DESDE 1971. LÍDER DE AUDIÊNCIA DA IMPRENSA MÉDICA*
O JORNAL DA MEDICINA PORTUGUESA
Quarta-feira, 23 Março de 2011
Número 3111 Preço: 0,01 € SEMANÁRIO ANO XL
Director|Fundador: Dr. José Reis Jr. Director|Editor: Rafael Reis
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS MÉDICOS PATOLOGISTAS
Dr. José Luís Fleming Torrinha
“Análises efectuadas no hospital
saem mais caras ao Estado
do que nos laboratórios privados”
O sector da Patologia Clínica mudou muito nos últimos 30 anos. Em entrevista a NOTÍCIAS MÉDICAS - que é media partner da Associação Portuguesa dos
Médicos Patologistas (APOMEPA) - o presidente. Dr. José Luís Fleming Torrinha, faz uma análise desse percurso e aponta as principais dificuldades que o sector
enfrenta, nomeadamente, a internalização, por parte do Ministério da Saúde, de serviços actualmente prestados pelos operadores privados.
“Estou de acordo que o Ministério da Saúde queira rentabilizar os investimentos efectuados nos laboratórios hospitalares, mas a escolha deveria
pertencer sempre ao utente. Melhor que ninguém, ele saberá onde e quem lhe presta, de facto, o melhor serviço”
Media Partner
A Associação Portuguesa dos Médicos
Patologistas (APOMEPA) foi criada
em 1975. Quais foram, na sua perspectiva, as mudanças mais significativas que o sector atravessou nestes
últimos 35 anos e de que forma a
APOMEPA tem acompanhado essa
evolução?
— A APOMEPA foi constituída e
adquiriu personalidade jurídica em 1975,
então com a designação de “Associação
dos Médicos Analistas Proprietários de
Laboratórios de Análises Clínicas”. Em
1981, os Estatutos foram revistos e a
designação da Associação foi alterada
para a sua denominação actual.
A APOMEPA surgiu numa fase conturbada em termos políticos, económicos e
sociais da vida nacional, que correspondeu ao período pós-revolucionário do 25
de Abril de 1974. Nessa altura, existiam
médicos Patologistas Clínicos que eram
os proprietários dos laboratórios em termos individuais. Estes laboratórios eram
centralizados no nome e prestígio dos
respectivos Directores Técnicos. Mais
tarde, os laboratórios transformam-se
em Sociedades, que na sua génese eram
empresas familiares, havendo, numa
percentagem significativa de laboratórios, a passagem de testemunho de pais
para filhos.
Com as dificuldades económicas que
começaram a surgir, e que se vieram a
agravar nos últimos anos, ocorreu uma
nova organização dos laboratórios: actualmente, a grande maioria deles já não
se encontram na posse dos seus fundadores ou descendentes, fruto de vendas
e fusões, tendo-se transformado em ver-
dadeiras empresas, muitas das quais na
posse de holdings e de Sociedades de
risco. Parece-me preocupante e urgente
devolver aos Médicos Patologistas
Clínicos e aos Directores Técnicos a sua
importância dentro destas organizações.
Durante este período de tempo, assistimos ao surgimento do Serviço Nacional
de Saúde, à elaboração do Manual de
Boas Práticas, ao aparecimento das
Comissões de Verificação Técnica e ao
processo de licenciamento dos laboratórios. Em termos legislativos, aconteceram muitas e enormes alterações.
Foi durante este período que os laboratórios começaram a dar importância
ao reconhecimento externo da qualidade dos serviços prestados e sentiram
a necessidade de avançar para processos
de certificação e acreditação.
A APOMEPA esteve atenta a tudo isto,
pela emissão de pareceres sobre a legislação elaborada para o sector, pela
elaboração de propostas e documentos,
pela elaboração de um Regulamento
Interno-tipo para os laboratórios, pela
definição de Programas Externos de
Qualidade, pela regulação de acções
de reciclagem para os colaboradores
dos laboratórios sem habilitação própria
ou adequada, pela articulação com o
Infarmed da legislação que regulamenta
a venda dos reagentes, pela participação nas diversas comissões criadas para
a discussão e aplicação da legislação
em vigor, nomeadamente, no que concerne ao processo de licenciamento e
acreditação dos laboratórios integrando
a Comissão de Verificação Técnica. A
APOMEPA também participou activa-
mente na elaboração do “Manual de
Boas Práticas Laboratoriais”, que constitui a “carta magna” da qualidade na
organização técnica e procedimental dos
laboratórios de análises clínicas.
Qual é o panorama nacional no que
toca ao licenciamento e fiscalização
dos laboratórios de patologia/análises
clínicas? As Comissões de Verificação
Técnica têm tido condições para fazer
o seu trabalho?
— Relativamente ao licenciamento a
nível nacional, a região que mais rapidamente trabalhou, e que há anos já tem
tudo licenciado, é o Algarve. A Região
de Lisboa e Vale do Tejo começou de
forma mais lenta, por se estar a organizar
em registos, mas, neste momento, já tem
tudo licenciado.
A Região do Alentejo só há poucos anos
é que conseguiu organizar-se minimamente e o número de licenciamentos ainda
não está completo. Mas já tem alguns,
não se conseguindo saber a percentagem
do total. A Região Centro, apesar de
começar com atraso, uma vez que os
dois primeiros presidentes se aposentaram entretanto, tem, neste momento,
tudo licenciado, mantendo-se a fiscalizar
postos de colheita.
A Região Norte tem já uma quantidade
apreciável de licenciamentos na zona
do Minho e Entre Douro-e-Minho, mas
faltam ainda no interior e não temos
recebido nos últimos tempos processos
desta zona. Dos Açores e da Madeira
não temos informação alguma.
De uma forma geral, as Comissões de
Verificação Técnica têm tido condições,
senão sempre as ideais, pelo menos as
necessárias para efectuarem o seu trabalho.
Uma das missões da APOMEPA é
defender os interesses e direitos dos
profissionais do sector da Patologia
Clínica. Quais são as questões sócioprofissionais mais prementes que
enfrentam nesta altura?
— No âmbito das suas atribuições
sociais, a APOMEPA negoceia anualmente com os sindicatos representativos
das categorias profissionais ao serviço
dos laboratórios de Patologia Clínica
o Contrato Colectivo de Trabalho, que
inclui a revisão dos vencimentos, as
cláusulas de expressão económica, categorias profissionais e funções e toda a
demais disciplina laboral.
Na busca de soluções competitivas para
os associados, a APOMEPA estabeleceu
um protocolo com as Administrações
Regionais de Saúde e com uma instituição bancária que permite, mediante
a apresentação da facturação sujeita a
reembolso, um adiantamento da tesouraria aos laboratórios.
Estabelecemos o mesmo protocolo para
a Madeira, mas que, infelizmente, o
Governo Regional não está a cumprir:
os aderentes da Madeira estão sem receber desde a facturação de Setembro
de 2010. A entidade bancária envolvida
neste protocolo recusa-se a financiálo, por a dívida do Governo ao banco
ascender a vários milhões de euros. A
APOMEPA está empenhada em resolver
este grave problema que afecta os nossos
associados, mas não tem conseguido
obter respostas concretas por parte do
Governo Regional.
Qual é a situação actual no sector
convencionado? Que problemas
identifica e que soluções propõe a
APOMEPA?
— O sector convencionado atravessa
uma fase extremamente complicada,
fruto da actual situação económica do
País, agravada pela internalização dos
serviços prestados pelos laboratórios
privados, pela baixa dos preços das tabelas das diferentes entidades com quem
temos convenções, a que se adiciona em
contrapartida a subida dos preços dos
reagentes e de todos os consumíveis, da
energia, da água e, sobretudo, o aumento da carga fiscal.Penso que a solução
para os principais problemas do sector convencionado passa pela definição
de uma política de saúde a médio e
longo prazo, que envolva o Ministério
da Saúde, os Partidos políticos e as
diferentes organizações representativas
do sector e passa por um consenso alargado, independentemente de quem, em
determinado momento, ocupa o poder.
A internalização, por parte do
Ministério da Saúde, de serviços actualmente prestados pelos operadores
privados preocupa a APOMEPA?
Que consequências tem para o sector?
— A internalização é um problema que
nos tem preocupado nos últimos anos
e que tenderá a agravar a situação dos
laboratórios privados, já de si bastante
complicada em face da actual situação
dos Farmacêuticos e com as restantes
associações e Sociedades representativas
do sector, que levaram à organização do
Congresso de Lisboa. Em 2010, os nossos Estatutos foram alterados no sentido
de se criar um Conselho Científico, que
espero inicie as suas actividades durante
este ano para incrementarmos a nossa
actividade científica.
económica do País.
Com o falso pretexto de que ao fazerem as análises no laboratório hospitalar haverá um ganho para a saúde
do utente, pela concentração de toda a
informação num único processo clínico,
este processo que nos é imposto está
em clara contradição com o princípio
defendido na Lei de Bases da Saúde,
no n.º1 do Estatuto do Utente, onde se
consagra o direito de livre escolha. Tal
medida prejudica os laboratórios que
têm sobretudo uma implantação local
ou regional.
Esta medida irá seguramente levar a um
aumento do desemprego, pois alguns
laboratórios terão eventualmente que
cessar a sua actividade, como já aconteceu no passado.
Estou de acordo que o Ministério da
Saúde queira rentabilizar os investimentos efectuados nos laboratórios hospitalares, mas a escolha deveria pertencer
sempre ao utente. Melhor que ninguém,
ele saberá onde e quem lhe presta, de
facto, o melhor serviço.
Os laboratórios privados, quer pela rede
de postos de colheita que possuem, quer
pela maior flexibilização de horários,
quer pela qualidade do serviço prestado,
bem como pelo investimento em equipamentos de última geração, continuam
a gozar de um enorme reconhecimento
público.Não faz muito sentido, numa
altura em que o Ministério da Saúde
expressa a intenção de contenção e
redução de custos, que entidades públicas, como as Unidades Locais de Saúde,
venham fazer tábua rasa dessas prioridades, esbanjando recursos em obras de
adaptação, aquisição de equipamento
e admissão de pessoal para realizar as
análises a um preço superior. De facto,
as análises efectuadas a nível hospitalar (tabela do SNS) saem mais caras
ao Estado do que se forem feitas nos
laboratórios privados (tabela de convencionados).
Tomou posse como presidente da
APOMEPA em 2007. Que balanço
faz até aqui e que projectos estão na
calha para 2011?
— Esta é uma boa questão num ano em
que termina o mandato desta Direcção.
De facto, importa fazer um balanço
destes quatro anos em que a Direcção
assumiu uma associação que se encontrava em vias de extinção. Numa primeira fase, tivemos necessidade de reorganizar a associação, a começar pelo espaço
físico, e reactivar e dinamizar a sua actividade, nomeadamente, através de diversas reuniões com as entidades reguladoras desta actividade e por acções conjuntas com as nossas congéneres. Também
inscrevemos a APOMEPA na World
Association of Societies of Pathology
and Laboratory Medicine (WASPaLM)
como associação constituinte com
direito a voto no seu órgão consultivo,
a “House of Representatives”, que se
pode equiparar a um conselho onde têm
assento só os dirigentes associativos dos
países membros, e pelo acordo com os
Colégios das Ordens dos Médicos e
A APOMEPA tem criado parcerias
com associações congéneres, nacionais e estrangeiras, como a Associação
Nacional de Laboratórios Clínicos
(ANL) ou a World Association of
Societies of Pathology and Laboratory
Medicine (WASPaLM). Que tipo de
actividades desenvolvem?
— O relacionamento da APOMEPA
com as suas congéneres nacionais e
estrangeiras são de natureza completamente distinta. A nível nacional, temos
um relacionamento institucional com
a Associação Portuguesa de Analistas
Clínicos (APAC) e com a ANL, que
juntamente com a APOMEPA representam a totalidade dos laboratórios
existentes em Portugal. Procuramos,
apesar das especificidades de cada uma,
interagir na defesa dos interesses dos
laboratórios, dos seus colaboradores e do
serviço prestado a todos quantos recorrem aos nossos serviços, tendo sempre
como lema a defesa do princípio do
direito de livre escolha.Em 2010, fruto
de um acordo celebrado pelas diversas
associações, Sociedades e Colégios de
Especialidade das Ordens dos Médicos e
dos Farmacêuticos, foi possível realizar
o 1º Congresso Nacional do Laboratório
Clínico e o First European Joint
Congress of EFCC and UEMS, que
decorreu em Lisboa durante o mês de
Outubro.Com as congéneres estrangeiras, o relacionamento é um pouco diferente: a WASPaLM é uma associação
mundial constituída, actualmente, por 27
Sociedades e associações de 18 países
constituintes e na qual Portugal tem a
APOMEPA como seu membro desde
2009. Importa referir o excelente relacionamento que se estabeleceu entre a
APOMEPA e a Sociedade Brasileira de
Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
(SBPC/ML), fruto dos contactos desta
Direcção, que se tem traduzido na nossa
presença nos seus Congressos e na deslocação do seu Presidente ao Congresso
de Lisboa. E agora estamos a preparar
o 1º Encontro Lusófono de Patologia
Clínica,que terá lugar durante o próximo Congresso da SBPC/ML a realizar
durante este ano [de 16 a 19 de Agosto],
em Florianópolis. n
Filipa Lourenço
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Dr. José Luís Fleming Torrinha