, na redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional
n.º 6/72, ao atribuir o provimento dos cargos de Assessor Jurídico, integrantes
da sua Secretaria, pelo Governador do Estado. Motivação.
Precedentes do Supremo Tribunal.
IV — Representação julgada procedente."
16. Os acórdão acima traduzem a opinião dominante na Suprema Corte no sentido de que o
modelo federal do Tribunal de Contas é obrigatório para os Estados. Em minoria, está o
eminente Ministro Aliomar Baleeiro, que confessando sua simpatia pela instituição angloamericana do Comptroller and Audictor General que o Estado do Acre há pouco adotou,
sustenta não estarem os Estados adstritos à criação ou manutenção de Tribunais de Contas.
Mas, mesmo essa opinião minoritária, não prejudica a argumentação deste parecer porque
S. Ex. deixou expresso em seu douto voto na Rp 764 (ES), de 6-3-68, R.T.J. 50/245, que,
se determinado Estado optar por um Tribunal de Contas, "há de estruturá-lo com o mínimo
de fidelidade ao figurino, de modo a torná-lo apto e idôneo ao fim. Não basta instituir ou
manter um Tribunal de Contas. É indispensável que esse órgão, por suas atribuições e
condições de independência, esteja a salvo de qualquer pressão das autoridades sujeitas
constitucionalmente à sua inspeção. Necessita de atribuições que a tornem uma verdade e
não uma formalidade vã" (R.T.J. 50/248-249) . Com essas exatíssimas considerações,
concluiu seu douto voto na mesma linha dos outros precedentes da Alta Corte, julgando
inconstitucional dispositivo da Constituição do Espírito Santo, que violara a prerrogativa
de autogoverno do Tribunal de Contas daquele Estado. Eis a conclusão:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
112
"Evadiu-se também do modelo federal o art. 62 da Constituição do Espírito
Santo, retirando ao Tribunal de Contas a competência para nomear seus
funcionários, do mesmo que se divorciou da Carta Política do país quando
sujeitou o órgão à mediação do Executivo para poder propor providências
legislativas à Assembléia.
Amputou, assim, a independência do Tribunal, algemando-o ao Poder que lhe incumbe
controlar" (R.T.J. 50/250) .
17. Esses pronunciamentos tão autorizados do Supremo Tribunal dispensam-me de mais
detida demonstração de que a prerrogativa de autogoverno é inerente aos Tribunais de
Contas da União e dos Estados.
4. POSIÇÃO DO T.C. DO DISTRITO FEDERAL
18. Como, no tópico anterior, só se aludiu aos Tribunais de Contas da União e dos Estados,
cabe ainda situar a posição do nosso Tribunal acerca do tema de que me ocupo.
19. A paridade entre os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal — questão
simétrica à dos Tribunais de Contas dos Estados e o do Distrito Federal — já foi objeto de
discussão no Supremo Tribunal, que, apesar da discordância dos eminentes Ministros Eloy
da Rocha e Amaral Santos, acompanhou o relator, eminente Ministro Luiz Gallotti, para
quem essa paridade é evidente (cf. Re 67.843, de 20-5-70, R.T.J. 54/610), pois, como
lembrou o eminente Ministro Thompson Flores, essa solução é a única possível dentro do
sistema constitucional brasileiro.
20. A situação do TCDF me parece ainda mais cômoda do que a do TJDF, já pacificada
pela palavra do Supremo Tribunal. É que o modelo federal foi sempre adotado em relação
ao nosso Tribunal, como se vê desde a Lei Orgânica de 1960 (Lei n° 3.751, de 13-4-60, art.
15, § 2º), verbis:
"Compete ainda ao Tribunal de Contas:
a) Eleger seu Presidente;
b) Elaborar o seu Regimento Interno e organizar os serviços auxiliares,
propondo à Câmara a criação ou a extinção de cargos da respectiva Secretaria e
a fixação dos vencimentos correspondentes;
c) Conceder licença e férias, nos termos da lei, aos seus membros."
21. Nossa atual Lei Orgânica — Lei n.º 5.538, de 22-11-68, art. 31 — não se afastou da
tradição:
"Compete ainda ao Tribunal de Contas, na forma do artigo 110 da Constituição
Federal:
I — elaborar e alterar seu Regimento Interno;
II — organizar seus serviços e prover-lhes os cargos na forma da lei;
III — eleger o Presidente, o Vice-Presidente e dar-lhes posse;
IV — conceder licença e férias aos Ministros ( ... )”
22. Não há dúvida, pois, de que o TCDF gozava de prerrogativa de autogoverno quando
veio à luz a Carta de 1969. Seria um contrasenso que essa Carta, no momento em que
estendeu a mesma prerrogativa a todos os Tribunais de Contas dos Estados, a houvesse
suprimido ao nosso. Mas a Carta só cogitou do TCDF para realçar-lhe a posição, tanto que,
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113
de uma criação de lei ordinária, passou a ter a Corte sede constitucional (cf., art. 42, incisos
V e III, art. 122, I, alínea b, e art. 193, parágrafo único).
23. Parece-me isso suficiente para acentuar que a prerrogativa de auto-governo que a
Constituição da República assegura a todos os Tribunais Judiciários e Tribunais de Contas
não pode ser subtraída pelo legislador ordinário ao TCDF, como se pretende que a Lei n°
6.011/73, art. 7º, tenha feito.
5. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º
24. Do que já foi exposto resulta que, se a Lei n.º 6.011/73 adstringisse a Corte, na
organização de seus serviços auxiliares, a regras emanadas de regulamentos do Executivo,
seria ela inconstitucional.
25. Antes, todavia, de repelir a aplicação da norma pela eiva de inconstitucional, "sempre
que possível, adotar-se-á a exegese que torne a lei compatível com a Constituição" (Lúcio
Bittencourt, O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, ed. 1968, p. 118).
26. Levando em consideração essa advertência encontradiça na doutrina moderna, procuro
interpretar o dispositivo, que remete aos regulamentos federais, sob a inspiração da
cláusula "quando aplicáveis tais regulamentos por não haver normas próprias do Tribunal".
Com isso, mantém-se intacta a prerrogativa de autogoverno da Corte, porque ela só se
sujeita a regula-mentos estranhos, em matéria de organização de seus serviços, quando
julgar conveniente não adotar normas próprias.
27. Aliás, essa orientação é a preconizada pelo nosso Regimento Interno, cujo art. 24, § 29,
dispõe:
"Ao pessoal dos serviços auxiliares, regido pelo Estatuto dos Funcionários Civis
da União e leis que o complementam, aplicam-se os respectivos regulamentos,
naquilo em que não colidirem com as normas editadas pelo Tribunal, dentro de
sua competência constitucional e legal."
28. Essa regra regimental, perfeitamente válida, tem a virtude de preservar a função de
governo a cargo do Tribunal e de permitir a realização de padronização de normas para
situações análogas no Executivo e em nosso âmbito. Seria, no entanto, intolerável que, em
razão dela, ficasse o Tribunal impossibilitado de deliberar em caráter genérico ou
particular, sobre a organização de seus serviços auxiliares, só porque o Executivo não
entendeu ainda de prover sobre a matéria de sua alçada. A tanto equivale a solução
proposta pela Secretaria: enquanto não for regulamentada pelo Executivo a ascensão
funcional, não poderia o Tribunal, no âmbito de sua Secretaria, estabelecer critérios
próprios a respeito. Essa interpretação, que se me afigura errônea, resulta apenas da
literalidade do art. 79 da Lei n.º 6.011/73, mas não se justifica diante dos princípios
jurídicos constitucionais que resguardam a prerrogativa de autogoverno do nosso Tribunal
de Contas.
29. Frise-se, por fim, que a solução própria que o Tribunal venha a dar ao caso, mesmo que
diversa da que eventualmente vier a ser adotada pelo Executivo, não encontra qualquer
obstáculo na Constituição, que só impõe a paridade entre servidores dos diversos Poderes
para efeito de vencimentos (art. 98), não evidentemente para a ascensão funcional, de que
trata o art. 7.9 da Lei n.º 6.011/73.
6. CONCLUSÃO
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114
30. Em face destas fastidiosas considerações, só posso concluir pela injuridicidade de se
sujeitar a Corte à observância de inexistentes regulamentos federais, em matéria do
exclusivo interesse da organização de seus serviços auxiliares. Estando comprovados os
verdadeiros requisitos legais da ascensão — grau de escolaridade, habilitação pessoal,
existência de vagas, insuficiência de Agentes de Portaria habilitados —, entendo que a
ascensão funcional pode ser concedida pelo Tribunal, de acordo com seus próprios
critérios. Estou informado pela Secretaria de que é o requerente o único funcionário em
condições de obter o benefício, razão pela qual pode o Tribunal deferir-lhe a ascensão
independentemente da prévia expedição de regras gerais para a complementar
regulamentação, em nosso âmbito, do mencionado art. 7º da Lei n.º 6.011/73.
_________________________
Parecer em 9-12-1974.
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12 — PROCESSO N.° 509/73-STC
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA
EMENTA
Salário-educação. Contribuição inexigível do Distrito Federal
e respectivas autarquias.
1. O salário-educação, instituído pela Lei 4.440/64, é
encargo das empresas privadas, vinculado ao dever
constitucional de prestar ensino primário aos seus
empregados e filhos destes.
2. O Distrito Federal, tendo deveres mais amplos com a
educação, não está sujeito a essa contribuição especial.
3. Se, ad argumentandum, fosse possível exigir. do Distrito
Federal o salário-educação, haveria isenção do pagamento,
em virtude de manter esta unidade federada rede escolar
própria, mais do que suficiente para atender às
necessidades dos seus empregados e dos filhos destes (L.
n° 4.440/64, art. 59).
4. A L. 5.692/71 não ampliou o âmbito de incidência da
contribuição, porque, se o fizesse, seria inconstitucional.
Preferível, portanto, a interpretação abrangente apenas das
empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações, pela qual não teria a lei o vício de
inconstitucionalidade.
5. Efeitos corretivos da nova regulamentação, editada em
consequência de revisão de pareceres da douta
Consultoria-Geral da República sobre o assunto.
6. Possibilidade jurídica de isenção, mediante convênios
adequados,
em
favor
das
demais
entidades
descentralizadas do Distrito Federal.
7. Ratificação do parecer anterior desta Procuradoria,
mesmo diante das regras constitucionais, legais e
regulamentares supervenientes.
8. Recomendação de medidas administrativas ou judiciais
para promover a repetição do indébito.
1. OBJETIVO DESTE PARECER
Em virtude de solicitação do Eg. Plenário, que nesse sentido, acolheu sugestão do eminente
Conselheiro-Substituto Luiz Zaidman, proponho-me reexaminar, neste parecer, o tema
salário-educação, de modo a saber se essa contribuição compulsória deve ser recolhida à
Previdência Social pelo Distrito Federal e suas autarquias, em relação aos respectivos empregados regidos pela legislação trabalhista.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
117
2. Como os autos esclarecem (f. 9/12), em 4-8-67, tive ocasião de opinar pela negativa,
quando sintetizei meu entendimento nesta ementa:
"Empenho relativo a contribuições previdencíárias.
1. O salário-educação, instituído pela Lei n.º 4.440/64, é encargo das empresas
privadas, vinculado ao dever constitucional de prestar ensino primário aos seus
empregados e filhos destes.
2. O Distrito Federal, tendo deveres mais amplos com a educação, não está
sujeito a essa contribuição especial.
3. Se, ad argumentandum, fosse possível exigir do Distrito Federal o salárioeducação, haveria isenção do pagamento, em virtude de manter esta unidade
federada rede escolar própria, mais do que suficiente para atender às
necessidades dos seus empregados e dos filhos destes: (Lei n.º 4.440/64, art. 59)
— v. Proc. n.º 695/67-STC, incorporado ao de n.º 509/73-STC, F. 9.”
3. Meu modesto pronunciamento foi adotado pela Eg. Corte, que, em sessão de 17-8-67,
determinou fosse excluída das notas de empenho em causa a parcela referente ao salárioeducação (f. 15), o que voltou a ocorrer em numerosos outros casos sob a apreciação do
Plenário.
4. A Administração local acatou, como lhe incumbia, as decisões do Eg. Tribunal,
ratificando e enriquecendo seus fundamentos jurídicos, através da respectiva ProcuradoriaGeral (cf. parecer de 22-5-68, do ilustre Procurador Carlos Mathias de Souza, publicado
sob o título "O Distrito Federal não recolhe contribuições do salário-educação", na Revista
Jurídica da PGDF, vol. 6, p. 102/106). Nesse parecer, alvitrou-se providenciar a repetitio
indebiti, caso falhassem medidas suasórias, recomendadas de preferência.
5. Na esfera federal, o DASP, respondendo a consulta do Conselho Nacional de Pesquisas,
já havia adotado conclusões idênticas, mostrando que os órgãos federais da administração
centralizada e das autarquias devem estar isentos das aludidas contribuições, porque o
Poder Público é o grande financiador da política educacional a ser suplementada com os
recursos provenientes do salário-educação. A douta Consultoria-Geral da República, então
ocupada pelo ilustre Prof. Adroaldo Mesquita da Costa, não placitou esse entendimento e,
diante da aprovação presidencial, ficou valendo, como norma, para os órgãos federais (v.
D. 58.693, de 22-6-66, art. 22, § 1º) que a Lei n.º 4.440/64 incide em relação aos servidores das entidades públicas regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (f. 113/115).
Depois de muitas dúvidas de ordem jurídica sobre
o assunto, com repercussão até na legislação posterior da Reforma do Ensino (Lei n.º
5.692, de 11-8-71, art. 48), fixou-se, no plano federal, a tese da exigibilidade da
contribuição das entidades públicas, tanto que o MEC chegou a expedir circular às
Prefeituras, entre as quais incluiu (sic) o "Prefeito Municipal de Brasília, Estado do Distrito
Federal" (cf. Circular n° 1.471, de 12-3-71, f. 112), cobrando-lhes o implemento dos
encargos do salário-educação.
6. Recebendo a inusitada ordem de um agente ministerial subalterno, o Ex.mº Sr.
Secretário de Administração, como se vê da Circular n.º 188/71, de 9-6-71, fê-la executar
no âmbito do Distrito Federal, fato que, provavelmente, vem acontecendo desde então (f.
111) .
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118
7. Em data recente, conforme se depreende do Parecer n.º 209, de 26 de janeiro de 1973, o
ilustre Consultor-Geral da República Dr. Romeo de Almeida Ramos, com a aprovação
presidencial (in. D.O. de 20-2-73, p. 1912/1913), houve por bem rever o entendimento
anteriormente manifestado por aquele órgão normativo e, reconsiderando os pareceres 181H, 230-H; 255-H e 477-H, passou a sustentar que a União, os Estados, os Municípios, os
Territórios e as respectivas autarquias não estão sujeitos à contribuição em apreço, pelo que
se impunha a edição de decreto regulamentar, dirimindo as controvérsias existentes.
8. Conformando-se com a nova orientação e reconhecendo que a cobrança só vinha
encontrando apoio na autoridade dos pareceres abjurados, o Exmo. Sr. Ministro da
Educação e Cultura submeteu ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com a
Exposição de Motivos n.º 246, de 20-3-73 (f. 116), o anteprojeto, que se transformou no D.
72.013, de 27-3-73, mediante o qual a cobrança do salário-educação se tornou compatível
com o ordenamento jurídico brasileiro (f. 117/119).
9. Se me regozijo por comprovar, depois de 6 anos, que não incidira em erro no
pronunciamento inicialmente mencionado, não me posso furtar agora ao dever de
reexaminar a questão em face das normas jurídicas posteriores a 1967, adiantando, desde
logo, que ficarei plenamente fiel à tese sempre defendida por mim, isto é, a de que o
Distrito Federal e suas autarquias não se sujeitam ao recolhimento do salário-educação pela
dupla ou alternativa razão enunciada na ementa do parecer, que transcrevi no item 2, supra.
2. INSTITUIÇÃO DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO
10. É sabido que o salário-educação foi instituído entre nós pela Lei n° 4.440, de 27-10-64,
quando vigia a Constituição de 1946, que erigira a educação em direito de todos (art. 166)
e em dever do Estado nos diversos níveis federativos (arts. 167 e 174), dever a ser
exercido, em caráter gratuito, se se tratasse do ensino primário oficial ou do ensino oficial
ulterior para os necessitados (art. 168, II) . Por outro lado, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, além da organização dos respectivos sistemas de ensino, deveriam
vincular expressivas parcelas da receita de impostos à manutenção e desenvolvimento do
ensino (arts. 169, 170, 171 e 172).
11. Apesar de, através do pagamento dos impostos gerais, todo o povo já contribuir
mediatamente para a consecução dos fins do Estado, entendeu o constituinte de 46, em boa
hora, de exigir daquelas de melhor capacidade contributiva, uma prestação específica e
suplementar dos deveres esta-tais, em relação ao grave problema da educação. Assim,
atribuiu às empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhassem mais de cem
pessoas, a obrigação de manter ensino primário gratuito para os seus servi-dores e os filhos
destes (art. 168, 111), preceito que, segundo Pontes de Miranda (Comentários à
Constituição de 1946, ed. 1960, VI/215), buscou inspiração em norma constitucional de
1934 (art. 139), se bem que esta última fosse muito menos ampla.
12. Talvez porque a experiência de 46, embora quase vintenária, não houvesse alcançado
os propósitos colimados, o legislador de 64 imaginou um sucedâneo mais eficiente no
salário-educação, que a Lei n° 4.440, de 27-10-64, instituiu e regulou. Lê-se no art. 1°:
"E instituído o salário-educação devido pelas empresas vinculadas à Previdência Social,
representado pela importância correspondente ao custo do ensino primário dos filhos de
seus empregados em idade de escolarização obrigatória e destinada a suplementar as
despesas públicas com a educação elementar."
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
119
13.
Que essa obrigação das empresas representava o custeio estimado do ensino
primário dos filhos dos seus empregados e que tinha caráter suplementar das despesas
públicas respectivas ficou muito claro no transcrito art. 10, de modo a permitir, desde logo,
que se vislumbrasse no novo encargo um sucedâneo, um substitutivo da prestação anterior
imposta pela Constituição (art. 168, II) . Mas, como que antevendo e prevenindo dúvidas, o
art. 59 da Lei esclareceu:
"Ficarão isentos do recebimento da contribuição de que trata o art. 39:
a) as empresas que, com mais de cem (100) empregados, mantiverem serviço próprio do
ensino primário (art. 168, III, da Constituição Federal) ou que instituírem inclusive
mediante convênio, sistema de bolsas de estudo no mesmo grau de ensino, um e outro em
termos julgados satisfatórios por ato da administração estadual do ensino, aprovado pelo
Conselho Estadual de Edu-cação, na forma da regulamentação desta lei;
b) as instituições de ensino e educação, de qualquer tipo ou grau, bem assim os hospitais e
demais organizações de assistência que não tenham fins lucrativos."
14. Incidindo no vício lógico da repetição, que nem sempre está destituído de virtudes
didáticas, remarcou o art. 79 da mesma Lei:
"Com o recolhimento do salário-educação, instituído por esta Lei, ou por ato da
autoridade competente da administração estadual do ensino, baixado nos termos
do art. 59, considerar-se-á atendido pela empresa em relação aos filhos de seus
empregados, o estatuído no art. 168, III, da Constituição Federal."
15.
O exame dessas normas revela, entre as características principais do salárioeducação, as seguintes:
a) o contribuinte é a empresa, tanto as referidas pelo art. 168, II, da Constituição de 46,
como as demais, porque o legislador entendeu de alargar o âmbito das empresas com
deveres específicos em relação à educação, como lhe era possível fazer;
b) é encargo dos particulares, sucedâneo ou substitutivo do respectivo dever constitucional,
não podendo ser encarado jamais como dever estatal ou público, porque se destina
precisamente a suplementar as despesas públicas com a educação;
c) tem a preocupação de evitar o bis in idem, porque isenta as empresas que já cumprem os
deveres constitucionais do art. 168, II, e certas instituições que ministram ensino;
d) é dever peculiar às empresas que não ministram ensino primário aos filhos de seus
empregados, nada tendo a ver com os deveres estatais, muito mais amplo, os quais, por isso
mesmo, não deveriam ser mais agravados;
e) é prestação alternativa da empresa, vale dizer, pode ser satisfeita com a contribuição
pecuniária à Previdência Social ou com a específica de dar o ensino primário;
f) enfim, não é acessório da contribuição previdenciária, exigível dos patrões para custeio
parcial da assistência e previdência dos empregados, mas é apenas cobrada conjuntamente
com ela, por simples comodidade da exação, o que melhor se realça, quando se percebe
que o dever daquela contribuição decorre da simples admissão do empregado, enquanto
que o de recolher o salário-educação depende ainda de uma opção do empregador
(contribuir em dinheiro ou fornecer ele próprio ensino gratuito).
16. No regime da Lei n.º 4.440/64, como parece evidente, seria inadmissível exigir do
Poder Público um ônus que o legislador, pela própria natureza e finalidade do custeio, só
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
120
impôs às empresas. Quanto ao Distrito Federal, a situação seria verdadeiramente aberrante:
na pior hipótese, estaria ele entre as pessoas isentas, por manter, como é notório, quase
toda a rede escolar em sua base territorial. Absurdo também seria exigir que essa isenção
fosse reconhecida por um órgão da própria Administração do Distrito Federal, ou seja, pelo
Conselho de Educação local (arts. 59, alínea a, e 79). Dislate menor não representaria o
fato de que, se tal contribuição fosse recolhida pelo Distrito Federal, a ele mesmo acabaria
revertendo, nos termos do art. 49 da Lei n.º 4.440/64, que destina 50% do seu produto ao
Fundo de Ensino Primário e os restantes 50% a aplicações federais em nossa área
geográfica. Operar-se-ia uma verdadeira confusão entre as pessoas do devedor e do credor,
figura que, na órbita privada das obrigações, chega a constituir meio idôneo para extinguilas (C. Civ., art. 1049).
3. REGULAMENTAÇÃO EXORBITANTE: FONTE DOS EQUÍVOCOS DE
INTERPRETAÇÃO
17. A lei instituidora do salário-educação encontrou seu primeiro regulamento no Decreto
n.º 55.551, de 12-1-65. O art. 19, depois de, no caput, reproduzir a Lei n.º 4.440/64, dispôs
em parágrafo único, talvez por simples descuido, talvez pela necessidade do reforço da
receita, verbis:
"Entende-se por empresa, o empregador, como tal definido no art. 29 da
Consolidação das Leis do Trabalho, bem como as repartições públicas
autárquicas e quaisquer outras entidades públicas ou serviços incorporados ou
concedidos ao Poder Público, em relação aos respectivos servidores
enquadrados no regime dessa legislação."
18. O acréscimo assinalado no texto acima, que é estranho à Lei número 4.440/64, não
poderia ser contemplado pelo respectivo regulamento, sob pena de serem invalidadas essas
expressões exorbitantes. Assim pensou o DASP, mas a douta Consultoria-Geral da
República, a princípio, não lhe deu razão e recomendou se aplicasse o referido
regulamento, que não conteria a eiva apontada. Ao revés, estaria em plena harmonia com
as normas regulamentadas. Não se deveria levar em conta a natureza ou mesmo a
finalidade do salário-educação para excluir da incidência da Lei n.º 4.440/64 as pessoas de
direito público. Se assim se fizesse, o Estado-empregador ficaria livre até mesmo da
contribuição previdenciária.
19.
Aí está a fonte dos equívocos de interpretação que perduraram, por tanto tempo,
mercê da autoridade do regulamento, do caráter normativo do parecer da douta
Consultoria-Geral da República e da reconhecida e notável autoridade intelectual de seu
titular.
20.
O regulamento exorbitou, carreando para o Estado um ônus dos empresários e, se
existe uma acessoriedade instrumental entre a contribuição relativa ao salário-educação e a
contribuição previdenciária, que são cobradas simultaneamente, não há acessoriedade
material, porque são per-feitamente distintas em natureza e finalidade, como ficou
amplamente explanado acima. Não existindo essa relação essencial de dependência, tais
contribuições se regem por princípios próprios e o que é válido para uma não o é,
necessariamente, para a outra. Data venia, só a identificação de tratamento jurídico das
duas figuras é que emprestou validade ao regulamento exorbitante e disso resultaram todos
os equívocos de interpretação dos textos. Além do que já se disse para assinalar a distinção
entre as mencionadas contribuições, acentuo que o empregador só se libera da contribuição
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
121
previdenciária pagando, em dinheiro, o seguro social, que o Estado monopoliza; já a
solutio do salário-educação depende da escolha do empregador, que pode pagar em
dinheiro ou prestar ensino em espécie, precisamente porque, não sendo o Estado
monopolizador do ensino, os particulares podem suplementar as suas despesas. O que é
certo, todavia, é que, em dinheiro ou em espécie, o que faz a empresa é suplementar a ação
do Estado e não faria o menor sentido suplementar a ação de si mesmo.
4. AMPLIAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO
21.
E notório que a Lei n.º 5.692, de 11-8-71, fixando diretrizes e bases para o ensino,
produziu recentemente a chamada Reforma do Ensino. Compreensivelmente, o legislador
reformista não haveria de ficar indiferente ao problema do salário-educação, do qual
cogitou nos arts. 47 e 48, estatuindo neste último:
"O salário-educação, instituído pela Lei n° 4.440, de 27 de outubro de 1964, será devido
por todas as empresas e demais entidades públicas e privadas, vinculadas à Previdência
Social, ressalvadas as exceções previstas na legislação específica."
22.
Cabe indagar, portanto, se a menção feita a "entidades públicas vinculadas à
Previdência Social", constante agora de lei e não de regula-mento, veio alterar as
conclusões do meu parecer anterior, proferido à época da Lei n.º 4.440/64. Passarei, então a
expor as razões que me levam a manter o entendimento anterior.
23. Se, na vigência da Constituição de 46, foi possível estabelecer per-feita correlação entre
o dever da empresa de prestar ensino primário gratuito aos filhos de seus empregados e o
de contribuir com o salário-educação, essa situação ficou ainda mais nítida sob as Cartas
posteriores (de 67 e de 69).
24.
Enquanto os deveres públicos, no que tange à educação, se mantiveram
substancialmente os mesmos (v. Const. de 67, arts. 168, 169, 170 e 172; Emenda n° 1/69,
arts. 176, 177, 179 e 180), os deveres dos particulares foram melhor explicitados,
especialmente no que diz respeito ao salário-educação. Assim é que, em 1967, estabeleceu
o constituinte, no art. 170, cafua:
"As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela
forma que a lei estabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e
dos filhos destes."
25.
A seu turno, a Carta vigente dispôs, ainda mais claramente, no art 178:
"As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o
ensino primário gratuito de seus empregados e o ensino dos seus filhos destes
entre os sete e catorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a
contribuição do salário-educação, na forma que a lei estabelecer."
26.
Antes de tudo, apraz-me destacar que os novos textos constitucionais, tanto o de
67, quanto o de 69, tornam absolutamente fora de dúvida que o salário-educação está
vinculado ao dever empresarial de prestar ensino gratuito, não passando de uma prestação
sucedânea, substitutiva e optativa daquele dever, como sempre sustentei, mesmo no regime
de 46.
27.
Por outro lado, a cláusula de 67 e, ainda com superioridade, a de 69, expungiram
dúvidas sobre a constitucionalidade da contribuição salário-educação criada em 1964, ou
seja, no regime constitucional de 46, no qual não se cogitou dessa contribuição obrigatória,
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
122
nem expressa, nem implicitamente. Um e outro dispositivos constitucionais deram ao
legislador ordinário certa margem de flexibilidade para exigir das empresas a respectiva
parcela de sacrifício para as finalidades da educação nacional e a solução da Lei n.º
4.440/64 não mais pode ser atacada no plano da Constituição. Recorde-se, como o fez o
douto Consultor-Geral da República no referido Parecer n.º 209, que alguns juristas, entre
eles Geraldo Ataliba, chegaram a atribuir a contribuição em exame o caráter de tributo, em
virtude da compulsoriedade do pagamento.
28.
Se se tratasse de tributo, a cobrança das pessoas de direito público, salvo da União,
estaria obstada pela imunidade tributária recíproca (Const. de 46, art. 31, V, a; de 67, art.
20, III a; de 69, art. 19, III, a) e poderiam surgir outros problemas constitucionais ligados à
própria capacidade impositiva (Const. de 46, art. 21; de 67, arts. 18, 19, § 4º, 157, § 9º e
158, § 2º; de 69, arts. 18 e § 3º. 163, parágrafo único, e 165, XVI). Como já salientei, no
primeiro parecer, não se cuida de tributo e, para caracterizar essa figura, não basta a
compulsoriedade, consoante magistral demonstração feita em voto do eminente Ministro
Victor Nunes Leal, no RMS 11.252, de 23-3-64, DJ de 9-7-64, p. 443-449, apenso, na
oportunidade em que o Eg. Supremo Tribunal Federal apreciou, ainda no regime de 46, a
natureza jurídica do chamado empréstimo compulsório.
29.
A dicotomia deveres públicos e privados em relação ao ensino ficou patente, não
apenas na Constituição, como também na própria Lei de Reforma do Ensino,
particularmente no seu Cap. VI, que versa sobre o custeio (arts. 41 a 63). Nesses
dispositivos, que estão encimados de uma utópica declaração de solidariedade, quanto aos
problemas do ensino, entre a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os
Municípios, as empresas, a família e a comunidade em geral (Lei n.º 5.692/71, art. 41), o
que se vê, na realidade, é que o Poder Público se reservou uma tarefa ciclópica nesse
campo e deixou aos empregadores, praticamente, o mesmo dever jurídico de ministrar
ensino primário gratuito ou de concorrer com a contribuição do salário-educação (arts. 47 e
48), embora se possa dizer, ainda em termos de utopia, que muitos deveres morais ficaram
a cargo da comunidade.
30. Diante de partilha tão desigual de encargos, seria de todo intolerável que o Poder
Público, além dos seus gravíssimos deveres, ficasse sobrecarregado com a tarefa particular,
que é de pura e reduzida suplementação de recursos oficiais.
31. Feita essa breve digressão, que procura mostrar que não houve modificação sistemática
em matéria de salário-educação, cumpre agora buscar a interpretação do art. 48 da Lei n.º
5.692/71, que incluiu entre os contribuintes do salário-educação, além das empresas, as
demais entidades públicas ou privadas, vinculadas à Previdência Social. Admitir que as
expressões grifadas abranjam o Poder Público me parece contrariar a letra do art. 178 da
Carta vigente e, mais do que isso, o seu espírito. Pela inconstitucionalidade dessa
interpretação opinou a douta Consultoria-Geral da República, no citado Parecer n.º 209, de
28-1-73, louvando-se, aliás, nos Comentários de Pontes de Miranda, para quem o
constituinte de 69 nada deixou à legislação ordinária e editou norma cogente, bastante em
si mesma, balizando desde logo seus pressupostos necessários, tanto os subjetivos, quanto
os objetivos, cf. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.º 1 de 1969, ed. de
1972, VI/363).
32. Se era notório que as autoridades do ensino vinham pugnando pela interpretação
abrangente dos Poderes Públicos e se se considerar que o regulamento posterior à Reforma
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
123
de Ensino (Decreto n.º 71.264, de 20-10-72) chegou a estabelecer um estranho mecanismo
de compensação entre o montante recolhido a título de salário-educação e o da despesa
pública com o ensino primário (art. 3º), seria forçoso concluir que a mens legislatoris foi
sujeitar o Poder Público ao recolhimento impugnado, pois toda gente sabe que essa Lei de
Reforma foi fruto de iniciativa dessas mesmas autoridades, como é curial.
33. Daí, chegar-se-ia à conclusão de que a L. 5.692/71, art. 48, seria inconstitucional na
parte em que pretendeu onerar as entidades públicas com o salário-educação.
141
5. INTERPRETAÇÃO COMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO VIGENTE
34. Em notável monografia (O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, ed.
1968 (2ª), p. 118/120), o saudoso jurista Lúcio Bittencourt arrolou entre regras de bom
aviso, que os tribunais devem observar, em matéria de constitucionalidade, a seguinte:
"Sempre que possível, adotar-se-á a exegese que torne a lei compatível com a
Constituição" (op. cit., p. 118).
35. Na demonstração do princípio, o insigne monografista traz à colação a presunção de
constitucionalidade da lei e a de que o legislador deve ter pretendido realizar obra válida e
não um diploma de eficácia contestada. Depois de ilustrar suas palavras com exemplo do
direito americano (caso Newcland v. Marsh), em que uma simples limitação da aplicação
da lei questionada apenas as situações futuras, sem alcançar as pretéritas, produziu sua
compatibilidade com a Constituição, advertiu:
"Ao seguir essa orientação, no entanto, como já assinalamos, não pode o juiz
fazer "violência às palavras" (without doing violente to the fair meaning of
words, disse a Corte Suprema), para buscar sentido estranho aos fins e ao
espírito da lei. A interpretação favorável há de ser atingida pelos meios normais
de exegese, sem que se contraponha à meus legis outro entendimento
meramente arbitrário. Há de ser interpretação razoável, adequada, plausível"
(op. cit., p. 119/120).
36. Penso que o art. 48 da Reforma de Ensino possa tornar-se compatível com a Carta
vigente, sem que o Intérprete incida no erro de violentar as palavras da lei. Já aceitei que
mens legislatoris — identificada como a vontade ou intenção dos autores do anteprojeto de
Reforma de Ensino — foi ampliar a área dos contribuintes do salário-educação. Mas terá
sido essa a meus legis, a voluntas legis? A questão cresce de significado, quando se atenta
para a recomendação hermenêutica moderna de que se deve buscar, na interpretação da lei,
a vontade desta e não a do legislador, pois aquela e não esta é que é a vis ac potestas legis.
37. Discorrendo sobre o tema, o exímio Ferrara lecionou:
"A lei é expressão da vontade do Estado, e tal vontade persiste de modo
autônomo, destacada do complexo dos pensamentos e das tendências que
animaram as pessoas que contribuíram para a sua emanação.
O intérprete deve apurar o conteúdo de vontade que alcançou expressão em
forma constitucional, e não já as volições alhures manifestadas ou que não
chegaram a sair do campo intencional. Pois que a lei não é o que o legislador
quis ou quis exprimir, mas tão-somente aquilo que ele exprimiu em forma de
lei" (Interpretação e Aplicação das Leis, 1921, ed. Coimbra, 1963, p. 134). (...)
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
124
"O ponto diretivo nesta indagação é, por conseqüência, que o Intérprete deve
buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece
objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris" (Loc. cit.) .
38. Depois de criticar a antiga concepção, que emprestava grande mérito interpretativo aos
trabalhos preparatórios da lei, lembra o mestre italiano que, nos sistemas constitucionais
hodiernos, não se descobre um legislador em cujo ânimo se possa penetrar ou cuja vontade
se possa indagar. A lei traduz uma abstração, uma vontade coletiva, para a qual concorrem
uma pluralidade de pessoas e várias correntes espirituais, com motivos e opiniões não
coincidentes; como a obra de arte e a concepção do seu criador não coincidem, idêntico
fenômeno pode ocorrer com a obra legislativa. Remata suas considerações com estas
oportunas palavras:
"Visto o caráter objetivo do sentido da lei, concluiu-se que esta pode ter um
valor diferente do que foi pensado pelos seus autores, que pode traduzir
conseqüências e resultados imprevisíveis ou, pelo menos, inesperados no
momento em que foi feita, e por último que com o andar dos tempos o princípio
ganha mais amplo horizonte de aplicação, estendendo-se a relações diversas das
originariamente contempladas, mas que, por serem de estrutura igual, se
subordinam ao seu domínio (fenômeno da projeção)" — op. cit., p. 137 (neste
ponto, vejo-me compelido a abrir um parêntese para registrar que o grande
Ferrara, cujos ensinamentos são tão merecidamente repetidos pelos juristas de
todo o mundo civilizado, encontrou um exemplo típico do fenômeno da
projeção, teorizado por Wurzel, precisamente numa sentença de 15-11-1913,
que chamou magistral, do Tribunal de Contas da Itália — in Foro Italiano,
1913, III, 68, com nota de Venezian —, quando foi decidido um caso de
reversão de pensão, matéria incorporada à atividade rotineira de nossas Cortes
de Contas) — op. cit., p. 138.
39. Conjugando as lições, acima reproduzidas, de Lúcio Bittencourt e de Ferrara, creio que
a opção pela interpretação da Lei n.º 5.692/71 em consonância com a Constituição não traz
nenhuma violência às palavras da lei ou à mens legis. Basta ver que a lei mencionou
entidades públicas, expressão vaga, sem conteúdo preciso em direito constitucional ou em
direito administrativo.
40. Parece-me possível sustentar que, aludindo a entidades públicas, a lei não se referiu às
pessoas jurídicas de direito público (União, Estados. Distrito Federal, Municípios,
Territórios e respectivas autarquias), mas apenas àquelas outras entidades que compõem a
administração indireta ou descentralizada do Estado, como as empresas públicas,
sociedades de economia mista e fundações (cf. D. L. 200, de 25-2-67, arts. 4º e 5º; D.L.
900, de 29-9-69; L. 4.545, de 10-12-64, art. 3º). A crescente intervenção do Estado no
domínio econômico e a ampla contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios no custeio do ensino justificam, ou mesmo impõem, essa interpretação da
lei, que não lhe faz qualquer violência às palavras do texto, tendo, ao contrário, a virtude de
compatibizá-la com o art. 178 da Carta vigente.
41. Como o salário-educação, embora não identificado com a contribuição previdenciária,
resulte da manutenção de empregados pelo contribuinte, poder-se-ia dizer que essa
obrigação integraria o direito do trabalho ou dele seria decorrente, de modo que as
empresas públicas não se escusariam às obrigações impostas por lei às particulares, como
está no art. 170, § 2º, da Constituição.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
125
42. Tal raciocínio me parece justo, tanto que não opinei pela exclusão das empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações do âmbito dos devedores do salárioeducação. Em relação às autarquias, o texto vigente não oferece qualquer dificuldade à
exclusão, o que não ocorreria, se estivéssemos no regime constitucional de 1967, quando o
constituinte deu àqueles entes estatais, tratamento igual ao dispensado às empresas públicas
e demais instrumentos da intervenção do Estado na vida econômica, como está no art. 163,
§ 2º, da Carta de 67 (aliás com aplicação desse princípio, o Supremo Tribunal considerou
que o salário-profissional dos engenheiros era devido aos empregados das autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, consoante se lê na Rp. 745,
de 13-3-68, R . T . J . , 45/1, relator o eminente Ministro Themístoeles Cavalcânti; hoje,
pela redação do art. 170, § 29, os das autarquias não se beneficiariam).
43. Em suma, não vacilo em reafirmar que se deve preferir a interpretação do art. 48, que
restringe a expressão entidades públicas às empresas públicas, sociedades de economia
mista e fundações — pela qual a lei deve ser considerada constitucional — àquela
abrangente das pessoas jurídicas de direito público — hipótese de flagrante
inconstitucionalidade.
6. ORIENTAÇÃO ADMINISTRATIVA ATUAL
44. Sublinhei, na parte introdutória deste parecer, que a douta Consultoria-Geral da
República reconsiderou sua orientação anterior, no Parecer n.º 209, de 26-1-73, publicado
no D.O. de 20-2-73, p. 1912/1913, com a aprovação presidencial, que o tornou normativo
para a administração da União.
45. O ilustre Dr. Romeo de Almeida Ramos concluiu, de fato. que "a União, os Estados, os
Municípios, os Territórios e as suas autarquias não estão sujeitos ao recolhimento da
contribuição do que se trata, tanto porque não são empresas industriais, comerciais ou
agrícolas, quanto pela inexeqüibilidade de participarem do esquema legal respectivo, como
visto na E.M. n.º 02-72, por várias vezes aludida" (D.O. citado, p. 1913) . Diante das
dúvidas ainda existentes na administração, recomendou S. Exa que se baixasse nova
regulamentação esclarecedora, o que ocorreu com o D. 72.013, de 27-3-73, que assim
redigiu o § 1º, do art. 1º, do D . 55.551/65, anterior regulamento do salário-educação:
"Entende-se como empresa o empregador como tal definido no art. 2º da
Consolidação das leis do Trabalho, bem como as empresas públicas e as
sociedades de economia mista, mencionadas no § 2º do art. 170, da
Constituição."
46. Com essa redação, nada se há de impugnar na cobrança do salário-educação,
contribuição de alto alcance social, que vem suplementar os recursos que o Poder Público
empenha numa de suas mais nobres e edificantes funções — a de promover a educação do
povo.
47. Se alguma dúvida ainda pudesse remanescer sobre a juridicidade da interpretação, que
preferi dar ao art. 48 da L. 5.692/71, para torná-lo válido diante da Constituição,
desapareceria ela agora, porque o Regulamento operou idêntico resultado. Assim como
devem realizar essa obra purificadora o juiz e o intérprete, não se há de negar ao Poder
Executivo igual direito ou dever.
48. Quando apreciou a constitucionalidade de uma lei tributária mineira, cujo âmbito de
incidência fora redefinido limitativamente pelo poder regulamentar, de modo a ajustar a lei
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126
à Constituição Federal, o eminente Ministro Victor Nunes teve ocasião de dizer perante o
Supremo Tribunal:
"O segundo argumento (pois o primeiro já foi analisado anterior-mente) não
procede, porque não é caso de exorbitância do poder regulamentar. Mais de
uma vez temos decidido que não se de-clara a inconstitucionalidade, quando se
puder salvar a lei por via de interpretação. Aqui, o Executivo se antecipou ao
judiciário, dando à lei, no regulamento, a interpretação adequada, que a salvaria
da inconstitucionalidade." (... )
( . . . ) Portanto, esse regulamento longe de contrariar a lei, com ela se harmonizou. E mais
do que isso: também harmonizou a lei com a Constituição, porque o imposto de vendas não
exorbita da competência estadual" (R.T.J. 47/510-511, RMS 17.443, de 25-9-68, R.T.J.,
47/505 e segs.).
49. Se a interpretação dada não pudesse ser idônea para compatibilizar a Lei de Reforma
do Ensino com a Constituição, se-lo-ia o novo Regulamento emanado do Poder Executivo,
segundo em hipótese análoga, já decidiu a Suprema Corte.
7. CONCLUSÃO
50. Em suma, ratifico minhas conclusões anteriores de que o Distrito Federal e suas
autarquias não devem recolher o salário-educação e, se algum recolhimento fizeram,
devem promover, pelas vias próprias, administrativas ou judiciais, a repetição do indébito.
Quanto às demais entidades da adminisração descentralizada (empresas públicas,
sociedades de economia mista e fundações, se o Governo local entendesse conveniente,
poderia ser estudada uma fórmula de isentá-las da referida contribuição, mediante convénio
com a Fundação Educacional do Distrito Federal, observadas as limitações do art. 80 do D.
55.551/65, ainda em vigor.
_____________________________
Parecer em 8-7-1974.
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127
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13 - PROCESSO N.° 109/72
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA
EMENTA
Aposentadoria voluntária. Prova do tempo de serviço.
Justificação judicial.
1. Em matéria de prova do tempo de serviço, prevalece o
princípio documental; o tempo se comprova mediante
certidão da respectiva contagem, passada pelos órgãos
próprios, à vista dos assentamentos individuais do
funcionário e das fichas financeiras a ele relativas.
2. A justificação judicial não passa de prova testemunhal
produzida com a solenidade do juízo, sendo, por isso
mesmo, tão precária como os próprios depoimentos das
testemunhas do processo, que estão sujeitas a erros de
vontade e de inteligência, consoante o indica a generalidade
dos críticos dessa espécie de prova.
3. Se os atos administrativos, que determinam o nascimento, a continuação e a extinção da relação funcional, são
necessariamente escritos e registrados na repartição, a
justificação só pode ser aceita em caráter subsidiário e
quando
circunstâncias
especiais
revelarem
a
impossibilidade da obtenção da prova documental regular
(roubo, incêndio ou extravio dos documentos próprios,
devidamente comprovados pela repartição interessada).
4. As autoridades administrativas, como, de resto, as
judiciárias, sempre têm mostrado reservas acerca das
justificações de tempo de serviço, que costumam ser
consideradas meio de prova inteiramente desacreditado, só
admissível na impossibilidade de melhor.
5. Mesmo que seja possível, no processo administrativo da
aposentadoria, a utilização da justificação prevista nos arts.
735 e segs. do Código do Processo Civil — como
freqüentemente acontece —, as formalidades processuais
devem ser pontual-mente observadas, com a regular
citação dos interessados, para acompanharem os atos em
juízo.
6. Se o justificante pretende aposentar-se no Distrito
Federal, valendo-se de tempo estadual justificado
judicialmente, essa pessoa de direito público interno, porque
deverá suportar o ônus, é a principal interessada, tornando
irrecusável a competência da Vara da Fazenda Pública do
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
129
Distrito Federal, que é o seu foro privativo (é esse um caso
de competência improrrogável, por ser ratione raateriae).
7. A sentença homologatória da justificação, que simplesmente declara a regularidade formal do processo, não limita
a autoridade administrativa ou a judiciária, que vierem a
dirimir eventual pretensão do interessado, quanto ao livre
exame e convencimento sobre a verdade dos fatos
justificados. O processo da justificação, embora permita a
intervenção da eventual contraparte, não lhe faculta
produção de prova, não se constituindo, portanto, o
contraditório regular, que legitimaria a coisa julgada no tema
de fundo.
8. Em suma, o valor probante da justificação é o que
livremente lhe atribuir a Administração, depois de sopesar
os elementos probatórios do processo e a prova documental
existente nos assentamentos individuais do funcionário
interessado, em qualquer repartição pública (federal,
estadual, distrital, municipal ou autárquica).
PARECER
Para conceder aposentadoria, neste caso, a autoridade administrativa levou em conta 8 anos
de serviço público, prestados a um cartório da comarca paulista de Piracicaba,
comprovados através de uma justificação judicial, processada perante o juízo daquela
comarca, para a qual o Distrito Federal foi citado por precatória e, não comparecendo aos
atos processuais, se lhe deu Curador especial.
2. A matéria me sugere examinar, mais detidamente, o tema da prova do tempo de serviço,
como passo a fazer abaixo.
1. PROVA DO TEMPO DE SERVIÇO
3. O vigente Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ainda aplicável aos do
Distrito Federal em virtude de normas legais transitórias, não se ocupou da prova do tempo
de serviço público, ao contrário do Estatuto de 1939 (D.L. 1.713, de 28-10-39), cujo art.
96, § 1°, preceituava:
"Serão computados os dias de efetivo exercício à vista do registro de freqüência
ou da folha de pagamento."
4. Os comentadores em geral, quando cuidam do tema aludem a regras anteriores e
posteriores ao primeiro Estatuto Federal (D.L. 1.266. de 11-5-39, D.L. 2.148, de 25-4-40, e
D.L. 2.410, de 15-7-40; D . 2.290. de 28-1-38; Circular DG 5/48, da Diretoria-Geral da
Fazenda Nacional e Circular 62, de 6-5-33, do Ministério da Fazenda). Assim. v.g.. a
valiosa obra Aposentadoria no Serviço Público, ed. 1970. p. 137 139. de Dr. Abreu de
Oliveira, e a útil compilação do Dr. Pinto Pessoa, intitulada Manual dos Servidores
Públicos, ed. 1957, p. 278/285. Embora não o digam claramente, parecem acolher a
conclusão da vigência, ainda hoje, das regras mencionadas, o que, a meu ver, é exato,
porquanto não houve revogação expressa e a matéria omitida pelo legislador de 1952 não
induz incompatibilidade entre o diploma estatutário atual e as normas anteriores sobre
apuração do tempo de serviço (v. art. 2°, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil).
5. Evidencia o exame das normas jurídicas referidas, que, quanto à prova do tempo de
serviço público, prevaleve o princípio documental: o tempo se comprova com a certidão de
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130
contagem de tempo passada pelos órgãos próprios, à vista dos assentamentos individuais
do funcionário e das respectivas fichas financeiras. Desde o Regulamento de Promoções de
1938 (D. 2.290, de 28-1-38), já incumbia às repartições do serviço de pessoal organizar e
manter, rigorosamente em dia, os assentamentos individuais do funcionário, com o registro
exato dos elementos necessários à apuração da antiguidade (art. 36).
6. A exigência encontra explicação natural na própria forma dos atos administrativos.
Escreve Hely Lopes Meirelles:
"A forma normal do ato de administração é a escrita, embora atos existam
consubstanciados em ordens verbais e até mesmo em sinais convencionais,
como ocorre com as instruções momentâneas de superior hierárquico, com as
determinações de polícia em casos de urgência e com a sinalização do trânsito.
O que convém fixar, é que só se admite o ato administrativo não escrito em
casos de urgência, de transitoriedade da manifestação de vontade
administrativa. ou de irrelevância do assunto para a Administração. Nas demais
hipóteses é de rigor o ato escrito em forma legal, sem o que se exporá à
invalidade" (Direito Administrativo Brasileiro, ed. 1964, p. 158) .
7. Ora, os atos administrativos, que dão nascimento, prosseguimento ou extinção à relação
funcional, são sempre escritos, não se enquadrando nas exceções, muito restritas, em que
se tolera a oralidade.
2. CRÍTICAS À PROVA TESTEMUNHAL
8. Tratando do direito probatório nas relações de ordem privada, o eminente Ministro
Amaral Santos, na sua laureada Prova Judiciária no Cível e no Comercial, 3.a ed., resumiu
nesta passagem sua lúcida análise crítica à prova testemunhal:
"Com a generalidade dos críticos da prova testemunhal, pode-se dizer que seus
inconvenientes não só consistem na existência de testemunha voluntariamente
falsa — movida à mentira por interesse, corrupção, vingança, receio, afeição,
vaidade — como no fato, muito mais comum, da testemunha fugir
involuntariamente à verdade, a isso levada por circunstâncias psíquicas ou patológicas" (vol. 111/66).
9. A prova do tempo de serviço público, que determina conseqüências jurídicas tão graves
para a Administração, não poderia ficar na dependência de uma prova tão perigosa até
mesmo nas relações entre os particulares, tanto mais quando se atenta para o fato de serem,
em regra, formais os atos administrativos, que constituem o thema probandum.
10. A prática da chamada justificação judicial, que outra coisa não é senão a colheita em
juízo de depoimentos de testemunhas, tão falíveis e tão sujeitas a erros de vontade e de
inteligência, foi penetrando nos domínios da Administração, ora com maior, ora com
menor aceitação.
11. Na Circular n° 62, de 6-5-33, do Ministério da Fazenda, se permitiu que as justificações
judiciais suprissem as certidões de tempo de serviço, "quando não mais existam, por moivo
de roubo ou incêndio, os documentos necessários à sua extração, o que será comprovado
por certidões negativas da repartição"; a Exposição de Motivos no 160, de 14-2-40, do
DASP mais liberal, aludiu ao simples "extravio das folhas de pagamento"; no Parecer do
DASP, de 25-11-46, Proc. 8.616-46, já se colocava a justificação "entre os meios de prova
admitidos em direito" (cf. Pinto Pessoa, op. cit., p. 282).
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131
3. RESERVAS SOBRE AS JUSTIFICAÇÕES
12. Com o advento do Código de Processo Civil Nacional (D . L . 1.608, de 18-9-39, que
entrou em vigor em 10-2-40), os interessados na prova testemunhal do tempo de serviço
público passaram a valer-se do processo accessório da justificação, regulado no Título XII,
do Livro V. Eis o dispositivo introdutório do assunto:
"Art. 735. A parte que pretender justificar, para servir de prova em processo
regular, a existência de ato ou relação jurídica, deduzirá, em petição
circunstanciada, a sua intenção, requerendo que, provado quanto baste, com a
citação dos interessados, se julgue a justificação por sentença."
13. Se na destïnação desse procedimento não se incluiu a prova do tempo de serviço, para
instruir pedido administrativo de aposentadoria, a legislação previdenciária veio alargar o
campo: ao lado das justificações avulsas para a obtenção de benefícios, feitas perante a
própria autoridade administrativa, admitiu também, para produzir e feito em processo
administrativo, a justificação judicial; então já regulada pelo Código do Processo Civil. Eis
o teor do D.L. 2.410, de 15-7-40, art. 59:
"Para que as justificações processadas perante a Justiça Comum produzam
efeito em relação aos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões, é
imprescindível que elas se verifiquem com a prévia notificação de seus
representantes legais, para ciência e comparecimento."
14. O mesmo preceito se encontra no D. 5.433; de 9-4-40, que regulamentou o IAPC:
"Art. 202. Nas justificações processadas judicialmente, para produzirem efeito
relativamente ao Instituto, a citação deste é imprescindível."
15. O abuso das justificações incidiu em censura dos juristas da Administração Pública.
Em parecer de 16- 8-56, já advertia o Consultor Jurídico do DASP, Dr. Clenicio Duarte:
"A justificação judicial é meio de prova inteiramente desacreditado, só
admissível na impossibilidade de melhor" (RDA, 46/309-310).
16. Aplaudindo esse ensinamento, o então Diretor da Divisão de Pessoal do DASP, Dr.
Waldyr Santos, observa com correção, em 5-3-60:
"Os registros de freqüência e as folhas de pagamento constituem os principais
elementos em que se baseia a expedição das certidões de tempo de serviço. Se
tiverem sido comprovadamente extraviados, recorre-se a outros documentos
equivalentes ou assemelhados. Na ausência de qualquer documento escrito é
que se admite o testemunho de pessoas idôneas. Mas essas, devem ser, sempre
que possível, as autoridades que admitiram e dispensaram e sob curas ordens
serviram os interessados, ou ainda, os funcionários incumbidos de controlar a
freqüência, atualizar os assentamentos, confeccionar as folhas de pagamento,
etc." RDA, 61/238).
17. Também o Col. Tribunal de Contas da União, em decisão da lavra do eminente
Ministro Freitas Cavalcanti, acolheu parecer do eminente Procurador Cristiano Martins,
contendo idênticas reservas à prova do tempo de serviço por meio de justificação judicial, a
saber:
"A justificação judicial não nos parece apta, — a não ser com caráter
subsidiário —, para provar o vínculo com a função pública, por ser óbvio que
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132
ninguém pode ser tido como partícipe da função pública sem que conste alguma
anotação oficial a respeito" (Parecer de 16-6-64, in RDA, 78/286-287) .
18. Aliás, não é apenas no campo do direito administrativo, nem de data recente, que essas
reservas se manifestam a respeito das justificações judiciais. Hugo Simas, no vol. VIII,
tomo 3º, p. 10, dos Comentários ao Código de Processo Civil, reproduz largo trecho de
conferência proferida, perante o Instituto dos Advogados de São Paulo, pelo Dr. Djalma
Forjas Júnior, onde se lê, não sem alguma melancolia:
"A exatidão desse conceito quanto ao desapreço em que era tida a prova
testemunhal, especialmente quando feita por meio de justificação, está na
consciência de quantos têm vivido a vida do foro. Os advogados, por saberem,
os juízes, por sentirem, quanto podiam obter os litigantes de depoimentos
tomados no desvão dos cartórios, na ausência dos juízes, sem nenhuma
solenidade. E o fato impressionava o sociólogo, pelo aspecto alarmante do
síndroma que o Conde de Sabugosa, Governador-Geral do Brasil, denunciava,
em carta de 2 de dezembro de 1734: "o crime de falsidade no Brasil é tão
repetido que já cheguei a persuadir-me de que o tomam por virtude".
A "virtude" da amizade, depondo em favor do amigo, contra a verdade e contra
a justiça".
4. ASPECTOS PROCESSUAIS: COMPETÊNCIA DO JUIZO E EFEITOS DA
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
19. Qualquer que seja a natureza jurídica da justificação constante destes autos, ou mesmo
a do processo accessório do art. 735 do C. Pr. Civ., parece que a justificação não se fez
perante o juízo competente ratione materiae.
20. Foi o Distrito Federal citado para acompanhar a justificação na comarca de Piracicaba,
quando é notório que o foro privativo das causas de interesse dessa pessoa de direito
público é o da Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal (L. 3.751, de 13-4-60, art. 34, e
art. 2º, § 5º; D.L. 113, de 25-1-67, art. 39, V).
21. Por ser ratione materiae, a competência é improrrogável (C. Pr. Civ., art. 148, parágrafo
único), vale dizer, mesmo que o Distrito Federal não impugnasse o juízo, continuaria este
incompetente. No caso, aliás, a situação foi ainda mais grave, porque o Distrito Federal não
compareceu ao feito, sendo-lhe dado um curador especial, que presumivelmente não
poderia ter cuidado de seus interesses (C. Pr. Civ., art. 737), como o fariam seus
representantes naturais.
22. Não se deve argumentar com a maior facilidade de prova em Piracicaba do que em
Brasília. Além de ser possível a prova por precatória, nada obstaria que as testemunhas
aqui se apresentassem independentemente de intimação (Carvalho Santos, Código do
Processo Civil Interpretado, ed. 1958, vol. VIII/251) .
23. Lopes da Costa, na notável monografia A Administração Pública e a Ordem Jurídica
Privada (Jurisdição Voluntária), ed. 1961, p. 336/337, depois de exprimir que velhos
arestos mineiros, um dos quais da lavra do saudoso e notável Raphael Magalhães,
facultavam a justificação em qualquer juízo e que o Código Unitário não contém nada de
especial sobre competência, sustenta que não se deve observar a regra geral do domicílio
do réu, porque sendo a justificação ato de jurisdição voluntária, não há falar em réu. Basta
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
133
a citação do Ministério Público para assegurar a garantia do contraditório na relação
processual. Apesar dessa posição liberal, o douto processualista deixou consignado:
"Algumas vezes, a justificação vai servir para processo de jurisdição voluntária,
corno no citado exemplo de naturalização. Nesse caso, como a autoridade que
concede a naturalização é federal, e, pois, tem interesse, o foro deve ser federal"
(op. cit., p. 336/337).
24. No mesmo rumo, adverte Sady Cardoso Gusmão, no verbete "Justificação" do
Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, vol. 31/12-13:
"O juiz competente para processar a justificação e o que tem competência
ratione materiae para conhecer da causa a que ela se refira (... )
(....) Assim, se para fins penais, há de ser processada em juízo criminal, se há
interesse da Fazenda Pública, nos juízos privativos de causas da Fazenda
Pública."
25. No caso, como o Distrito Federal é quem vai suportar as conseqüências de
aposentadoria, que levou em conta o tempo justificado, ele é interessado direto, deve ser
citado (art. 735 do C. Pr. Civ.) e no foro privativo que lhe está assegurado por lei, ou seja,
o da Fazenda Pública do Distrito Federal. Ademais, se se vier a recusar valor probante à
justificação onde deveria ser proposta a ação declaratória (C. Pr. Civ. art. 2º, parágrafo
único), ou outra que o interessado entendesse de mover, senão na Vara privativa do Distrito
Federal? Se a justificação é um dos mais precários meios de provar o tempo de serviço, que
dizer da que é feita perante juízo incompetente, que já seria nula até para qualquer outro
efeito menos grave?
26. No aspecto processual, sublinhe-se, ao final deste tópico, que a justificação
homologada por sentença não importa na verdade judicial definitiva dos fatos justificados e
pode ser contrariada por outra prova idônea.
A sentença simplesmente declara a regularidade formal do processo. Mesmo os
processualistas que aludem à eficácia constitutiva da sentença, como, p.e., Pontes de
Miranda (Código de Processo Civil, ed 1956, vol. IX/216), não eliminam o livre
convencimento sobre os fatos justificados. Eis a lição desse mestre:
"A eficácia da sentença (art. 738), que o Juiz profere, julgando a justificação, é
constitutiva embora subordinada em seu peso e valor ao critério do juiz do
"processo regular" (art. 735), que continua com o princípio do livre
convencimento (art. 118) ."
27. Essa liberdade na apreciação da prova também existe em favor da autoridade
administrativa, que pode, sem dúvida, negar o valor probante da justificação, mesmo
homologada por sentença regular, quando as circunstàneias o aconselharem, porque, em se
tratando de prova do tempo de serviço, em que prevalece o princípio documental, a
justificação, feita com regularidade, só pode servir em caráter subsidiário, como já se
assinalou acima.
5. CONCLUSÃO
28. O rigor, que a Administração local deve empregar no exame da prova do tempo de
serviço, é mais justificável por ser notório que, nesta novel Unidade Federada, sempre, e
ainda por muito tempo, ter-se-á que levar em consideração. serviço público prestado aos
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
134
mais diferentes Estados e Municípios do País. Se forem adotados critérios muito liberais,
não tenho dúvida em afirmar que o Distrito Federal haverá de arcar com encargos, cada vez
mais pesados, com a multiplicação de servidores inativos, muitos dos quais — frise-se não
ser esse o caso do Dr. Hélio Morato Krahenbuhl, de cuja dedicação e eficiência nas
importantes funções, que aqui lhe foram confiadas, posso dar testemunho pessoal —
muitos, repita-se, passarão a usufruir as comodidades da aposentadoria voluntária, depois
de período muito curto de serviços no Distrito Federal.
29. Em face das considerações acima, sou por que se recuse aprovação ao ato concessivo
da aposentadoria, a menos que a justificação seja renovada perante autoridade competente
e que se faça em caráter subsidiário da prova documental existente nos arquivos do 2°
Cartório do Registro de Imóveis de Piracicaba, como faz crer a certidão de fl. 17.
___________________________
Parecer em 17-4-1972.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
135
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
136
14 — PROCESSO N.° 064/69-STC
Procurador: José GUILHERME VILLELA
EMENTA
Tempo de serviço público. NOVACAP.
1. O tempo de serviço prestado à NOVACAP é de serviço
público para todos os efeitos, mesmo em relação aos exempregados, que não se beneficiaram diretamente da
providência contida na Lei n° 4.242/63, art. 40.
2. Interpretação analógica justificada por normas legais e
regulamentares do atual Direito Administrativo Brasileiro,
que asseguram a computação do tempo de ser,:ço p est_
do à administração descentralizada ou indireta para os mais
expressivos efeitos da relação funcional.
3. Os efeitos da averbação devem ser apreciados segundo
a legislação da época da concessão ao de benefício
decorrente do tempo de serviço, e podem ser limitados por
lei posterior a ela.
PARECER
Funcionária desta Corte requereu a averbação de 78 dias de serviço prestado à NOVACAP,
no período de 18-7-60 a 3-10-60.
2. Louvando-se em informação da Secretaria (f. 3/4), a ilustre Presidência deferiu o pedido,
com amparo no art. 40, § 10, da Lei n.º 4.242, de 17-7-63 (f1. 4 v.).
3. Retratando-se, a Secretaria sugere que se reexamine o assunto, por-quanto, no seu
entender, tal benefício só foi outorgado pela lei aos em-pregados da NOVACAP, que a Lei
n.º 4.242/63 transformou em servi-dores públicos. Entre esses, aduz a informação, não se
encontrava aquela funcionária, que havia deixado o emprego em 1960, para ingressar na
Secretaria desta Corte,
4. Se a questão pudesse ser solucionada com o auxílio exclusivo da interpretação literal, a
razão estaria com o segundo opinante. De fato, lê-se no art. 40, § 10 da Lei n.º 4.242/63:
"O tempo de serviço efetivamente prestado à Companhia Urbanizadora da Nova
Capital do Brasil será computado para todos os efeitos, em favor dos
empregados amparados por esta lei."
5. A menção final aos destinatários dessa norma, que são os mesmos da própria regra do
aproveitamento no serviço público, parece excluir qual-quer outro empregado que não
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
137
houvesse ingressado no funcionalismo pela via da Lei n.º 4.242/63. Daí, negar-se o direito
da servidora de ver computado, como de serviço público, o tempo da NOVACAP, porque
seu ingresso nos quadros da Secretaria foi muito anterior e não resultou da mencionada lei.
6. Não me satisfaço com o elemento meramente literal para solver o problema. A meu ver,
não pode o intérprete prescindir, no caso, de raciocínios mais complexos para qualificar o
tempo de serviço prestado à NOVACAP, anteriormente à Lei n.º 4.242/63.
Começo pela natureza jurídica da própria NOVACAP. A Lei número 2.874, de 19-9-56,
não deu ao tema da conceituação da entidade o relevo que ele merecia. Preocupado com a
flexibilidade administrativa exigida pela ciclópica obra da construção de Brasília, limitouse o legislador a subordinar a NOVACAP às regras peculiares às sociedades anônimas. A
essência da empresa estatal, porém, não peimitia conceituá-la como um entre privado. Em
correspondência com a variação de conceitos doutrinários pouco sedimentados, ora se dizia
que a NOVACAP era uma autarquia, um ente paraestatal, ora um estabelecimento público
ou uma em-presa pública. Em torno do problema houve decisões judiciais de impotância
(v., p. e., sentença do então Juiz de Direito Dr. Leal Fagundes e desenvolvido voto do
eminente Des. Sousa Neto no TJDF), mas o Supremo Tribunal acabou por alheiar-se às
controvérsias (HC 40.087, DJ de 7-11-63, pág. 114; HC 40.121, DJ de 28-11-63, pág.
1216; IIC 40.122, DJ de 28-11-63, pág. 1217) .
8. Depois dos princípios anunciados pela lei de reforma administrativa do Distrito Federal
e da União (Lei n.º 4.545, de 10-12-64; e D.L. 200, de 28-2-67, o terreno tornoi:-se menos
movediço. Se ainda podem remanescer dúvidas acerca da conceituação específica da
NOVACAP, já ficou claro que ela, de fato, se insere na administração indireta ou
descentralizada do Distrito Federal.
9. Veja-se, agora, a evolução legislativa quanto à questão do pessoal empregado pela
NOVACAP.
10. No regime da Lei n° 2.874/56, o pessoal da empresa estava subordinado à legislação
trabalhista, como se estivesse vinculado a uma empresa privada (art. 22) . O primeiro
privilégio surgiu com a Lei n° 3.930/61, que assegurou a estabilidade trabalhista a todos os
empregados admitidos antes de 12-9-60. Conquistada a estabilidade prematura, ficaram a
um passo do aproveitamento no serviço público, providência que acabou sendo consagrada
pela Lei n° 4.242/63 e pelas medidas de execução, que se lhe seguiram.
11 . Assim, em matéria de pessoal, evoluiu-se do empregado trabalhista ao servidor
estatutário, ficando assegurado ao último ver computado o tempo anterior, como se se
tratasse de serviço público e para todos os efeitos.
12. Não posso desconhecer que a norma legal do aproveitamento no serviço público era
susceptível das limitações temporais que o legislador entendesse impor. Se nenhum
empregado tinha direito ao benefício, o legislador não incidiria em censura por não haver
amparado todos os em-pregados da NOVACAP.
13. No que concerne, todavia, à qualificação do tempo de serviço prestado à NOVACAP,
além da disposição legal cio aproveitamento, outras normas jurídicas devem interferir.
14. Eis algumas delas, cujo rol certamente não as esgota:
a) Estatuto dos Funcionários — art. 80, IV e V, que considera tempo de serviço público,
para efeito de aposentadoria e disponibilidade, o prestado em autarquias e estabelecimentos
privados transformados em estabelecimentos de serviço público;
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
138
b) Lei n° 3.841, de 15-12-60 — para os mesmos fins, alarga a enumeração das entidades
descentralizadas;
c) D. 31.922, de 15-12-52 — Regulamento ainda em vigor da gratificação adicional por
tempo de serviço — admite a computação do tempo em órgãos autárquicos para efeito de
qüinqüênios;
d) D. 32.015, de 29-12-52 — Regulamento de Promoções prevê que, em caso de
desempate, seja considerado para a promoção o tempo prestado aos órgãos da
administração autárquica (art. 26, § 2°) .
15. Mostram as normas legais e regulamentares acima que o tempo prestado à NOVACAP,
por empregado que não ingressou no serviço público pela porta da Lei n° 4.242/63, deve
ser computado para os mais expressivos efeitos jurídicos da relação estatutária. A meu ver,
o ordena-mento jurídico brasileiro não repele, antes autoriza, que se aplique a esse
servidor, por analogia, a regra do art. 40, § 10, da Lei n° 4.242/63, contando-se-lhe o tempo
de NOVACAP, como de serviço público, para todos os efeitos.
16. Se a Lei n° 4.242/63 autorizou a contagem do tempo para aqueles que ingressaram no
serviço em decorrência do favor excepcional, que ela lhes concedeu, com maior razão, há
de assegurar tal direito aos em-pregados que hajam ingressado antes dela, pelos meios
regulares, no serviço público.
17. O legislador, por certo, considerou o tempo de NOVACAP como de serviço público,
tendo em vista a natureza e as finalidades da entidade e a política de pessoal, que ele
adotou. Havendo a lei qualificado de público esse serviço, não parece razoável negar-lhe
essa qualidade, porque não perdurou o vínculo empregatício até o momento de sua
vigência, sobretudo quando esse vínculo só desapareceu, porque a servidora ingressou
antes e regularmente no serviço público.
18. Concluo, pois, no sentido de que a averbação foi bem feita e não deve ser alterada.
Embora a servidora possa prevalecer-se, hoje, desse tempo de serviço para todos os efeitos,
não quer isso dizer que lei posterior não possa restringir esses efeitos. É essa uma
contingência da relação estatutária, que pode ser alterada pelo Estado sem respeitar um
suposto direito adquirido do funcionário.
_____________________________
Parecer em 9-7-1971
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
139
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
140
15 - PROCESSO N.° 491/63-STC
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA
EMENTA
Prescrição. Fazenda Pública.
1. A prescrição qüinqüenal, estabelecida pelo C. Civ., art.
178, 1 13, VI, e regulada pelo Dec. 20.910, de 6-1-32, e
pelo D.L. 4.597, de 19-8-42, só abrange as dívidas passivas
da Fazenda Pública.
2. Os créditos do Estado, salvo regras especiais como as
peculiares aos créditos tributários, prescrevem em 20 anos,
segundo a norma geral do art. 177 do C. Civil, na redação
da L. 2.437, de 7-3-55.
PARECER
A consulta sob exame diz respeito à prescrição do direito da Fazenda Pública à repetição
de pagamento indevido feito a servidor seu, tanto vale dizer, de dívida de que o Estado é
credor.
2. Pretende o ilustre requerente aplicar ao caso à prescrição qüinqüenal de que goza a
Fazenda Pública, nos termos do C. Civil, art. 178, § 10, VI e da legislação posterior Lei n°
5.761, de 25-6-30, Dec. n.º 20.910, de 6 1-32, e D.L. IP 4.597, de 19-8-42.
3. Sustenta a Secretaria, com a boa doutrina, que não ocorreu a prescrição porque não se
pode invocar, na espécie, que é, repita-se, de crédito do Estado, uma disposição peculiar às
suas dívidas passivas, aos seus débitos.
4. A distinção entre dívida ativa e passiva, para efeito de prescrição, remonta à legislação
imperial. Na obra de Carpenter, que se tornou clássica na matéria, vem transcrito na íntegra
todo o teor do Decreto n.º 857, de 12 de novembro de 1851, que teve o declarado propósito
de dirimir dúvidas que o assunto então provocava. De fato, lê-se na introdução desse
importante diploma:
"Considerando que o art. 20 da lei de novembro de 1841, relativo à prescrição
da dívida passiva e ativa da Nação, exige explicações claras e explícitas, que
sirvam tanto para dirigir os executores, como para instruir as partes no que toca
a seus direitos e interesses. Hei por bem determinar..."
5. Com clareza e objetividade, que não eram características do legislador dos dias
tranqüilos do Império, as disposições foram compendiadas sob dois títulos, a saber:
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
141
"Prescrição de 5 anos" e "Prescrição de 40 anos". Tais prazos prescribentes constituíam os
marcos iniludíveis da distinção dívida passiva e ativa, como se colhe da leitura dos arts. e
99, adiante reproduzidos:
"A prescrição de 5 anos, posta em vigor pelo art. 20 da lei de 30 de novembro
de 1841, com referencia ao capítulo 209 do Regimento da Fazenda, a respeito
da Dívida Passiva da Nação, opera a completa desoneração da Fazenda
Nacional" ao pagamento da dívida, que incorre na mesma prescrição."
"A prescrição de 40 anos posta em vigor pelo citado art. 20 da lei de 30 de
novembro de 1841, com referencia ao capítulo 210 do Regimento da Fazenda, a
respeito da Dívida Ativa da Nação, opera a completa desoneração dos
devedores da Fazenda Nacional do pagamento das dívidas, que incorrem na
mesma prescrição, de maneira que, passados os 40 anos, não pode haver contra
eles penhora, execução ou outro qualquer constrangi-mento."
6. Houve tentativas de restringir as regras de prescrição acima transcritas, apenas às dívidas
de conteúdo pecuniário, o que chegou a contar com a prestigiosa adesão do notável Pedro
Lessa, em douto voto vencido no Supremo Tribunal ((tc. de 2-9-1908). Pouco antes, já esse
mesmo voto o reconhecera, tinha vindo a lume a Lei n.º 1.939, de 28-8-1908, para impedir
o triunfo dessa corrente que advogava a restrição às dívidas pecuniárias (v. Carpenter, Da
Prescrição, págs. 694/695, ed. 1958) .
7. Assim, antes do advento do Código Civil, prevalecera em nosso direito o prazo de 40
anos para a prescrição da dívida ativa da Fazenda, prazo que, segundo a informação de
Clóvis Bevilacqua, baseado em Dernburg e Coelho da Rocha, era o do direito romano e do
antigo direito português (v. Teoria Geral do Direito Civil, pág. 302, nota 13, ed. 1955).
8. A prescrição qüinqüenal em favor das dívidas passivas da Fazenda Pública era
severamente criticada ao tempo da elaboração do Código, com os subsídios, aliás, dos
Direitos francês, italiano e português, que tanto influenciaram o nosso. Embora
permanecesse estranha aos projetos Fclício dos Santos, Coelho Rodrigues e Clóvis
Bevilacqua, acabou surgindo no Projeto da Câmara (ef. Clóvis, op. cit., pág. 303/304;
Carpenter, op. cit., pág. 684, João Luiz Alves, Código Civil, pág. 149, 1ª edição de 1917).
9. Como assinalam os doutores, o Código Civil acolheu a prescrição qüinqüenal como um
verdadeiro privilégio da Fazenda. Essa noção de privilégio só fazia sentido se tal prescrição
abrangesse exclusivamente as dívidas passivas do Estado, como está no art. 178, § 10, VI.
10. Em relação às dívidas ativas, houve quem sustentasse a imprescritibilidade, em virtude
da inalienabilidade inerente aos bens públicos, inclusive dominicais (cf. art. 66, III c/c. o
art. 67 do C. Civil). Desse teor, a lição de Clóvis nos Comentários ao Código Civil, vol. I,
pág. 379, ed. 1959).
11. Atualmente, a doutrina assevera que a prescrição das dívidas ativas, salvo disposição
especial, se dá em 20 anos. Eis o magistério de Washington de Barros Monteiro, depois de
examinar as regras legais da prescrição qüinqüenal:
"Todos esses diplomas são concernentes às dívidas passivas, no tocante às
ativas, a prescrição é a ordinária, isto é, só se consuma ao fim de 20 anos"
(Curso de Direito Civil, Parte Geral, pág. 333, ed. 1962) .
12. As dúvidas, que suscitou a aplicação do Código Civil, foram espancadas em muitos
pontos pelo Decreto n° 20.910, de 6-1-32 e pelo D.L. 4.597, de 19-8-42. Nenhum dos
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
142
diplomas permite a pretendida extensão dessas normas especiais aos créditos do Estado. De
acordo com a nossa tradição legislativa, o art. 19 mostra que seu campo de aplicação
continua sendo as dívidas passivas, verbis:
"As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja
qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou
fato do qual se originaram."
13. A mesma alusão a dívidas passivas se encontra no art. 29 do D.L. 4.597/42, que
estendeu os princípios da prescrição qüinqüenal às autarquias e entidades paraestatais.
14. Inconcebível seria mesmo que, em nome de um privilégio, que muitos julgam odioso
da Fazenda Pública, se pudesse admitir que a posição dela ficasse menos protegida do que
a de qualquer particular, quanto à cobrança de seus créditos.
15. Aliás, sendo tão vetusta entre nós, para efeito de prescrição, a distinção entre dívida
passiva e ativa, não se pode tolerar que as disposições concebidas pelo legislador para uma
situação sejam aplicadas a outra.
16. Não havendo regra especial de prescrição para a dívida em exame, deve ser observada
a prescrição ordinária de 20 anos (art. 177 do C. Civil, na redação da Lei n.º 2.437, de 7-355). Ressalte-se, finalmente, que a dívida ativa em questão não provém de crédito
tributário, para o qual existe lei especial reguladora da prescrição. Por motivo de política
fiscal, o legislador do Código Tributário Nacional — Lei n.º 5.172, de 25-10-66 —, a
exemplo de outras leis fiscais anteriores, fixou também em 5 anos a prescrição da ação para
cobrar crédito tributário (v. art. 174) . É claro que, na hipótese vertente, não se cuida de
crédito tributário, mas de paga-mento indevido de vantagens a servidor público, caso em
que é de manifesta inadequação essa norma jurídico tributária.
17. Assentado que a prescrição do Crédito do Estado não ocorre em 5, mas em 20 anos,
tudo se reduz a um simples cálculo aritmético. Da época dos pagamentos indevidos — de
7-6-62 a 28-7-69 — ainda não decorreram os 20 anos necessários à consumação do lapso
prescribente, isto é, não houve ainda a prescrição (que o terminus a quo da prescrição, em
caso de pagamento indevido, seja a data do pagamento, veja-se o acórdão do Supremo
Tribunal no RE 41.570, de 15-4-66, relator o eminente Ministro Victor Nunes, in RTJ.,
37/257-259) .
18. Em suma, não há falar em prescrição, por se tratar de dívida de que a Fazenda é credora
e não devedora, a qual pode e deve ser cobrada pela forma prevista no art. 125 do Estatuto
dos Funcionários.
__________________________
Parecer em 6-7-1971.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
143
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
144
16 — PROCESSO N.° 439/70-STC
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA
EMENTA
Permissão de uso de bens públicos. Finalidade ilícita.
Subvenção indireta a ato de culto religioso.
1. Não pode o Distrito Federal subvencionar, direta ou
indiretamente, atos de culto religioso.
2. A cobrança de aluguéis devidos por permissionária de
uso de bens públicos deve ser feita segundo os mesmos
critérios adotados para a cobrança da dívida ativa.
PARECER
Através de termo de f. 2, o Distrito Federal representado pela Secretaria de Educação e
Cultura, permitiu ao particular Americana de Brasília — Restaurante Ltda. o uso de
dependências de escolas da rede oficial, para nelas serem alojadas pessoas, que acorreram à
Capital, no mês de maio do ano passado, quando aqui se realizou um Congresso
Eucarístico Nacional.
2. A principal contraprestação a cargo da permissionária está na cláusula quarta, onde se lê
que fica ela obrigada ao pagamento da quantia de Cr$ 10,00 por pessoa que houvesse
hospedado.
3. Louvando-se em dados de valor discutível — porque parece não ter sido levado a efeito
um controle mais rigoroso —, informou o Ex.mº Sr. Secretário de Educação que foram
hospedados pela permissionária cerca de 1.777 peregrinos (f. 4 e 5).
4. Depois de inspeção in loco, verificou-se que a empresa particular nada pagou ao Distrito
Federal, que assim é dela credor pela importância de Cr$ 17.770,00 (f. 6).
5. O inadimplemento da permissionária aconselhou ao Eg. Plenário requisitar informações
acerca de outros contratos que haja celebrado com a administração pública (na assentada
de julgamento, recordou-se fato notório de ser ela arrendatária de importante ponto
comercial de Brasília na SQS 108).
6. Depois de reiterações sucessivas da diligência, foram carreados para os autos os
elementos básicos para o exame de um contrato de arrenda-mento celebrado entre a
referida empresa e a NOVACAP (V. Proc. 1.414/70, f. 17/27) .
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
145
7. Antes de examinar os aspectos diretamente ligados à execução das obrigações da
permissionária, julgo conveniente uma ligeira digressão sobre o objetivo imediato da
permissão, que me parece vedado pela regra constitucional do art. 9º, II, impeditiva de
subvenção a cultos religiosos ou igrejas.
8. Como é sabido, a religião católica apostólica romana, ainda hoje religião dominante no
Brasil, fora a religião do Império em decorrência de norma constitucional expressa
(Constituição de 1824, art. 50).
9. As idéias positivista, que tanto influenciaram o movimento republicano, geraram a tese
da separação da Igreja do Estado, que se consolidou pelo Decreto de 7-1-1890, resultante
de projeto de Demétrio Ribeiro.
10. Os novos textos foram incorporados à notável Constituição de 1891, que consagrou
dois princípios básicos na matéria, a saber:
I — vedação de o Estado estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos
religiosos (art. 11, 20);
II — liberdade de culto e de crença religiosa (art. 72, § 3º).
11. A partir de 1891, esses dispositivos passaram a constituir tradição de nosso direito
constitucional (C.F. de 34, art. 17, II, e art. 113, n.º 5; Carta de 37, art. 32, letra b, art. 122,
n.o 4; C.F. de 46, art. 31, II, e art. 141, § 70; C.F. de 67, art. 9º, II, e art. 153, § 5º).
12. Atualmente, a Carta vigente assim dispõe sobre o assunto:
"Art. 9º À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:
...........................................................
II — estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
exercício ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada a colaboração de interesses públicos, na forma e nos limites
da lei federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar.
Art. 153, § 5º — É plena a liberdade de consciência e fica assegurada aos
crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e
os bons costumes.
13. A clareza dos dispositivos transcritos não deixa margem a dúvida: assim como não
pode o Estado impedir que alguém exerça o culto religioso, não pode subvencionar direta
ou indiretamente a atividade particular do culto.
14. Dir-se-á que a beneficiária da permissão não foi uma entidade religiosa, mas uma
empresa comercial. Se o objetivo imediato da permissão foi transferir a essa empresa, em
caráter precário, a posse direta de dependências dos prédios escolares oficiais, não resta
qualquer dúvida de que isso só se deu com a finalidade — objetivo imediato — de permitir
que os fiéis vindos a Brasília para atos de cultos pudessem ser hospedados (provavelmente,
cònsiderou-se que a rede hoteleira normal seria insuficiente para abrigá-los).
15. É óbvio que prefiro aceitar a hipótese de ter sido a permissão concedida em
contemplação do culto católico, o qual, repita-se, é o da maior parte da população
brasileira. Fora dessa hipótese, só restaria para motivar o ato administrativo o puro
interesse do particular em auferir renda de comércio hoteleiro, com sacrifício da atividade
escolar normal — houve suspensão de aulas por mais de uma semana — e, até, da boa
conservação dos prédios públicos escolares.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
146
16. Qualquer que fosse a opção do órgão controlador, haveria desvio de finalidade por
parte da Administração. Tanto não pode ela subvencionar quaisquer cultos, como não
poderia contribuir com particulares em proveito de suas atividades comerciais.
17. Não se diga, finalmente, que a subvenção pudesse comportar-se na exceção
constitucional "colaboração de interesse público, notadamente no setor educacional, no
assistencial e no hospitalar". Não se trata, no caso de um Congresso Eucarístico Nacional,
de nenhuma dessas hipóteses da assistência social, como é evidente.
18. Em memorável voto vencido no Supremo Tribunal, o insigne Hahnemann Guimarães,
julgando mandado de segurança impetrado pelo ex-Bispo de Maura, disse em matéria
conexa a esta:
"Que é culto?
Nós diríamos, segundo nossa orientação positivista: — o culto é o conjunto de
práticas religiosas destinadas ao aperfeiçoamento dos sentimentos humanos.
Dirão os teólogos e eu os sigo, neste momento: — o culto é o complexo de ritos
com que se honra Deus e se santificam os homens.
O rito, esta parte da liturgia com que os homens veneram Deus e os santos, é
absolutamente livre no regime republicano. Não há como o Estado intervir na
determinação dos cultos, quaisquer que sejam eles, desde que não ofendam os
bons costumes" ( M.S. 1.114, de 17-11-49, in Os Grandes Julgamentos do
Supremo Tribunal Federal, do Min. Edgard Costa, vol. 24 b, p. 147).
19. Quer se tenha do culto a noção positivista recordada acima, quer a dos teólogos, os atos
de um Congresso Eucarístico são, evidentemente, atos de culto, que se desenvolvem no
plano ético-religioso, nada tendo a ver com a exceção constitucional.
20. Faço essas considerações para deixar estabelecido que, se fosse chamado a opinar sobre
a licitude do ato de permissão, antes do fato consumado, seria compelido a concluir pela
negativa.
21. Todavia, já houve a suspensão das aulas por vários dias, os prédios escolares já foram
usados como estalagens e, possivelmente, já sofreram os danos conseqüentes a essa
utilização anormal. Só cabe, agora, ao Tribunal impedir a ampliação dos prejuízos.
22. Quanto às obrigações da permissionária, a inadimplência é manifesta. Deve ela ao
Distrito Federal a quantia de Cr$ 17.770,00, que, eventualmente, pode ser acrescida de
outros danos que houverem sido apurados. Seja pela convenção (f. 2 v., cláusula 15ª.), seja
pela lei ( D.L. 960, de 17-12-38, art. 19) pode e deve ser cobrada pela Procuradoria-Geral
do Distrito Federal pela forma executiva peculiar à cobrança da Dívida Ativa.
23. Relativamente ao contrato de arrendamento do ponto comercial, do qual a
Administração está auferindo renda irrisória, já foram tomadas as providências judiciais
cabíveis para retomada do prédio, como faculta o D.L. 4, de 7-2-66. Aliás, o despejo
chegou a ser decretado em P instância (f. 26), estando a efetiva desocupação do imóvel na
dependência apenas do julgamento da apelação. Para conseguir a decisão final rápida,
como convém ao interesse público, certamente a Procuradoria-Geral do Distrito Federal já
terá adotado as providências cabíveis.
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147
24. Por fim, desejo assinalar que a permissão não foi precedida de licitação, nem se exigiu
da permissionária a prova de quitação com a Fazenda, como exige o Cód. Tributário (D.L.
82/66, art. 201) — v. declaração de f. 94 v., da Diretoria da Receita.
25. A permissão em exame é, pois, um bom exemplo de que as regras jurídicas a observar
na Administração, longe de serem uma entrave à consecução dos seus melhores objetivos,
constituem verdadeira garantia de que serão, efetivamente, atingidos.
_________________________
Parecer em 2-7-1971.
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17 — PROCESSO N.° 1.235/68
Procurador: JOSÉ GUILHERME VILLELA
EMENTA:
Despesas de mordomia.
Embora sigilosos a instrução e o julgamento dos processos
relativos a essas despesas, não ficam os responsáveis
isentos da apresentação dos documentos comprobatórios
das despesas realizadas.
PARECER
Trata-se de tomada de contas de responsáveis por suprimentos destinados a despesas de
mordomia.
2. A Inspetoria-Geral opina pela baixa na responsabilidade dos servidores, malgrado não
lhe tivesse sido possível proceder "a uma análise mais acurada das contas", em virtude da
natureza especial das despesas (sie, f. 15).
3. Dispõe a Lei n° 5.538, de 22-11-68, em seu art. 42:
"Os atos concernentes a despesas de caráter reservado e confidente não serão publicados,
devendo, nesse caráter, ser examinados pelo Tribunal de Contas e julgados em sessão
secreta."
4. Leio e releio esse dispositivo legal e não consigo lobrigar nele qual-quer isenção em
favor dos responsáveis, quanto à apresentação dos documentos comprobatórios das
despesas realizadas.
5. A meu juízo, a norma em tela não é substantiva, mas meramente adjetiva ou processual,
obrigando somente o Tribunal a proceder, em caráter reservado, à instrução e ao
julgamento dos processos concernentes a tais despesas.
167
6. A quitação dos responsáveis depende, pois, do exame pelo Tribunal dos processos de
prestação de contas arrolados à f. 11, o que deverá ser feito com a cautela do sigilo imposta
pelo transcrito art. 42, o qual, aliás, é reminiscência de uma época de privilégios dos
governantes, já incompatível com o moderno regime democrático.
7. Meu parecer, portanto, é por diligência para os fins referidos no item anterior.
_________________________
Parecer em 19-3-1971.
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18 - PROCESSO N.° 781/74-STC
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Gratificações de "mérito profissional" e "produtividade".
Pagamento de "prémios" a servidores da NOVACAP.
1. É vedada a concessão de gratificação ou vantagem
pecuniária não prevista expressamente em lei aos
funcionários da Administração do Distrito Federal, aí
compreendidos os servidores da NOVACAP (Lei n.º
4.345/64, arts. 15, § 1°, e 20 n° 2).
2. Ao indivíduo, na sua vida particular, é reconhecido o
direito de fazer tudo quanto a lei não tenha proibido. A
administração Pública e a seus agentes — por força do
princípio da legalidade do ato administrativo — só é
permitido fazer o que a lei autorize.
3. Em flagrante inversão dos termos em que se cristaliza o
princípio da legalidade, têm-se visto freqüentemente
administradores e funcionários atuarem como se lhes fosse
facultada a prática de todos os atos não vedados por lei.
4. Ante o que prescreve o art. 81, III, da Constituição, não
há falar, entre nós, em regulamentos autônomos ou
independentes. Só a lei pode inovar na ordem jurídica;
decretos e regulamentos visam apenas à fiel execução da
lei.
5. Ilegalidade do dispositivo no art. 6°, alínea f, do Decreto
local n° 1.890/71 e, decorrentemente, das Resoluções n.º
46 e 49 da NOVACAP.
6. Ilegalidade também do ato da Diretoria dessa empresa
que concedeu a empregados "prêmios" em dinheiro por
serviços extraordinários prestados.
7. Por representação ao Governador, com vistas à sustação
do pagamento das gratificações de que se cogita.
8. Pela citação dos dirigentes da NOVACAP, que,
arbitrariamente, outorgaram o prêmio em tela, para
oferecerem defesa prévia com respeito ao alcance que
parece ter ocorrido.
1. RELATÓRIO
Importa o parecer no exame de três atos administrativos juridicamente distintos, que em
comum têm apenas a fonte de que promanam: o Conselho Administrativo da NOVACAP.
Trata-se especificamente:
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152
1 — da Resolução n° 46/74-CA, por cópia fls. 2, que institui, para os técnicos de nível
superior da Companhia, uma "gratificação de mérito profissional";
2 — da Resolução n.º 49/74-CA, por cópia a fls. 3, que cria, para os engenheiros,
arquitetos, chefes de divisão e seção e para os mestres-de-obra lotados na Diretoria de
Edificações da empresa, uma "gratificação de produtividade; e
3 — da decisão do mesmo Conselho de Administração, que concedeu a servidores da
entidade por "serviços de caráter excepcional na obra do Estádio de Brasília" prêmios em
dinheiro, discriminados na publicação de fls. 5.
2. Cabe-me inicialmente registrar, com satisfação, voto de louvor à 2 Inspetoria Seccional
de Controle Externo pela oportuna iniciativa de sus-citar, para o exame da Corte, o
problema ora em cogitação. Revela, assim, a Inspetoria a exata compreensão do novo papel
reservado aos órgãos do controle externo no vigente sistema de fiscalização financeiroorçamentária, onde toca ao Tribunal o acompanhamento permanente das atividades do
Executivo para apurar e impunar, tempestivamente, irregularidades ou violações da lei ou
da moralidade administrativa, a fim de o quanto possível alcançar-se o objetivo do controle
concomitante dos atos de Administração.
3. Em inspeção in loco realizada por determinação do Eg. Plenário, comprovou-se haver S.
Ex.ª o Governador Hélio Prates da Silveira, no dia 7 de março último, quase ao fim de sua
gestão, autorizado a expedição das mencionadas Resolução n.ºs 46 e 49/74, aprovadas pelo
Conselho de Administração da NOVACAP. O mesmo não sucedeu, todavia, com a decisão
referente ao pagamento de prêmios por trabalhos extraordinários nas obras do Estádio de
Brasília, a qual se acha, portanto, em desconformidade com o art. 6º do Decreto n.º 1.890,
de 21 de dezembro de 1971, que proíbe à NOVACAP, como às demais empresas públicas,
sociedades mistas, fundações e órgãos relativamente autônomos do Distrito, "outorgar a
seus empregados vantagens de caráter pecuniário" salvo, além das especificamente
relacionadas nas alíneas do parágrafo único, as "decorrentes de lei ou expressamente
outorgadas pelo Governador".
4. Em parecer anterior, alusivo ao sistema de "fichamento de veículos", houve
conveniência, com vistas à mais pronta eficácia da impugnação do Tribunal, em restringir,
liminarmente, o exame de matéria ao nível da violação flagrante do ato regulamentar do
próprio Executivo, já que então nem sequer existira a prévia e indispensável aquiescência
do Governador, para o pagamento daquela vantagem salarial.
5. Agora, porém, como salientado, teve-se o cuidado de colher antecipadamente a
autorização do Chefe do Executivo, razão por que não se configurou a transgressão ao
disposto no art. 6º do Decreto n° 1.890/71. Nem por isso se apresentam as apontadas
Resoluções números 46 e 49 menos censuráveis, sob o angulo da legalidade.
2. O PRINCIPIO DA LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO
6. Quando teve presente, em sessão de 2 de setembro de 1971, o Processo n.º 831/70-STC,
concernente ao exame de legalidade dos Decretos n.Os 1.575, de 23 de dezembro de 1970,
e 1.633, de 9 de março de 1971, afirmou este Tribunal continuarem em vigor os preceitos
da Lei n.º 4.345, de 26 de junho de 1964, que vedam a concessão ou o pagamento a
servidores da Administração local direta e indireta de qualquer gratificação ou vantagem
pecuniária que não estiver prevista de forma expressa em lei.
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153
7. Tais preceitos não passam aliás da formal incorporação ao direito positivo com aplicação
específica ao tema de remuneração de pessoal, do cediço e categórico princípio da
legalidade, uma das pedras angulares em que repousa todo o sistema do Direito Público no
Estado democrático. Qualquer manual de Direito Administrativo inscreve em seu texto a
norma basilar e caracterizante deste ramo da ciência jurídica consoante a qual, no dizer de
Kelsen, "o indivíduo age como órgão do Estado somente na medida em que age com base
em alguma norma válida. O Estado, isto é, o indivíduo que funciona como órgão do
Estado, somente pode fazer aquilo que a ordem legal o autoriza a fazer". E adiante: "É
supérfluo, portanto, sob o ponto de vista da técnica legislativa, proibir alguma coisa a um
órgão do Estado. Basta não autorizá-lo. Somente é necessário proibir um órgão do Estado
de praticar certos atos quando se deseja restringir uma autorização prévia". (Apud. Batista
Ramos, "Legalidade dos atos administrativos", Revista do T.C.U. p. 33).
8. O clássico João Barbalho já afirmava em 1924: "Ao indivíduo é reconhecido o direito de
fazer tudo quanto a lei não tenha proibido, e não pode ser ele obrigado a fazer senão o que
a lei impõe. Com a autoridade, porém, com os funcionários públicos, dá-se justamente o
contrário —, só podem fazer, nessa qualidade, o que a lei autorize. Suas atribuições são
somente as que se acham definidas nas leis e nos regula-mentos que com elas se
conformam." (Comentários à Constituição, p. 32).
9. E Oswaldo Aranha Bandeira de Mello é quem assevera: "Os atos administrativos têm
seu exercício condicionado por leis e regulamentos, pois a Administração Pública só pode
agir na conformidade de textos normativos. Enquanto o ato jurídico privado é regido pelo
princípio da autonomia da vontade, segundo o qual o particular pode formá-lo a seu líbito,
desde que não vá de encontro à lei; o ato administrativo deve estar sempre baseado na lei, e
a autoridade administrativa não pode querer senão o que a lei permite e na medida em que
o permite". (Princípios Gerais de Direito Administrativo, Vol. I, p. 424).
10. Marcelo Caetano, à sua vez, professa: "Para que se produza um ato administrativo
válido é necessário que um órgão de uma pessoa administrativa integrada na
Administração exerça poderes públicos conferidos por lei. A competência de cada órgão
está precisamente limitada por lei em razão da matéria, em razão de lugar, em razão de
grau hierárquico e em razão de tempo. A competência resulta sempre de lei expressa, e o
fim não pode deixar de ser aquele interesse público fixado ao exercício da competência no
caso concreto". (Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pp. 425 e 447).
11. Invocando o testemunho de Duguit, Berthélémy e Duez, Bonnard e Salvatore
Cantinella, sustenta Seabra Fagundes: "Todas as atividades da Administração Pública são
limitadas pela subordinação à ordem jurídica, ou seja, à legalidade. O procedimento
administrativo não tem existência jurídica se lhe falta, como fonte primária, um texto de
lei. Qualquer medida que tome o Poder Administrativo, em face de determinada situação
individual, sem preceito de lei que autorize ou excedendo o àmbito da permissão da lei,
será injurídica. Essa integral submissão da Administração Pública à lei constitui o
denominado Princípio da Legalidade, aceito universalmente, e é uma conseqüência do
sistema de legislação escrita e da própria natureza da função administrativa." (O Controle
dos Atos Administrativos, pp. 100 e 101).
12. No mesmo sentido é a lição de Cretella Júnior: "Numa primeira proposição atrai a
atenção — o princípio da legalidade, juízo categórico e necessário, segundo o qual a
administração está submetida à lei, lei que ela própria editou. Num Estado de direito. . .
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
154
nenhuma autoridade pode tomar decisão individual que não se contenha nos limites fixados
por uma disposição geral, isto é, por uma lei no sentido material". (Tratado de Direito
Administrativo, Vol. X, p. 36).
13. Expressiva é ainda a palavra de Miguel Reale: "Ora é pacífico, tanto na doutrina como
na jurisprudência, que todo o campo de atividade da Administração... se reduz à atuação da
lei. Enquanto que cada um de nós, em sua vida particular colima a obtenção de fins
próprios, livre-mente propostos, tendo como limite seu ser pessoal, na relatividade de suas
circunstancias, já o agente administrativo tem por dever realizar fins da sociedade e do
Estado, na forma objetivada pela lei e no uso dos poderes transpessoais que a lei lhe
confere. Daí ter-se declarado, com finura, que em virtude do princípio da legalidade, não
podem existir atos discricionários quimicamente puros... (Direito Administrativo, pp. 263 e
264).
14. Mencione-se também o ensinamento de Henrique Simas: "Em Direito Administrativo,
como no Direito Público em geral, os atos são praticados porque a lei assim determina.
Não ocorre como no Direito Privado, em que se pode agir desde que a lei não impeça. Os
agentes e órgãos da administração só podem praticar os atos previstos em lei. Sem a
observância do princípio da legalidade, nenhum administrador pode agir, sob pena de ver
seu ato considerado nulo e de nenhum efeito, além de expor-se à responsabilidade
disciplinar, civil e criminal, conforme o caso". (Manual Elementar de Direito
Administrativo, pp. 58 e 97).
15. E, finalmente, Hely Meirelles preleciona: "A eficácia e a validade de toda atividade
administrativa estão condicionadas ao atendi-mento da lei. Na Administração Pública, não
há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo
que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autorize. Do
Estado absolutista evoluímos para o Estado de Direito onde só impera a vontade impessoal
das normas jurídicas. Os Estados, ao se organizarem, autolimitam, pelas leis, os seus
poderes, em relação aos indivíduos e à coletividade. Essas mesmas leis passam, daí por
diante, a subordinar aos seus preceitos tanto a Administração quanto os administrados. No
direito público, o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos,
suas ambições, seus programas, seus atos não têm eficácia administrativa, nem validade
jurídica, se não estiverem alicerçados no direito e na lei. Não é a chancela da autoridade
que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a LEGALIDADE a pedra de toque de
todo ato administrativo". (Direito Administrativo Brasileiro, pp. 55 e 204).
3. TRANSGRESSÕES AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
16. Tão extensa, e até certo ponto redundante, transcrição de textos busca explicação e
justificativa no propósito de deixar claramente demonstrada a geral aceitação, pela
doutrina, do princípio da legalidade, não raro desprezado pelas autoridades administrativas
brasileiras. Notadamente no plano do Distrito Federal, têm-se visto administradores e
funcionários atuar como se lhes fosse facultada a prática de todos os atos não vedados por
lei, em flagrante inversão dos termos em que se enuncia o princípio da legalidade do ato
administrativo.
17. Na raiz desse procedimento abusivo, vão-se encontrar certas peculiaridades da
estruturação administrativa e do processo de elaboração das leis do Distrito Federal,
merecendo menção, entre outras: a inexistência de Câmara legislativa própria e exclusiva;
a necessidade constitucional-mente assentada da iniciativa do Presidente da República para
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
155
as leis que "disponham sobre a organização administrativa e judiciária, matéria tributária e
orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração do Distrito" (Constituição, art.
57, IV); a inusitada multiplicação de organismos descentralizados, aos quais se atribui, de
forma quase absoluta, o desempenho das atividades executivas; a distorção de perspectiva,
nascida da proximidade do poder federal, que induz servidores e assessores da
Administração do Distrito a considerar os Secretários do Governo local em plano idêntico
ao dos Ministros de Estado, para o efeito da fruição de prerrogativas e vantagens; e, afinal
— ainda em consonância com essa linha de homologia com o plano federal — a tendência
juridicamente desinformada de reproduzir, pela via inadequada do decreto local, a
faculdade deferida ao Presidente da República de, em casos de urgência ou de relevante
interesse público, expedir decretos-leis sobre matéria de segurança, finanças públicas,
criação de cargos e fixação de vencimentos. (Constituição, art. 55).
18. Eis porque vem sendo esta Corte seguidamente obrigada a apontar casos de manifesta
ilegalidade de atos administrativos e normativos das Secretarias ou dos órgãos da
Administração Indireta do Distrito, entre os quais me lembram agora: algumas regras dos
Decretos n.Os 1.575/70 e 1.633/71, especialmente as instituidoras do sistema de "bloqueio"
e do hibridismo entre os regimes estatutário e trabalhista; a constituição da PROFLORA
S.A.; o chamado "fichamento de veículos" e modalidades congêneres de remuneração
indireta, largamente difundidades nos organismos descentralizados e até na Administração
Direta; o empenho de despesas com água, telefone e outros serviços públicos, devidas por
ocupantes de residências funcionais; a tentativa de estender aos senhores Secretários do
Governo local as despesas de mordomia, tradicionalmente limitadas aos palácios oficiais;
e, agora, as gratificações de mérito profissional e produtividade, além desse despropositado
"prêmio" em dinheiro a em-pregados da NOVACAP.
4. LIMITES DO PODER REGULAMENTAR
19. Com relação ao poder de expedir decretos, conferido ao Chefe do Executivo, consignese que nossos doutrinadores e tribunais têm freqüentemente salientado não haver lugar, no
quadro do direito positivo pátrio, para os chamados regulamentos autônomos ou
independentes, que inovam na ordem jurídica. Por força do estatuído no art. 81, III, da
Constituição, decretos e regulamentos se endereçam, tão-somente, à fiel execução das leis,
sendo espúria e destituída da validade jurídica a atividade regulamentar, que, em qualquer
das esferas da federação brasileira, ultrapasse os limites das normas de execução, no
intento sub-reptício de legislar, de dar nasci-mento a direito novo. Em suma, por sua
natureza de normas legais ordinárias de segundo grau, o decreto e o regulamento acham-se
condicionados, tanto como os demais atos administrativos, pelo princípio da legalidade.
20. Como atesta Alípio da Silveira: "O Regulamento é, pois, norma de direito
administrativo, mas, quando se trata de regulamento submetido à lei ordinária formal, o
aplicador, visto se tratar de ato antes de tudo destinado à atuação da referida lei ordinária
formal, terá também a tarefa inicial de verificar se o preceito individual que eles afirmam
no caso específico constitui a reta individuação do preceito geral da lei ordinária que deve
ser respeitado. Sob tal aspecto, portanto, a interpretação de Regula-mentos deste tipo
assume, como nota Emilio Beth, caráter deontológico, que a diferencia da simples
interpretação da vontade do autor do Regulamento, uma vez que se preordena a uma
qualificação jurídica do ato e a uma valoração crítica do seu conteúdo perceptivo com base
na conformidade à lei ordinária. Assim o aplicador tem poderes para declarar a ilegalidade
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
156
de todo ou de parte do Regulamento deste tipo". (Hermenêutica do Direito Brasileiro, Vol.
II, p. 101).
5. ILEGALIDADE DIRETA DOS ATOS NORMATIVOS SOB EXAME
21. É o que ora se afigura imperioso fazer com respeito não apenas às aludidas Resoluções
n.OS 46 e 49/74 da NOVACAP, malgrado sua aprovação pelo Chefe do Governo do
Distrito, mas também com referencia ao próprio Decreto n.º 1.890/71, quando na alínea f
do art. 6º atribui, implicitamente, ao Governador o poder de outorgar vantagens não
previstas em lei.
22. Para maior clareza, transcreve-se adiante a disposição em tela:
"Art. 6º Além dos salários, é vedado às Empresas Públicas, Sociedades de
Economia Mista, Fundações, Autarquias e órgãos relativamente autônomos do
Distrito Federal outorgar a seus em-pregados quaisquer outras vantagens de
caráter pecuniário.
Parágrafo único. Na proibição deste artigo não se incluem:
...........................................................
f) outras vantagens decorrentes de lei ou expressamente autorizadas pelo
Governador do Distrito Federal."
23. Observe-se que a expressa autorização do Chefe do Executivo, exigida para a
concessão de vantagens não enumeradas, liga-se ao primeiro termo da expressão — não
pela aditiva e, que faria pressupor a soma das condições — mas pela alternativa ou, de
sorte que, a ser válida tal regra, a só autorização do Governador teria força para criar
vantagens financeiras desprovidas de amparo legal. Isso de modo algum se compadece
com o preceituado nos arts. 15, § 1º, e 20, n.º 2, da Lei n.º 4.345/64, nem tampouco com o
princípio da legalidade do ato administrativo.
24. Tenho assim por ilegal o disposto na alínea f do Decreto n.º 1.890, de 21 de dezembro
de 1971, e, conseqüentemente, todo o teor das Resoluções n.°S 46 e 49/74 da NOVACAP,
que só encontram apoio jurídico na base falsa desse ato regulamentar.
6. ILEGALIDADE INDIRETA DA RESOLUÇÃO n.º 46/74
25. Preciso é ainda referir que a Resolução n.º 46/74 incorre também no vício que a
doutrina convencionou chamar de ilegalidade indireta, ou seja, na patente desconformidade
entre os motivos confessados e a verdadeira intenção do administrador. Em verdade, a
fragilidade e a sem-razão dos motivos invocados como justificativa à concessão de
vantagem — necessidade de aquisição de livros e publicações técnicas, da assinatura de
periódicos, da contribuição a associações científicas e da participação em congressos e
simpósios — posta em cotejo com o valor da gratificação — até Cr$ 30.000,00 anuais —
deixam a nu a real finalidade desse ato normativo: a pura e simples elevação da retribuição
do pessoal de nível superior.
26. Penso, pois, poder-se ainda increpar à resolução em apreço o vício da "nulidade por
inexistência dos motivos", tal como dispõe o art. 29 da Lei n.º 4.717, de 29 de junho de
1965, que regula a ação popular. Segundo tal norma "são nulos os atos lesivos ao
patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades
autárquicas, de sociedades de economia mista e mútuas de seguro, de empresas públicas,
de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o
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tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do
patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do
Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas, no caso,
entre outros, de "inexistência de motivos", que, segundo o parágrafo único, "se verifica
quando a matéria de fato ou de direito em que se fundamenta o ato é materialmente
inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido".
7. INCONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA DA RESOLUÇÃO N.º 46/74
27. Deixando de parte o aspecto da legalidade, há mesmo que apontar como
administrativamente condenável essa espécie de gratificação nos moldes em que foi
concedida, pois que desvinculada da prova, direta ou indireta, do real aprimoramento
técnico-científico do pessoal que a percebe. É de ver que não se trata da indenização de
despesas efetuadas com o treinamento ou a compra de livros e publicações especializadas,
mas de mera vantagem pecuniária, a ser despendida a bel-prazer de seus beneficiários.
28. O mesmo não se dá, à primeira vista, com a Resolução n.º 49/74, que, embora ilegal em
face do direito legislado, seria, a meu ver de lege ferenda defensável.
8. A QUESTÃO DO "PRÊMIO" POR SERVIÇOS EXTRAORDINÁRIO
29. Resta o problema das importâncias pagas a título de prêmio, por trabalhos
excepcionais, a onze empregados da NOVACAP.
30. O ato da Diretoria da empresa, por cópia a fls. 21, padece, em princípio, de diversos
defeitos jurídicos, entre os quais, assinalo: violação da alínea f, art. 6° do citado Decreto n°
1.890/71, por não haver sido precedido da autorização expressa de S. Ex.a o Governador, e
alínea b do mesmo decreto, que somente permite o pagamento de gratificação por serviços
extraordinários nos termos dos arts. 59 a 61 da CLT; transgressão do aludido art. 15, § 10,
da Lei n° 4.345/64; ofensa ao princípio da legalidade do ato administrativo; abuso de
poder, pela fixação de prêmios em importe tão elevado que discrepa por inteiro do mercado
de trabalho local e brasileiro (por uma quinzena de serviços extraordinários, pagaram-se
até Cr$ 7.760,00); e, afinal, o decorrente da própria natureza do trabalho realizado —
demolição de alojamentos de firma particular — que. a despeito de afirmação em contrário
constante de fls. 19, seria obrigação da própria ENGERAL e, não, da NOVACAP.
Estranhável, ainda, é o fato de essa Companhia, com numeroso quadro de servidores, verse na contingência de empreitar, na melhor hipótese a preço de mercado, seus próprios
empregados, despendendo a vultosa importância de Cr$ 53.440,00 — em prejuízo direto
dos cofres do Distrito Federal, já que, segundo a mesma informação de fls. 19, essa quantia
foi levada à conta da verba para a construção do Estádio de Brasília.
9. CONCLUSÕES
31. Ante o exposto, entendo deva o Eg. Plenário considerar ilegais os três atos em exame e,
conseqüentemente, representar ao Ex.m° Senhor Governador do Distrito Federal, para
encarecer-lhe a necessidade de, em conformidade com o disposto no art. 30, II, da Lei n.º
5.538/68, ser sustado, a partir de 19 de agosto do corrente, o pagamento das gratificações
de "mel ito profissional" e de "produtividade". Submeto, ainda, à Corte a conveniência de
recomendar a reposição das importâncias indevidamente recebidas, lembrando, porém, que
a jurisprudência administrativa e judicial se tem inclinado por dispensar a reposição de
quantias pagas em decorrência de erro razoável da Administração.
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32. Concernentemente ao ato arbitrário da NOVACAP, que, contrariando as leis, o
regulamento e as próprios normas de boa gestão administrativa, mandou pagar a
empregados seus, a título de prêmio por serviços excepcionais, a elevada soma de Cr$
53.440,00, proponho que o Tribunal, com vistas a levar a débito dos responsáveis o
prejuízo causado aos cofres do Distrito Federal, determine a citação dos membros da
Diretoria e do Conselho de Administração da Companhia, em exercício à data do ato, para,
em trinta dias, oferecerem defesa prévia contra a imputação a eles do alcance que parece
configurado.
33. Ao mesmo tempo, reputo conveniente ser a Inspetoria-Geral instruída para proceder ao
acompanhamento pari passa das providências tomadas pela Administração, a fim de que a
Corte, em caso de retarda-mento ou recalcitrância, possa adotar as medidas legalmente
prescritas para fazer valer suas decisões, inclusive, se necessário, a representação ao
Senado Federal, nos termos do art. 41, § 2º, da nossa lei orgânica.
_____________________________
Parecer em 26-7-1974.
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159
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19 - PROCESSO N.° 781/74-STC
Procurador: LI COLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Pagamento de "prémios" a servidores da NOVACAP.
1. Improcedência da argumentação fundada na liberdade de
gestão das empresas públicas; na derrogação Decreto n° ...
1.890,71 pela Lei n° 5.961/72; na inaplicação do princípio da
legalidade à área de Administração Indireta; na
caracterização da despesa como gratificação individual de
produtividade; no imaterial equívoco da instrução quanto à
duração do serviço remunerado; no veto parcial de que foi
alvo o art. 15, § 19, da Lei n° 4.345/64; na conceituação
jurídica de alcance; e na isenção de responsabilidade dos
diretores financeiro e administrativo da empresa pelo
pagamento efetuado.
2. Relevância dos esclarecimentos prestados quanto à
responsabilidade contratual pela execução da obra
questionada; quanto aos baldados esforços para a
contratação de operários estranhos aos quadros de pessoal
ela companhia; quanto ao aceleramento do ritmo das obras,
por determinação da cúpula administrativa local; e, acima
de tudo, quanto ao número de operários efetivamente
utilizados na remoção dos alojamentos.
3. As irregularidades de que se acha eivado o ato
encontram relativa justificação no propósito de obviar à
alternativa do prejuízo maior.
4. A inocorrência, no caso, de má-fé, favoritismo ou
liberalidade com os recursos públicos descaracteriza, a meu
critério, o suposto alcance, devendo o processo ser
arquivado.
PARECER
1. COLOCAÇÃO DA MATÉRIA
Em sessão de 12 de setembro de 1974, sufragou o Tribunal parecer desta Procuradoria em
que era requerida a citação dos membros da Diretoria e do Conselho de Administração da
NOVACAP, para oferece-rem defesa prévia à imputação de alcance, resultante do
pagamento de Cr$ 53.440,00 efetuado a onze carpinteiros da Companhia, a titulo de
premio por serviços prestados, em dezoito dias de trabalho, na demolição
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161
179
de alojamentos da ENGERAL situados no canteiro de obras do Estádio de Brasília.
2. ARGUMENTOS INAPROVEITÁVEIS
5. Embora de forma oblíqua, tecem-se nas defesas dos interessados, críticas à decisão da
Corte sobre estarem as entidades da administração descentralizada abrangidas pelas
disposições da Lei n.º 4.345/64, que proscrevem o pagamento de vantagem ou gratificação
não autorizada de modo expresso em lei. Isso porque é nessa decisão que se sustenta uma
das increpações de ilegalidade do ato lançado pela Procuradoria.
6. Consoante tais articulados, seria quase absoluta a liberdade de gestão das empresas
públicas, limitada tão-somente pelos seus mecanismos e órgãos internos, de decisão e
controle. Conselhos de administração, conselhos fiscais e diretorias poderiam,
soberanamente, decidir o que lhes aprouvesse, sem os entraves de autorizações do
Governador e sem o dever de obediência aos preceitos das leis administrativas.
7. Muito citada é a Lei n.º 5.861, de 12 de dezembro de 1972, que procedeu ao mais
recente desdobramento da NOVACAP, para dar origem à TERRACAP, em cujo art. 3º,
incisos I e V, vêem os peticionários fundamento para afirmar inaplicáveis à companhia as
normas do Decreto local n.º 1.890/71. Esses incisos dispõem que ambas as empresas se
regem "por aquela lei" e "subsidiariamente pela legislação das sociedades anônimas" e que
a remuneração dos serviços prestados se fará de "acordo com a orçamentação dos custos e
provisões estatutárias".
8. Idêntica alegação já foi diversas vezes oposta à ação fisealizadora do Tribunal, havendo
sempre entendido o Eg. Plenário que o argumento carece por inteiro de procedência, visto
como, de par com as disposições da lei especial, sobrelevam os cànones da Iegislação
administrativa reguladores do exercício do controle interno, a cargo dos órgãos próprios do
Distrito, e do controle externo da competência desta Corte.
9. O princípio da legalidade dos atos administrativos — que está na base do art. 15, § 1º, da
Lei n° 4.345/64, e que ultimo ratio, serviu de arrimo à contestada decisão do Tribunal,
proferida no processo n.º ... 831/70-STC — abarca, sem sombra de dúvida, toda a
Administração Pública, direta ou descentralizada. Dispenso-me de focalizar
extensivamente o tema, por já havê-lo examinado em parecer inserto no processo n.º
714/72, o qual deu motivo ao encaminhamento de representação da Corte ao Governo do
Distrito. Sustentou-se ali, em síntese, que a autonomia administrativa dos entes
descentralizados não deve servir de pretexto para eximi-los do acatamento ao regime da
legalidade, pois a autonomia não é anarquia; é liberdade de ação na medida e nos termos da
lei.
10. De fato, a limitação do poder é característica imanente ao direito público no Estado
democrático. E a limitação ao poder executivo, ao poder de execução — opere ele por via
direta ou oblíqua — é função cardeal da lei. Lei em acepção formal, promanada do Poder
Legislativo.
11. Nenhuma pertinência é de atribuir à freqüente invocação da legislação do trabalho e
das obrigações, a que por mandamento constitucional se submetem as empresas públicas e
semipúblicas. Finalidades precisas, ambas na ordem da proteção individual, norteiam esses
ramos do Direito. As leis trabalhistas têm como objeto imediato a salvaguarda do indivíduo
enquanto homem, enquanto profissional, enquanto unidade ou membro de classe do corpo
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
162
social. Também o Direito das Obrigações se toma, no caso, de observância impositiva
pelos organismos paraestatais, com vistas unicamente à defesa das pessoas, físicas ou
jurídicas, que travam relações com a longa monos estatal representada pela Administração
Indireta.
12. No já mencionado processo n° 714/72, tive, por sinal, ocasião de estudar longamente o
art. 170, § 2°, da Lei Maior, a que tantas vezes recorreram as defesas em tela. Desse estudo
ficou-me a certeza, respaldada pela opinião de Seabra Fagundes, de que a regra
constitucional é meramente restritiva dos privilégios especiais que se costumavam arrogar
as empresas de gestão indireta do Estado. A diretiva ali expressa é a de que tais organismos
não se eximem do respeito à legislação do trabalho e das obrigações e, não, como repisam
quase todos os recorrentes, que apenas a esses ramos do Direito se devem submeter as
entidades administrativas voltadas para a exploração de atividade econômica.
13. Em verdade, outra linha de valores, mais relevantes até, reclama eficaz resguardo
jurídico, contra a livre atividade dessas pessoas administrativas: são os interesses da
coletividade, os chamados interesses públicos, que, no caso, ora se confundem com os da
empresa em si, ora com os da unidade intra-estatal a que pertence, ora com os próprios
objetivos regionais ou nacionais. Tal ordem de interesses não pode ficar à mercê da
discrição, ou do arbítrio, de simples colegiados internos às entidades, já que o Estado de
Direito não se compadece com o poder incondicionado, com a discrição sem comportas e
sem exatos limites de atuação.
14. O problema inexiste na área do direito privado, onde o equilíbrio de forças. ao menos
em teoria, se estabelece entre as aspirações do trabalhador, amparado pela CLT, e os
anseios de ganho da empresa, alvo da vigilância próxima e constante do patrão, do capital
particular ali investido sob o signo primacial do lucro. Nos domínios do direito público,
todavia, esbate-se a figura do patrão, quer por sua impessoalidade física, quer por seu
poderio econômico, que tende a ser havido como ilimitado.
Surgem daí as liberalidades, mormente em matéria de remuneração e de vantagens
indiretas, prodigalizadas pelas entidades a seu pessoal.
15. Agrava o problema a proximidade entre o foco normativo e o objeto das regras
editadas, proximidade que faz crescer, a ponto às vezes irresistível, o poder de pressão dos
beneficiados.
16. Não há destarte como fugir à urgência de submeter todo o terreno da Administração
descentralizada ao guante de leis específicas, que, sem esteriliza-10 pela multiplicação de
formalidades e peias burocráticas, o venham balizar, para impedir os abusos presentemente
apontados.
17. Outra alegação a rejeitar, por equiocada, é a de que o pagamento impugnado seria, em
lugar de prêmio como de início chamado, uma "gratificação individual de produtividade".
Ora, outra coisa não fizeram os que assim pretendem defender-se senão buscar na Lei n°
4.345/64 uma brecha jurídica que permitisse placitar o ato contestado. O simples importe
dos pagamentos feitos bastaria para descaracterizá-los como gratificação. Em certos casos
ascendem a mais de Cr$ 425,00 por dia de trabalho de carpintaria, quando o próprio
Conselho de Administração da NOVACAP, na Resolução n° 6/73 (cópia a fls. 224), fixava
para seu pessoal de nível mais elevado, arquitetos e engenheiros responsáveis pela
fiscalização de obras, gratificação da mesma natureza em valores variáveis entre Cr$
600,00 e Cr$ 1.500,00 mensais, quer dizer, entre Cr$ 20,00 e Cr$ 50,00 por dia. Ainda que
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163
concedendo à possibilidade de haver sido reajustada a referida tabela e, bem assim, à
autorização, implícita no mesmo ato normativo, de responsabilizar-se cada servidor por
mais de uma obra, ficar-se-á muito longe das quantias arbitradas no caso em cogitação.
18. Segundo outros razoados, entre os quais o do Sr. Diretor-Superintenclente da
companhia, o pagamento não se deveu à gratificação de produtividade, mas à contratação,
pela NOVACAP, de seus próprios empregados, para a realização de serviços a serem
executados com o auxílio de familiares e amigos dos contratados.
19. A explicação de ato administrativo assim esdrúxulo vai ser encontrada em tópicos de
outras defesas, consoante as quais se viu a empresa na impossibilidade de determinar a
execução do serviço sob o regime de horas extras previsto na Consolidação das Leis do
Trabalho, pois o § 2° do art. 61 daquele diploma proíbe jornada de trabalho excedente de
doze horas, salvo a existência de lei que fixe expressamente outro limite. Sendo de oito
horas a jornada normal, cada um dos trabalhadores só disporia de mais quatro horas diárias
para realizar a obra de demolição, razão por que, afirma-se a fls. 100, se resolveu "contratar
o serviço à parte da relação empregatícia".
20. Arma-se então o dilema: ou o trabalho foi feito apenas por 11 carpinteiros, em suas
horas de folga excedentes da jornada padrão, ou, embora contratados apenas os mesmos
onze operários, trabalharam eles dia e noite e com o auxílio de amigos e familiares.
21. Na primeira hipótese, o pagamento terá sido ainda mais excessivo do que antes se
imaginara, porque se elevará o preço da remuneração/ hora. Na outra alternativa, terá
havido simulação na contratação e no pagamento dos operários; descumprimento, não
sancionado, da jornada básica; e violação material das regras de higiene e segurança
trabalhista, que — mesmo em casos de "necessidade imperiosa" para fazer face a motivo
de força maior, para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja
inexecução possa acarretar prejuízo manifesto" (CLT art. 61) — somente facultam a
prorrogação do expediente por mais quatro horas diárias.
22. Observe-se, a esta altura, que o reparo mais de uma vez formulado nas petições em
exame de haverem a Procuradoria e o Tribunal tomado a forma pelo fundo poderia aplicarse, à perfeição, ao ato analisado, já que, sob color de acatar as prescrições legais alusivas à
duração do dia de trabalho, teria acabado a NOVACAP por descumprir tais prescrições. A
transparente capa da contratação de serviços não encobriria, afinal, a verdadeira substância
do ato: prorrogação indevida da jornada de serviço. A forma evidentemente em nada
alteraria o conteúdo.
23. Irrelevante equívoco em que laborou a instrução do processo neste Tribunal, ao afirmar
que os "prêmios" pagos seriam o correspectivo de serviços realizados em apenas quatro
dias — quando na verdade os trabalhos duraram 18 dias — deu azo a muitas
considerações, cuja análise reputo dispensável, como dispensável julguei ressaltar no
parecer inicial esse engano cometido na instrução, o qual, de resto, não contribuiu para a
increpação preliminar de ilegalidade lançada ao ato.
24. Percebe-se, finalmente, haverem-se impressionado quase todos os recorrentes com a
palavra alcance, consignada no parecer da Procuradoria.
25. No vocabulário jurídico, mormente no do Direito Financeiro, possui o termo o sentido
inequívoco de utilização indevida de dinheiro alheio por parte de quem o administra ou o
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
164
tem sob guarda. O alcance tanto pode ter origem na aplicação abusiva dos recursos geridos
a fins não justificados, como decorrer, em sua forma mais grave, de apropriação indébita.
26. Na hipótese em tela, o alcance que esta Procuradoria registrou parecer ter ocorrido era
certamente da primeira categoria, porquanto resultante de pagamento de regularidade
duvidosa. Em nenhum momento se afirma, ou sugere, que os dignos administradores da
NOVACAP tenham deixado de fazer o pagamento e, muito menos, que se hajam
apropriado do valor correspondente; mas, isso sim, que o tenham efetuado em quantia
demasiado elevada, sem aparente justificativa. Somente nos recursos de alguns impetrantes
aparece implícita a conotação de desfalque, de "desvio criminoso de dinheiro entregue à
guarda de alguém".
27. De mais a mais, ao próprio verbo desfalcar atribui Aullete, junta-mente com a acepção
de "diminuir", "tirar parte de uma quantia", outra conotação que se casa com a
compreensão técnico-jurídica de alcance, a de "dissipar", vale dizer, "desperdiçar, esbanjar,
prodigalizar".
28. Insista-se, contudo, em que, na contextura do parecer, tinha o termo a significação
unívoca e límpida de "aplicação abusiva dos recursos geridos a fins não justificados".
29. Quanto ao engano em que um dos peticionários pretende haja caído a Procuradoria,
citando dispositivo vetado (fls. 123), cumpre esclarecer que o veto parcial de que foi alvo o
§ 2º do art. 15 da Lei n.º 4.345/64, incidiu apenas sobre a parte final do parágrafo, cuja
redação, muito clara, ficou sendo ainda a seguinte:
"§ 1º Ficam, igualmente, revogadas quaisquer outras gratificações ou vantagens
pecuniárias que não estejam previstas, de forma expressa em lei."
Nenhuma razão assiste, pois, ao recorrente.
30. A defesa do Sr. Diretor-Financeiro (fls. 63/74) procura eximi-1o, inicialmente, de
responsabilidade pelo ato em foco, sob o argumento de haver dado cabal cumprimento às
atribuições de seu cargo. Parece-me de rejeitar a sustentação, por isso que entre as
atribuições desse diretor figurava a do "acompanhamento da gestão das atividades
econômicas, financeiras e patrimoniais da empresa" e, bem assim, a "instrução dos
processos de pagamento". Ambos os deveres fazem-no responsável direto pela legalidade
das despesas realizadas pela Companhia.
31. Contestação liminar análoga vem produzida, a fls. 159, pelo Sr. Diretor Administrativo,
que se diz isento de responsabilidade pelo pagamento, visto cingir-se sua competência à
área administrativa. No entanto, ao lado da competência específica da Diretoria
Administrativa, seu titular participa, também, das deliberações coletivas da Diretoria, entre
as quais se acha a de "autorizar os contratos de obras e serviços ou os que envolvam
obrigações para a Companhia", como reza o art. 16, VII, do Estatuto Social. Daí, a meu
juízo, a insubsistência da justificativa oferecida.
3. ESCLARECIMENTOS RELEVANTES
32. Nem só, porém, de razões infundadas estão constituídas as defesas em análise.
33. Ponto de real importância que de todo se esclareceu foi o concernente à
responsabilidade pela execução da obra que deu causa à despesa questionada. Afirmara no
parecer anterior ser obrigação da ENGERAL, e, não, da NOVACAP, a demolição dos
alojamentos ao final da obra. A assertiva permanece verdadeira. Mas a obra realizada não
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165
era, como prima facie se afigurava, a derrubada do barracão da companhia construtora.
Tratava-se de sua transposição de local, porquanto as obras não haviam terminado e os
alojamentos continuavam necessários. Donde, caber realmente à NOVACAP o custeio da
obra extra pretendida.
34. Reputo igualmente de acolher parte das explicações subministradas pelo Sr. Diretor de
Edificações, de cuja defesa (fls. 58/62) saliento os seguintes tópicos:
"... tudo foi gerado por interpretação errada dos fatos, talvez por falta de detalhes, os quais,
sendo do conhecimento geral da Diretoria Colegiada da NOVACAP e complementados por
nossos esclarecimentos verbais não constaram do processo, por parece-rem dispensáveis
para nós que estávamos vivendo durante todas as horas do dia a construção do Estádio e do
Centro Esportivo Presidente Mediei, do qual ele é parte integrante."
"O início do ano de 1974, muito além do mês de março, se caracterizou por uma
crise nunca vista de mão-de-obra, a qual só era conseguida em verdadeiros
"leilões", onde valia apenas a lei de oferta e de procura."
"As chuvas foram também excepcionais neste período. Bem que tentamos
conseguir com as firmas empreiteiras que realizassem o serviço de mudança dos
barracos, pois isto para nós teria sido mais fácil sob todos os aspectos, porém a
crise de mão-de-obra, o curto prazo exigido (18 dias), as chuvas constantes e o
fato dos dias de carnaval estarem incluídos no período desejado para a
realização da mudança, a fim de que o cronograma das obras de urbanização
fosse obedecido, não nos permitiu contratar pessoal ou firma para o trabalho
desejado."
"Restavam então duas opções: paralisar toda a urbanização, que só podia
continuar com a remoção dos barracos, parando todo o equipamento da
NOVACAP e das demais subempreiteiras, bem corno as outras empresas do
complexo administrativo do Distrito Federal (CEB, CAESB e COTELB), o que
representaria um "fabuloso" prejuízo possível de ser avaliado mesmo por quem
não é engenheiro e face ao qual a "elevada" importância de Cr$ 53.440,00 passa
a ser irrisória; ou pagar esta agora pequena importância a alguns de seus poucos
carpinteiros ainda disponíveis, pois o restante estava empregado em outras
frentes de trabalho ... "
outras defesas:
"O que motivou que a NOVACAP atribuisse a seus servidores tarefa
excepcional com pagamento dos serviços foi a escassez de mão-de-obra, que
levou inclusive à necessidade de contratar mão-de-obra feminina para vários
trabalhos de construção civil e urbanização. Impelida a entregar os serviços em
prazo curto e inadiável, viu-se a NOVACAP na contingência de usar seus
próprios empregados, porém, com o cuidado de não ferir os preceitos legais"..
"O que acabamos de expor foi esclarecido pelo diretor relator da proposição,
por ocasião dos debates sobre o assunto..."
"No caso em pauta, o desenvolvimento de outras obras no conjunto esportivo,
do qual o estádio era integrante, particularmente obras de urbanização e
implantação de redes de infra-estrutura, foi acelerado por determinação
superior, já que os compromissos assumidos pelo Governo local com
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
166
autoridades federais exigia a conclusão dos serviços em prazo relativamente
curto. Diante da situação criada, as instalações do canteiro de obras, que
normal-mente deveriam ser retiradas pela empreiteira ao fim da obra, tiveram
que ser removidas para outro local, para permitir os serviços de implantação de
redes elétricas, água, esgoto sanitário, esgoto pluvial, telefone, além dos
trabalhos de superfície referentes a urbanização" (fls. 149/150). (Grifei.)
"A grave crise de mão-de-obra reinante à época não dava condições para que as
firmas especializadas em contratação de mão-de-obra recrutassem pessoal para
executar os serviços...
A própria NOVACAP, pelos mesmos motivos, não conseguiu contratar pessoal
para essa tarefa específica, levando-se em conta que todos os seus empregados
da categoria carpinteiro se encontravam absorvidos em outras frentes de
serviço também consideradas prioritárias" (fls. 158). (Grifei.)
"Dado que recomendações superiores assim o exigiam, levou a que,
apressadamente, a Diretoria denominasse o pagamento de prêmio. Nada
obstante, entendeu o Conselho, por decisão "a posteriori", que embora
imprópria a denominação, o pagamento, com as explicações dadas, era
legítimo" (fls. 185/186). (Grifei.)
"Além dos 11 (onze) carpinteiros que trabalharam fora da jornada, também
trabalharam nos serviços muitos de seus familiares, a quem teriam de
remunerar" (fls. 189). (Grifei.)
"Não se tratava de salários e sim de uma contratação civil, desde que, como já
se disse, o contrato foi feito "intuitu familiae". Os carpinteiros, como chefes de
seu grupo familiar, receberam na proporção de seu rendimento, ou seja, de
acordo com o número de auxiliares que trouxeram para a execução do serviço"
(fls. 101). (Grifei.)
36. A leitura desses depoimentos permite agora se divise todo o quadro em que se realizou
a despesa impugnada.
37. Às portas do encerramento de seu período de governo, decidiu a alta administração do
Distrito — como se tem tornado rotina na vida pública brasileira — proceder à
inauguração, definitiva ou provisória, das obras em andamento. Determinou-se, em
conseqüência, o aceleramento do ritmo de construção nas diversas frentes de trabalho, sob
a justificativa de "compromissos assumidos com autoridades federais". Instalou-se assim
um desarrazoado regime de urgência, ante o qual perdiam relevo as exigências do
planejamento racional.
38. Impelida pela pressa dos escalões superiores, viu-se a NOVACAP, simultaneamente, a
braços com a conhecida crise de mão-de-obra naquela época observável — crise em parte
agravada por esse mesmo ímpeto de inaugurações.
39. Tentou a Companhia contratar firmas ou operários para a remoção do alojamento da
ENGERAL, que obstava ao prosseguimento acelerado das obras, mas sem êxito. O clima
de urgência, artificial ou não, desestimulava considerações mais prolongadas passando a
solução do problema a oferecer realmente aquelas duas alternativas referidas pelo Sr.
Diretor de Edificações: ou não prosseguir na urbanização e arcar com o elevado prejuízo de
material e mão-de-obra — pois que, àquela altura, já se ha-viam posto em movimento não
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
167
só várias outras subempreiteiras, como igualmente a CEB, a CAESB e a COTELB, para
trabalhos em suas respectivas áreas de atuação —, ou remover, a todo custo, o óbice
representado pelo barracão da ENGERAL.
40. Concordo que o bom administrador, como, de resto, o bonus paterfamiliae, escolheria a
segunda alternativa. O próprio interesse público exigia tal solução, para evitar o prejuízo
maior da paralisação dos equipa-mentos e operários já mobilizados.
41. Outra circunstância fundamental que veio a ser elucidada é a do número de homens
empregados na transferência dos alojamentos. Embora sejam onze apenas os beneficiários
diretos do pagamento, trabalharam, de fato, na obra muitos outros na qualidade de
auxiliares, consoante as declarações prestadas por mais de um dirigente da NOVACAP.
42. Entendo decisiva a informação, que tem substância, a meu ver, para descaracterizar o
desvio de finalidade desse ato administrativo e o aparente abuso de poder com que se teria
conduzido a direção da NOVACAP na fixação das quantias pagas. "Os carpinteiros, como
chefes de seu grupo familiar, receberam na proporção de seu rendimento, ou seja, de
acordo com o número de auxiliares que trouxeram para a execução do serviço" (fls. 101) .
4. CONCLUSÕES
43. Estou, assim, persuadido de que foi, na verdade, irregular o paga-mento, por contrariar
disposições da legislação trabalhista, por revestir forma simulada, por atropelar postulados
do planejamento administrativo e não se haver provavelmente procedido ao desconto, no
salário dos empregados da empresa, dos dias que estiveram trabalhando na demolição, e
por conta dela recebendo. A rigor terão eles, pois, auferido dois pagamentos pelo mesmo
serviço.
44. Não menos certo estou, porém, da boa-fé com que agiram os órgãos da Companhia,
levados, acima de tudo, pelo ideal de eficiência administrativa.
45. Sob a nova luz trazida aos fatos pelas defesas prévias, depreende-se não ter havido
afinal pagamento de prêmios, gratificações ou qualquer espécie de favoritismo ou
liberalidade com o dinheiro público, mas apenas a irregular contratação de serviços,
informalmente agrupados em figura assemelhável à do mutirão, para proceder à execução
de obra no contexto das circunstâncias inadiável. Não hesito, pois, em retirar as conclusões
anteriormente avançadas, que conduziam à caracterização de alcance imputável aos
diretores e membros do Conselho Administrativo da empresa.
46. O prejuízo causado aos cofres do Distrito — se, em termos absolutos, efetivamente
ocorreu — em termos relativos, não subsiste real, por comparação ao dano maior que se
pretendeu e logrou evitar.
47. E mesmo a lesão concretizada deixa de ser, a meu critério, atribuível aos dirigentes da
NOVACAP, para ser mediatamente debitável à difusa responsabilidade dos escalões
superiores que, no início de 1974, decidiram imprimir regime de urgência, objetivamente
contestável, às obras públicas em construção no Distrito Federal.
48. Com respeito à mais considerável das irregularidades remanescentes — a do provável
pagamento duplicado aos onze carpinteiros da NOVACAP — há que ter presente o
relativamente baixo montante da despesa (pouco mais de Cr$ 2.000,00, em cálculo
superficial); a humilde condição profissional e social dos beneficiados; e, principalmente, a
jurisprudência administrativa contrária à reposição de quantias percebidas de boa-fé pelo
servidor público, em virtude de erro da Administração, aplicável ao caso por interpretação
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
168
extensiva. Tais circunstâncias, de minha perspectiva, contra-indicam a realização de
diligência para apurar se houve, ou não, o desconto devido.
49. Assim sendo, proponho à Corte que, pelas razões expostas, dê como comprovada a
inexistência do alcance, determinando, em conseqüência, o arquivamento deste processo e
fazendo dar ciência da decisão aos interessados, aos quais, por não haver contas em
julgamento, descabe fornecer provisões de quitação.
_______________________
Parecer em 8-4-1975.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
169
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
170
20 - PROCESSO N.° 1.488/69-STC
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Convênio firmado entre o Distrito Federal e a SHIS, para a
venda de imóveis residenciais de propriedade do Distrito.
1. Constitucionalidade da criação de fundo especial, não
vinculado a tributo, mediante lei ordinária.
2. Decreto-lei com valor de lei, na vigência do Ato
Institucional n° 5/68.
3. A legislação financeiro-orçamentária posterior a 1967 não
revogou, por inteiro, o Código de Contabilidade Pública.
4. Inaplicabilidade do estatuído nos arts. 767, parágrafo
único, e 777 do R.G.C.P. a contratos que não envolvem
despesa orçamentária.
5. Regra de direito singular abre exceção à norma geral e
com ela coexiste.
6. Os contratos administrativos, por versarem sobre matéria
de interesse público, só começam a viger depois de oficialmente publicados.
7. Convênio com falhas de redação. Diligência para que
seja complementado mediante aditivo.
PARECER
Com proposta da Inspetoria-Geral no sentido de, mediante aditivo, ser determinada, no
termo por cópia às fls. 2/3, a data do início de sua vigência, foi o convênio de que trata este
processo levado a Plenário em Sessão de 11-3-69, havendo o Tribunal decidido ouvir a
Procuradoria.
2. Nos debates de Plenário, foram levantadas algumas questões jurídicas, sobre as quais
passo a emitir parecer.
1. CRIAÇÃO DE FUNDO ESPECIAL EM NORMA DE DECRETO-LEI
3. No atinente ao instrumento legislativo adequado à criação de fundos especiais, creio,
inicialmente, imprescindível distinguir, à luz do disposto no art. 65, § 3°, da Constituição
de 1967 — mantido, em essência, no § 2= do art. 62 da Emenda n° 1/69 — duas espécies
de fundos: os formados com o produto da arrecadação tributária e os que recebem recursos
de outra fonte de receita, seja ela orçamentária ou não.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
171
4. A constituição dos primeiros — objeto de vedação expressa no texto da Lei Maior —
somente em lei complementar pode dar-se, segundo regra de exceção constante do artigo
citado; os últimos, ao contrário, podem ser, livremente, criados em lei ordinária, visto
como a proibição constitucional não os atinge.
5. Com efeito, seria por demais extensiva a interpretação que entendesse "receita pública"
onde a norma menciona "tributo", apesar de, sob prisma teleológico, não me parecer
descabida tal exegese, tendo em vista as finalidades colimadas pelo legislador
constitucional ao estabelecer a norma em tela, que outro objetivo não terá, a meu ver, senão
o de obstar à prática reiterada dos orçamentos paralelos, atentatórios aos profícuos
princípios da unidade e da universalidade orçamentárias.
6. Ora, o fundo especial criado pelo Decreto-lei n.º 768, de 18 de agosto de 1969, não é
custeado por receita tributária, razão por que não havia mister sua criação se fizesse por
meio de lei complementar, sendo a lei ordinária o meio hábil para constituí-lo.
7. No regime da Carta de 1967, corno no da Constituição atual, ocupa o decreto lei posição
nitidamente distinta da lei ordinária no quadro das normas jurídicas, tanto pela fonte de que
promana — o Presidente da República —, como pelas matérias que pode regular — tãosomente as discriminadas, de forma taxativa, no texto da Lei Maior. De ordinário, não
seria, pois, o decreto-lei, e, sim, a lei, o meio conveniente para criar fundos especiais.
8. Sucede, todavia, que o ato legislativo em exame foi baixado na duração do recesso
parlamentar decretado pelo Ato Complementar n° 38/68 e tinha como fundamento a
competência legislativa conferida ao Poder Executivo Federal pelo art. 2°, § 1°, do Ato
Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968. Naquela oportunidade, o decreto-lei fazia,
pois, as vezes da lei ordinária, podendo, destarte, ser utilizado para a criação de fundo
especial.
2. DURAÇÃO DOS CONTRATOS PLURIANUAIS EM FACE DOS ARTIGOS 767,
PARÁGRAFO ÚNICO, E 777 DO R . G . C . P .
9. Em meu entender, permanece vigente a regra contida nos artigos cita-dos em epígrafe,
segundo a qual é de 5 anos o limite máximo de duração dos "contratos custeados /ror
verbas orçamentárias". Apesar das inovações de vulto introduzidas na tradicional
sistemática financeiro-orçamentária pela legislação editada a partir de 1967 e a despeito de
a matéria contratual ter sido inequivocamente atingida pelas modificações, sou de opinião
que muitas das normas do Código de Contabilidade Pública e do seu Regulamento
permanecem vigorantes, porque não revogadas, expressa ou tacitamente, por essa
legislação. E entre elas estão os dispositivos sobre a duração dos contratos plurianuais.
10. Ocorre, entretanto, que o convênio em apreço não tem duração regida pelos
dispositivos legais invocados no número anterior, porque sua execução se fará sem ônus
para os cofres públicos, não decorrendo dele, portanto, qualquer despesa orçamentária.
11. Além do mais, ainda na hipótese de tal convênio prever gastos a serem cobertos por
verbas constantes da Lei de Meios, o disposto no art. 14 com-binado com o art. 17 do
Decreto-lei n.º 768/69 firmaria regra de direito singular, que excepcionaria a norma geral
R. G.C.P.
3. DATA EM QUE O CONVÊNIO COMEÇOU A VIGER
12. No campo do direito Privado, a vigência dos contratos reduzidos a escrito principia na
data da assinatura do termo, salvo disposição das partes em sentido contrário.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
172
13. Diversa, contudo, é a regra no âmbito do Direito Administrativo, onde a eficácia dos
atos consensuais depende de sua publicação, por importar a matéria sobre que versam, não
apenas aos contratantes, mas à coletividade em geral, dado o interesse público que lhes é
imanente. De mais a mais, o exame da cláusula quarta do convênio em questão leva-me a
concluir que só se poderia reputá-lo perfeito depois de devidamente publicado no órgão
oficial do Distrito.
14. Assim sendo, apesar de omitida, no termo da fls. 2/3, a data de sua entrada em vigor,
entendo que, do ponto de vista jurídico, é dispensável a retificação proposta na instrução do
processo, por se me afigurar que tal convênio terá começado a operar efeitos a partir de sua
publicação oficial.
4. DEFICIÊNCIA NA REDAÇÃO DO CONVÊNIO
15. Examinando o texto do convênio, de fls. 2/3, fica, de imediato, evidente a deficiência
de sua redação, já que as matérias de que cuidam os artigos 6º e 14 do citado decreto-lei
não foram objeto de qualquer das cláusulas do contrato, o que vai de encontro ao disposto
no art. 15 do mesmo diploma legal.
5. CONCLUSÕES
16. Ante o exposto e considerando, mais, que se trata de ato destinado a vigorar por nada
menos de trinta anos, opino por que o Tribunal ordene diligencia com o fim de, mediante
aditivo, serem sanadas as apontadas omissões.
17. Caso o Plenário acolha a diligência proposta, poderá, igualmente, de-terminar que, para
maior clareza, conste expressa a cláusula implícita no termo d.e fls. 2/3, segundo a qual a
vigência do convênio será contada de sua publicação no "Distrito Federal".
______________________
Parecer em 4-2-1970.
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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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21 - PROCESSO N.° 587/70
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Consulta sobre o cálculo do provento mínimo da
aposentadoria.
1. Regras de idêntica natureza devem ser interpretadas de
forma conjugada e uniforme.
2. Os preceitos sobre o cálculo dos proventos proporcionais
e dos proventos máximos têm exegese firme e tradicional,
que não deve ser ignorada quando da interpretação da
regra homóloga sobre o provento mínimo.
3. O art. 181, parágrafo, in fine, tem por único escopo
conferir ao funcionário e à sua família retribuição pelo
menos equivalente ao mínimo vital.
4. Tal dispositivo veda que o administrador estabeleça o
estipêndio em importância inferior ao terço do vencimento
percebido pelo funcionário ao aposentar-se.
5. Na fixação da remuneração devida ao inativo serão
consideradas, além do valor do vencimento-padrão, outras
par-celas ditas incorporáveis, tais como as representativas
da gratificação adicional, da absorção das "Diárias de
Brasília" e da complementação do salário mínimo.
6. Os proventos arbitrados na forma do art. 181 do Estatuto
calculam-se proporcionalmente ao número de anos exigidos
por lei para a aposentadoria facultativa do servidor.
7. A gratificação qüinqüenal, dada a sua natureza pro labore
facto, incorpora-se integralmente aos proventos, mesmo
quando proporcionais.
PARECER
Versa o processo sobre consulta formulada a esta Corte pelo Sr. Secretário de
Administração, com respeito aos critérios por que se deve pautar o cálculo do provento
mínimo de aposentadoria dos servidores do Distrito Federal.
2. O arbitramento dos proventos proporcionais está disciplinado no art. 181, e seu
parágrafo, da Lei n.º 1.711, de 28-10-52, como se segue:
"Art. 181. Fora dos casos do art. 178, o provento será proporcional ao tempo de
serviço, na razão de um trinta avos por ano. Parágrafo único. Ressalvado o
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
175
disposto nos arts. 179, 180 e 248, o provento da aposentadoria não será superior
ao vencimento ou remuneração da atividade nem inferior a um terço."
3. Impende, inicialmente, frisar que, de há muito, firmou este Tribunal de Contas
orientação acerca da matéria, e em consonância com essa orientação vêm sendo decididos
todos os processos submetidos a seu julgamento. Eis porque manifesto estranheza ante os
termos em que está vazada a representação, de fls. 1, e a própria consulta.
4. Evidentemente, não cabe a esta Corte apreciar os pronunciamentos ou as decisões de
outros tribunais, parecendo-me, pois, extremamente imprópria a maneira por que foi
apresentada a consulta em tela.
5. No intuito, porém, de colaborar para dirimir as dúvidas levantadas a propósito do tema
sob exame, não me furtarei a emitir parecer.
6. Estudados, com a maior atenção, os argumentos que deram origem à controvérsia em
torno da matéria, continuo absolutamente convicto de que o entendimento até aqui
perfilhado por esta Procuradoria atende ao mais puro rigor lógico e jurídico.
7. Seja qual for o ângulo por que se empreenda a interpretação da norma reguladora do
estipêndio mínimo, não vejo como dela extrair outro sentido, senão o de que, nenhuma
hipótese, os proventos poderão ser menores que o terço do vencimento percebido pelo
funcionário ao aposentar-se. Nada impede, portanto, que determinadas vantagens a que
faça jus o inativo componham também o valor desses proventos.
8. Ao proceder à análise do artigo 181, e seu parágrafo, depara o intérprete com três
normas jurídicas distintas, conquanto intimamente conexas.
9. Colocado no caput do artigo, em obséquio a postulado de técnica legislativa, acha-se o
comando jurídico principal, que estabelece o critério básico de fixação dos proventos
proporcionais, por final, modificado pelo disposto no art. 102, II, da Emenda
Constitucional n.º 1/69.
10. Enfeixadas no parágrafo único, duas outras regras disciplinam, respectivamente, o
cálculo do máximo e do mínimo provento da aposentadoria.
11. Condenável se afigura, à luz de comezinho princípio exegético, deixar de interpretar,
de forma conjugada, preceitos cuja conexão e afinidade são de tal sorte flagrantes.
12. Com efeito, é imposição fundamental do processo sistemático da hermenêutica que, na
procura do verdadeiro alcance e sentido da norma de direito, não se percam de vista as
demais regras de idêntica natureza, máxime se se encontram no mesmo texto legal. Cresce
a imposição quando, como no caso presente, as regras compõem um único artigo de lei.
13. Assinale-se que os outros dois preceitos inscritos no dispositivo em foco (referentes à
fixação do estipêndio proporcional e do provento máxime) têm exegese firme e tradicional,
que o intérprete não pode ignorar quando se propõe revelar os critérios que presidem o
cálculo do provento mínimo. E tal exegese prescreve sejam considerados, na fixação da
remuneração devida ao inativo, além da importância correspondente ao vencimentopadrão, outras parcelas ditas incorporáveis, tais como as representativas da gratificação
adicional, da absorção das "Diárias de Brasília" e da complementação de salário mínimo.
14. É de sublinhar que — apesar do influxo da rigorosa tendência legislativa que, há algum
tempo, vem progressivamente estabelecendo restrições e abolindo vantagens, com o fito de
impedir que o servidor perceba, na aposentadoria, remuneração mais elevada que em
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
176
atividade — não se modificou aquela jurisprudência uniforme de nossas cortes de Contas
sobre o cálculo dos proventos máximos. Ora, se esse preceito, de caráter restritivo, pois que
destinado a coibir a fixação de proventos por demais elevados, vem recebendo
interpretação liberal, como tirar da regra sobre os proventos mínimos, de cunho
eminentemente benéfico, conseqüência prejudicial à economia do aposentado.
15. Em verdade, examinando-se o preceito em foco sob o prisma finalístico, não há negar
que seu escopo é a proteção econômica do funcionário e de sua família, garantindo lhes, ao
menos em teoria, retribuição equivalente ao mínimo vital.
16. Outra interpretação que se pretendesse dar ao dispositivo em análise seria, além de
odiosa, injurídica, porque atentatória a uma regra essencial do processo teleológico: a de
que "cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a
favor e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger" (PACCHIONI, apud
Carlos Maximiliano — Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 199). E a interpretação
alvitrada na consulta, como alternativa à adotada por este Tribunal, extrai daquela
prescrição legal conseqüências danosas à economia do inativo, ao afirmar que, em certos
casos, os proventos não poderão ser SUPERIORES ao mínimo legal. Tal orientação, a meu
ver, falseia a mens legis, frustrando, em parte, a consecução dos objetivos colimados pelo
legislador estatutário.
17. Nem mesmo a interpretação literal da norma em estudo conduziria a resultado
diferente, pois a meta do art. 181, parágrafo, in fine, é obstar que o administrador fixe
proventos em importância INFERIOR ao terço do vencimento auferido pelo funcionário ao
aposentar-se, e não que tais proventos sejam iguais ao terço do vencimento. Aqui o núcleo
central do problema: trata-se de menor valor que poderão ter os proventos, e não de "teto"
do provento mínimo.
18. Entendo oportuno deixar, ainda, consignados os critérios que regulam dois outros
aspectos da questão em pauta, a saber:
a) os proventos proporcionais são calculados à razão de 1/35 por ano de serviço público
com que conte o funcionário, salvo os dos magistrados e das mulheres, beneficiados
respectivamente pelos arts. 113, § 1º, e 101, parágrafo único, da Emenda Constitucional n°
1/69; e
b) a gratificação qüinqüenal, em função de sua natureza pro labore facto, incorpora-se
integralmente aos proventos da aposentadoria, mesmo quando proporcionais.
____________________________
Parecer em 14-7-1970.
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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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22 - PROCESSO N.° 677-70
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Aposentadoria por invalidez qualificada de Francisco
Bezerra de Magalhães.
1. A esquizofrenia crônica é moléstia que se enquadra no
gênero alienação mental, fazendo jus a proventos integrais
o funcionário que a contraia (Estatuto, art. 178, III) .
2. Irregularidade da investidura do servidor, que, sendo
analfabeto, não poderia alistar-se eleitor, carecendo, assim,
de gozo completo dos direitos políticos — pressuposto legal
para a posse válida (E.C. n° 1/69, art. 147, § 39, a,
combinado com o art. 22, III, do Estatuto).
3. A apuração dos direitos reconhecíveis ao funcionário de
fato deve ser feita in concreto, considerados o princípio
geral de direito que se opõe ao enriquecimento sem causa e
os ele-mentos de cada caso, entre os quais o grau de
viciosidade da investidura e a escusabilidade do agente.
4. Não é absoluta, mas relativa, a impossibilidade material
de desempenhar o analfabeto, com eficiência, as tarefas
típicas de algumas funções públicas.
5. A proibição de admitir analfabetos no Serviço Público,
sobre não ser imposição lógica, está inexpressa em nosso
ordenamento jurídico; resulta da exegese de artigos de lei
com finalidades primárias dissemelhantes. Donde, a nosso
ver, o abrandamento da força coativa desse preceito.
6. Medindo-se pela boa-fé a escusabilidade do agente de
fato, de todo escusável nos parece o funcionário em apreço,
notadamente por se haver submetido a concurso público.
7. Por razões de ordem jurídica, moral, administrativa e,
acima de tudo, pela forte conotação previdenciária do
instituto da aposentadoria, pela legalidade da concessão.
PARECER
Francisco Bezerra de Magalhães, Guarda de Vigilância, nível 08, do Q.P.P.D.F., submetido
a perícia médica oficial, foi declarado portador de esquizofrenia crônica, que o invalida, de
vez, para o serviço ativo (laudo de fls. 2).
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
179
2. A moléstia se enquadra no conceito genérico de alienação mental e, na forma do art.
178, III, do Estatuto, basta, como pressuposto fáctico, à concessão de aposentadoria com
estipêndio integral ao servidor dela acometido.
3. Ao dar início ao processo de aposentação, verificou a Divisão de Pessoal que, em lugar
do título de eleitor, possuía o funcionário uma certificado de isenção de alistamento
eleitoral, por analfabetismo, razão por que o enviou ao Centro de Seleção e Treinamento,
para a aferição de seu índice de escolaridade. Confirmou-se que o funcionário continuava
analfabeto, sabendo, apenas, assinar o próprio nome.
4. Ouvida sobre a matéria, a Procuradoria-Geral do Distrito opinou favoravelmente a
conceder-se a aposentadoria do funcionário invalidado, a despeito do vício de que estava
impregnada sua investidura no Serviço Público.
5. Em realidade, pensamos, outra não poderia ser a solução.
1. FUNCIONAMENTO DE FATO RESULTANTE DE INVESTIDURA IRREGULAR
6. De longa data se conhece em Direito a figura do chamado agente de fato, gênero
abrangente de algumas espécies de servidores, cuja investidura na função pública não se
opere com a observância dos requisitos previstos em lei, ou, simplesmente, não ocorra nem
em aparência. Dentre os vícios prejudiciais à legitimidade da investidura, aponta-se o de
carecer a pessoa investida das condições jurídicas imprescindíveis ao exercício de cargos
públicos. Esse, o caso do beneficiário da concessão que nos ocupa.
7. Com efeito, prescreve o Estatuto, em seu art. 22, III, como requisito necessário à posse
estar o indivíduo no gozo dos direitos políticos. Conquanto controvertido na doutrina o
alcance real da expressão "direitos políticos", dúvida não cabe de que o pleno gozo de
semelhantes direitos pressupõe a capacidade eleitoral ativa e passiva. Ora, sabido que em
nosso direito positivo é vedado ao analfabeto alistar-se eleitor (Emenda Constitucional n°
1/69, art. 147, § 3º, a), segue-se que não goza dos direitos políticos, donde lhe serem
inacessíveis os cargos públicos.
2. DIREITOS QUE PODEM ADVIR AO EXERCENTE DA FUNÇÃO DE FATO
8. Como preleciona o eminente Marcelo Caetano em trecho de seu Manual de Direito
Administrativo (transcrito, por sinal, com muita oportunidade, no parecer, de fls. 20, da
Procuradoria-Geral do Distrito), uma vez apurada a putatividade da investidura, "a lógica
exigiria a destruição de todos os efeitos de uma situação juridicamente irregular, a expulsão
do serviço, a reposição dos vencimentos, a perda das vantagens adquiridas". Adita contudo,
logo em seguida "nem a lei, nem a jurisprudência, nem a doutrina adotam, porém, tão
violentas soluções". É que o problema, em seus vários aspectos, não se pode resolver de
forma simplista e apriorística. Os casos, com as circunstâncias que os envolvem, hão de ser
apreciados concretamente, e as soluções variarão de um caso para outro. Em tema de
funcionamento de fato, a aplicação da regra de direito deverá fazer-se, a nosso ver, com o
temperamento dos princípios da eqüidade.
9. Alertados para o enriquecimento sem justa causa jurídica que adviria à Administração,
em detrimento do patrimônio do funcionário de fato, preconizam alguns comentadores o
ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer o funcionário irregular. Outros, todavia,
como Carlos de Barros Júnior, em artigo recém-publicado na Revista de Direito
Administrativo (Vol. 100, págs. 51/58), vão mais adiante, ao sustentar que, em
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
180
determinadas hipóteses, assistirão, aos agentes de fato, direitos não só à recompensa
financeira pelos serviços prestados, mas até a promoção e aposentadoria.
10. Afirma esse autor, a certa altura, que "em matéria de aposentadoria, entendemos que o
tempo de exercício de fato deva ser computado. A aposentadoria não é tanto uma
decorrência da situação funcional, mas, ao contrário, um assunto de previdência. Uma
solução contrária seria injusta e atentatória dos princípios que impulsionam toda a
legislação sobre seguros sociais". Essa, também, a nossa opinião.
3. CRITÉRIOS PARA A APURAÇÃO DA EXISTÊNCIA DESSES DIREITOS
11. Em meio aos elementos a considerar na contrasteação dos direitos reconhecíveis aos
funcionários irregulares, dois nos parecem sobrelevantes: a qualidade do vício que tenha
inquinado a investidura e a escusabilidade do agente.
a) Intensidade do defeito de investidura (Vide b, fls. 202)
12. Não obstante, de início, se nos tenha afigurado da maior gravidade o defeito que
maculou a posse do funcionário em causa, o exame detido da matéria nos convenceu de
que, na espécie, não foi assim tão relevante. É verdade que, como foi dito, a posse de
analfabeto em cargo público não se compadece com o ordenamento jurídico pátrio. Se as
indagações em torno do problema se fizerem, porém, à luz da conveniência e moralidade
administrativas, ou mesmo no plano da lógica, cremos impossível concluir pela absoluta
incapacidade do analfabeto para o exercício da função pública, ou, mais precisamente, de
determinadas funções públicas; entre os cargos e carreiras mais modestos no Serviço
Público, algims existem cujas tarefas típicas se acham ao perfeito alcance da aptidão
profissional de alguém que não saiba ler, nem escrever.
13. Até sob o prisma jurídico, acreditamos mais aparente que real a intensidade do defeito
que tornou irregular a investidura do funcionário em apreço. A tal resultado conduz a
pesquisa da finalidade que informa as normas legais reguladoras da matéria.
14. Nem a Constituição, nem o Estatuto, interditam, expressamente, ao analfabeto o acesso
aos cargos públicos. A proibição resulta, já se mostrou, da exegese combinada de
dispositivos que perseguem, basicamente, objetivos diversos, pois que diversa é a
finalidade principal dos contextos jurídicos em que estão insertos.
15. O que o preceito estatutário pretende impedir é que se admitam a serviço do Estado os
indivíduos privados dos direitos políticos, cujo gozo sofre restrições de diverses espécies,
que não se esgotam na inaptidão intelectual para o sufrágio (seja por analfabetismo, por
carência de maioridade política, por falta de maturidade ou deficiência mental), visto se
fundarem, igualmente, em motivos de ordem moral, como certas condenações penais, ou
em razões de segurança nacional, para não mencionar a ultrapassada limitação decorrente
do sexo. Tem o preceito, pois, alcance amplo, não contemplando específica nem
primordialmente os analfabetos.
16. A Constituição, por seu turno, quando proíbe ao analfabeto alistar-se eleitor, tem por
base a premissa de que, para a escolha dos representantes do povo, necessário será um
índice mínimo de discernimento, que, presuntivamente, ele não possui, índice esse que, não
duvidamos, há de ser bastante superior ao exigível para o desempenho eficiente de algumas
funções públicas.
17. A forma indireta por que se exprime a referida proibição legal, parece-nos, abranda sua
força coativa. Assim sendo, ao concluirmos, do ângulo finalístico, a interpretação dessa
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
181
norma, fica-nos menos firme a convicção de que esteja, especificamente, na mens legis
vedar o ingresso do analfabeto no Serviço Público. Daí não se afigurar tão grave a
irregularidade da investidura que nos interessa.
h) Escusabilidade do agente de fato (Vide a, fls. 201)
18. Em geral, diz-se escusável o funcionamento de fato, quando inexista qualquer
investidura, e o agente tenha sido movido pela boa-fé. O funcionamento escusável se
distingue da usurpação, cujas características são o dolo e a clandestinidade.
19. Entendemos, contudo, que, também na hipótese dos agentes irregulares por defeito de
investidura, deva ser perquirida a sua escusabilidade, notadamente se se cogita da apuração
de direitos emergentes de exercício de fato. Em verdade, para atestar a relevância desse
elemento, é suficiente recordar que, entre as modalidades de assunção imperfeita, como
salienta Mendes de Almeida, em sua `Contribuição ao Estudo da Função de Fato", se
encontra a acumulação ilegal de cargos, quando, é sabido, a boa ou má-fé será dado
decisivo para a solução do impasse que perante a lei então se estabelece.
20. Na razão direta da boa-fé de que se acha imbuído, quando assumir o cargo e durante o
trato de tempo por que se prolongar o exercício, variará a escusabilidade do agente de fato.
21. Difícil reputamos imaginar hipótese em que a boa-fé tão manifestamente se configure
como no caso vertente. Além de se haver sujeitado a concurso público — a cujos azares
por certo não se arriscaria quem sus-peitasse não reunir condições para a posse —, ressai
dos autos que, até o instante da aposentadoria, permaneceu o servidor, como, aliás, a
própria Administração, em completa ignorância de que a investidura se fizera em
desacordo com a lei.
22. Este caso se nos afigura, assim, verdadeiro paradigma de funcionamento do fato
baseado na boa-fé.
4. CONCLUSÕES
23. De todo o apurado neste processo, o mais incompreensível e censurável é que a então
Prefeitura do Distrito possa ter selecionado, pela via do concurso público, um indivíduo
analfabeto. Junta-se este exemplo aos já abundantes do verdadeiro descalabro
administrativo que ali imperava àquela época e ao qual fazemos votos se tenha, a esta
altura, dado fim, ao menos em parte.
24. Parece-nos, por conseguinte, que, já por razões jurídicas, como a contestável gravidade
do defeito de investidura, a manifesta boa-fé do servidor, a evitação do enriquecimento
sem causa do patrimônio público em desfavor da economia do funcionário e a atenção
devida aos princípios da eqüidade, já por motivos de cunho administrativo e moral, já,
principal-mente, porque se examina a concessão de uma aposentadoria — instituto com
forte conotação previdenciária, que mais se acentua quando decorrente de invalidez
definitiva —, por tudo isso, deva o Egrégio Plenário julgar legal o ato concessório, por
cópia às fls. 29, e correto o valor dos proventos, exarado às fls. 33.
_____________________
Parecer em 6-8-1970.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
182
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
183
23 - PROCESSO N.° 291/71-STC
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Acumulação remunerada de
Administração do Distrito Federal.
cargos
públicos
na
1. As prescrições constitucionais sobre a acumulação remunerada de cargos públicos têm
incidência obrigatória em todo o âmbito da Administração Pública brasileira.
2. Na esfera federal, estão as fundações fora da Administração Indireta, e aos empregos
nela exercidos não se aplica o regime de acumulações fixado na Constituição.
3. Por força do disposto nos arts. 13, V, e 108 da Carta de 1967, devem ser observadas, na
área do Distrito Federal, as regras sobre acumulação.
4. Consoante o disposto no art. 3° da Lei n° 4.545 64, as fundações criadas por ato do
Poder Público do Distrito acham-se compreendidas na Administração Descentralizada
local.
5. Não há como cogitar de incompatibilidade entre o art. 39 da Lei n° 4.545/64, e o art. 3°
do Ato Institucional n° 8 69.
6. A expressão "princípios gerais da Reforma Administrativa" possui, no direito positivo
pátrio, conteúdo jurídico próprio, demarcado nos arts. 6° a 18 do Decreto-lei n° 200, 67.
7. Não é exaustiva a enumeração constitucional (art. 99, § 29) das entidades a cujos cargos,
funções ou empregos se estende a proibição de acumular. Trata-se de critério de
interpretação, que visa a ampliar, a seus mais latos limites, o conceito de cargo público,
para fins de acumulação.
8. Estando as fundações locais ligadas ao Poder Público por múltiplos e estreitos laços de
subordinação, de ordem legal, programática, administrativa, econômico-financeira e fiscal,
possuem, em conseqüência, baixo índice de autonomia e inequívoca natureza pública.
9. O regime estabelecido na Lei Maior sobre a acumulação de cargos públicos aplica-se
também aos empregos ocupa-dos nas fundações do Distrito Federal.
PARECER
Cogita-se de contrato firmado com o Governo do Distrito Federal pelo Dr. Miguel Jorge
Sobrinho, para a prestação de serviços médicos na Policlínica da Polícia Militar desta
Capital.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
184
2. Segundo declaração de fls. 4, o médico em questão é servidor efetivo do INPS e, ao
mesmo tempo, contratado, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, pela
Fundação Hospitalar do Distrito.
3. Levado o processo à apreciação deste Tribunal por seu ilustre relator, Conselheiro
Salvador Diniz, suscitou-se, em Plenário, o problema de tratar-se, ou não, de caso de
acumulação vedada em lei.
4. Solicitei, então, vista dos autos para, com mais vagar, proceder a exame detido da
matéria. Passo a expor o resultado dos estudos empreendidos.
1. APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS SOBRE A ACUMULAÇÃO REMUNERADA
AOS EMPREGOS EM FUNDAÇÕES INSTITUI-DAS PELO PODER PÚBLICO
FEDERAL
5. O problema de estarem os empregos ocupados nas fundações criadas pelo Governo
Federal abrangidos, ou não, no conceito de cargo público, para o efeito de aplicação dos
mandamentos constitucionais concernentes à acumulação remunerada, tem sido alvo de
diversos pareceres da Consultoria Jurídica do DASP e da Consultoria-Geral da República.
6. Após o advento da Constituição de 1967, firmaram os aludidos órgãos opinativos o
entendimento de que tais empregos deviam ser considerados, para os fins de que se trata,
como cargos públicos exercidos na Administração. O argumento era buscado no Decretolei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, que, no § 2º de seu art. 4º, equiparava as fundações
às empresas públicas, sendo que essas, à sua vez, se incluíam entre as entidades da
Administração Indireta.
7. Revogada aquela equiparação pelo disposto no art. 8º do Decreto-lei n.º 900, de 29 de
setembro de 1969, não hesitaram as ilustradas Consulto-rias do DASP e da República em
mudar a inteligência até então adotada, passando a achar inaplicáveis aos empregados em
fundações as normas sobre a proibição de acumular cargos públicos.
8. Ainda que apontando soluções diametralmente apostas, possuem o entendimento
anterior e o atual inequívoca unidade lógica e jurídica, visto apoiarem-se num mesmo
princípio geral, qual seja o de que os preceitos constitucionais sobro a acumulação
remunerada têm incidência obrigatória em todo o âmbito da Administração Pública.
Corolário dessa regra fundamental era a aplicação das normas sobre acumulação às
fundações, enquanto essas entidades se achavam, por disposição legal, equiparadas às
empresas públicas. Desaparecida a equiparação, deixaram de incluir-se na proibição de
acumular os empregos exercidos nas fundações criadas pela União.
2. ACUMULAÇÃO DE CARGOS NA ÓRBITA DA ADMINISTRAÇÃO DO DISTRITO
FEDERAL
9. A incidência obrigatória, na esfera do Distrito Federal, dos ditames constitucionais sobre
acumulação remunerada está fora de dúvida.
10. Não bastasse o fato de as normas relativas aos funcionários públicos constituírem um
dos princípios essenciais a respeitar na legislação das unidades federadas, consoante
determina o art. 13 da Carta Política em vigor, vale lembrar, ainda, o teor do art. 108 da
mesma Carta, onde se determina a aplicação de todas as disposições enfeixadas na Seção
VIII — "Dos Funcionários Públicos" aos servidores dos Estados, Distrito Federal e
Municípios. Como o artigo que rege a acumulação se acha inserto na mencionada seção,
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
185
manifesta é a sua aplicação obrigatória aos empregos, cargos e funções exercidos na
Administração do Distrito Federal.
11. Sendo uma só a regra, duas não podem ser as interpretações. A razão jurídica invocada
à solução do problema no campo federal deve prevalecer, igualmente, na área do Distrito.
12. Sucede, todavia, que na legislação atinente à estrutura administrativa do Distrito
Federal, não sobreveio a modificação introduzida na lei federal da Reforma. Em face do
estatuído no art. 3º da Lei n.º 4.545, de 10 de dezembro de 1964, continuam as fundações
do Distrito compreendidas em sua Administração Descentralizada, e, por conseqüência, na
Administração Pública Distrital.
13. Eis o artigo em pauta:
"Art. 3º A administração descentralizada da Prefeitura do Distrito Federal
compreende:
I — Sem personalidade jurídica;
a) as Administrações Regionais;
b) os serviços ou estabelecimentos relativamente autônomos.
II — Com personalidade jurídica:
a) as autarquias, empresas ou fundações instituídas por ato do Poder Público.
§ 1º Cada um dos órgãos que integram a administração descentralizada fica
obrigatoriamente sujeito à supervisão e controle da Secretaria interessada em
sua principal atividade, sem prejuízo da auditoria financeira, a cargo do órgão
próprio da Secretaria de Finanças.
§ 2º Os assuntos de interesse dos órgãos da administração .. VETADO ....
indireta serão sempre encaminhados através da Secretaria incumbida da
supervisão e controle do órgão, na forma deste artigo."
14 Note-se que o dispositivo transcrito não se limita a estabelecer equiparação entre as
fundações e uma das entidades de administração indireta, como ocorria na legislação
federal. Contempla, isso sim, essas pessoas jurídicas como entidades de administração
descentralizada, em pé de igualdade com as autarquias e empresas públicas.
3. COMPATIBILIDADE DO ART. 3º DA LEI n.º 4.545/64 COM OS DITAMES DO
ATO INSTITUCIONAL n.º 8/69
15. Não teria qualquer procedência eventual objeção acerca da incompatibilidade cio
preceituado no art. 3º da Lei n.º 4.545, de 10 de dezembro de 1964, com as disposições do
Ato Institucional n.º 8, de 2 de abril de 1969 — Ato em pleno vigor, ex vi do art. 182 da
Emenda Constitucional
n.º 1/69.
16. Reza o art. 1º do aludido Ato Institucional:
"Fica atribuída ao Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios de população superior a duzentos mil habitantes competência para
realizar, por decreto, a respectiva Reforma Administrativa, observados os
princípios fundamentais adotados para a Administração Federal."
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
186
17. Ressalte-se, de início, que, nada obstante a clara intenção do legislador — manifestada
mesmo no considerando introdutório ao Ato em apreciação — de estender, com urgência, a
reforma administrativa às áreas governamentais dos Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios, a regra legal sob exame não obriga as unidades federadas e municipais à
realização da reforma.
18. Trata-se de simples autorização, ou, mais tecnicamente, de norma de atribuição de
competência, desprovida, assim, de qualquer força coativa.
19. Mesmo, porém, se ad argumentandum, o Ato Institucional n.º 8/69 houvesse prescrito a
imediata adoção dos princípios fundamentais da Reforma Administrativa federal pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, continuaria aplicável o art. 3º da Lei n.º 4.545/64.
Isso porque não haveria como incluir entre aqueles princípios o atinente à estrutura da
Administração da União.
20. A expressão "princípios fundamentais da Reforma Administrava-possui conteúdo
jurídico peculiar, no direito positivo brasileiro, a partir ela edição do Decreto-lei n.º 200/67,
que reservou todo um título, com cinco capítulos, para sua definição expressa e, até,
analítica. Por princípios fundamentais, em tema de reforma administrativa, hão de
compreender-se, exclusivamente, o planejamento, a coordenação, a descentralização, a
delegação de competência e o controle, consoante enumeração taxativa inscrita no art. 69
do Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967.
4. ALCANCE DO DISPOSTO NO ARTIGO 99 DA CONSTITUIÇÃO
21. Não colhe, afinal, a alegação de que seja "numerus clausus" a discriminação feita no §
2º do art. 99 da Emenda Constitucional n.º 1/69, das entidades a cujos cargos, funções ou
empregos se estende a proibição de acumular.
22. Devendo a lei ser interpretada de forma sistemática, é preciso não desvincular a regra
menor contida nesse parágrafo do princípio expresso no caput cio mesmo artigo.
23. A proibição de acumular é ampla e abrange todos os cargos e funções públicas não
excetuados explicitamente.
24. Como entender, todavia, o conceito de cargo público? Em sentido lato ou estrito? Para
elidir perplexidades desse gênero, que, de boa ou má-fé, haviam sido suscitadas no regime
de Constituições anteriores, houve por bem o legislador constituinte ministrar, no aludido
parágrafo, induvidosa norma interpretativa, pela qual amplia, a seus últimos limites, o
conceito de cargo público para efeitos de acumulação. Na verdade, ao considerar públicos
até os empregos nas sociedades de economia mista — entes que, por suas características,
ocupam o último grau de estatização na escala da administração indireta do Estado —
pacificou o constituinte, na origem, eventuais controvérsias acerca da matéria.
25. Possuindo o dispositivo em referência a inegável finalidade de elas-tecer o conceito de
cargo público, dado não seria ao intérprete encará-lo como preceito limitativo do campo de
incidência da proibição de acumular. Assim concluir seria violentar o espírito da lei,
extraindo do comando jurídico em lide conseqiiências em diametral oposição àquelas a que
visava o legislador ao estabelecê-lo.
26. Estar-se-ia fazendo defluir o direito de acumular cargos públicos de norma que tem por
escopo único, e antagônico, impedir as acumulações, com inconcebível postergação de
rudimentar critério de exegese que manda "atribuir ao texto um sentido tal que resulte
haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
187
proteger" — Pacchioni, apud Carlos Maximiliano, em Hermenêutica e Aplicação do
Direito.
27. Voltando ao problema central do parecer, é de indagar se estão ou não fundações na
área de incidência da proibição constitucional de acumular. A resposta se me apresenta, a
esta altura, da maior simplicidade. Sim, quando for pública a sua natureza; não, se tiverem
caráter privado.
28. Preciso é, portanto, descer ao exame específico das fundações do Distrito Federal.
5. NATUREZA DAS FUNDAÇÕES LOCAIS a) Quanto às atividades exercidas
29. Cabe a essas entidades a execução de tarefas das mais típicas do Poder Estatal, como
sejam assistência médica, educacional, cultural e social. E, o que é mais importante, não se
limitam a coadjuvar o Governo nessas atividades. Ao contrário, respondem, de forma
principal e às vezes exclusiva, por toda a parte executória, ficando aos órgãos da
Administração Direta apenas o planejamento e a supervisão.
30. Examine-se o Decreto "N" n.º 473, de 27 de dezembro de 1965, que aprova o
Regimento Interno da Secretaria de Saúde e onde se fixa a competência de seus diversos
órgãos.
31. O art. 2° do ato em apreço define a estrutura básica da Secretaria, que abrange dois
órgãos centrais, a Coordenação de Saúde Pública e a Assessoria de Administração
Hospitalar; um órgão descentralizado com personalidade jurídica, a Fundação Hospitalar; e
órgãos executivos de natureza local, as Divisões de Saúde, integradas nas Administrações
Regionais. Completam essa estrutura o Gabinete do Secretário e o Laboratório Central,
órgão descentralizado.
32. Aos órgãos centrais competem, tão-somente, atividades de estudo, programação,
orientação normativa, levantamento estatístico, fiscalização e supervisão, como as que
adiante menciono in verbis:
"Realizar estudos e pesquisas relacionados ou necessários à fixação das
diretrizes gerais da política de saúde pública;
Traçar programas de controle ou erradicação de doenças que se caracterizem
como problema de saúde pública;
Estabelecer normas referentes à saúde do ambiente e da comunidade;
Realizar trabalhos e pesquisas de estatística relativos aos assuntos de sua
competência;
Coordenar, orientar e fiscalizar a execução dos programas de saúde pública;
Supervisionar e controlar as atividades do Laboratório Central: Promover, com
base em estudos específicos, a construção e manutenção de unidades sanitárias
e outras obras necessárias aos programas de saúde do DF;
Elaborar normas referentes às atividades hospitalares;
Opinar nos processos relativos ao pagamento de subvenções e auxílios às
entidades médico-hospitalares."
E outras do mesmo gênero.
33 Às Divisões de Saúde toca a prestação de serviços médicos complementares, a par de
tarefas peculiares à medicina preventiva, ao saneamento básico e à educação sanitária.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
188
34. Já à Fundação Hospitalar reservam-se as atividades executivas propriamente ditas,
quais sejam:
"Prestar à população do Distrito Federal, através de sua rede de unidades
hospitalares, assistência médico-odontológica-hospitalar gratuita para quantos
demonstrarem insuficiência de recursos;
Promover a construção de prédios e executar instalações, bem como equipar as
unidades de assistência médico-hospitalares;
Manter, conservar e operar as unidades de assistência mlédicoodontológicahospitalar e complementar."
b) Quanto à direção
35. Por força de expressa determinação legal (art. 2º do Decreto "N" n.º 525/66 e art. 2° do
Decreto "N" no 534/66) e estatutária (arts. 2º, 3º, 9º, §§ 2º e 8º, dos respectivos Estatutos),
as funções de Presidente da Fundação Hospitalar, da Fundação Cultural, da Fundação
Educacional e da Fundação de Serviço Social estão destinadas aos Secretários das Pastas
do Governo do Distrito Federal a que se vinculam essas pessoas jurídicas para fins de
supervisão e controle.
c) Quanto à organização interna
36. Incumbe, também, ao Governo local, não só a promulgação dos estatutos de suas
fundações, mas, até, a aprovação do regimento interno de subunidades desses órgãos.
Leiam-se, a propósito, estes artigos do Decreto "N" n.º 479/66:
"Regimento
Interno
do
1°
Hospital
Distrital
de
Brasília.
...........................................................
Art. 1º O Hospital Distrital de Brasília (1º HDB) é uma unidade de assistência
médico-hospitalar da Fundação Hospitalar do Distrito Federal com sede na
Capital Federal.
Art. 2° O HDB tem por finalidade:
a) ........................................................................
b) ........................................................................
Art. 3° O 1° HDB terá a seguinte organização:
.......................................................
37. Aí estão artigos do minucioso regimento do HDB, aprovado por ato do próprio
Prefeito, com evidente prejuízo da autonomia da Fundação Hospitalar.
d) Quanto à administração de pessoal
38. Na área da administração de pessoal, colhem-se estes exemplos:
"DECRETO n° 17, de 29 de setembro de 1960.
Fixa a remuneração dos membros dos órgãos da administração da Fundação
Hospitalar do Distrito Federal."
"DECRETO n.º 292, de 14 de abril de 1964.
Art. 1° Fica proibida, até ulterior deliberação, a admissão de pessoal, a qualquer
título, na Prefeitura do DF, na Companhia Urbanizadora da Nova Capital do
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
189
Brasil (NOVACAP), nas Fundações vinculadas à Prefeitura do Distrito Federal,
bem como nas empresas de que esta participe como quotista.
Art. 2° Não se incluem na proibição do artigo anterior os seguintes casos:
...........................................................
Parágrafo único. As admissões previstas neste artigo ficam condicionadas, para
sua validade, à prévia e expressa autorização do Prefeito do Distrito Federal."
"DECRETO "N" n° 492, de 15 de fevereiro de 1966.
Dispõe sobre a admissão de pessoal para o serviço público do Distrito Federal, e
dá outras providências. ...........................................................
Art. 11. Este Decreto aplica-se à Companhia Urbanizadora da Nova Capital cio
Brasil — NOVACAP — à Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília
(TCB), à Sociedade de Abasteci-mento de Brasília (SAB ), à Sociedade de
Habitações Económicas de Brasília (SHEB), à Fundação Hospitalar do Distrito
Federal, à Fundação Educacional do Distrito Federal, à Fundação Zoobotànica
do Distrito Federal, à Fundação do Serviço Social do Distrito Federal c ao
Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal."
"DECRETO "N" n.° 639, de 4 de agosto de 1967.
Fixa gratificação dos membros dos conselhos deliberativos e fiscal da Fundação
Hospitalar do Distrito Federal, e dá outras providências."
"DECRETO "N" n.º 833, de 10 de outubro de 1968.
Dispõe sobre a tabela de cmrre os permanentes clã Fundação Hospitalar do
Distrito Federal."
"DECRETO n.° 1.375 de 23 de dezembro de 1970.
Estabelece normas gerais sobre pessoal das empresas públicas, sociedades de
economia mista. fundações e autarquias do Distrito Federal, fila critérios de
remuneração, e dá outras providências."
39. Os decretos citados — pequena mostra de uma quantidade de atos semelhantes —
revelam a constante e variada forma por que se manifesta a intervenção do Poder Público
na administração do pessoal das Fundações do Distrito: fixando a remuneração dos
membros de seus órgãos internos, inclusive dos Conselhos Deliberativo e Fiscal;
estabelecendo normas gerais, critérios de admissão e remuneração de seus empregados, ou,
até, proibindo temporariamente tal admissão.
e) Quanto à administração do Material
"DECRETO n.º 296, de 23 de abril de 1964.
...........................................................
Art. 1° Todas as aquisições de material para os serviços das Fundações
instituídas pela Prefeitura clo Distrito Federal far-se-ão por meio de
concorréncia pública ou administrativa e coleta de preços.
...........................................................
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
190
Art. 3º Poderá ser dispensada a concorréncia pública ou administrativa,
fazendo-se a aquisição por meio de coleta de preços, mediante prévia
autorização do Prefeito..."
40. Neste passo, creio suficientes os exemplos acima. No primeiro, submete-se a aquisição
de material para as Fundações ao regime de licitação de preços vigorantes para a
Administração Pública, no segundo, faz-se depender a dispensa de licitação de prévia
autorização, não do Presidente da entidade pretensamente autónoma e particular, mas do
próprio Chefe do Executivo do Distrito Federal.
f) Quanto à administração financeira e orçamentária
41. No que respeita à administração financeira e orçamentária, a ingerência do Poder
Público vai da fase do planejamento à de execução, isso sem falar na supervisão exercida
pela Secretaria a que a Fundação se acha ligada e nos controles internos da Secretaria de
Finanças e externos do Tribunal de Contas do Distrito Federal:
"DECRETO
"N"
n.º
422,
de
16
de
junho
de
1965.
...........................................................
Art. 12. A Fundação Cultural submeterá ao Secretário de Edu-cação e Cultura o
programa de trabalho, o plano de aplicação de recursos e orçamento de custeio
dos serviços, especialmente no que se refere à admissão do pessoal."
"DECRETO n° 954, de 13 de março de 1969.
Aprova o orçamento da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, para o
exercício de 1969."
"DECRETO
n°
1.582,
de
29
de
dezembro
de
1970.
...........................................................
Art. 1° Ficam alterados, na forma dos quadros anexos, os orça-mentos da
Fundação Hospitalar do Distrito Federal — FHDF; Departamento de Estradas
de Rodagem do Distrito Federal — DER-DF e Sociedade de Habitações de
Interesse Social Ltda. — SHIS."
"DECRETO n° 1.574, de 23 de dezembro de 1970.
Adota medidas de contenção de despesas públicas, e dá outras providências.
Art. 1° Fica vedada a contratação ou admissão de empregado para as empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações do Distrito Federal."
"DECRETO n° 296, de 23 de abril de 1964.
...........................................................
Art. 4º Os adiantamentos de que trata o item III do artigo anterior serão
autorizados pelos Presidentes das Fundações e pelo Diretor-Geral no caso da
Fundação Zoobotânica até os seguintes limites:
Parágrafo único. Os limites para concessão de adiantamentos, estabelecidos
neste artigo, somente poderão ser ultrapassados mediante prévia autorização do
Prefeito."
g) Quanto à integração na Administração do Distrito
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
191
42. A perfeita integração das Fundações na estrutura da Administração Pública pode ser
observada neste artigo do Decreto "N" n° 414, de 31 de maio de 1965:
"Art. 7º Os órgãos executivos de natureza local da Fundação de Serviços
Sociais integram as Administrações Regionais."
43. E também, no art. 41, § 3°, do já citado Regimento da Secretaria de Saúde:
"Nas Regiões Administrativas onde existem unidades da Fundação Hospitalar
com aproximadamente 100 leitos, as atividades hospitalares e de saúde pública
poderão ser integradas, mediante convenia, em uma única chefia."
44. Vale recordar que as atividades hospitalares estão afetas à Fundação Hospitalar e as de
saúde pública às Divisões de Saúde integradas nas Administrações Regionais.
h) Quanto ao tratamento fiscal
45. Abonam, outrossim, a índole púbica dessas pessoas jurídicas os artigos 18, I, e 30, I, da
Lei reguladora do Sistema Tributário do Distrito Federal (Decreto-lei n.º 82. de 26 de
dezembro de 1966), os quais lhes concedem tratamento fiscal priv ilegiado, isentando-as do
pagamento do imposto predial e territorial urbano sobre "imóveis utilizados nos seus
próprios serviços" e do imposto de transmissão relativo "às aquisições de imóveis
destinados às suas finalidades".
46. Por sinal, o antigo Código Tributário do Distrito (Lei n.º 4.191, de 24 de dezembro de
1962) já isentava, expressamente, essas entidades dos impostos de transmissão "causa
incidis" (art. 87, II, c) e "inter vivos" (art. 93, I, c), bem como dos impostos imobiliários
(art. 112, V).
2) Quanto à origem de seus recursos
47. Reservou-se, deliberadamente, para o último lugar um aspecto da maior relevância no
equacionamento da questão em lide. É o que tem que ver com a acentuada e, por vezes,
absoluta sujeição econômico-financeira dessas fundações ao erário público.
48. Ligeiro apanhado a que procedi no orçamento para o exercício em corso, permitiu
verificar que as cinco fundações do Distrito recebem, em média, dos cofres públicos 78,2%
de seus recursos, sendo de ressaltar que provém da mesma origem 91% das receitas da
Fundação Cultural, 98% das receitas da Fundação do Serviço Social; e nada menos que
99,7% das receitas da Fundação Educacional.
j) Considerações finais
49. A análise da legislação que disciplina as atividades das fundações locais, evidencia,
assim, o elevado grau de dependência desses entes para com o Poder Público. Seja qual for
o aspecto focalizado — normativo, programático, funcional, administrativo, económicofinanceiro ou fiscal — notar-se-ão, à primeira vista, os múltiplos e estreitos laços de
subordinação que os prendem à Administração Distrital.
50. Ficou-me até a impressão de não ser possível encontrar, em qualquer quadrante da
Administração pública brasileira, outras entidades descentralizadas com mais baixo índice
de autonomia.
51. Impende, pois, concluir que as fundações do Distrito, a despeito de formalmente
revestidas de personalidade jurídica de direito privado, os-tentam inequívoca natureza
pública.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
192
6. CONCLUSÕES
52. Considerando que as prescrições constitucionais sobre acumulação remunerada se
aplicam, por inteiro, à esfera cio Distrito Federal (art. 13, V, e 108 da Emenda
Constitucional n.º 1/69); considerando que tais prescrições têm incidência obrigatória em
todo o âmbito da Administração Pública, seja da União, do Distrito Federal, dos Estadosmembros ou dos Municípios, considerando que, diferentemente do que ocorre na área
federal, as fundações do Distrito se acham compreendidas entre os órgãos da
Administração Descentralizada e, por isso, entre os órgãos da Administração Pública (art.
39 da Lei n.º 4.545/64) ; considerando a compatibilidade inequívoca do art. 3º da citada Lei
n.º 4.545/64 com as disposições do Ato Institucional n.º 8/69; considerando não ser
"numerus clausus" a discriminação de entidades feita no § 2º do art. 99 da Constituição; e
considerando, finalmente, a inquestionável natureza pública das fundações locais —
impõe-se a conclusão de que, no caso especial do Distrito Federal, a proibição de acumular
se estende também aos empregos ocupados nas suas fundações.
53. Em razão do exposto, parece-me ilícito o contrato de fls. 2, por isso que, de acordo com
o art. 99, 1V, da Constituição, somente é permitida a acumulação de dois cargos privativos
de médico, e o interessado já exercia, quando da celebração do pacto, um emprego em
autarquia federal e outro em fundação pública do Distrito.
______________________________
Parecer em 31-5-1971.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
193
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
194
24 - PROCESSO N.° 53/74 — STC
Procurador: LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ
EMENTA
Contrato firmado entre o DF e a Confederal S.A.
1. O Decreto-lei n.º 1.034 69 e o 1.103 70 — que instituíram
o sistema de segurança para estabelecimento de crédito, ao
autorizarem, entre outras medidas, a contratação de
empresas especializadas para a prestação de serviços de
guarda e vigilância ostensiva — dão, por analogia. respaldo
legal ao termo em estudo.
2. As diversas razões que, em tese, contra-indicam o
exercício, por entidades particulares, de ação tão
tipicamente estatal cedem passo aos motivos de fato que
determinaram a edição dos mencionados diplomas legais: o
dever da Administração de propiciar segurança, pelos meios
possíveis.
3. Legalidade do contrato, pelo menos do ângulo em
exame.
PARECER
Na sessão do último dia 4, tendo presente o termo de renovação de contrato de prestação de
serviços, celebrado entre o Distrito Federal e a firma Confederai S.A. — Comércio e
Indústria, houve por bem o Eg. Plenário, a requerimento elo ilustre Auditor, Dr. Jesus da
Paixão Reis, ouvir esta Procuradoria sobre a "legalidade da delegação, por órgãos da
administração direta, de serviços de polícia ostensiva a empresas privadas". É que entre os
serviços a cuja prestação neste pacto se obriga a Confederal S.A. se inclui a "vigiláncia
ostensiva em locais em que se manipulam valores em espécie", vale dizer, as bilheterias em
funcionamento, nos dias de jogos e espetáculos, nas unidades do Centro Esportivo do
Distrito Federal.
2. Em princípio, participo integralmente da preocupação revelada pelo Tribunal ao solicitar
ao Ministério Público o estudo da matéria. De fato, a vigilància armada de locais públicos é
atividade que, por natureza, se insere, inquestionavelmente, na esfera do poder de polícia,
um dos mais típicos encargos da Administração Pública. É atividade que se classifica como
de polícia administrativa e, mais caracteristicamente, como de polícia preventiva ou
ostensiva, função que a tradição e o bom-senso jurídico reservaram sempre ao Estado. A
ação policial, carregada que é de largo conteúdo discricionário e cujo exercício eficaz
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demanda alto índice de executoriedade, possui, por isso mesmo, corno pré-requisitos
inafastávcis o embasamento na lei e a adequada qualificação profissional dos agentes que
dela se desincumbem. De rigor, portanto, seja o policial autoridade legalmente investida e
comprovadamentc habilitada para essa função, que, freqüentemente, na intenção de
resguardar o interesse coletivo, penetra o campo constitucionalmente protegido das
liberdades individuais.
3. Em tese, é, pois, serviço inerente ao Poder Público e a seus agentes, os quais, em nome
da tranqüilidade e segurança do grupo social, ficam excepcionalmente autorizados a opor
restrições aos direitos do cidadão, compelindo o individual a ceder ao coletivo. Tais
considerações se situam, todavia, no terreno da conveniência e oportunidade
administrativa, de nada valendo perante o direito positivo.
4. A verdade é que, para atender situação de emergência representada pela onda de assalto
a estabelecimentos de crédito e outros locais de recebimento e guarda temporária de
dinheiro. se encontrou o Estado na contingência de autorizar a admissão direta, ou a
contratação, por meio de empresas especializadas, de guardas de vigilância particulares_
como parte de sistema de defesa social, estruturado sob a supervisão das Secretarias de
Segurança dos Estados-membros e do Distrito Federal.
5. Os Decretos-leis n° 1.034, de 21 de outubro de 1969, e 1.103, de 6 de abril de 1970,
trataram da matéria, prevendo certas precauções no recrutamento dos vigilantes e no
funcionamento desses serviços, as quais, de algum modo, abrandam os inconvenientes de
atribuir-se essa modalidade de polícia administrativa a empresas privadas. Entre tais
precauções, assinale-se a prévia aprovação pela Polícia Federal dos indivíduos admitidos
nessas funções e a posterior comunicação de seus nomes ao Serviço Nacional de
Informação (Dec-lei n° 1.034, art. 2°, I); a necessidade de aquiescência do Ministro da
justiça. do Secretário de Segurança ou do Chefe de Polícia, para a organização, pelos
estabelecimentos de crédito, de serviço específico próprio (Dec-lei n° 1.034, art. 40); e a
previsão de que os integrantes da vigilância ostensiva recebam da polícia estadual a
necessária instrução (Dec-lei n° 1.034, art. 4°, § 1º).
6. Na edição desses decretos-lei se acha, a meu ver, confessada, de modo implícito, a
impossibilidade material de o Estado atender, com eficiência e por seus próprios meios. à
crescente necessidade de vigilância policial, em face do incremento da violência nas
cidades, por toda a parte observável.
7. Acima, porém, do dever da Administração de propiciar segurança por intermédio do
aparelho policial está o seu dever de pura e simples-mente propiciar segurança. Pelos
meios possíveis. Foi o que se eolimou com a instituição daquele sistema excepcional de
vigilância.
8. Dentro deste quadro, entendo de secundária importância a natureza do órgão contratante.
Na prestação do serviço por empresa privada é que poderia residir a questão de direito.
9. Concedendo embora parecer mais seguro e conveniente confiar-se, com exclusividade, à
polícia regular, civil e militar, o exercício da vigilància armada, não encontro base jurídica
para impugnar como ilegal a contratação dos serviços em apreço com firma especializada,
que se organizou na forma do art. 40 do Decreto-lei n.º 1.034/69.
_________________________
Parecer em 25-2-1975.
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196
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III – DECISÕES E PARECERES DE OUTROS
TRIBUNAIS DE CONTAS
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199
PROCESSO TC — 16.260/74
PARECER
Em 16-4-1974, a 3ª IGCE tomou a louvável iniciativa de solicitar da Inspetoria-Geral de
Finanças, do Ministério dos Transportes (v. ofício junto por cópia às fls. 2), informações
sobre a composição do capital social das sociedades de Economia Mista vinculadas ao
referido Ministério. Motivava tal procedimento a Súmula TCU n.º 7, de cujo enunciado se
infere que estão sujeitas à prestação de contas, perante este Eg Tribunal, as entidades
criadas por lei sob a forma de sociedades de economia mista, enquanto a União ou outras
pessoas de direito público interno e órgãos de suas Administrações Indiretas detiverem a
exclusividade do capital social, e a despeito de estar prevista a possibilidade, não
concretizada, da tomada de ações por particulares ou que seja essa faculdade reduzida a
unia participação meramente simbólica.
II
2. À vista do quadro apresentado pela IGF-MT (fls. 4), em que de 14 (catorze) sociedades
de economia mista uma (1) revela a participação da União em 92,069% do capital social,
outra acusa uma participação da ordem de 94,757%, enquanto cinco (5) outras demonstram
que a União participa com mais de 99% daquele capital, para, afinal, em cinco (5) dessas
entidades ser total e absoluta a participação da União (100%) no capital social — houve
por bem o Colendo Plenário, na Sessão de 15-10-74 (fls. 17), determinar a requisição das
contas, diretamente aos responsáveis pelos órgãos arrolados, fixando-se-lhes o prazo de 30
dias para o atendimento.
ANEXO VII A ATA N.º 13/75
Parecer emitido pelo representante do Ministério Público, Dr. Francisco de Salles Mourão
Branco, a que se referiu o Sr. Relator, Ministro Glauco Lessa de Abreu e Silva, em seu
voto, ao examinar o Tribunal, na Sessão Ordinária realizada em 6 de março de 1975, o
pedido de reconsideração apresentado pelo Ex.mo Sr. Ministro dos Transportes, General
Dyrceu de Araújo Nogueira, quanto à decisão proferida na Sessão de 15-10-74 (Ata n.º 78,
in D.O. de 5-11-74), que determinara a requisição, diretamente aos responsáveis, das
contas das Sociedades de Economia Mista vinculadas àquele Ministério e indicadas na
Representação da 39. Inspetoria-Geral de Controle Externo (Pro. 16.260/74).
III
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
200
3. Com o Aviso n.º 04, de 13-11-1974 (v. fls. 18/21), o Sr. Ministro dos Transportes
solicita reconsideração do julgado, alegando, em síntese, o seguinte:
I — a Súmula TCU n° 5 restringe a obrigatoriedade da prestação de contas, perante o Eg.
Tribunal, às entidades de economia mista que a tanto sejam compelidas por disposição
expressa de lei;
II — à referida jurisprudência se colocou em conformidade o Parecer n° I-113, de 12-41971, da Consultoria Geral da República, aprovado por despacho do Sr. Presidente da
República;
III — ulteriormente, ao evoluir no sentido da equiparação, para fins do controle externo, às
empresas públicas, das entidades criadas por lei sob a forma de sociedade de economia
mista, em que a União ou outras pessoas de direito público interno e órgão de suas
Administrações Indiretas detiverem a exclusividade do capital social ou em que a tomada
de ações por particulares esteja reduzida a uma participação simbólica, a decisão do
Tribunal, que redundou na Súmula TCU n° 7, incidiu numa "interpretação extensiva", que
"vai além da vontade do legislador". Isso porque, argumenta o ilustre Titular da Pasta dos
Transportes, "se o Poder Público pretendesse sujeitar as Sociedades de Economia Mista às
mesmas obrigações das Empresas Públicas, tê-las-ia criado ou transformado como tais"
IV — o Ministério dos Transportes, assim, entende que a decisão do Tribunal "não
encontra respaldo na lei", incumbindo-lhe "obedecer aos expressos ditames das leis e das
decisões emanadas da Chefia do Poder Executivo, a quem prioritariamente está
subordinado";
V — a requisição, nos termos em que foi determinada na v. decisão de 15-10-1974 (fls. 17
v.), "diretamente aos responsáveis (... ), atinge profundamente as atribuições que a
Constituição e as leis conferem ao Ministro de Estado, ao mesmo tempo que se encontra ao
desamparo das mesmas". A aludida deliberação do Tribunal teria vulnerado atribuições
específicas que se comportam no àmbito da supervisão ministerial, regulamentada no
Título IV do Decreto-lei n° 200, de 25-2-1967, eis que o encaminhamento das contas das
sociedades de economia mista, vinculadas no Ministério, não se faz viável sem o exercício
da supervisão que ao seu titular incumbe fazer.
IV
4. Instruindo o feito, conclui a IGCE com proposta de provimen:a parcial do pedido de
reconsideração, para o fim de:
a) ser reformada a r. decisão de fls. 17-verso, requisitando-se as cari das entidades
indicadas na instrução, a partir do exercício de 1973:
b) serem requisitadas as contas por intermédio da IGF, sem prejuízo do prazo de 30 dias
fixado aos responsáveis para atendimento; e
c) ser dada ciência ao Exmo. Sr. Ministro dos Transportes do que o Egrégio Tribunal
houver decidido, esclarecendo-se, inclusive, que a venerável decisão recorrida objetivou
não ilidir a supervisão ministerial a que estão sujeitas as contas, mas tão-somente a
vinculação imediata daqueles responsáveis ao prazo fixado para atendimento.
V
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
201
5. Os argumentos deduzidos do Aviso de fls. 18/21 representam, sem dúvida, modos de ver
respeitáveis, embora forçoso seja reconhecer que o problema comporta enfoque diferente,
justificando-se a nosso ver, ma-:vima (lata venia, a solução mais adequada que o Colendo
Plenário lhe conferiu na assentada de 15-10-1974.
6. De efeito, um exame detido dos processos que serviram de referência aos enunciados das
Súmulas TCU n°S 5 e 7 deixa claro que, ao revés de se conflitarem, as decisões, que lhes
servem de arrimo, completam-se, à vista, inclusive, do que se consubstancia na Súmula
TCU n.º 6.
7. Sigamos a seqüência progressivamente elucidativa dos julgados em cotejo. Nas sessões
de 15-3-1973 (Proc. TC-33.261/68) e 20-3-1973 (Proc. TC-24.706/73), firmou-se o
entendimento de que "as sociedades de economia mista, salvo disposição expressa em lei,
não estão sujeitas à prestação de contas perante o Tribunal de Contas". Já na sessão de 7-41970, a Egrégia Corte, atendendo aos preceitos contidos nos arts. 70, § 1º, e 225, I, da
Constituição, houvera dirimido quaisquer dúvidas que pudessem ocorrer quanto à
obrigatoriedade da prestação de contas dos administra-dores das empresas públicas,
independentemente de dispositivo de lei ordinária que dispusesse a respeito. Numa etapa posterior, finalmente — sessão de 2-10-1973 (Proc. TC-106/72) —, consicerando a
exclusiva ou praticamente única participação da União, ou de outras pessoas de direito
público interno, ou órgão de suas Administrações Indiretas, na composição do capital
social de determinadas sociedades de economia mista, houve por bem o Tribunal
considerar sujeitas essas entidades ao controle externo, tal a similitude que oferecem com
as empresas públicas, reclamando, em conseqüência. similar tratamento.
8. Não atinamos, neste particular, com a alegada interpretação extensiva dos textos legais
que disciplinam a administração financeira, pois, segundo pensamos, na questão ora
examinada há que não se perder de vista a autêntica configuração das entidades por último
referidas, a partir dos realistas pressupostos de sua estruturação econômico-financeira.
9. Apesar de na aparência haver-se adstrito, na Súmula TCU n° 5, a fiscalização que
incumbe a este Tribunal, às sociedades de economia mista que por força de norma expressa
devem submeter-se ao regime da prestação de contas, perante o órgão constitucionalmente
criado para concretizar o conrole externo — a verdade, porém, é que não pode ser relegada
nem repelida a posição relevante que assume a União ou qualquer outra pessoa pública na
participação do capital social dessas entidades. Daí a legitimidade de se as equipararem às
empresas públicas, para o fim em causa. A repulsa ao regime preconizado pelo Egr.
Tribunal em nada contribui, a nosso ver, para o aperfeiçoamento do processo de
fiscalização financeira e orçamentária inaugurado em 1967; antes, pelo contrário,
enfraquece-o e desfigura-o pois abre uma lacuna indefensável no campo do controle
externo.
10. Entendemos que todos os esforços devem ser envidados pelo Poder Executivo, no
sentido de manter um sistema de controle interno, que crie, efetivamente, condições
indispensáveis para assegurar eficácia ao controle externo, dando, assim, cabal
cumprimento ao disposto no art. 71, inciso I, da Emenda Constitucional n.º 1. de 1969. E
estamos convencidos de que todas as medidas oriundas da Egrégia Corte de Contas, as
quais aclimem a mais completa execução do programa de controle dos dinheiros públicos
— programa esse que se lhe traçou a própria Carta Política vigente (art. 70 e ss.) —, hão de
merecer a mais favorável e prestigiosa acolhida dos setores mais responsáveis do Poder
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202
Executivo, pois, sem essa inestimável e imprescindível cooperação erguer-se-ia óbice
intransponível ao exercício da competência que ao Tribunal é reconhecida na Constituição,
leis e regulamentos.
11. Assentado nessa premissa é que deliberou o Colendo Plenário, na sessão de 28-111974. dando honrosa guarida ao ponto de vista que esposamos no Proc. TC 37.594/74,
reafirmar o entendimento firmado em 20-6-1974 (cf. Ata n° 45/74, in DO de 7-8-74), no
sentido de ser observado, pelas Inspetorias-Gerais de Finanças, o prazo máximo de 180
dias, para estarem no Tribunal as tomadas de contas dos órgãos da Administração Indireta.
12. Este, pois, é o momento de reunir esforços, insistimos, a fim de que se tornem realidade
os motivos superiores que inspiraram a Reforma Administrativa preconizada no Decretolei no 200/67. Dentre os princípios fundamentais que informam a moderna Administração
Pública Brasileira consigna-se o do controle, como que coroando e arrematando os demais,
todos previstos no Título II do referido diploma.
13. O princípio do controle da administração financeira promana da necessidade de se
assegurar a moralidade administrativa, permitindo ao Tribunal de Contas, com o apoio
eficaz do Executivo, o exercício pleno da auditoria financeira e orçamentária sobre as
contas das unidades admira=-trativas dos Três Poderes da União (cf. § 3°, art. 70, E.C. n°
1).
14. Dentro do sistema de freios e contrapesos, aprovado pelo ordenamento jurídico do País,
em que o próprio Presidente da República tem suas contas submetidas ao crivo do
Tribunal, temos de ponderar e admitir a maior conveniência que advém da prestação de
contas das empresas públicas e das sociedades de economia mista que se lhes equiparam,
pela exclusiva ou absorvente participação do capital social.
15. Nessa perspectiva, torna-se oportuna a evocação do comportamento de uma entidade
como a Empresa Brasileira de Filmes S.A. — EMBRAFILME, a qual, espontaneamente,
sem que a tanto fosse compelida por disposição legal expressa, apresentou, aqui, suas
contas relativas ao exercício de 1971, havendo-as o Colendo Plenário julgado regulares na
sessão de 13-11-1973 (v. Proc. TC-32.779/73, Ata n.º 83/73, in DO de 7-2-1974).
Revestida da forma de sociedade por ações, com características jurídicas de sociedade de
economia mista, e sendo omisso, a respeito da prestação de contas perante o Tribunal, o
Decreto-lei n.º 862, de 12-9-1969, que lhe autorizou a criação, mas consciente da
necessidade de se submeter à fiscalização inspirada na Constituição, uma vez que 99% do
seu capital social pertencia à União, através do MEC e do INC, não se esquivou a entidade
à ação controladora, que só enobrece a Administração Pública. O prece-dente que ora
invocamos serve, a nosso ver, de paradigma, motivando a conduta a ser adotada por toda
empresa em que o capital é preponderantemente público e que só por isso deve estar
cônscia de ser jurisdicionada à Corte de Contas.
VI
16. Relativamente a requisição das contas, que foi diretamente endereçada aos
responsáveis pelos órgãos arrolados na instrução do processo, nada há de substancial a
acrescentar à precisa colocação feita pela digna titular da 3ª IGCE. Não houve,
evidentemente, qualquer propósito de suprimir ou sequer vulnerar a supervisão ministerial,
que integra o sistema do controle interno e sem a qual, inclusive, não se lograria sequer a
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203
observância dos princípios fundamentais que norteiam a Administração, dentre os quais
avulta, sem favor, o do controle tout court, e em particular a fiscalização financeira e
orçamentária (cf. art. 25. III, c/c arts. 6º, V, e 13, do DL 200/67).
17. Há, neste passo, um consenso em que não se objetivou, com a v. decisão de 15-101974, ilidir a imprescindível supervisão ministerial, importando, antes, assinalar que no
procedimento adotado pelo Eg. Tribunal buscou-se dar ênfase à premência na ultimação
das contas em atraso. Torna evidente esse propósito o julgamento proferido no Proc. TC106/72 (Tomada de Contas da Cia. Docas do Pará), quando, ao acolher proposta formulada
pelo eminente Ministro-Relator, Mauro Renault Leite, houve por bem o Tribunal dar, à
época (2-10-1973), conhecimento de sua decisão ao Exmo. Sr. Ministro de Estado e à
provecta Inspetoria-Geral de Finanças do Ministério dos Transportes.
VII
18. Diante do exposto, manifestamo-nos pela mantença da v. decisão ora recorrida, por
estar ínsita à mesma, segundo pensamos, a interpretação mais conforme ao sistema jurídico
implantado com a Reforma de 1967, e, conseqüentemente, por ser mais favorável à própria
Administração a medida ali sustentada. Outrossim, acreditamos ser inadiável e urgente que
se prestem, ao Exmo. Sr. Ministro de Estado, os esclarecimentos que, enfatizando a
verdadeira posição assumida pelo Tribunal na controvertida matéria, contribuam para
desfazer os possíveis mas não desejados equívocos resultantes daquele julgado.
Proc., em 3 de dezembro de 1974. — Francisco de Salles Mourão Branco, ProcuradorGeral em exercício.
As conclusões de voto do Ministro Glauco Lessa foram acolhidas pelo Tribunal em 6-3-75
(DJ em 1.°-4-75 — pág. 3.736), no sentido da requisição das contas.
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205
IV – JURISPRUDÊNCIA SOBRE TRIBUNAIS DE CONTAS
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207
1 — FUNCIONALISMO
EMENTA
Aposentadoria concedida com a vantagem do art. 184, II, do
Estatuto, porque se informara haver o funcionário
completado 35 anos de serviço antes de 15-3-68 (art. 177 §
19 da Constituição de 1967), podia ser parcialmente
anulada, mediante retificação do ato quando verificado que
àquela data não se completara a aludida marca, tendo
havido contagem em dobro de tempo de licença especial
não gozada, que, posteriormente, verificou-se haver sido
utilizada pelo funcionário. A Administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos (Súmula 347
do Egrégio Supremo Tribunal Federal).
(MS n.º 74.972 — TFR — Rel.. Ministro Décio Miranda -- DJ 16-4-1975 — pág. 2.441.)
2 — MANDADO DE SEGURANÇA
Impetrado pela Presidência do Tribunal de Contas contra atos do Governador e
da Assembléia Legislativa, ditos ofensivos da competência daquele Tribunal.
Legitimidade ativa. órgão público despersonalizado e parte formal. Defesa do
exercício da função constitucionalmente deferida ao Tribunal de Contas. Poder
jurídico, abrangido no conceito de direito público subjetivo.
Mandado de segurança cabível.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
(STF — Recurso Extraordinário n.º 74.836 — Ceará — RTJ n.º 69/475.)
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208
3 — SERVIDOR INATIVO — PROVENTOS
Servidor aposentado não poderá perceber proventos de valor inferior ao salário
mínimo. A regra da proporcionalidade ao tempo de serviço é subordinada
àquele piso.
(AC — 3.258 — DF — TJDF — DJU de 10-5-74, pág. 3.075.)
4 - AÇÃO POPULAR
Ação Popular — Contas de prefeito já aprovadas peio Tribunal de Contas.
A aprovação de contas de prefeito municipal pelo Tribunal de contas não impede ação
popular.
(TJSP —
Câm. Civ. — ap. n° 236.416 — Mirandópolis — j. 17-9-74 — Rel., Des.
Almeida Camargo (unanime).
5 - REPRESENTAÇÃO N.° 896 - PIAUÍ Relator: Exmo. Sr. Ministro Xavier de
Albuquerque
Representante: Procurador-Geral da República.
Representada: Assembléia Legislativa do Estado do Piauí.
Inconstitucionalidade do artigo 41 da Emenda n° 1, de 30 de janeiro de 1971, à
Constituição do Estado do Piauí. Omissão da expressão prerrogativas, no
tocante a membro de Tribunal de Contas Estadual, viola o disposto no artigo 72,
3º, da Emenda Constitucional n.º 1/69.
1. Por solicitação do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, a presente representação argüi
a inconstitucionalidade do artigo 41 da Emenda n.º 1, de 30 de janeiro de 1971, à
Constituição daquele Estado.
Reza o citado dispositivo:
"Art. 41. Os membros do Tribunal de Contas, com o título de de Conselheiros,
serão nomeados pelo Governador do Estado, de-pois de aprovada a escolha pela
Assembléia Legislativa, dentre os brasileiros, maiores de trinta e cinco (35)
anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos,
financeiras ou de Administração pública, e terão as mesmas garantias,
vencimentos e impedimentos dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do
Estado."
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
209
O Tribunal suscitante da inconstitucionalidade alega que esta ocorre em virtude da
circunstância de, nesse texto, ter sido omitida a expressão prerrogativas, que se encontra no
artigo 72, § 3º, da Emenda Constitucional n.º 1/69, paradigma federal.
2. Em suas informações, a fls. 30 e segs., o Exmo. Senhor Presidente da Assembléia
Legislativa do Estado do Piauí salientou que, no projeto de Emenda Constitucional, a
omissão já se verificava, e que a emenda aditada (para incluir a expressão prerrogativas no
texto) foi rejeitada pela Comissão Especial, sendo que seu relator, nos debates em plenário,
"teve a oportunidade de afirmar, em defesa da redação original, que a expressão
prerrogatieas foi, deliberadamente, omitida do texto primitivo porque implícita, como
conseqüéncia pura e simples das regras federais, v.g. a referida pelo art. 200 da Emenda n°
1/69, que determina art. 200. As disposições constante desta Constituição ficam
incorporadas, no que couber, ao direito constitucional legislado dos Estados".
3. A nosso ver, procede a representação de inconstitucionalidade em causa.
Com efeito, ao ser julgada a Representação n.º 764 — ES, em que se argüia a
inconstitucionalidade dos artigos 60. § 3º (por omitir, no tocante à auditoria financeira e
orçamentária do Tribunal de Contas cio Estado, as contas das unidades administrativas do
Poder Legislativo ), e 62, § 2° (por omitir a competéncia do Tribunal de Contas de prover,
na forma da lei, os cargos de seus serviços auxiliares e a fixação dos respectivos
vencimentos) da Constituição do Estado elo Espírito Santo, seu relator, o Excelentíssimo
Sr. Ministro Aliomar Baleeiro — cujo voto foi acolhido pelo Colendo Supremo Tribunal
— acentuou:
"Mas, bem ou mal, Espírito Santo inclinou-se pelo modelo federal da
Constituição de 1967. Nesse caso. há de estruturá-lo com o mínimo de
fidelidade ao figurino, de modo a torná-lo apto e idôneo ao fim. Não basta
instituir ou manter um Tribunal de Contas. É indispensável que esse órgão, por
suas atribuições e condições de independéncia, esteja a salvo de qualquer
pressão das autoridades sujeitas constitucionalmente à sua inspeção" (RTJ
50/248).
E, mais adiante, voltou S. Exa a salientar:
"Já que o Estado do Espírito Santo optou por seguir o modelo federal, tem de f
azo-lo em suas linhas mestras, que lhe dão eficácia
...........................................................
O meu ponto de vista é que o pecado do Estado do Espírito San-to consiste em
ter adotado um determinado modelo, cujas linhas mestras estruturais se
encontram na Constituição Federal. não o fazendo com fidelidade (idem, pág.
251)"
É o que ocorre na presente representação. Entre as vantagens que a Constituirão Federal
atribui aos membros cio Tribunal de Contas da União — que é o paradigma cujas linhas
básicas têm de ser seguidas pelo Estado, quando este adota essa instituição — se
encontram as prerrogativas de que gozam os Ministros do Tribunal Federal de Recursos.
Essa outorga se explica pela necessidade de se conferirem aos membros do Tr_-bunal de
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
210
Contas os mesmos direitos e garantias assegurados ao órgão Poder judiciário a que, para
esse efeito, a Constituição se refere.
Não havendo reproduzido o art. 41 da Emenda Constitucional em causa essa vantagem, é
ele, a nosso ver, inconstitucional, por não seguir o modele federal em ponto de que não se
poderia afastar.
Por outro lado, e ao contrário do que pretende a Assembléia Legislativa do Estado do
Espírito Santo, não ilide o vício de inconstitucionalidade o fato de que, pelo artigo 200 da
Emenda Constitucional n° 1/69, ficaram incorporadas as disposições dessa Emenda, no que
coubesse, ao direito constitucional legislado do Estado. E não ilide porque o artigo 200
teve sua eficácia exaurida no momento de sua entrada em vigor, com a incorporação
automática por ele determinada, ao passo que, foi depois desse momento que o artigo 41 da
Emenda Constitucional em apreço suprimiu a expressão prerrogativas, afastando-se, então,
inconstitucionalmente, do modelo federal.
Brasília, 8 de maio de 1973. — José Carlos Moreira Alves, Procurador-Geral da República.
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211
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
212
CONCEITO DE ALIENAÇÃO MENTAL —
ENQUADRAMENTO NA LEGISLAÇÃO VIGENTE
DIVISÃO NACIONAL DE PERÍCIAS MÉDICAS
INSTRUÇÃO NORMATIVA, SISMEPE/DNPMéd/MS Nº 1,
DE 4 DE MARCO DE 1975
O Diretor da Divisão Nacional de Perícias Médicas, no uso de suas atribuições,
Resolve baixar as seguintes instruções relativas ao conceito de alienação mental para efeito
de enquadramento na legislação vigente(*)
Alienação Mental é um estado de dissolução dos processos psíquicos, de caráter transitório
ou permanente, onde o volume das alterações mentais leva a uma conduta anti-social que
representa risco para o portador ou para terceiros, impede o exercício da atividade
profissional e/ou exige internação para proteção da sociedade ou do indivíduo.
A rigor, estão incluídos nesta definição os quadros psicóticos definidos, como a
esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva, a paranóia e alguns estados demenciais
adquiridos (infecciosos, vasculares, tóxicos, degenerativos ou mistos ).
Mc.>mo face a diagnósticos de quadros psicóticos definidos, torna-se necessário avaliar a
sintomatologia apresentada, a forma clínica e fase de evolução, para identificar com
propriedade o enquadramento correspondente que poderá ser o de alienação mental
temporária, o que não será raro, alienação mental permanente, o que também não é
infreqüente em formas cronificadas e graves, ou mesmo o de capacidade laborativa e para
os atos de vida civil conservada. o que é possível encontrar em formas leves. controladas e
em período de remissão.
Não são enquadrados como alienação mental os deficits qualitativa_ da personalidade
(personalidades psicopáticas) e os transtornos cons`::acionais da personalidade
(esquizóides, paranóides, etc.) e dificilmen`e poderão ser os quadros reacionais e
situacionais.
Não são consideradas como enquadráveis, em alienação mental nenhuma das formas de
neurose. Excepcionalmente, casos graves e muito bem caracterizados de neurose fóbica ou
obcessiva, que comprometam totalmente a capacidade para o trabalho, e também
nitidamente a capacidade para os atos da vida civil equivalem e podem ser considerados
(*)
Comissão Nacional de Feridas Médicas.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
213
alie-nação mental. Chamamos a atenção dos peritos para alguns casos de neurose grave,
com evidências de desintegração da personalidade, que podem, na realidade, constituir
formas iniciais de esquizofrenia.
A epilepsia, em suas diversas formas, na maioria dos casos e no intervalo entre as crises,
não preenche os requisitos para ser considerada alienação mental; porém poderão ser
enquadradas como tal as formas graves de psicose epiléptica e os estados demenciais
epilépticos, onde predomina o quadro de demenciação(**). — Dr. Carlos de Castro, Diretor.
ANEXO N.º 1
Classificação das Doenças Mentais da Organização Mundial de Saúde — 1966.
ANEXO N.º 2
Principais características clinicas e código CID das principais psicopatias.
DO — 24-4-1975 — pág. 4.806.
(**)
Ver Instrução Normativa SISMEPE/DNPMéd/MS n.° 2, de 17 de julho de 1974, Publicada no DO n.º 141,
de 25-7-1974.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
214
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
215
PARECER: L-039
Assunto: Tempo de serviço gratuito. Contagem.
Necessidade de legislação autorizativa. Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.
O Egrégio Tribunal de Contas da União, em sessão de 19 de fevereiro de 1974, julgou
ilegal a aposentadoria decretada em favor de José Bronzi, funcionário do Ministério do
Exército, por entender ilegítima a contagem do tempo de serviço prestado sem
remuneração, no período compreendido entre 5 de julho de 1934 a 31 de maio de 1935.
A Assessoria Jurídica da Diretoria do Pessoal Civil, da Secretaria de Estado, chamada a
opinar, manifestou-se pela legalidade da contagem, sob o fundamento de inexistir, na
ocasião, lei desautorizando-a, o que só veio a ocorrer com o Estatuto de 1939. Sustenta,
também que o artigo 268 da vigente Lei Estatutária dá guarida ao benefício em causa, e faz
menção, inclusive, a pronunciamento emitido pelo DASP, segundo o qual "o tempo de
serviço gratuito, desde que tenha sido prestado antes da vigência do Estatuto de 1939
(Decreto-lei n.º 1.713, de 28-10-1939) e seja comprovada essa efetiva prestação por meio
hábil, deve ser computado para todos os efeitos em vista, inclusive, o disposto no artigo
268 do atual Estatuto dos Funcionários" (in Diário Oficial de 23-4-1956.)
Face à natureza da matéria, fez-se necessária a audiência prévia da douta Consultoria
Jurídica do Departamento Administrativo do Pessoal Civil, mesmo porque em pauta
referência a parecer emitido em 1956 sobre a hipótese, cujas conclusões foram tidas como
discordantes das do Tribunal de Contas. Em atenção à diligência proposta, o Doutor
Clenício da Silva Duarte, seu eminente titular, ponderou haver distorções na aplicação
daquele entendimento, porquanto só em situações especiais o tempo de serviço gratuito
poderia ser levado em conta. Salienta, ainda, que em recente manifestação (Processo n.º
4.600-73, in Diário Oficial de 28-3-74), colocou-se de inteiro acordo com o Egrégio
Tribunal de Contas na impugnação oferecida à determinada hipótese de contagem. Finalmente, quanto ao caso destes autos, o ilustre Consultor declara não haver possibilidade de
atendimento, por isso que se trata de exercício de aprendizado profissional (Aprendiz de
Alfaiate), essencialmente gratuito, o que impede sua contagem para qualquer efeito.
II
A verdade é que, até o momento, sob o amparo de orientação administrativa dominante se
delineia uma posição tendente a considerar computável o tempo de serviço gratuito
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
216
prestado antes do advento do Estatuto de 1939, sob color de inexistir legislação proibitiva a
respeito.
Os argumentos se reforçam na indicação de que a Lei n.º 1.713, de 28 de outubro de 1939.
declarou não ser computado, para qualquer efeito, o tempo de serviço gratuito (artigo 102),
depreendendo-se daí que somente a partir daquele Estatuto haveria obstáculo à referida
contagem. Sustentam, ainda. que, apesar da vedação inserta no artigo 40, da Lei n.º 1.711,
de 28 de outubro de 1952 (atual Estatuto) o seu art. 268 teria a inspiração de permitir a
contagem do tempo daquela natureza.
III
Em que pese as sólidas razões ensejadoras de tal entendimento, parece-me que a matéria —
tempo de serviço — é daquelas que vinculam o administrador na sua ação. vale dizer, que
impõe ao agente uma conduta estritamente dentro dos preceitos normativos.
O tempo de serviço é uma construção legal, que tem por suposto uma realidade factual. O
seu conceito e efeitos decorrem de disciplina que estabeleça os limites e alcance. De certo,
o pressuposto da contagem de qualquer tempo de serviço é a sua prestação remunerada,
caracterizadora do vínculo empregatício. O próprio art. 268 do Estatuto, de certa forma
liberal no tocante à consideração de tempo a ele anterior. prescreveu a condição essencial
de ser remunerado, "seja qual for a verba ou a forma de pagamento".
Logo, ainda que se admitisse ad argumentandum, contagem de tempo de serviço para
determinado efeito, ausente a respectiva norma, específica, em atenção aos princípios,
ainda assim não caberia aplicar-se o entendimento à hipótese de serviço gratuito, por faltarlhe o elemento essencial da configuração do vínculo, isto é, a remuneração.
Não seria, decerto, injurídico superar-se essa conceituação, mesmo porque relevante, em
alguns casos, a prestação de serviços não remunerados. Entretanto, a iniciativa de uma
posição correspondente se situa na competéncia legislativa, sendo defeso ao intérprete, em
tal caso. suprir a omissão dos textos.
O fato de não existir, anteriormente ao Estatuto de 1939. prece:__ restritivo à contagem do
tempo de serviço gratuito, não equivale a saia liberação, por isso que o assunto não
comporta ação discricionária til, governante, por estar no âmbito dos atos vinculados, isto
é. que de-_er dem de estrita disciplinação legislativa.
Mário Masagão, com apoio em Merikoski e Oviedo, mostra a diferença existente,
declarando que "o ato vinculado é aquele que alguma norma jurídica, obrigatória para o
órgão que o realiza, manda praticar num determinado sentido, desde que surjam os
requisitos por ela previamente estabelecidos" e "ato discricionário é o que o poder público
pode praticar, ou deixar dc praticar, conforme entenda conveniente para a administração".
(Curso de Direito Administrativo, pág. 149).
Mesmo a discricionariedade não é fruto de uma ampla liberdade de agir. Alguns tratadistas
chegam a ponderar não haver propriamente atos discricionários, mas atos praticados no
exercício de poderes discricionários, cumulativamente com poderes vinculados (Marcelo
Caetano. "Manual de Direito Administrativo" vol. I, pág. 442), porque a vontade, livre na
resolução, é vinculada na formação.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
217
Ora, tratando-se de direito funcional, a administração não pode usar do seu poder
discricionário para adotar uma regra de conduta que não seja ditada pelo ordenamento
jurídico pertinente, sob pena de incidir no arbitrário.
Justificar a medida com fundamento no aforismo, segundo o qual o que a lei não proíbe é
permitido fazer-se, seria negar a natureza, de direito público, do Direito Administrativo,
envolvendo-o na dogmática do direito privado. Com efeito, no campo de direito público,
rege a máxima de que se a lei não permite, é proibido fazer-se... É a decorrência do
princípio da legalidade.
Não é sem razão que o Egrégio Supremo Tribunal Federal tem recusado,
peremptoriamente, a contagem de tempo de serviço gratuito, quando pretendida ao
desamparo de regra legislativa que o reconheça. Na oportunidade do julgamento do
Mandado de Segurança n° 19.967, tomado à unanimidade, o eminente Ministro Thompson
Flores, Relator do feito, advertiu:
"Para que o rnandamus pudesse ter é xito, era mister que tivesse o requerente direito
líquido e certo à contagem do tempo de serviço gratuito prestado nas condições referidas
no relatório. Em outras palavras, que houvesse lei autorizando seu cômputo. Todavia, não
o fez. Antes, o que dispunha a legislação, a partir de 1939, com o advento do Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis da União — Lei n° 1.713-39, era, expressamente, da proibição
de serviço gratuito e sua conseqüente contagem (arts. 102 e 210). O vigente também
estabelece igual proibição". (Rev. Dir. Adm. vol. 116, pág. 179).
Não menos percuciente, o insigne Ministro Xavier de Albuquerque, por ocasião do mesmo
julgamento, ao declarar haver pesquisado a jurisprudência da Colenda Corte, sem encontrar
precedentes, arrematando o seu voto, inclusive sob o aspecto do direito adquirido, nesses
termos:
"A questão que, realmente, poderia surgir é a de que a proibição expressa só
veio em 1939. O Estatuto de então proibia expressamente a contagem. Depois,
o Estatuto ainda vigente não se pronunciou sobre a proibição, que se entende
seja implicita, porque ele proíbe a prestação de serviço gratuito em si mesmo. A
questão poderia surgir em termos de direito adquirido, porque o tempo de
serviço que ele alega ter prestado é anterior à proibição do Estatuto de 1939.
Todavia, não é citada qualquer lei que desse expressamente o direito à
contagem do tempo de serviço questionado."
Em um outro aresto, o Pretório Excelso na mesma linha de interpretação, decidiu:
"Tempo de serviço gratuito. É vedado a sua contagem, salvo quando, por lei,
haja sido considerado relevante. Inexistência de lei paulista neste sentido.
Precedente (RMS 18.673 — Diário da Justiça de 11-10-68) — Recurso em
Mandado de Segurança número 19.141, in RTJ. vol. 48, pág. 225).
Sem embargo das decisões que autorizaram a contagem do tempo de serviço gratuito,
prestado antes do Estatuto de 1939, porquanto sob a égide de orientação administrativa que
a admitia, forçoso é reconhecer a inexistência de motivos, de ordem doutrinária ou
jurisprudencial, que convençam do acerto daquele entendimento. Ao contrário, a
jurisprudência predominante do Egrégio Supremo Tribunal Federal afirmada aos conceitos
da doutrina, relativamente à ação do Administrador convenceu-me de que o tempo de
serviço gratuito anterior à Lei n° 1.713-39, não pode ser considerado para qualquer efeito,
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218
face à inexistência de diploma legislativo que o autorize. E só lei expressa, em qualquer
caso, pode autorizar o seu cômputo.
Brasília, 19 de novembro de 1974. — Luiz Rafael Alayer•, Consultor-Geral da República.
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220
V – NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
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222
HELY LOPES MEIRELLES — LICITAÇÃO E CONTRATO
ADMINISTRATIVO — EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS, SÃO
PAULO, 1973.
Ao se falar em Hely Lopes Meirelles temos a idéia voltada para o administrativista, sem
descurar do jurista completo e do magistrado que ilustra a Vara da Fazenda Pública em São
Paulo. Nesta condição, muitas sentenças do grande magistrado foram exaltadas no
Supremo Tribunal como mostra a Revista Trimestral de Jurisprudência. No Direito
Administrativo, Hely Lopes Meirelles destacou o seu lugar desde o seu primeiro livro:
Direito Municipal no Brasil, até o Direito Administrativo Brasileiro, singular livro pela
síntese e conteúdo, onde encontramos todos os temas administrativos, no mínimo como a
fonte de estudos para posteriores estudos.
Na obra agora examinada, foi garimpado excelente assunto do Direito Público, onde a
Administração encontra sérios embates, que povoam as páginas dos repertórios
jurisprudenciais.
Após o Decreto-lei n.º 200 nova vida foi dada à licitação, superando os velhos conceitos do
Código de Contabilidade Pública.
Seu conteúdo reflete todo o conjunto: o conceito e finalidades da licitação; princípios da
licitação; objeto da licitação; modalidades da licitação.
Considerando a licitação como procedimento administrativo mediante o qual a
Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu
interesse, Hely baliza o roteiro a seguir, que encontra nas espécies de licitação a grande
razão do livro.
A obediência e vários princípios encontra no livro o estudo necessário. Assim em relação
às normas técnicas, que são fixadas pela ABNT por expressa determinação da Lei n.º
4.150/62. Outro tema: a notória especialização, que é o reconhecimento da alta capacidade
profissional, tem dado margem a discussão, principalmente nos Tribunais de Contas. Hely
reconhece a notória especialização por critérios subjetivos do conceito geral de que goza o
profissional ou a empresa no campo de sua especialidade. Esse conceito se forma pelo bom
desempenho do especialista ou da firma especializada em serviços anteriores, aliados aos
estudos, experiências e publicações técnicas ou científicas sobre a matéria. Essa
especialização refere-se unicamente a serviços técnico-profissionais, e não a obras,
compras ou alienações, como também exclui os Serviços técnicos rotineiros, embora
executados com perfeição pelo autor. Notoriedade não se confunde com habilitação
profissional.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
223
Outro ponto de profundos interesses é o da exclusividade do fornecedor, que afasta a
possibilidade de licitação. Distingue a exclusividade industrial da exclusividade comercial.
Aquela é a do produtor privativo no País; esta é a dos vendedores e representantes na
praça.
Quanto aos serviços de engenharia, lembra bem o atendimento imposto pela Lei n.º
5.194/66 que exclui de concorrência de preço, e sujeita ao concurso, os trabalhos
profissionais relativos a projetos (art. 83). Este ponto é capital, principalmente no que
concerne aos projetos arquitetônicos.
Para atendimento a obras de vulto está sendo comum o consórcio de firmas ou empresas,
isto é, a associação de várias organizações técnicas, industriais, comerciais para a
participação em determinada concorrência.
Na pré-qualificação não há confusão com habilitação preliminar nas concorrências. Esta se
faz em cada concorrência e aquela se realiza para todas as licitações. Também não há
confusão entre pré-qualificação e pré-classificação que se opera no exame técnico das
propostas. A Administração seleciona previamente as firmas que poderão participar com a
desejável capacidade técnica e financeira da concorrência ou concorrências que se abrirem.
Na pré-qualificação não se apresentam propostas, mas apenas a documentação
comprobatória da personalidade jurídica, da capacidade técnica e financeira. Esta
providência não significa o afastamento de licitantes.
Outro ponto controvertido em que Hely Lopes Meirelles toma par-tido, é não considerando
obrigatória a licitação nas empresas públicas. O Decreto-lei n.º 200 é taxativo na
exclusividade à Administração Direta e autarquias.
Na segunda parte, dedicada ao contrato administrativo, aborda o equilíbrio financeiro do
contrato administrativo, excelsamente tratado pelo Prof. Caio Tácito em 1960. A
correlação entre o objeto do contrato e a sua remuneração, originariamente prevista e
fixada pelas partes, deve ser conservada durante toda a execução do contrato, até chegar à
exigência da revisão dos preços, que tem atormentado os tribunais, e fez o governo editar
normas legais para obviar a inflação, como ocorreu com o Decreto-lei no 185/67.
Na parte relacionada com o Tribunal de Contas, ressalta a importância dos registros
administrativos internos, a despeito da inexistência do registro a priori do contrato.
Nas garantias para a execução do contrato, refere-se ao seguro-garantia, hoje muito
confundido com o performance-bond que no Brasil destina-se a obras de investimento
habitacional, apesar de não instituído ainda. No direito inglês o bond insurance é o segurogarantia genericamente falando.
Aditando a legislação pertinente, o Prof. Hely Lopes Meirelles deu mais uma de suas aulas.
sempre atualizando os temas do Direito Administrativo.
***
SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA — As Fundações de Direito Privado instituídas
pelo Poder Público no Brasil, Tese, Rio, 1970.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
224
Quando o autor foi aprovado em primeiro lugar no concurso para ingresso no Ministério
Público do então Estado da Guanabara, até a imprensa local interessou-se em entrevistar o
jovem que quase obtivera grau dez em todas as provas. Despontava então um jurista de
escol, que não dormiu sobre os louros, e na condição de Assistente do insigne Prof. Caio
Tácito, na Faculdade de Direito da UEG, aparatou-se para a Livre-Docência de Direito
Administrativo que obteve com a tese em epígrafe.
Aflorava um tema de real importância que culminou com o Decreto-lei n° 900, não
equiparando as fundações às empresas públicas. Mos-trava, assim, detalhe da fundação
com objetivos públicos para não considerá-las pessoa jurídica de Direito Público,
apontando a opinião de Clóvis Bevilácqua de que o Estado podia criar fundações.
Conclui também que as fundações não são entidades paraestatais, pois, excluídas da
Administração Indireta.
***
SÉRGIO BERMUDES — Comentários ao Código de Processso Civil — Volume VII
— arts. 496 a 565 — Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1975.
A edição de Comentários completos sobre o novo Código de Processo Civil dá a láurea a
duas consagradas editoras: a Forense e a Revista dos Tribunais. Esta é imorredoura na obra
imortal que lhe perpetua o nome em seus 60 anos de existência em perto de 500 volumes. É
uma consagração. No Brasil, os escritos jurídicos não têm proliferação proporcional ao
número de bacharéis, de advogados ou de leis. Vejam as publicações dos países latinos:
França, Portugal, Itália e em outros como nos Estados Unidos, cujo índice geral da
Biblioteca da Suprema Corte ou do Congresso apresenta mais de sessenta revistas
jurídicas, destacando-se as notáveis Harvard Law Review, Yale Law Review, Columbia
Law, etc. É a consagração do primado do Direito, e o interesse no seu estudo. Por-tanto,
essas editoras são as vanguardeiras dos assuntos momentâneos, e os aplausos dirigem-se
não só a seus dirigentes, também aos organiza-dores dos seus trabalhos seriados, como é o
caso dos Comentários ao Código de Processo Civil em edição da Editora Revista dos
Tribunais, fruto da pertinácia do Prof. Sergio Bermudes, que com seu espírito jovem, de
denodado professor e atilado advogado no Rio de Janeiro, conseguiu reunir doze autores
em torno desses treze volumes dedicados a esse instrumento fabuloso do advogado, o
Código de Processo Civil.
Neste sétimo volume são abordados os recursos, matéria de si importante como apelo
humano do descontente com a decisão que lhe é adversa. Então, o recurso antes de mais
nada é ato humanitário necessário a alguém que clama por justiça.
Seguiu-se o critério do exame individual do artigo do Código, e não à dissertação do
instituto. o que não seria próprio para trabalho deste quilate.
No exame preambular do recurso do ponto de vista conceitual é leito o exame da posição
histórica do recurso, até a classificação dos mesmos, para depois passar ao exame dos
artigos.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
225
Fixa sua posição em favor da corrente que considera não ser provisória a execução na
pendência de recurso extraordinário, orientação contrária à Súmula n.º 225, mas tem
também a defesa de Amilcar de Castro, José Frederico Marques e Pedro Batista Martins.
Recentemente o Tribunal Federal de Recursos examinando agravo regimental contra
despacho do Presidente daquele Tribunal, por maioria, considerou definitiva a execução,
mormente à vista do art. 497 do CPC, que diz: o recurso extraordinário não suspende a
execução da sentença. Em nosso livro Processos da Competência do Supremo Tribunal,
Revista dos Tribunais, 1971, examinamos esse ponto, porém, antes da vigência do atual
CPC.
Examina o recurso adesivo que é instituto adotado no novo Código, criticando sua
denominação. Melhor seria recurso subordinado, porquanto o conhecimento do recurso fica
condicionado ao da primeira impugnação.
Ao tratar da irrecorribilidade dos despachos de mero expediente mostra com José Alberto
dos Reis o andamento regular do processo, e esses despachos não ofendem direitos das
partes ou de terceiros.
Examina no agravo retido os efeitos do provimento por maioria. Se cabem embargos
infringentes? A matéria já foi examinada no Código anterior quanto ao agravo no auto do
processo. A doutrina dividiu-se. O STF passou a adotar a negativa. Nesta linha encontra-se
o autor.
No trato dos embargos de declaração lembra o dispositivo do atual Código que expungiu
dúvida inclusive em julgado do Supremo Tribunal. Se a suspensão de prazo para a
interposição de recurso beneficiava apenas o embargante ou também o embargado. A
dúvida está superada no art. 538 ao pluralizar a expressão: interposição de outros recursos.
Enfim, Sergio Bermudes ao publicar o seu Curso de Direito Processua Civil e sua Iniciação
ao Estudo do Direito Processual Civil, já as-sentava o nome digno que tem entre os
processualistas brasileiros. É tempo integral ao assunto como professor e advogado.
***
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO — Prestação de Serviços Públicos e
Administração Indireta, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1973.
O Decreto-lei n° 200 trouxe novo alento a essa pessoa jurídica de direito privado com
capital exclusivo do Poder Público: a empresa pública.
Daí em diante, houve interesse inusitado na ampliação da empresa pública, e na
transformação das autarquias em empresas públicas como foi o caso da Caixa Econômica
Federal, BNDE, BNH. Justificou-se essa medida com a necessidade de maior flexibilidade
nas suas operações, que estavam tolhidas pelas regras inflexíveis regedoras das autarquias.
A Constituição (art. 170) também colaborou para a difusão da em-presa pública e sua
caracterização jurídica de direito privado, dizendo que na exploração, pelo Estado, da
atividade econômica, as empresas públicas reger-se-ão pelas normas aplicáveis às
empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao das obrigações e
sujeitando-as também ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
226
A literatura sobre a empresa pública ainda é escassa, apesar da dou-trina estrangeira
avantajar-se no assunto. No Brasil, além da contribuição de Manoel de Oliveira Franco
Sobrinho, não temos tido trabalhos de vulto. Agora, surge "Prestação de Serviços Públicos
e Administração In-direta", do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello.
O Prof. Celso Antônio, ao conquistar a livre docência na PUC de São Paulo com o estudo
clássico sobre as autarquias, já lançava as bases para o estudo que a Editora Revista dos
Tribunais Ltda. publicaria em fevereiro de 1973, sobre a Prestação de Serviços Públicos.
Paradoxalmente, como afirma, de público, aperas essas empresas têm o capital exclusivo
do Poder Público.
Mas não serão Sociedades, ou seriam de um acionista? Conceituou a empresa pública
como a pessoa jurídica de direito privado, constituída, sob forma de sociedade mercantil e
formada por capitais exclusivamente governamentais.
Outros temas foram aflorados, entre eles: o controle administrativo e financeiro das
empresas públicas, a responsabilidade civil, a extinção da empresa pública, a greve na
empresa pública.
O Estado não é, nem mesmo subsidiariamente, responsável pelas obrigações contraídas
pelas empresas públicas, por serem pessoas dele distintas.
Aí está o ponto inicial animador dos tratadistas para o âmbito da empresa pública. Grandes
autarquias foram transformadas em empresa:, públicas (BNH, BNDE, Caixa Econômica
Federal). Por isso, o tema é rico e vasto para o exame:
Alcance do art. 170, § 2º, da Constituição Federal; a relação administração pública e
empresa pública; o controle da empresa pública.
O tema da empresa pública foi analisado pelo Prof. Celso Antônio, partindo da prestação
centralizada e descentralizada de serviços públicos, perpassando pela administração direta
e indireta até chegar às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações.
Tudo isso no livro que intitulou "Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta".
A contribuição incessante do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello consagrada em
"Natureza e Regime Jurídico das Autarquias", com o exame da natureza jurídica da
autarquia; a posição da autarquia diante da descentralização e a relação entre esta e a
desconcentração. Temas aguça-dos com o Decreto-lei n.º 200, porém, tratados antes deste
diploma legal com maestria e segurança.
Por isso, esta crítica bibliográfica é mais desafiadora do que encomiástica, a quem produzir
e tratar os assuntos de Direito Administrativo, com perspicácia e atualidade, porque o
Direito Administrativo necessita de bibliografia brasileira, pois, muitos assuntos e
institutos são essencial-mente nacionais.
(Celso Antônio Bandeira de Mello — Prestação de Serviços Públicos e Administração
Indireta — Editora Revista dos Tribunais, 1973.)
Roberto Rosas
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V. - NOTICIÁRIO
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230
O Dr. Roberto Rosas apresentou ao II Encontro Nacional de Procuradores Municipais,
realizado em São Paulo, a tese sobre O Peculiar Interesse na Região Metropolitana.
***
O Supremo Tribunal indicou o Dr. José Guilherme Villela na classe dos juristas para
ocupar uma das vagas do Tribunal Superior Eleitoral.
***
O Conselheiro Cyro dos Anjos ultima o segundo volume de suas memórias.
***
Na Coleção de Comentários ao Código de Processo Civil, editada pela Revista dos
Tribunais de São Paulo, o 6° volume é de autoria do Dr. Roberto Rosas. São treze volumes
redigidos por Hélio Tornaghi, Haroldo Valladão, Amilcar de Castro, Luiz Eulálio de
Bueno Vidigal, José Frederico Marques.
***
O Conselheiro Heráclio Salles tem uma atividade que reputa das mais importantes de sua
vida: o magistério na Faculdade de Direito do DF. Sem descurar de sua missão no TCDF,
ainda encontra algum tempo noturno para suas aulas.
***
Na posse do Conselheiro José Wamberto na Academia Pernambucana de Letras, o TCDF
esteve representado pelo Conselheiro Geraldo Ferraz e pela Procuradora-Geral Dra. Elvia
Lordello C. Branco. O empossado foi saudado por Mauro Motta, apreciado poeta
pernambucano e membro da Academia Brasileira.
***
O novo Auditor do TCDF, recentemente aprovado em concurso, Dr. Bento José Bugarin,
manteve suas atividades como Professor da Universidade de Brasília.
***
O Conselheiro José AVamberto e o Desembargador Milton Sebastião Barbosa foram
nomeados membros da Ordem do Mérito de Brasília.
***
A Conferência do Embaixador \Vladimir Murtinho no Centro de Estudos do TCDF sobre
as Perspectivas da Educação e da Cultura no DF trouxe extraordinários dados sobre esses
importantes setores da vida da Capital da República.
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
231
***
Ao ensejo da Conferencia do Ministro Pereira Lira sobre o surgi-mento do Código Civil no
Centro de Estudos, foi lançado o 19 número da Revista TCDF, com o comparecimento dos
Ministros do TCU, Deputados, Senadores, Professores e outros convidados.
***
O TCDF chegou a programar uma homenagem ao Ministro Aliomar Baleeiro por sua
despedida do Supremo Tribunal. O lamentável problema de saúde impediu essa pretensão.
Na palestra do Ministro Batista Ramos sobre A Legalidade Orçamentária, no Centro de
Estudos do TCDF, ficou expresso que a despesa, para ser efetivada, depende de um
conjunto de regras jurídicas, entre elas através dos: Projetos Especiais (PIN, PIS,
PROTERRA, etc.), PND; Orçamento Plurianual de Investimentos; Orçamento-Programa
Anual. É enfim o ciclo orçamentário.
***
O Decreto n° 73.140, de 9-11-73, que regulamenta as licitações e os contratos relativos a
obras e serviços de engenharia, aplica-se ao Distrito Federal por força do art. 94.
Destaque do Capítulo XV do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975—1979):
"Introdução progressiva de nova tecnologia de orçamento, pela absorção, na
administração centralizada e nas autarquias, de métodos de gestão e controle
utilizados pelas empresas, governamentais e privadas; e pelo fortalecimento da
capacidade de elaborar projetos adaptados às peculiaridades dos diferentes
setores, inclusive os sociais."
NOTÍCIAS DO CENTRO DE ESTUDOS DO TCDF
(TRECHO DO RELATÓRIO DA PRESIDÊNCIA — 1974)
No transcurso do exercício, tive a grata oportunidade de assinar a Portaria n.º 40, de 13 de
maio de 1974, por meio da qual se criou o Centro de Estudos do Tribunal de Contas do
Distrito Federal, cumprindo assim o decidido pelo Plenário em sua 182ª Sessão Especial,
realizada a 7 de fevereiro do mesmo ano.
Esse órgão, que visa primordialmente ao aprimoramento dos serviços da Corte, através de
cursos, pesquisas, estudos, debates, seminários, encontros ou quaisquer outros processos
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
232
educacionais, relacionados com as nossas atividades, teve o seu Regimento aprovado pela
Resolução n.º 1/74, de 6 de junho de 1974.
A sua instalação constou de ato solene, realizado no Auditório desta Corte, a 28 de junho,
com a presença de inúmeros convidados. A sessão foi presidida pelo Ministro Batista
Ramos, do Tribunal de Contas da União. Durante a reunião, o Dr. Sebastião Batista
Afonso, Procurador do TCU, pronunciou conferência sob o título "Aposentadoria no
Serviço Público".
Além das reuniões ordinárias que o Centro realizou para programação de suas atividades,
foram promovidas as seguintes palestras:
Controle Interno como instrumento de eficácia do Controle Externo, pelo Dr. Fernando
Tupinambá Valente, Secretário de Finanças do Governo do Distrito Federal, em 2 de
agosto de 1974.
Tomadas de Contas, pelo Dr. Rubens de Oliveira Lima, Inspetor-Geral da 9a IGCE do
Tribunal de Contas da União, em 30-8-74.
Tarefas de que se desincumbe o Tribunal de Contas do Distrito Federal, todas
fundamentadas na Constituição Brasileira, pelo Ministro José Pereira Lira, em 29-10-74,
por ocasião da posse do Dr. Roberto Ferreira Rosas como Diretor do Centro.
CURSOS
Inspirada no mesmo propósito que presidiu a criação do Centro de Estudos, foi implantada
nesta Corte, em cumprimento à Resolução n° 1, de 13 de novembro de 1973, a Seção de
Recrutamento, Seleção e Treinamento, que já realizou 18 cursos no exercício de 1974.
ATO REGIMENTAL N.° 7
Com o objetivo de atualizar as normas regimentais referentes ao controle externo da
Administração do Distrito Federal, tornando-as mais eficazes, particularmente na parte
relativa às inspeções e às prestações ou tomadas de contas, foi editado o Ato Regimental
n.º 7, de 30 de outubro de 1974, cujo artigo 72 revogou os Atos n.ºs 1 e 2, por estar
consolidada no novo Ato a matéria que lhes era pertinente.
***
Foi instituído um Concurso de Monografias para servidores do TCDF. O tema: Alcance do
Controle da Administração Pública no DF.
***
CORRUPÇÃO, A AMEAÇA PERMANENTE
A algumas semanas da posse de 21 governadores, de um novo Congresso e das
Assembléias estaduais, o País enfrenta a tarefa difícil — e nem sempre possível — de
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
233
apurar irregularidades administrativas ou casos de corrupção indiscutível e punir os
responsáveis.
O "Buritigate", escândalo conhecido bem antes da rejeição das contas de 1973 do Governo
do Distrito Federal; a duvidosa falência de um frigorífico em Mato Grosso, as
irregularidades pernambucanas e as acusações contra algumas empresas de economia mista
gaúchas — tudo isso mostra que a corrupção não é problema imaginário no Brasil de 1975.
Contudo, há alguns obstáculos que dificultam o combate a todas as formas de ineficiência e
de desvio de recursos na administração indireta. Uma delas é a falta de competência legal
dos tribunais de contas para fiscalizar as empresas de economia mista (responsáveis por
aplicações quase equivalentes ao orçamento da União). Essas empresas, porém, nem
sempre aplicam da melhor forma os recursos que, em última instância, são dinheiro do
povo.
Entre a incompetência e a má-fé, estende-se um terreno indefinido que abrange o
despreparo técnico-profissional, os vícios de estrutura, as falhas de legislação, e tudo mais
que facilita o equívoco, multiplica os erros e reduz a produtividade.
Um dos aspectos mais vulneráveis do sistema institucional vigente, que representa
verdadeiro estímulo à corrupção, é o que permite ao poder público — União, Estados e
Municípios — criar sociedades de economia mista, cujos orçamentos não são fiscalizados
pelos Tribunais de Contas.
Ao contrário dos órgãos da administração direta, que tem de prestar contas aos Tribunais
de sua vida contábil, as empresas de economia mista estão livres dessa exigência e
manipulam o dinheiro público praticamente sem fiscalização. Isso ocorre a despeito da
consagração universal do princípio, segundo o qual todo aquele que maneja dinheiro
público está sujeito à fiscalização.
As sociedades em que as pessoas de direito público interno são acionistas majoritários —
CESP, SABESP, PRODESP e várias outras em São Paulo — manipulam vultosos recursos
oriundos dos cofres públicos. Para que se faça idéia do volume de tais recursos, basta dizer
que em São Paulo eles igualam — se é que já não superaram — o próprio orçamento do
Estado.
No entanto, fugindo à regra, essas empresas, revestindo-se da forma de companhias
anônimas, fazem valer a condição de entidade de direito privado para escapar à fiscalização
financeira e orçamentária dos Tribunais de Contas.
Poderia ressalvar-se que a fiscalização das sociedades anônimas compete aos respectivos
conselhos fiscais. Realmente, a Lei das Sociedades Anônimas em vigor estabelece que aos
membros do conselho fiscal das companhias incumbe, entre outras coisas, examinar em
qualquer tempo, pelo menos de três em três meses, os seus livros e papéis, o estado da
caixa e da carteira, apresentando à assembléia-geral ordinária parecer sobre os negócios e
operações sociais do exercício em que servirem, to-mando por base o inventário, o balanço
e as contas dos diretores. É dever legal, imperativo, dos membros do conselho fiscal
denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo as medidas que
reputarem úteis à sociedade.
Isto é o que diz a letra da lei. Na realidade, as coisas se passam de forma bem diferente. Os
conselhos fiscais não passam de mera formalidade legal. Seus membros são escolhidos
pelos acionistas majoritários, permitindo-se que os dissidentes, desde que representem um
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
234
quinto do capital social, e os titulares de ações preferenciais elejam separadamente um
conselheiro e respectivo suplente. Isso de pouco vale, porque as decisões do conselho fiscal
são tomadas por maioria.
Assim constituídos, em geral, pelos amigos, pessoas de confiança dos acionistas
majoritários, os conselhos fiscais nada fiscalizam, limitando-se os seus membros a assinar
periodicamente os pareceres que devem legal-mente ser apresentados às assembléias
societárias, percebendo por esse trabalho uma quantia anual meramente simbólica.
No que diz respeito às sociedades de economia mista, as coisas ainda se agravam, porque
os membros dos conselhos fiscais são meros servidores, designados pelo poder público,
que, como acionista majoritário, também nomeia as diretorias. Isso significa que os
conselheiros fiscais das empresas estatais não têm autonomia nem independência para o
exercício das funções que legalmente lhes competem, cumprindo apenas as ordens de tudo
aprovar. É esse um controle sui generis, em que o fiscalizador é subordinado do que deve
ser fiscalizado. Em suma, não existe fiscalização.
Essas informações são de conhecimento geral, porém até agora as autoridades nada fizeram
para eliminar o problema. A esperança que existe no momento é de que a anunciada
reforma da Lei das Sociedades Anônimas deverá abolir os conselhos fiscais, criando outra
forma de fiscalização. Na exposição de motivos que acompanhou o projeto de reforma,
sugeriu-se a supressão do conselho fiscal, a ser substituído por auditoria externa
obrigatória.
Com essa alteração, as sociedades anônimas ficarão obrigatoriamente sujeitas a uma
fiscalização efetiva, por auditores externos, que, por sua vez, responderão civil e
criminalmente pelo respectivo certificado. Entre outros benefícios, essa fiscalização por
auditoria externa servirá para proteção dos acionistas minoritários, em especial no caso das
sociedades de capital aberto.
Diversos Tribunais de Contas dos Estados, e até mesmo da União, têm-se batido nos
últimos anos pela necessidade de fiscalizar as empresas de economia mista, porém ainda
não se chegou a um resultado satisfatório. Todos os autores de projetos nesse sentido
acreditam que a nova Lei das Sociedades Anônimas poderá regulamentar a questão,
transferindo a fiscalização das empresas pertencentes ao Estado para os Tribunais de
Contas.
No caso de São Paulo, existe a possibilidade de o Partido da Oposição, majoritário na
Assembléia Legislativa, aprovar projeto de lei instituindo a fiscalização obrigatória. Essa
seria a forma de dificultar a corrupção na administração centralizada.
(Transcrito de O Estado de S. Paulo, de 26-1-1975.)
FALTA DE LEGISLAÇÃO MAIS EFICAZ É UMA DAS CAUSAS
Da incompetência à corrupção, a escalada é imperceptível. O problema é grave e já
preocupa quase todos os governos, especialmente nos regimes democráticos.
Às vezes urna concorrência pública pode ser preparada de tal modo due apenas um
concorrente, previamente escolhido, terá condições de ganhar a competição. As curiosas
exigências começam a surgir no edital, deixando-se antever o "feliz ganhador". E com
freqüência há aparência de rigor e moralidade: "A firma executora desses serviços deve ter
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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experiência mínima de 20 anos no ramo". Como, por hipótese, só a firma dos amigos do rei
tem esse tempo de experiência...
Outras vezes a concorrência seleciona a proposta pelo "menor preço", preferindo o
argumento aritmético irrespondível. Mas, pouco depois de iniciadas as obras, começa a
batalha dos reajustamentos. Ao final das obras, o contrato vencedor superará todos os
demais concorrentes em valores corrigidos.
COMO PUNIR?
Que tribunal poderá, nas condições da legislação atual, punir eventuais abusos desse tipo?
A escolha de equipamentos, materiais ou projetos pode, em certas circunstâncias, ser
"conduzida" para que determinado fornecedor seja o único possível a satisfazer as
exigências de uma concorrência. Assim, a opção por determinada tecnologia, com todas as
implicações econômicas que acarretará, pode trazer futuros problemas, de médio e longo
prazos, quando se tiver de corrigir ou readaptar a estrutura de produção ou de serviços
adotada.
Os estudiosos desses tipos de problemas consideram que é preferível e mais prático dotar a
sociedade de meios eficientes de combate à corrupção em todos os seus estágios, do que
simplesmente pregar a reforma moral dos homens que administram o patrimônio público.
Entre esses meios está a legislação em primeiro lugar. Mas não é a única. E dificilmente
pode dar bons resultados se não contar com outras medidas complementares essenciais. A
profissionalização das empresas, com a utilização de critérios realmente corretos para a
avaliação das decisões, a priori, e dos resulta-dos concretos, a posteriori, pode ser
exigência indispensável para o aumento da eficiência também nas empresas públicas e de
economia mista.
COMO COMPROVAR?
Nem por amostragem, contudo, podem os tribunais de contas examinar tais aspectos,
inquirir sobre as razões mais objetivas que orientaram as empresas governamentais em suas
decisões. Qualidade, preço e prazos são três questões fundamentais que dificilmente podem
ser avaliadas pela fiscalização, com base na legislação atual. Que dizer dos problemas
extremamente especializados que envolvem o custo final de cada unidade de serviço, das
obras, dos materiais de consumo, dos equipamentos ou da conveniência tecnológica de tal
ou qual sistema adotado?
A tudo isso se soma o evidente despreparo técnico-profissional que caracteriza a maioria
do pessoal de nossas sociedades de economia mista, empresas estatais e autarquias. Esse
despreparo, como resultado da carência de recursos humanos nacionais, reflete-se da forma
mais negativa na economia nacional, impedindo o aumento de produtividade global e a
redução de custos sociais dos serviços públicos. Diante de uma barragem, um engenheiro
dizia há poucos anos que o governo nunca poderia saber qual o custo real do metro cúbico
de concreto ali aplicado. . .
COMO RESOLVER?
Não se trata de um problema exclusivamente brasileiro. Muitos países já estudam todas as
implicações da ineficiência de certas estruturas governamentais ou paraestatais, bem como
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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as possíveis soluções para a tendência universal de elevação de custos e baixa
produtividade que domina os serviços públicos estatizados.
Essa ineficiência da máquina administrativa governamental não pode ser compreendida nos
limites do raciocínio moralista nem se corrige com punições ou ameaças. Recorde-se que a
maioria das autarquias e setores sujeitos ao exame legal dos tribunais de contas acabam
obtendo o alvará de aprovação de suas contas do ponto de vista formal e contábil.
Mas, quando se trata de empresas de economia mista, surgem as falhas em dois níveis.
Internamente, elas não estão preparadas para a super-visão de custos e o aumento da
produtividade. De fora para dentro, não há fiscalização do Poder Público (que ali investe a
maior parte).
A pergunta central dos estudiosos é esta: "Que conseqüências globais terão tais
procedimentos: as escolhas e a aceitação inadequadas de sistemas e serviços deficientes,
obras mal construídas, equipamentos e mate-riais de baixa qualidade — tão freqüentes nos
setores estatais de transportes, comunicações, siderurgia, energia e serviços públicos
essenciais?"
(Transcrito de O Estado de S. Paulo, de 26-1-1975.)
INAUGURAÇÃO DO "PALÁCIO PRESIDENTE COSTA E SILVA"
(Sede do TCDF)
Somente a 21 de março de 1972 — doze anos depois de sua criação — pôde o Tribunal de
Contas do Distrito Federal instalar-se em sua sede própria, graças ao apoio que lhe deu
nesse sentido o saudoso Presidente Costa e Silva, em cujo Governo teve início a construção
do prédio.
Projetado pelo arquiteto Nauro Esteves e dispondo de 8 andares e de 5.000 m2 de área
interna, o Tribunal foi localizado à esquerda do "Palácio do Buriti" — sede do Governo do
Distrito Federal — e à frente do "Palácio da Justiça", integrando, assim, o belo conjunto
arquitetônico situado na linda e monumental esplanada em que se abrigam os poderes
locais.
A solenidade de inauguração, que contou com a presença do Excelentíssmo Senhor Emílio
Garrastazu Médici, digníssimo Presidente da República, compareceram altas autoridades
civis, militares, eclesiásticas e diplomáticas.
Em nome do Tribunal, discursou o Conselheiro José Wamberto, em cuja Presidência foi
concluída a sede da Corte, que recebeu o nome de "Palácio Presidente Costa e Silva".
Durante a solenidade, foi homenageado também o saudoso Presidente Humberto de
Alencar Castello Branco, cujo busto em bronze foi colocado no saguão principal do
edifício.
Ao final, no Salão Nobre do Tribunal, foi inaugurado o retrato do Presidente Emílio
Garrastazu Mediei, falando, na ocasião, o Conselheiro Heráclio Salles.
DISCURSO DO CONSELHEIRO JOSÉ WAMBERTO
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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"Por generosa delegação do Senhor Presidente Geraldo de Oliveira Ferraz e dos
demais companheiros deste Tribunal, cabe-me a elevada honra de saudar Vossa
Excelência, Senhor Presidente Emílio Garrastazu Medici e, na pessoa de Vossa
Excelência, a Revolução de Março de 1964.
Se, ao ensejo deste ato, menciono o grande movimento que veio repor a Nação
no caminho dos seus ideais e da sua grandeza, é porque, Senhor Presidente, as
Cortes de Contas e, em particular, a do Distrito Federal, têm razões especiais
para manifestar-lhe o seu reconhecimento e o seu apreço.
De fato, o primeiro Governo Revolucionário, chefiado pelo sempre lembrado
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, na reformulação profunda da
vida brasileira, colocou no centro das suas preocupações a rigorosa fiscalização
dos gastos públicos. E para possibilitá-la com rigor e perenidade, baixou a 25 de
fevereiro de 1967, dois Decretos-leis que são um marco na história dos
Tribunais de Contas: os de n.ºs 199 e 200, dispondo sobre a organização do
Tribunal de Contas da União e sobre a Reforma Administrativa.
Estas duas importantes Leis consagram uma concepção que mais se ajusta à
nova mentalidade dominante na Administração Pública a partir de 1964: agir
com presteza e dinamismo e sem o mais leve prejuízo para a rígida fiscalização
financeira.
Na verdade, Senhor Presidente, a Reforma Administrativa veio acrescentar ao
controle externo um bem estruturado controle interno para a segurança das
decisões e a definição da responsabilidade do administrador, através do
disciplinamento da gestão financeira, da reorganização da contabilidade e da
criação das auditorias.
Paralelamente, a Reforma fortaleceu os Tribunais ao estender a sua ação
fiscalizadora a toda a Administração, quer a direta, quer a indireta, e ao armálos de um poderoso instrumento as inspeções, o que tornou possível uma rápida
e desembaraçada atuação onde e no momento em que se fizer necessária.
Mas o primeiro Governo da Revolução não ficou aí, Senhor Presidente. A Carta
Magna de 1967, secundada pela Emenda Constitucional n.º 1, de 1969, deu ao
Tribunal de Contas do Distrito Federal status constitucional ao citá-lo
expressamente em várias das suas soberanas disposições.
O segundo Governo da Revolução, sob a presidência do saudoso Marechal
Arthur da Costa e Silva, prosseguiu no fortalecimento deste Tribunal. Fixadas,
pelo Governo anterior, as novas e ampliadas dimensões da nossa competência,
o Governo assegurou-nos prontamente a estrutura que as recentes
responsabilidades reclamavam.
Assim, o Presidente mandou ao Senado o projeto que se transformaria na Lei n.º
5.538, de 22 de novembro de 1968, e que é a nossa Lei Orgânica. Igualmente
assinou, logo em seguida, o Decreto-lei n.º 378, de 23 de dezembro de 1968,
dispondo sobre o quadro do pessoal dos Serviços Auxiliares do Tribunal.
Mas não se limitou a isto o segundo Governo da Revolução. Ao ser suscitada,
por ocasião da Reforma Constitucional de 1969, a conveniência de se dar
denominação privativa aos membros do Tribunal de Contas do Distrito Federal,
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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foi o Presidente Costa e Silva quem, pessoalmente, procurou solução condigna.
Consultando, ele próprio, publicações especializadas, escolheu o título
finalmente consagrado pela Constituição em vigor, e que é o mesmo adotado
para os membros das Cortes Supremas de Contas da Alemanha Ocidental, da
Bélgica, da França, da Itália e do Japão.
O terceiro Governo da Revolução, liderado por Vossa Excelência, Senhor
Presidente, tem propiciado o aprofundamento da nossa ação fiscalizadora, não
apenas aperfeiçoando os regulamentos e baixando recomendações, como,
sobretudo, dando o poderoso exemplo de um inflexível e infatigável zelo pelo
correto e produtivo emprego dos dinheiros públicos. Ao mesmo tempo, através
do honrado e eficiente Governador do Distrito Federal, Coronel Hélio Prates da
Silveira, o terceiro Governo da Revolução concedeu-nos os recursos com que
esta Corte edificou a sua sede definitiva, o "Palácio Presidente Costa e Silva",
onde estará mais habilitada a desempenhar a sua alta tarefa constitucional.
Manifestando a Vossa Excelência a nossa gratidão por ter vindo até aqui e
conferido a esta Corte a subida honra de sua presença, cabe-me, também, em
nome dos meus pares, agradecer ao Excelentíssimo Senhor Governador e aos
seus dignos auxiliares o comparecimento a esta solenidade, cuja realização se
tornou possível graças ao seu precioso concurso.
Destacarei ainda no meu agradecimento, os ilustres representantes das famílias
dos dois primeiros Presidentes da Revolução, e bem assim as autoridades civis e
militares, magistrados e convidados aqui presentes.
A todos, muito obrigado."
Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – V. 2
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Maio/1975 - Tribunal de Contas do Distrito Federal