Tradução
Joaquim Levy: JL
Moderador: M
Estudante: E
M: O senhor começou como engenheiro naval, depois foi trabalhar em um banco, a
seguir trabalhou no FMI, então foi para o setor público, voltou para o setor privado, e
agora abraçou um grande desafio, para dizer o mínimo. Seria ótimo poder ouvir sobre
a sua trajetória pessoal.
JL (0:24): Em primeiro lugar, é um prazer estar aqui. Estou muito contente de
reencontrar a Janet, o Luis, entre outros amigos. É muito bom estar aqui, sobretudo
porque considero a educação uma questão muito importante para o Brasil.
Expandir talentos e habilidades, ter mais pessoas dispostas e devotar tempo
para aprender, praticar, isso é o que realmente faz diferença para um país. E,
de certa forma, isso também teve um papel importante no meu caso, a oportunidade
de enfrentar novos desafios, de utilizer o que aprendi, as habilidades que construí,
para enfrentar questões, e a crença na capacidade de mudar a situação. Creio que
isso foi em geral o que me fez abraçar oportunidades. Eu também acredito que
quando uma pessoa é qualificada e quando se mantém atualizada sobre as coisas,
ela está preparada para os desafios. [...]No Brasil, costuma-se dizer que se deve
aproveitar para montar um cavalo quando ele passa selado. Se você estiver
preparado, pode montá-lo e fazer coisas boas. Muitas das coisas que me levaram a
diferentes oportunidades estavam relacionadas ao meu conhecimento de
matemática. Como muitos de vocês sabem, Engenharia é uma boa base para
Economia, e estou seguro de que seus professores ensinaram a vocês equações
diferenciais de segunda ordem e condições de contorno, que também são a base da
engenharia mecânica e elétrica. Então, todas essas coisas estão relacionadas quando
são vistas de uma perspectiva mais ampla. E também há a experiência prática que
muitos de vocês tiveram em primeira mão na Escola de Administração de negócios e
que ajuda a resolver problemas de forma muito pragmática.
M: Falando de solução de problemas, deixe-me ir ao cerne da questão, algo que
certamente seria perguntado ao senhor hoje: quais as principais questões que o senhor
enfrenta atualmente?
JL (3:00): A principal questão é preparar o Brasil para um novo ciclo de
investimentos. Tenho dito às pessoas que o ciclo commodities acabou e isso é uma
coisa boa. Nós já passamos por isso (ciclos) outras vezes e ainda temos muitas
coisas a nossa favor. Se a situação ficar mais difícil, não há razão para desepero. O
que pode acontecer com o Brasil? Bem, a pior coisa que pode acontecer é nós termos
que trabalhar mais, o que não é um problema. Qual a implicação do ponto de vista
das políticas públicas? A implicação é que nós não podemos cometer erros. Não
se pode, por exemplo, sobrecarregar o estado com despesas e impostos. Tenho
dito aos meus novos amigos no Congresso e a outras pessoas: ainda não temos um
problema real, mas que podemos tê-lo se começarmos a errar. Agora é o momento
de fazer o diagnóstico correto, de entender que todo o discurso sobre produtividade
precisa ser levado a sério, e não deixar que se criem incentivos que vão dificultar
nossa tarefa”, porque uma coisa muito importante em políticas públicas é que,
frequentemente, há aspectos despercebidos que acabam reduzindo o crescimento
econômico. As pessoas olham, avaliam o ambiente de negócios e, se não ficarem
muito animadas, não querem tomar mais riscos. E se adicionarmos o que ocorre
com todas as milhões e milhões de pessoas que tomam decisões econômicas [nessas
condições], temos um crescimento menor. Em muitos aspectos, já que você
mencionou que sou engenheiro naval, isso é que nem quando se tem cracas. Ficam
abaixo da linha d’água, talvez não se vejam, mas trazem peso adicional ao barco e
aumentam o esforço. É preciso nos livrar delas para garantir uma travessia segura e
rápida, para garantir que você seja competitivo.
M: Então uma das coisas que o senhor mencionou é que agora há menos margem para
erros, especialmente em termos de política. Mas gostaria de aproveitar isso na
próxima questão. O que constituria sucesso, em termos de política mas também para o
senhor como Ministro da Fazenda?
JL (5:36): A nossa lógica é muito simples. Queremos mais emprego, crescimento e
um melhor uso dos recursos públicos. Mas também queremos chegar mais
perto da fronteira tecnológica em algumas áreas. E isso não ocorrerá mediante
pequenos programas de fomento, senão porque os incentivos [da economia como
um todo] estarão funcionando, porque as pessoas enxergarão isso e aceitarão o
risco de investir em novas áreas. Esse é o sucesso que buscamos: crescimento,
mais empregos e pessoas tomando riscos em novas áreas para que
desenvolvamos, como país, mais habilidades e técnicas.
M: E para chegar lá é preciso tanto a técnica econômica do que fazer quanto a técnica
política de como fazê-lo. Agradeceria ouvir suas idéias sobre esse equilíbrio.
JL (6:50): Nós somos um país democrático, onde todos podem se expressar
livremente. E, de novo, clareza sobre aonde se quer chegar é muito importante, para
não se perder. A habilidade de conversar com as pessoas é importante, mas
primeiro é preciso ouvi-las e compreendê-las, para saber explicar o quê se pode
fazer. Não quero usar nosso tempo para entrar em detalhes sobre o que estamos
fazendo, mas tenho dito às pessoas no Congresso que não estamos fazendo o
ajuste fiscal apenas para economizar recursos, pois há muitas coisas além.
Estamos fazendo uma reengenharia da economia para adequá-la a um novo
mundo, sobre o qual tenho falado em minhas apresentações. Entre as medidas que
estamos tomando, estamos mudando os incentivos para o seguro-desemprego. Não
é somente pelo que estamos economizando, mas também pelo aprimoramento do
mercado de trabalho. Estamos reduzindo a rotatividade da mão de obra,
especilamente entre os jovens, e dando a eles incentivos para aprender novas coisas.
Mas se você quer mudar de emprego, ter novas experiências, tudo bem, só não pode
ser às custas do Estado. E tem a questão da Previdência. Vou lhe contar um pequeno
segredo: aqui no Brasil as pessoas não gostam muito de pagar impostos... [M: mas
isso não é só no Brasil!], ...não gostam de pagar contribuções previdenciárias. É uma
questão complexa. Então, nós também estamos pensando em como aumentar a
poupança para a seguridade social. Parte da reforma que estamos fazendo se refere
a melhorias, a acabar com regras e práticas distorsivas. Não estamos tirando
direitos sociais, mas evitando faudes e abusos e, muito mais do que isso, corrigindo
distorções que haviam afastado a política de seus objetivos iniciais. Nesse ponto, por
exemplo, o treinamento e a compreensão sobre os objetivos das políticas são muito
importantes. Porque aí se pode dizer claramente o que se quer e diferenciar entre
as políticas. É muito ruim quando não se tem clareza sobre as especificidades dos
diferentes programas. E, mais e mais, especialmente num país democrático como o
Brasil, é preciso entender que o objetivo é ter uma medida do êxito e do resultado
das políticas. E somente se pode ter uma medida dos resultados de uma política
se sabemos exatamente o que queremos. Isso se aplica a programas sociais e
econômicos nos quais despendemos a maior parte de nosso dinheiro. Acho que
isso é uma demanda crescente da sociedade, como medir claramente os resultados
das políticas públicas.
M: Dado que parte significativa do público vem do setor empresarial e financeiro, além
da questão macroeconômica que o senhor já colocou, como gostaria que o setor
privado fosse no Brasil? Melhor? Maior? E os mercados financeiros? Quais as suas
ideias sobre isso?
JL (10:19): Queremos mais concorrência, a concorrência é positiva e incentiva a
inovação. Não podemos ser complacentes e por isso estamos trabalhando com esse
cenário de maior concorrência para todos os mercados. Alguns dos nossos
ministros, mesmo na área commercial, têm perspectiva mais aberta, acolhem a
competição estrangeira e também interna. Estamos tentando mobilizar as forças do
mercado financeiro. Um dos grandes desafios do Brasil é o financiamento da
infraestrutura. Temos que ter bom planejamento para as concessões, incluindo os
leilões, para que os investidores se sintam confiantes sobre o que vão fazer e
queiram tomar riscos. Se houver um bom planejamento do desenho dos projetos,
também se poderá encontrar financiamento adequado e não será preciso depender
tanto do dinheiro público para fazer mesmo os grandes projetos. O Estado sempre
terá um papel em infraestrutura, porque esse setor envolve muitos recursos
[e agentes], mas o principal papel do governo é coordenar para que as pessoas
possam tomar riscos em parte do negócio. Há um papel muito importante,
portanto, para o setor privado participar em infraestrutura, o setor financeiro
doméstico e global. E penso que se essas reformas forem implementadas na
infraestrutura e se reduzirmos os custos de fazer negócios no Brasil, isso beneficiará
o País e os investidores. Isso porque, se olharmos em perspectiva de longo prazo,
investir no Brasil sempre foi um bom negócio. Há empresas – não vou mencioná-las,
mas vocês podem perguntar para as pessoas – que estão no Brasil há mais de 170,
180 190 anos, desde a independência. Elas são lucrativas e se mantiveram no País.
Então este é um bom lugar para fazer negócios.
M (12.48): Agora uma questão mais ampla, de longo prazo. Espero que o senhor tenha
uma mandato longo e exitoso. Mas quando concluí-lo, como gostaria de ser lembrado?
JL: Não esperava essa pergunta! O que queremos é ter um país com instituições
fortes, onde as pessoas possam aplicar seus talentos e o mérito seja recompensado.
Eu acho que isso é o que a maioria das pessoas no Brasil quer. Se um dia eu for
lembrado, gostaria que fosse como alguém que acreditou e agiu com base nesses
princípios. Somos muito abençoados de estar num país com tanta liberdade e
oportunidades. Cabe a nós continuar a construí-lo. Se olharmos em volta, há
poucos países no mundo que podem oferecer tanto às pessoas como o Brasil. Isso
deve nos dar coragem e energia para continuar lutando. É claro que há também
muitos problemas, a pobreza, o bom uso de recursos, a falta de concorrência, entre
outros. Mas é preciso seguir lutando. Mas nós, aqui, somos particularmente
abençoados. Trabalhamos muito, mas também temos muitas coisas a nosso favor.
Portanto, temos que acreditar nisso e usar essa força para seguir construindo. Se
muitas outras pessoas pensarem assim – e há suficientes no País – creio que
podemos ser bem-sucedidos em construir um país melhor. Isso é o que realmente
me motiva.
M: É uma visão inspiradora. Em particular, tem-se a impressão de que o Brasil tem um
lugar entre as economias mais importantes no mundo, tendo em vista tudo que o
senhor mencionou e, em particular, o povo do País. Uma questão que eu sempre faço às
pessoas, e que eu gostaria de fazer ao senhor também, é quando você não está
trabalhando, o que faz? Não que o senhor tenha tido muito tempo livre nesses últimos
meses...
JL: Como eu colocaria isso? Tenho sorte de ter botezinho o que me permite estar
perto da natureza. (...)É assim que eu relaxo.
M: Ok. Agora fiquei com inveja. Eu assisto TV quando quero relaxar (risos). Podemos
abrir as perguntas para o público?
JL: Claro!
M: Então fiquem à vontade para levantarem suas mãos. A sala é pequena o suficiente
para ouvir as perguntas de vocês. Se não, podemos também passar o microfone. Vamos
à primeira pergunta.
E: É um grande prazer ler os jornais todos os dias, porque, quase todos os dias, deparase com um rosto sorridente, com um ponto de vista otimista, com a confiança que as
coisas vão ficar melhores. O que me preocupa é que, infelizmente, nós não temos ainda
um grande número de leitores de jornal no Brasil. Então eu me pergunto, Dr. Levy, se
você sente qualquer limitação ao seu trabalho? Se tivesse a chance de falar
diretamente ao povo brasileiro, que, sobretudo, ficaria contente em escutar sua
mensagem e provavelmente estaria mais disposto a cooperar para superar barreiras
do caminho tortuoso do futuro.
JL: Todos temos limitações, [isso é natural]. Mas, de novo, no Brasil, tem-se muita
liberdade. Às vezes, me dizem que eu apareço relaxado na mídia, mas devem ser
apenas curtas passagens. Outro dia, tive essa experiência. Não sei como se chama em
uma mídia social, mas se recebem centenas de questões e tenta-se responder. As
pesosas mandam centenas de questões e você tenta responder, os jovens perguntam
sobre todo tipo de coisa. Algumas vezes, eu já me aventurei pelas mídias sociais. De
modo geral, considero que falar com as pessoas é muito importante, assim
como o é escutá-las. Acho que é fundamental tentar falar com todo tipo de gente.
Para mim tem sido gratificante. Tenho falado com muitas pessoas no Congresso.
Elas têm uma visão diferente das coisas, uma perspectiva diferente porque
todos vêm de perspectivas diferentes. Aí você entende um pouco melhor as
dinâmicas.
M: Mais perguntas?
E: Ministro Levy, gostaria de primeiro agradecer por ter vindo aqui. Nos últimos 4
anos, temos experimentado um jeito muito particular de fazer negócios no país. O
senhor tem sido privilegiado de estar do outro lado e ter uma outra perspectiva.
Poderia compartilhar um pouco sobre suas impressões do que tem mudado e como
tem mudado? Pode dizer algo sobre os técnicos com quem tem trabalhado e sobre o
apoio que o senhor tem? Qual direção essa nova visão do governo deve ter nos
próximos 4 anos?
JL: Acredito, como a Presidente mencionou há não muito tempo, há algumas
semanas atrás, que algumas abordagens se esgotaram. Existe a compreensão de que
alguns caminhos tentados não trouxeram resultados. Isso faz parte do processo de
aprendizagem. Sabemos de alguns equívocos cometidos. Acredito que era um
período mais fácil, por isso temos dito às pessoas: “Agora, preste atenção para não
se enganar”. Acredito que temos que continuar a trabalhar. É um trabalho duro que
requer paciência. Temos que trabalhar mais e mais para achar novas soluções, como
quando falamos em concorrência, como quando falamos sobre desenho adequado
para algo como os leilões, e assim por diante. Eu acredito que existe um desejo
genuíno da Presidente de endireitar as coisas. Algumas vezes não do jeito mais fácil,
... não do jeito mais efetivo, mas existe um desejo genuíno. De novo, acredito que isso
faz parte do nosso treinamento.
E tenho que contar para vocês uma coisa. Fiz alguns cursos na Escola de
administração / business da Universidade de Chicago para o meu PhD em Economia.
Acho que peguei três cursos, um deles, eu me lembro, foi com o meu querido
professor Constantinides. Há muitos anos, ir para escola de business já era uma
grande fonte de aprendizagem para a gente do departamento econômico. Fiz essa
digressão porque uma coisa fundamental que aprendi é que você tem que buscar as
causas. Algumas vezes, uma pequena diferença nas causas leva a uma grande
mudança nos sintomas. Um equívoco muito comum é olhar para um sintoma e
tentar achar um jeito de lidar com ele. Você tem que pensar diferente e isso requer
muita paciência. Eu tive a sorte de trabalhar antes no governo com o Ministro Malan
e também como o Ministro Palocci, pessoas muito pacientes, pessoas que gastam
tempo pensando, tentando entender, falando com as pessoas [para achar as causas
dos sintomas]. Tenho uma ótima equipe, alguns têm grande experiência, alguns
vieram de lugares diferentes. É fundamental ter uma ótima equipe no Ministério da
Fazenda. Também temos uma excelente parceria com o Banco Central e com o
Ministério do Planejamento, onde há também pessoas muito experientes. Acredito
que temos condições de fazer um excelente trabalho.
E: Joaquim, é ótimo revê-lo. Gostaria de saber sobre seus planos. Você tem se
aproximado dos 100 dias no governo. Está chegando lá. Então, as coisas estão de
acordo com seus planos? Entendo que você provavelmente tinha tudo muito bem
planejado. Quais são os pontos luminosos do seu plano que você tem visto e quais são
as coisas que têm sido melhores do que você esperava?
JL: Olha, é claro que algumas coisa não são planejadas e acontecem pelo caminho.
Temos sinais fortes de que teremos a primeira alta de juros nos Estados Unidos. Isso
tem causado muitas mudanças no mundo. Aqui, temos passado por um importante
processo institucional, que ocorre em paralelo à economia e, claro, afeta o que
planejamos. Eu diria, primeiro, que há uma grande compreensão de que
precisávamos de mudança. É um trabalho duro, mesmo para o governo. É difícil
ajustar, mudar, planejar, convencer as pessoas, mas o fato de a maior parte
das pessoas estarem conscientes da necessidade de mudança é uma coisa
positiva. Temos algumas medidas no Congresso que têm sido discutidas com
profundidade. Então, acredito que um consenso tem sido construído. E isso é
muito importante. Se se conseguir que algumas medidas passem, certamente
será um passo importante para fazer mais. Também temos trabalhado para
saírem as concessões, temos feito algumas mudanças nos mercados de capitais.
Olhem para o realinhamento dos preços de energia, de petróleo, de eletricidade. São
coisas importantes, porque criam um novo ambiente de negócios para as pessoas
tomaram decisões.
JL: Agora eu preciso ir, porque tenho um café da manhã amanhã cedo em Brasília.
Tenho que sair, por causa do tempo até o aeroporto. Sinto muito, mas não posso
mais responder outras perguntas.
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Tradução da palestra do ministro em português