RELATÓRIO APRESENTADO ÀS
XXII JORNADAS IBEROAMERICANAS DE DERECHO PROCESAL
TEMA: Tutelas urgentes y cautela judicial.
CUESTIONARIO
Relator para o direito processual civil brasileiro: Cassio Scarpinella Bueno*
Considerações iniciais
Tema dos mais intrincados na doutrina processual civil brasileira é o relativo às “tutelas de
urgência”. Dentre outras tantas e fundadas razões porque o Código de Processo Civil brasileiro
(CPC) não se vale, em nenhum momento, daquela nomenclatura; tampouco, a legislação
processual civil extravagante, isto é, aquela que, a despeito de não estar incorporada àquele
Código, rege uma série de situações relativas ao direito processual civil. A expressão é utilizada
por alguns autores e por alguns julgados mas quase nunca descreve uma mesma realidade.
De qualquer sorte, no intento de fornecer subsídios seguros para enfrentar o questionário
proposto, é correto tratar das “tutelas de urgência” no direito processual civil brasileiro, a partir do
que o nosso Código de Processo Civil trata, em seu Livro III, como “processo cautelar”, sem
olvidar da “tutela antecipada” que, para nós, tem expressa (e genérica) previsão no art. 273 do
Código, com a redação que lhe deu uma das diversas leis que vêm empreendendo sua reforma, a
Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994.
A proposta do trabalho é responder às questões formuladas apresentando as impressões
que, embora não representem a unanimidade da doutrina ou da jurisprudência brasileiras, são
capazes de despertar o maior consenso possível. É essa a razão pela qual questões
inequivocamente pertinentes para o direito processual civil brasileiro, tal como a distinção entre o
que é (ou deveria ser) “cautelar” em contraposição ao que é (ou deveria ser) “antecipatório” são
deixadas de lado1. Ao pretender oferecer subsídios para a comparação dos ordenamentos
processuais civis iberoamericanos, não parece haver outro caminho a ser trilhado.
*.
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (Brasil). Professor de Direito Processual Civil nos cursos de Graduação, Especialização, Mestrado
e Doutorado naquela Faculdade. Membro e Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro
do Instituto Iberoamericano de Direito Processual. Membro da Associação Internacional de Direito Processual.
Advogado.
1. Com a generalização do instituto da “antecipação da tutela” pela Lei n. 8.952/1994, a dicotomia entre “provimentos
cautelares” e “provimentos antecipatórios” tornou-se palco ainda mais propício para discussões no direito processual
civil brasileiro. Questões como os limites objetivamente identificáveis entre a provisoriedade e a instrumentalidade
das medidas que apenas asseguram o resultado útil de um processo jurisdicional daquelas que viabilizam a fruição
imediata de um direito reconhecido jurisdicionalmente; como conciliar, para o direito processual civil brasileiro, a
clássica compreensão de Piero Calamandrei (Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari.
Padova: CEDAM, 1936, p. 39) de que as “decisões antecipadas e provisórias de mérito” compõem um dos quatro
grupos de “provimentos cautelares”; a doutrina de Andrea Proto Pisani (Lezioni di diritto processuale civile. 5. ed.
Napoli: Jovene, 1994, p. 656-657) sobre os “provimentos cautelares satisfativos” e os “provimentos cautelares
antecipatórios” ou, ainda, se a compreensão de uma “cautelar satisfativa” é contradição nos próprios termos porque
cautelares, para o serem, só podem assumir função conservativa, assumem, diante das peculiaridades do direito
positivo brasileiro, cores bastante próprias. O enfrentamento dessas questões para o direito brasileiro ganha ainda
maior interesse diante do § 7º do art. 273 do CPC brasileiro, segundo o qual: “Se o autor, a título de antecipação de
tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir
a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”. Estaria o dispositivo agasalhando, em alguma medida,
uma certa fungibilidade ou indiferença entre aquelas duas técnicas de efetividade do processo? De qualquer sorte, o
enfrentamento desses temas transbordaria dos objetivos do presente trabalho.
1
Para ilustrar muitas das afirmações do texto, bem assim para viabilizar um mais detido
exame dos principais dispositivos do Código de Processo Civil brasileiro mencionados ao longo
do trabalho, foi acrescentado um anexo com a transcrição dos mesmos sem prejuízo (aqui
suprimido) de, durante a exposição, terem sido abertas notas de rodapé com a indicação de outros
artigos que circundam o tema central aqui discutido2.
1) Indique si en su país, además de las medidas cautelares, han sido legisladas otras tutelas
de urgencia. En tal caso, ¿cuáles?
O Código de Processo Civil brasileiro, promulgado em 1973 e em vigor desde 1º de
janeiro de 1974 (art. 1.220) dedica a íntegra de seu Livro III para o que ele próprio chama de
“processo cautelar”.
O referido Livro III do CPC brasileiro é dividido em duas partes. A primeira, o “Capítulo
I”, intitulado “das disposições gerais”, compreende os arts. 796 a 812. Nela está assegurado não
só o “poder geral de cautela” (art. 798) 3 mas também o procedimento que deve ser observado
para o processo cautelar, desde sua petição inicial até o proferimento da sentença4. A segunda, o
“Capítulo II”, é denominada “procedimentos cautelares específicos” e seus quase oitenta
dispositivos, do art. 813 ao art. 889, voltam-se às diversas hipóteses em que a “medida cautelar” é
expressamente autorizada pela lei processual civil brasileira, tipificando, destarte, o conflito de
direito material a merecer tutela jurisdicional. Uma exposição sucinta de tais medidas é feita na
resposta à quinta questão.
É correto afirmar que o “processo cautelar”, tal qual disciplinado pelo CPC brasileiro, trata
indistintamente de “medidas cautelares” e de outras medidas, incluindo o que pode ser chamado
de “tutelas de urgência”, que, não necessariamente, são compreendidas como cautelares em
outros ordenamentos processuais civis. Também são disciplinadas como “cautelares” diversas
medidas que não trazem nenhuma das características usualmente reconhecidas a elas. Não há,
com efeito, nenhum critério uniforme para compreender o que o Livro III do CPC brasileiro
denominou de “processo cautelar”5.
Essa circunstância é expressa no n. 7 da Exposição de Motivos do CPC brasileiro,
2.
A íntegra do CPC brasileiro está disponível na rede mundial de computadores no seguinte endereço eletrônico:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm.
3. O direito brasileiro já conhecia desde o Código de Processo Civil brasileiro anterior, o Decreto-lei n. 1.608, de 18
de setembro de 1939, um “poder geral de cautela”, isto é, a possibilidade de o magistrado proferir decisões cautelares
atípicas ou inominadas “além dos casos em que a lei expressamente o autoriza” em seu art. 675, a exemplo do que se
dava no Código português daquele mesmo ano (art. 405º; assunto que está no art. 381º,1 do CPC português atual).
Ambas, portanto, são previsões legislativas que antecedem o art. 700 do Código de Processo Civil italiano,
promulgado em 1942. Para o assunto, v. Alfredo de Araújo Lopes da Costa, Medidas preventivas. 2. ed. Belo
Horizonte: Bernardo Álvares, 1958, p. 20-22, destacando a anterioridade dos arts. 935 e 938 da ZPO alemã, e Hugo
Simas, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII. Rio de Janeiro: Forense, 1940, p. 9, colacionando o art.
324 do Anteprojeto Carnelutti e o art. 11 do antigo Código de Processo Civil do Estado de São Paulo, de 1930.
4. O procedimento “padrão” do “processo cautelar”, tal qual disciplinado nos arts. 800 a 804 do CPC brasileiro é, em
síntese, o seguinte: o autor apresenta petição inicial dirigida ao juízo competente para processamento do “processo
principal”. O réu é citado para defender-se. Se o magistrado entender que é o caso, determina a produção de provas e
profere sentença. Da sentença, cabe recurso de apelação sem efeito suspensivo. É viável ao autor pedir, na petição
inicial, mesmo antes da citação do réu, “medida liminar”, que representa a antecipação, total ou parcial, dos efeitos da
sentença a ser proferida oportunamente no “processo cautelar”. Desta decisão cabe recurso de agravo de instrumento,
que viabiliza ao Tribunal competente a sua imediata reapreciação. Quando o processo cautelar for preparatório ou
antecedente, o autor tem o prazo de trinta dias, contados da efetivação da medida que lhe seja favorável (liminar ou
final) para propor o “processo principal” (art. 806 do CPC brasileiro), apensando-se os autos destes àqueles (art. 809
do CPC brasileiro).
5. A respeito, v.: Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo I. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1994, p. 4-5 e Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 5-9.
2
elaborada por seu idealizador, Alfredo Buzaid:
“Ainda quanto à linguagem, cabe-nos explicar a denominação do Livro III.
Empregamos aí a expressão processo cautelar. Cautelar não figura, nos nossos dicionários
como adjetivo, mas tão-só como verbo, já em desuso. O projeto o adotou, porém, como
adjetivo, a fim de qualificar um tipo de processo autônomo. Na tradição do nosso direito
processual era a função cautelar distribuída por três espécies de processos, designados por
preparatórios, preventivos e incidentes. O projeto, reconhecendo-lhe caráter autônomo,
reuniu os vários procedimentos preparatórios, preventivos e incidentes sob fórmula geral,
não tendo encontrado melhor vocábulo que o adjetivo ‘cautelar’ para designar a função
que exercem. A expressão ‘processo cautelar’ tem a virtude de abranger todas as medidas
preventivas, conservatórias e incidentes que o projeto ordena no Livro III, e, pelo vigor e
amplitude do seu significado, traduz melhor que qualquer outra palavra a tutela legal.
As razões de nossa preferência por essa expressão se fundam também no
precedente legislativo português, cujo Código de Processo Civil consagrou (arts. 381º e
segs.) e no uso corrente da doutrina nacional e portuguesa6. No direito italiano, argentino e
uruguaio também a doutrina manifestou o seu assentimento à expressão processo
cautelar”.
Como bem escreve Ovídio Baptista da Silva a respeito do assunto:
“As considerações precedentes — o autor tratava da necessidade de se municiar o
Judiciário como instrumentos de pronta resposta ao dano, como a “sentença mandamental”
— autorizam-nos afirmar que nem toda a tutela urgente pode ser definida como cautelar.
Federico Carpi (La Tutela Urgente, Atti del XVº Congresso Nazionale (Bari), 1985, p. 37)
e Giovanni Arieta (I Provvedimenti d’Urgenza, pp. 84 e segs.) mostram que a denominada
tutela urgente pode apresentar-se sob três modalidades distintas de proteção jurisdicional,
a saber: a) tutela propriamente cautelar; b) tutela concedida através de liminares
satisfativas, sob forma de medidas provisórias, de tipo interdital, a ser depois confirmadas
ou revogadas pela sentença que vier a ser proferida no ‘processo principal’; c) formas de
tutela satisfativa autônoma, por dispensarem a propositura de uma demanda plenária
subseqüente, a ser ajuizada, como nas duas hipóteses anteriores, por quem haja obtido a
tutela urgente satisfativa. Por outro lado, como se sabe, até a introdução em nosso sistema
das denominadas antecipações de tutela, dos arts. 273 e 461, as três modalidades de
proteção jurisdicional tiveram como veículo exclusivo do processo cautelar.”7.
É correto, à luz das lições destacadas, concluir que, dentre os “processos cautelares” que
ocupam o Livro III do CPC brasileiro, existem não só aqueles que se baseiam expressa ou
implicitamente em uma situação de urgência — na necessidade da imediata intervenção
jurisdicional, portanto —, mas também medidas que do que seriam as “verdadeiras cautelares”8
6.
A Exposição de Motivos do CPC brasileiro é datada de 1964 e, portanto, a referência do texto corresponde ao CPC
português de 1961. O texto atual do art. 381º daquele Código, dado pelo Decreto-lei n. 180/1996 (“Sempre que
alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão a grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode
requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito
ameaçado”), traz à tona o quanto exposto na nota 1, supra: a preocupação corrente na doutrina brasileira de distinguir,
com nitidez, a “tutela cautelar” e a “tutela antecipada”. Esta com finalidade claramente satisfativa e prestada
incidentalmente no próprio processo de conhecimento; aquela, meramente conservativa e prestada em processo
próprio, acessório ao “processo principal’.
7. Do processo cautelar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 86-87, sem os esclarecimentos entre os travessões.
8. A expressão “verdadeiras cautelares” deve ser compreendida no sentido de que, para a doutrina tradicional
brasileira, característica marcante e constante do “processo cautelar” é a instrumentalidade, no sentido de a cautelar
ter como finalidade salvaguardar o resultado útil do “processo principal” (assim, v.g., a lição de Humberto Theodoro
Jr., Processo cautelar. 24. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008, p. 48-49 e 51-52). Assim,
é correto entender que aquela característica é significativa de que a medida cautelar é incapaz de satisfazer o direito
3
têm, apenas e tão-somente, seu procedimento, extremamente simplificado e concentrado quando
comparado aos procedimentos comuns, mesmo ao que o caput do art. 272 do mesmo Código
disciplina como “procedimento sumário”9.
O que se tem, por trás das diversas hipóteses tratadas pelo Livro III do CPC brasileiro, são,
alternativamente, situações em que a tutela jurisdicional deve ser prestada com vistas à obtenção
do resultado útil de um outro processo e também situações que a lei autoriza o magistrado a
decidir brevemente, agindo diretamente no próprio plano do direito material, mesmo sem o
desenvolvimento de “cognição exauriente”, isto é, com base em “cognição sumária”10. É o que
pode ser chamado, dentre outros nomes, de “ações sumárias”, “tutelas sumárias”, “processos
sumários não cautelares”, “processos materialmente sumários” ou, mais amplamente, “tutelas
diferenciadas”. Dentre tais medidas, inclusive, é possível discernir aquelas que sequer poderiam
ser compreendidas como hipóteses de “jurisdição contenciosa” mas que, mais apropriadamente,
deveriam ser compreendidas como “jurisdição voluntária”, à qual se volta o Título II do Livro IV
do CPC brasileiro, dedicado aos “procedimentos especiais de jurisdição voluntária”11.
Durante as quase duas décadas de profundas transformações pelas quais o CPC brasileiro
tem passado, foi promulgada a Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que, dentre tantas outras
modificações, deu nova redação ao art. 273 daquele Código, passando a admitir a “tutela
antecipada” que, de acordo com o inciso I daquele dispositivo, pode assumir feição urgente, isto
é, ser concedida diante de periculum in mora. Nesse sentido, é correto entender que além do
“processo cautelar”, o CPC brasileiro admite, como modalidade de tutela jurisdicional urgente, a
“tutela antecipada”, a ser prestada incidentalmente no âmbito do próprio processo de
conhecimento quando “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. Ao
assunto volta-se a resposta à terceira questão12.
2) Establezca si las aludidas tutelas urgentes han sido previstas legalmente como medidas
cautelares especiales o si han sido objeto de regulación separada o diferenciada. En este
último caso informe en qué capítulo o bajo qué denominación han sido incorporadas a los
códigos procesales.
Como exposto na resposta à primeira questão, o CPC brasileiro não se vale da
nomenclatura “tutelas urgentes”. O que, comumente, é compreendido como tal é disciplinado pelo
Livro III, dedicado ao “processo cautelar”, e também é aceito como uma das formas de
material mas, apenas e tão somente, de assegurar o resultado útil de uma pretensão a ser reconhecida ou satisfeita
oportunamente em outro processo, o de conhecimento ou o de execução. Tanto assim que, quando se tratar de
“processo cautelar” preparatório ou antecedente, o autor tem trinta dias contados da efetivação da medida para
ajuizar o “processo principal”, como destacado anteriormente.
9. Sobre o assunto, v. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. X, tomo I. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 55-60 e 63. Para o saudoso processualista baiano, são identificáveis três
medidas diversas naquela parte do CPC brasileiro: as “medidas essencialmente cautelares” (tendentes a assegurar o
resultado útil de um outro processo), as “medidas provisionais” (segundo as quais o juiz atua, inclusive de ofício, para
assegurar o bom andamento do processo e o seu resultado eficaz) e as “medidas substanciais” ou “só
procedimentalmente ou topologicamente cautelares” (pelas quais o magistrado provê sobre interesses materiais dos
sujeitos).
10. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: CEBEPEJ/Bookseller, 2000, p. 141-142.
11. Sobre o assunto, v. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo
II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 1 e 28, e Leonardo Greco, Jurisdição voluntária moderna. São Paulo:
Dialética, 2003, p. 27-28.
12. Considerando que, no direito processual civil brasileiro, toda cautelar pressupõe urgência, tanto quanto a tutela
antecipada concedida com fundamento no art. 273, I, do CPC brasileiro, é possível, a exemplo do que faz José
Roberto dos Santos Bedaque (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência [tentativa de
sistematização]. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 170-172) tratar aquelas duas classes como diferentes espécies
de um mesmo gênero, a “tutela de urgência”.
4
antecipação da tutela, prevista no art. 273, I, do mesmo Código. O referido art. 273, vale o
destaque, encontra-se localizado no Livro I do CPC brasileiro, voltado à disciplina do “processo
de conhecimento”.
De outra parte, como também foi exposto na resposta à primeira questão, o que poderia ser
compreendido como “medidas cautelares especiais” são, para o direito processual civil brasileiro,
espécies de um gênero mais amplo, o “processo cautelar”, disciplinadas pelo Capítulo II do Livro
III do CPC brasileiro, que compreende os arts. 813 ao 889. São, para empregar a nomenclatura do
próprio legislador nacional, “procedimentos cautelares específicos”. São específicos no sentido de
que o legislador brasileiro entendeu oportuno identificar determinadas situações de direito
material para viabilizar sua tutela jurisdicional.
Cabe destacar para a indagação presente que muitos dos “procedimentos especiais”
previstos no Livro IV do CPC brasileiro (mesmo antes da introdução da “tutela antecipada” em
seu art. 273) admitem que o magistrado profira decisões incidentais no mesmo processo, tendentes
a assegurar o resultado útil do processo ou satisfazer antecipadamente, total ou parcialmente, o
direito reclamado pelo autor. É o que se verifica, apenas para fins ilustrativos, na “ação
possessória” (art. 928, caput, do CPC brasileiro13), na “nunciação de obra nova” (arts. 936, I, e
937 do CPC brasileiro14) e nos “embargos de terceiro” (arts. 1.051 e 1.052 do CPC brasileiro15).
Diante da afirmação do último parágrafo, não há como deixar de fazer breve observação,
tendo em conta o quanto escrito na resposta à primeira questão. Muitos dos “procedimentos
especiais” entendidos como tais aqueles que, apresentando variações quando comparados com o
“procedimento comum” (art. 272, do CPC brasileiro), encontram sua disciplina no Livro IV do
CPC brasileiro são, em outros ordenamentos jurídicos, compreendidos como verdadeiras “ações
cautelares nominadas ou típicas” ou como outras técnicas de prestação ou revisão da tutela
jurisdicional. É o caso, ressalvadas sempre as peculiaridades de cada ordenamento, da nunciação
de obra nova que, no direito processual civil italiano, encontra a denuncia di nuova opera e di
danno temuto, disciplinada entre os “procedimenti cautelari”16, tanto quanto no direito processual
civil português 17 e dos nossos embargos de terceiro que encontram algo de similar na opposizione
di terzo regulada pelo CPC italiano dentre as modalidades de impugnação às decisões judiciais18.
13.
“Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do
mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique
previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.”.
14. “Art. 936. Na petição inicial, elaborada com observância dos requisitos do art. 282, requererá o nunciante: I - o
embargo para que fique suspensa a obra e se mande afinal reconstituir, modificar ou demolir o que estiver feito em
seu detrimento; II - a cominação de pena para o caso de inobservância do preceito; III - a condenação em perdas e
danos. Parágrafo único. Tratando-se de demolição, colheita, corte de madeiras, extração de minérios e obras
semelhantes, pode incluir-se o pedido de apreensão e depósito dos materiais e produtos já retirados”. “Art. 937. É
lícito ao juiz conceder o embargo liminarmente ou após justificação prévia.”.
15. “Art. 1.051. Julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente os embargos e ordenará a
expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do embargante, que só receberá os bens depois de
prestar caução de os devolver com seus rendimentos, caso sejam afinal declarados improcedentes.”.
“Art. 1.052. Quando os embargos versarem sobre todos os bens, determinará o juiz a suspensão do curso do processo
principal; versando sobre alguns deles, prosseguirá o processo principal somente quanto aos bens não embargados.”.
16. A respeito, v. Andrea Lugo, Manuale di diritto processuale civile, 15. ed. Milano: Giuffrè, 2005, p. 487-489.
Cumpre destacar, contudo, que o Livro IV do CPC italiano, no qual está regulamentado a denuncia di nuova opera, é
intitulado procedimenti speciali, justificando-se tal denominação “… in quanto differiscono dal procedimento
ordinario” (Andrea Lugo, op. cit., p. 456). De qualquer sorte, “I processi cautelari (…) hanno una strutura
caratteristica, perché alla formazione del provvedimento deve sempre seguire, salvo che nel nuovo processo societario
(par. 296), in una fase sucessiva, il processo definitivo” (Andrea Lugo, op. cit., p. 456) o que, em se tratando dos
“procedimentos especiais” do CPC brasileiro, é impensável.
17. No direito processual civil português, os “embargos de obra nova” assumem feição de “procedimento cautelar
especificado”. A seu respeito, v. José João Baptista, Processo civil I. 8. ed. Coimbra: Coimbra, 2006, p. 118-119,
destacando que se trata de procedimento “… dependente de uma acção que se pede a demolição da obra” e Carlos
5
Também as ações voltadas a compelir o réu a fazer ou não-fazer algo ou para seja entregue
alguma coisa admitem a antecipação da tutela em caráter incidental, no mesmo processo. É o que
se lê, de forma clara, no § 3º do art. 461 do CPC brasileiro 19 e no § 3º do art. 461-A do mesmo
Código que a ele faz expressa remissão20. Ambos os dispositivos encontram-se localizados no
Livro I do CPC brasileiro, que disciplina o “processo de conhecimento”.
O art. 615, III, do CPC brasileiro, localizado no Livro II, dedicado ao “processo de
execução”, também autoriza que o exeqüente pleiteie, desde a petição inicial, as “… medidas
acautelatórias urgentes”, regra que legitima o entendimento de que as “tutelas urgentes” podem
ser prestadas incidentalmente também no âmbito daquela modalidade de processo21.
Mas não só o CPC brasileiro volta-se ao que pode ser chamado de “tutelas urgentes”.
Também a legislação processual civil brasileira extravagante, isto é, a que não se encontra
incorporada ao Código de Processo Civil, é repleta de situações que bem ilustram a pertinência da
questão e a forma pela qual ela foi tratada pelo direito processual civil brasileiro.
Para fins meramente ilustrativos — o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o
assunto —, é oportuno o destaque dos seguintes dispositivos legais que disciplinam a prestação de
uma “tutela jurisdicional de urgência” no mesmo processo em que se pretende a obtenção da
sentença e da execução tendente à satisfação do direito material tal qual reconhecido, isto é, em
caráter incidental:
(a) O art. 15, caput, do Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre
desapropriações por utilidade pública, prevê que “se o expropriante alegar urgência e
depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo
Civil, o juiz mandará imití-lo provisoriamente na posse dos bens”, inclusive
“independente da citação do réu, mediante o depósito” dos valores descritos nas alíneas
do § 1º do mesmo dispositivo.
(b) O art. 5º, § 6º, da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965, que disciplina a chamada “ação
popular”, autoriza a “suspensão liminar do ato lesivo impugnado”.
(c) O art. 4º, caput, da Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, que “dispõe sobre ação de
alimentos”, autoriza a fixação liminar de pensão alimentícia, “os alimentos
provisórios”, “salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”. O
parágrafo único do dispositivo complementa a regra ao prever que “Se se tratar de
alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da comunhão
universal de bens, o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor,
mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor”.
(d) O art. 12 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a “ação civil pública”,
autoriza ao “juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em
decisão sujeita a agravo”, o que não exclui, consoante o art. 4º do mesmo diploma
legislativo, que seja “ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando,
Manuel Ferreira da Silva “Tutela provisória no processo civil” em Problemas actuales del proceso iberoamericano,
tomo I. Málaga: CEDMA, 2006, p. 515.
18. A esse respeito, v. Andrea Lugo, Manuale di diritto processuale civile, cit., p. 317-323.
19. “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.” (…) “§ 3o. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,
citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.”.
20. “Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo
para o cumprimento da obrigação.” (…) “§ 3o Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art.
461”.
21. Não obstante a clareza da regra, contudo, sua aplicação prática é bastante diminuta. A respeito do assunto, v. o
nosso Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 3. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 71-72.
6
(e)
(f)
(g)
(h)
(i)
inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.
O art. 84 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a Lei n. 8.078, de 11 de
setembro de 1990, admite a antecipação da tutela nas ações voltadas às obrigações de
fazer e de não fazer, “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final”. Trata-se da regra que influenciou a
introdução, pela Lei n. 8.952/1994, do art. 461 no CPC brasileiro, que previu o mesmo
comando para outras situações de direito material mesmo que estranhas às relações de
consumo.
O art. 59, § 1º, da Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, que disciplina as locações de
imóveis urbanos, autoriza o despejo liminar nas hipóteses que especifica. O art. 68, II,
da mesma Lei, com as alterações introduzidas pela Lei n. 12.112, de 9 de dezembro de
2009, prevê a fixação de aluguel provisório nas ações em que se pretende a revisão do
valor dos aluguéis.
O art. 16 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, que “dispõe sobre as sanções
aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de
mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou
fundacional e dá outras providências”, autoriza o “seqüestro dos bens do agente ou
terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público”. O
parágrafo único do art. 20 da mesma Lei, por sua vez, prevê que “a autoridade judicial
ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do
exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a
medida se fizer necessária à instrução processual”.
No âmbito dos “Juizados Especiais Cíveis”, assim compreendidos os órgãos
jurisdicionais que se voltam a resolver os conflitos de menor complexidade e de menor
valor, merece destaque o disposto no art. 4º da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001,
que trata do funcionamento daqueles Juizados no âmbito da Justiça Federal. De acordo
com o dispositivo, “o Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir
medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação”. A
regra, recentemente aprimorada na disciplina dos Juizados Especiais voltados a
resolver conflitos entre particulares e os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios22,
também é aplicada no âmbito dos Juizados Especiais em que não figurem como partes
pessoas de direito público23.
Lei voltada à tutela jurisdicional da “violência doméstica e familiar contra a mulher”
admite expressamente a concessão de medidas nos procedimentos por ela criados.
Suficiente, para os fins presentes, o destaque do art. 19 da Lei n. 11.340, de 7 de agosto
de 2006, segundo o qual: “As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas
pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1º. As
22.
A referência é feita ao art. 3º da Lei n. 12.153, de 22 de dezembro de 2009, que tem a seguinte redação: “O juiz
poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do
processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação.”. É pertinente destacar que a regra não leva em conta as
profundas distinções sustentadas pela maioria da doutrina brasileira entre a “tutela cautelar” e a “tutela antecipada”,
inclusive no que diz respeito à necessidade de um “processo próprio” para a concessão daquelas em contraposição à
concessão incidental desta. Dispositivo similar e mais antigo encontra-se no art. 489 do CPC brasileiro, que admite,
na sua atual redação, dada pela Lei n. 11.280/2006, a adoção de providências cautelares e/ou antecipatórias “caso
imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei” no âmbito da “ação rescisória” para impedir o cumprimento
da sentença ou do acórdão rescindendo.
23. A afirmação decorre de construção doutrinária, considerando o silêncio da Lei n. 9.099/1995, que disciplina o
assunto, a respeito. Sobre o tema, v.: Alexandre Freitas Câmara, Juizados especiais cíveis estaduais e federais: uma
abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 193-195.
7
medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,
independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público,
devendo este ser prontamente comunicado. § 2º. As medidas protetivas de urgência
serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer
tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei
forem ameaçados ou violados. § 3º. Poderá o juiz, a requerimento do Ministério
Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou
rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus
familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.”.
(j) O art. 7º, III, da Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009, que disciplina o “mandado de
segurança individual e coletivo”, dispõe que o juiz, ao despachar a petição inicial,
“ordenará (...) que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso
seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou
depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”24. A regra,
apesar de bastante recente, repete o disposto nas leis que disciplinavam, anteriormente,
o mandado de segurança. É ler o art. 8º, § 9º, da Lei n. 191, de 16 de janeiro de 193625;
o art. 324, § 2º, do Código de Processo Civil anterior, o Decreto-lei n. 1.608, de 18 de
setembro de 193926, e o art. 7º, II, da Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 195127. Cabe
ressaltar, em função do que é escrito na parte final da resposta à questão seguinte, que
a doutrina que vem se manifestando sobre o dispositivo mais recente, tem sustentado a
sua inconstitucionalidade na interpretação em que a concessão da liminar possa, de
alguma forma, estar vinculada à prévia prestação de “caução, fiança ou depósito”28.
3) ¿Se encuentra legislada la tutela anticipada? En caso de respuesta afirmativa indique sus
requisitos legales de procedencia y condiciones para su efectivización, juez competente,
trámite aplicable y régimen recursivo. ¿Se prevé la reversibilidad de la anticipación?
24.
No âmbito do que é chamado de “direito processual constitucional”, também importa destacar o habeas data,
destinado à obtenção e correção de informações constantes de bancos de dados públicos ou privados (art. 5º, LXXI,
da Constituição Federal). Apesar do silêncio da Lei n. 9.507/1997, que o disciplina no plano infraconstitucional, a
doutrina e a jurisprudência defendem a possibilidade de ser concedida “medida liminar”, nos mesmos moldes do que
se admite (e sempre se admitiu) para o mandado de segurança. Para essa demonstração, v. o nosso Curso
sistematizado de direito processual civil, vol. 2, tomo III, p. 108-109. O habeas corpus, expressamente assegurado
pelo art. 5º, LXVIII, da Constituição brasileira, admite a concessão de medida liminar nos mesmos moldes. A
autorização infraconstitucional encontra-se expressa no art. 660, § 2º, do Código de Processo Penal, Decreto-lei n.
3.689/1941, que ainda disciplina o seu procedimento. O § 2º do art. 654 daquele Código autoriza, até mesmo, a
concessão ex officio do habeas corpus nos seguintes termos: “Os juízes e os tribunais têm competência para expedir
de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de
sofrer coação ilegal.”.
25. “Quando se evidenciar, desde logo, a relevância do fundamento do pedido, e decorrendo do ato impugnado lesão
grave irreparável do direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo impetrante, mandar,
preliminarmente, sobrestar ou suspender o ato aludido.”.
26. “Quando se evidenciar a relevância do fundamento do pedido e puder do ato impugnado resultar lesão grave ou
irreparável ao direito do requerente, o juiz mandará desde logo suspender o ato.”.
27. “Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (…) II – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando
for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida.”.
28. Sobre o assunto, com ampla pesquisa doutrinária, v. o nosso A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 41-43. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de
inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ADI 4.296/DF, rel. Min. Marco Aurélio) pretendendo o
reconhecimento da inconstitucionalidade da regra ou, quando menos, que lhe seja dada interpretação conforme à
Constituição no sentido propugnado no texto.
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Informe sobre las tendencias actuales en la doctrina y la jurisprudencia y agregue todo otro
dato de interés sobre el particular.
Como escrito na resposta à primeira questão, o direito processual civil brasileiro conhece
de lege lata a distinção entre “processo cautelar” e “tutela antecipada”29.
A chamada “tutela antecipada” deve ser entendida como a possibilidade da precipitação da
produção dos efeitos práticos da tutela jurisdicional, os quais, de outro modo, não seriam
perceptíveis, isto é, não seriam sentidos no plano exterior ao processo — no plano material —, até
um evento futuro: proferimento da sentença, processamento e julgamento de recurso de apelação
com efeito suspensivo e, eventualmente, seu trânsito em julgado. Antecipa-se, diante de
determinados pressupostos legais, a produção dos efeitos da tutela jurisdicional cujo momento,
tradicionalmente, vincula-se à existência de sentença de procedência não recorrida ou, quando
menos, sujeita a apelação sem efeito suspensivo. Cabe ressaltar, a propósito, que, no direito
processual civil brasileiro, o recurso de apelação tem, como regra, efeito suspensivo impedindo,
por isso mesmo, a execução provisória da sentença30.
Os casos em que a tutela jurisdicional pode ser antecipada de acordo com o CPC
brasileiro são os previstos no seu art. 273. Como se tratam de previsões genéricas, que não levam
em conta uma específica situação de direito material (diferentemente do que se dá, por exemplo,
com o art. 461 do mesmo Código ou com as diversas situações previstas na legislação processual
civil extravagante, como demonstrado na resposta à questão anterior), é correto o entendimento de
que aquele dispositivo traz a disciplina do que pode ser chamado de um “poder geral de
antecipação”, que, na visão predominante da doutrina brasileira, que contrapõe “tutela
antecipada” e “tutela cautelar”, complementa o “poder geral de cautela”, que tem fundamento
infraconstitucional no já mencionado art. 798 do CPC brasileiro31. É correto sustentar, a partir
dessa afirmação, que o direito processual civil brasileiro, ainda que por institutos diversos, admite
29.
Reiterando o quanto escrito de início (v. nota 1), não é o propósito do presente trabalho polemizar sobre a
existência (ou não) de alguma diferença ontológica entre “tutela cautelar” e “tutela antecipada” tendo o direito
processual civil brasileiro como pano de fundo. Não há como deixar de destacar, contudo, que o conhecido “3º grupo”
de cautelares identificado por Calamandrei em sua célebre obra (op. cit., p. 38 e ss.), qual seja, o daqueles “...
provvedimenti con cui si decide interinalmente (...) un rapporto controverso...”, amolda-se com perfeição à tutela
antecipada prevista no art. 273, do CPC brasileiro. Máxime porque, à exceção da polêmica sobre a extensão da
autorização contida no § 6º do mesmo dispositivo (v. nota 34, infra, e a resposta à quarta questão), a decisão que
antecipa a tutela (com base em cognição sumária) precisa ser confirmada por decisão posterior a ser proferida com
base em cognição exauriente. A provisoriedade (e a instrumentalidade) destacada por Calamandrei como
característica das cautelares, destarte, encontra-se presente na espécie ainda que, como ele próprio escreve,
“profondamente diverso da quello esaminato nei due gruppi precedenti” (op. cit., p. 38). Isso porque, com relação às
cautelares desse terceiro grupo, “... Il provvedimento cautelare consiste proprio in una decisione anticipata e
provvisoria del merito, destinata a durare fino a che a questo regolamento provvisorio del rapporto controverso no si
sovrapporrà Il regolamento stabilmente conseguibile attraverso Il più lento processo ordinário” (op. cit., p. 39). Os
mesmos motivos afastam, reiterando a ressalva feita, a incidência da doutrina de Proto Pisani no direito processual
civil brasileiro (Lezioni di diritto processual civile, cit., esp. p. 596-598) sobre a “tutela sommaria non cautelare”,
mesmo tendo o art. 273 do CPC brasileiro como fundamento.
30. É o que decorre de forma clara da interpretação conjunta dos arts. 475-I, § 1º, e 521 do CPC brasileiro.
31. José Ovalle Favela, em estudo especialmente dedicado ao tema (Tutela anticipada en el proceso iberoamericano,
publicado no site do Instituto Brasileiro de Direito Processual), catalogou o art. 273 do CPC brasileiro dentre as
“tutelas anticipadas atipicas, indeterminadas ou innominadas”, isto é, “una facultad genérica que se otorga a las
partes para solicitar al juzgador que, una vez cumplidos ciertos requisitos, dicte las medidas que estime pertinentes
para anticipar total o parcialmente la tutela pretendida en la demanda”. Ao lado da previsão do direito processual civil
brasileiro, o processualista mexicano faz menção ao CPC peruano (arts. 618 e 674), ao art. 381 do CPC português e
ao art. 317, 1, do Código General del Proceso del Uruguay.
9
medidas proferidas com base em cognição sumária meramente conservativas e satisfativas32.
A leitura do caput e dos dois incisos do art. 273 revela os pressupostos que, uma vez
presentes, devem conduzir o magistrado à concessão da tutela antecipada.
Os pressupostos legais são de duas ordens: (i) necessários e (ii) cumulativo-alternativos.
São sempre necessárias, para a concessão da tutela antecipada, a “prova inequívoca” e a
“verossimilhança da alegação” a que se referem o caput do art. 273. É comum a afirmação de que
esses pressupostos exigem do magistrado uma cognição que, embora seja sumária, é mais
profunda que o fumus boni iuris para a concessão dos provimentos de natureza cautelar33.
São cumulativo-alternativos o “receio de dano irreparável ou de difícil reparação”
(equivalente ao “periculum in mora” das cautelares) e o “abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu”, de que se ocupam, respectivamente, os incisos I e II do art. 273 do
CPC brasileiro. São “alternativos” porque basta a situação descrita no inciso I ou no inciso II para a
antecipação da tutela. É sempre necessário, contudo, estar diante de uma prova inequívoca que
convença o magistrado da verossimilhança da alegação. Daí serem esses dois pressupostos
alternativos (em relação às situações descritas nos incisos) e cumulativos com o que exige o caput,
os pressupostos necessários para a concessão da tutela antecipada.
Mas não só. O caput do art. 273 refere-se à antecipação da tutela mediante “requerimento
da parte” e o seu § 2º trata dos casos em que a tutela jurisdicional não deve ser antecipada.
A hipótese do § 6º do art. 273 do CPC brasileiro merece menção destacada. Ela se distancia
das exigências feitas pelo caput do art. 273, ao ter como bastante para a antecipação dos efeitos da
tutela jurisdicional que “... um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles”, mostre-se
incontroverso. O dispositivo legal tem gerado intensa e interessante polêmica na doutrina brasileira
porque há aqueles que enxergam nele mais que uma terceira hipótese em que a tutela jurisdicional
pode ser antecipada mas, verdadeiramente, uma outra técnica processual, que permite o verdadeiro
desdobramento do objeto do processo, autorizando, destarte, o proferimento de “sentenças
parciais” aptas, até mesmo, a transitar em julgado e conduzir, como tais, a uma execução
34
definitiva .
A efetivação da tutela antecipada, isto é, a sua concretização ou execução deve observar o
disposto no § 3º do art. 273 do CPC brasileiro: não obstante tratar-se de execução provisória, ela
adota as mesmas técnicas disponíveis para as execuções de sentenças relativas às obrigações de
fazer e não fazer, de dar ou entregar coisa ou de pagar. Para tanto, mesmo no âmbito da execução
32. Crítica contundente quanto à utilidade de distinção entre as “cautelari conservative” e as “innovativi” é feita por
Carlo Calvosa, La tutela cautelare (profilo sistematico). Torino: UTET, 1963, p. 265-272, destacando que ambas
possuem natureza constitutiva, que “implicano sempre un quid novi”.
33. Nesse sentido: Athos Gusmão Carneiro, Da antecipação de tutela. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 25;
Teori Albino Zavascki, Antecipação da tutela. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 79-80; João Batista Lopes, Tutela
antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 71, e Márcio Louzada
Carpena, Do processo cautelar moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 99. Particularmente, sempre
sustentamos a indiferença das duas expressões no que diz respeito à quantidade e à qualidade da cognição do
magistrado, sendo suficiente que ele se convença suficientemente da alegação do autor. Para essa demonstração, v. o
nosso Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 4. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 139-163 e,
anteriormente, em nosso Tutela antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 140-157.
34. Para essa discussão, v.: Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, tomo I. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 340-347; Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso de
direito processual civil, vol. 2. 4. ed. Salvador: Podium, 2009, p. 527-530, e Daniel Moura Nogueira, A antecipação
da tutela em face da incontrovérsia do parágrafo 6º do artigo 273 do CPC. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2007, p. 133-137. De nossa parte, v. o nosso Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 4, cit., p. 107-118 e,
anteriormente, em nosso Tutela antecipada, cit., p. 51-62. Crítica a esse entendimento é desenvolvida por Cândido
Rangel Dinamarco em A reforma da reforma. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 95-96 e em Instituições de direito
processual civil, vol. III. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 665-671, ao dissertar sobre o “princípio da unidade da
sentença”.
10
por quantia certa (obrigação de pagar), é prevista a imposição de multa para incentivar o
cumprimento da obrigação pelo próprio obrigado. Por se tratar de execução provisória, não há
como descartar a exigência de prestação de caução pelo beneficiário da medida nos termos do
inciso III do art. 475-O do CPC brasileiro35, cabendo, contudo, sua dispensa nas hipóteses do § 2º
do mesmo dispositivo legal36.
A “tutela antecipada”, diferentemente das “medidas cautelares”, é requerida
incidentalmente no próprio processo de conhecimento, seja liminarmente — até mesmo antes da
citação do réu, a depender da intensidade do “receio de dano irreparável ou de difícil reparação” —
ou até o momento em que a sentença (ou o acórdão que a confirme no âmbito dos Tribunais) possa,
por si só, produzir seus regulares efeitos no plano material, isto é, assuma força executiva. A
competência para apreciação e concessão do pedido e também para a sua execução é a mesma do
juízo competente para a causa.
Da decisão que concede ou da que nega o pedido de antecipação da tutela cabe recurso.
Trata-se de decisão interlocutória que, para o direito processual civil brasileiro, é recorrível
mediante o recurso de agravo. Por se tratar de decisão que tem aptidão de causar dano iminente
àquele que formula o pedido e o vê indeferido ou àquele em detrimento de quem a tutela é
antecipada, o recurso de agravo processa-se de imediato sem retenção nos autos. Trata-se do que o
direito processual civil brasileiro chama de “agravo de instrumento” (art. 522, caput)37.
A maioria da doutrina processual civil brasileira entende ser objetiva a responsabilidade
daquele que tem, em seu favor, antecipada a tutela, aplicando-se, à hipótese, a mesma diretriz que,
para o “processo cautelar”, está prevista no art. 811 do CPC brasileiro38. Assim, é correto o
entendimento de que a tutela antecipada aceita ser revertida ou, como se lê do § 4º do art. 273 do
CPC brasileiro, revogada ou modificada total ou parcialmente, sempre em decisão fundamentada.
De qualquer sorte, como referido acima, a irreversibilidade dos efeitos decorrentes da antecipação
opera como verdadeiro pressuposto negativo para concessão da medida. É o que lê-se do § 2º do
art. 273 do CPC brasileiro: “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado”.
A grande maioria dos autores, contudo, não interpreta o dispositivo na sua literalidade. A
tendência é a de aceitar a antecipação da tutela, a despeito da irreversibilidade de seus efeitos,
quando o direito a ser protegido com a medida for qualitativamente mais relevante e mais evidente
35.
“III - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos
quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e
prestada nos próprios autos.”.
36. “§ 2o A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada: I – quando, nos casos de
crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o
exeqüente demonstrar situação de necessidade; II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de
instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da
dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.”.
37. “Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se
tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da
apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por
instrumento.”.
38. Nesse sentido, dentre outros: José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas
sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), cit., p. 397; Athos Gusmão Carneiro, Da antecipação de tutela,
cit., p. 68-69; Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 216-217;
Eduardo Arruda Alvim, Antecipação da tutela. Curitiba: Juruá, 2008, p. 243-245, e Joel Dias Figueira Jr.,
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, tomo I, cit., p. 243-248. De nossa parte, v. o nosso Curso
sistematizado de direito processual civil, vol. 4, cit., p. 105-107 e, anteriormente, em nosso Tutela antecipada, cit., p.
138-139.
11
que o direito da outra parte. Aplica-se, à hipótese, o chamado “princípio da proporcionalidade”39,
ferramenta que permite a flexibilização do rigor da letra do § 2º do art. 273 (que consagra, em
termos bem diretos, os princípios da isonomia e o da segurança jurídica) diante de outros valores
dispersos no sistema, assim, por exemplo, o direito à saúde, o direito à vida e, no plano
processual, os princípios da economia e eficiência processuais e o da efetividade do processo40.
Pelo referido princípio, é dado ao magistrado ponderar as situações de cada um dos
litigantes para verificar, diante de determinados pressupostos, qual merece proteção
(antecipadamente, como interesse para cá), mesmo que isso signifique colocar em situação de
irreversibilidade a outra. É por intermédio desse princípio que o magistrado consegue medir os
valores diversos dos bens jurídicos postos em conflito e decidir, concretamente, qual deve
proteger em detrimento do outro. O sistema autoriza o magistrado à antecipação da tutela
jurisdicional, não representando a irreversibilidade dos efeitos práticos da decisão que a
determina, nesse caso específico, qualquer óbice.
Questão interessante que se põe na atualidade é saber se a “tutela antecipada” encontra
fundamento, expresso ou, quando menos implícito, na Constituição brasileira. O Supremo Tribunal
Federal, em julgamento concluido recentemente, entendeu que uma lei pode vedar a antecipação da
tutela em determinados casos sem qualquer agressão aos princípios constitucionais, dentre eles os
explicita e implicitamente derivados dos incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da Constituição
brasileira41. Foi declarada a constitucionalidade do art. 1º da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de
1997, que proibe a antecipação da tutela em determinadas situações em que há litígio entre
servidores públicos e a Administração Pública42.
39.
Nesse sentido, dentre outros: Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, cit., p. 171-177; João Batista
Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, cit., p. 85-88; Joel Dias Figueira Jr., Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. 4, tomo I, cit., p. 214-219; Teori Albino Zavascki, Antecipação da tutela, cit., p. 101-102. De
nossa parte, v. o nosso Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 4, cit., p. 41-46 e, anteriormente, em
nosso Tutela antecipada, cit., p. 63-68.
40. Bem ilustra o acerto da afirmação do texto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de deferir,
mesmo em caráter de tutela antecipada, a liberação de remédios ou determinar tratamentos de saúde quando pedidos
contra o Estado, por força do art. 196 da Constituição brasileira, segundo o qual: “A saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” e em temas
similares, não abrangidos pela regra de proibição do art. 1º da Lei n. 9.494/1997. Apenas para fins ilustrativos, v. os
seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal: Pleno, STA 175/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, j.un. 17.3.2010, DJe
25.3.2010; Pleno, SS 3724/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, j.un. 17.3.2010, DJe 25.3.2010; Pleno, SL 47/PE, rel. Min.
Gilmar Mendes, j.un. 17.3.2010, DJe 25.3.2010; 2ª Turma, RE 495.740/DF, rel. Min. Celso de Mello, j.un. 2.6.2009,
DJe 14.8.2009; 2ª Turma, RE-AgR 393.175/RS, rel. Min. Celso de Mello, j.un. 12.12.2006, DJ 2.2.2007, p. 140, e 2ª
Turma, RE-AgR 410.715/SP, rel. Min. Celso de Mello, j.un. 22.11.2005, DJ 3.2.2006, p. 76. Idêntica orientação é
observada pelo Superior Tribunal de Justiça, como fazem prova os seguintes julgados: 2ª Turma, REsp 1.058.836/RS,
rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.un. 7.8.2008, DJe 1.9.2008; 1ª Turma, AgRg no REsp 936.011/RS, rel. Min.
Denise Arruda, j.un. 17.4.2008, DJe 12.5.2008; 2ª Turma, REsp 784.241/RS, rel. Min. Eliana Calmon, j.un. 8.4.2008,
DJe 23.4.2008; 1ª Turma, REsp 869.843/RS, rel. Min. Luiz Fux, j.un. 18.9.2007, DJ 15.10.2007, p. 243; 2ª Turma,
REsp 898.260/RS, rel. Min. Castro Meira, j.un. 15.5.2007, DJ 25.5.2007, p. 400; 1ª Turma, REsp 662.033/RS, rel.
Min. José Delgado, j.un. 28.9.2004, DJ 8.11.2004, p. 191, e 1ª Turma, MC 6.515/RS, rel. Min. José Delgado, j.un.
16.9.2003, DJ 20.10.2003, p. 174.
41. “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito; (...) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.
42. Trata-se da ADC (ação declaratória de constitucionalidade) 4/DF, julgada por maioria de votos em 1º de outubro
de 2008, e que será relatada pelo Ministro Celso de Mello. O único voto dissidente, do Ministro Marco Aurélio, não
enfrentou o ponto discutido no texto, voltando-se a problema diverso, sobre a constitucionalidade da referida lei
12
Com o devido respeito — e apenas para fomentar o debate que se faz necessário em
Encontro de Processualistas para o qual esse trabalho é escrito —, não há como concordar com a
decisão do mais alto Tribunal brasileiro. A grandeza do precitado art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal, máxime quando aliado ao inciso LXXVIII do mesmo dispositivo constitucional não pode
ser encoberto. Se a lei não pode excluir ameaça do Poder Judiciário, não há como não querer ver
integrar o “modelo constitucional do direito processual civil brasileiro” uma tutela jurisdicional
preventiva a ser concretizada indistintamente, no plano infraconstitucional, pela “tutela cautelar”,
pela “tutela antecipada” ou, até mesmo, por outras formas de “tutela diferenciada” que se prestem
para tanto. É irrecusável, para o ordenamento jurídico brasileiro, o entendimento quanto a ser não
só legítima mas necessária a atuação do Judiciário antes da consumação do dano. A tutela
jurisdicional justifica-se, nessa perspectiva, para evitar que o tempo necessário para o
reconhecimento e realização prática do direito seja, ele próprio, fator de inibição da própria
atividade a ser desenvolvida jurisdicionalmente.
É esta — e não qualquer outra — a única forma de conceber como parte integrante do
“modelo constitucional do processo civil”, um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva,
que não distingue as técnicas que podem ser empregadas para atingir os desideratos dos incisos
XXXV e LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, sejam elas meramente conservativas ou
satisfativas. Trata-se de entendimento que encontra eco não só na doutrina nacional (v.g.: José
Roberto dos Santos Bedaque43; Teori Albino Zavascki44; João Batista Lopes45; Luiz Guilherme
Marinoni46; Alcides Munhoz da Cunha47 e Marcos Destefenni48) mas também na estrangeira (v.g.:
Italo Andolina e Giuseppe Vignera49; Andrea Proto Pisani50; Massimo Cirulli51; Maria Fernanda
dos Santos Maças52; Joan Picó I Junoy 53; Teresa Armenta Deu54 e Enrique Ulate Chacón 55)
quando examina dispositivos similares em suas próprias Constituições nacionais.
4) ¿Ha sido prevista legalmente la medida autosatisfactiva (o tutela urgente no cautelar sino
autónoma)? En caso de respuesta afirmativa indique sus recaudos de procedencia, juez
competente, trámite aplicable y régimen impugnativo. Señale también las tendencias que se
registran sobre el particular en la doctrina y la jurisprudencia de su país.
A maioria da doutrina e, sobretudo, da jurisprudência brasileira, nega a existência de lege
lata de “medidas autosatisfativas” ou de uma “tutela de urgência não-cautelar” ou, ainda, de uma
levando em conta ter origem em medida provisória, ato expedido pelo Presidente da República que, nos termos do
art. 62 da Constituição Federal brasileira, tem força de lei.
43. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumária e de urgência (tentativa de sistematização), cit., p. 173-174 e
221.
44. Antecipação da tutela, cit., p. 60-71.
45. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, cit., p. 19-31.
46. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 200-210.
47. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 11. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 364-374.
48. Natureza constitucional da tutela de urgencia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 253-349.
49. Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: Giappichelli, 1990, p. 63-67.
50. Lezioni di diritto processuale civile, cit., esp. p. 596-597 e 602-603, dando ênfase à necessidade de o dano ser
irreparável.
51. Le condanne anticipate nel processo civile di cognizione. Milano: Giuffrè, 1998, p. 20-28.
52. A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva.
Coimbra: Coimbra Ed., 1996, p. 21-30.
53. Las garantias constitucionales del proceso. 3.reimp. Barcelona: Bosch, 2002, p. 40 e ss.
54. Lecciones de derecho procesal civil. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 517.
55. “Derecho a la tutela cautelar: en el derecho procesal constitucional y comunitario” em Problemas actuales del
proceso iberoamericano, tomo II. Málaga: CEDMA, 2006, esp. p. 737-739.
13
“tutela urgente autônoma” no sentido destacado na pergunta ora respondida56. Ainda que, como
destacado na resposta à terceira questão, haja autores que vêem com simpatia o instituto a partir
do art. 273, § 6º, do CPC brasileiro, não é correto afirmar que se trata de uma noção generalizada
na doutrina brasileira.
Corrobora o entendimento do parágrafo anterior a circunstância de os “procedimentos
especiais” disciplinados pelo Livro IV do CPC brasileiro darem ensejo ao proferimento de
decisões com base em cognição exauriente, aptas a transitarem materialmente em julgado,
afastando a possibilidade aventada na questão. E mais: a circunstância de que tais procedimentos
são previstos de lege lata fora do Livro III do CPC brasileiro, tiram deles, ao menos a partir da
análise absolutamente generalizada da doutrina brasileira, qualquer color de cautelar.
Exemplo verdadeiramente isolado a respeito do assunto encontra-se no parágrafo único do
art. 6º da Lei n. 11.804, de 5 de novembro de 2008, que dispõe sobre os alimentos devidos durante
a gestação (os chamados “alimentos gravídicos”). Segundo o dispositivo, “após o nascimento com
vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que
uma das partes solicite a sua revisão”. Infelizmente, contudo, a regra não tem despertado maior
interesse na doutrina57 e pela sua patente especificidade é incapaz de ser generalizada.
Por iniciativa do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Comissão composta por Ada
Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, José Roberto dos Santos Bedaque e Luiz Guilherme
Marinoni elaborou Anteprojeto de lei que pretendia instituir a possibilidade de estabilização da
decisão antecipatória da tutela.
Excepcionando expressamente o quanto destacado na resposta à questão anterior — e, de
forma mais ampla, o próprio sistema processual civil — a proposta era a de que a decisão
antecipatória da tutela, posto ser proferida com base em “cognição sumária”, assumisse
estabilidade suficiente para tornar desnecessário, consoante determinadas circunstâncias, o
prosseguimento do processo quando sua concessão fosse incidental ou, quando antecedente, que a
parte por ela beneficiada precisasse dar início a um novo processo para obter sentença fundada em
cognição exauriente, apta a transitar em julgado.
A estabilidade pretendida — referida como “coisa julgada nos limites da decisão
proferida” no § 2º do art. 273-B e no parágrafo único do art. 273-C — derivava da omissão
daquele contra quem se dava a antecipação de requerer ao Estado-juiz o prosseguimento do
processo em que concedida a medida incidentalmente (art. 273-C, caput) ou, se se tratasse de
medida antecedente, de romper a inércia da jurisdição com vistas ao reconhecimento da
inexistência do direito que motivou a concessão da decisão (art. 273-B, § 1º, “a”). Também
quando, em se tratando de decisão antecipatória da tutela parcial, se aquele a quem interessasse a
medida não provocasse, a tempo e modo oportunos o Estado-juiz, para obter a parte da tutela
jurisdicional ainda não concedida (art. 273-B, § 1º, “b”).
Coerentemente, propunha-se nova redação aos §§ 4º e 5º do art. 273 do CPC brasileiro
para incorporar o regime então sugerido e afastar, expressamente, a noção, que quer ser verdadeira
para o sistema hoje vigente, de que a decisão jurisdicional tomada com base em “cognição
56.
Voz contrária e importante a respeito do tema é a de Ovídio Baptista da Silva, que sempre desenvolveu visão
bastante própria da “tutela cautelar” à luz do direito legislado no Brasil. Duas obras suas, a esse respeito, dentre tantas
outras, merecem menção expressa. A referência é feita a Do processo cautelar, cit., esp. p. 10-15, e a Teoría de la
acción cautelar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, esp. p. 23-28. O que é freqüente na doutrina
brasileira, como demonstrou a resposta à primeira questão, é enxergar em algumas das medidas disciplinadas no
Capítulo II do Livro III do CPC brasileiro natureza não-cautelar, identificando, entre elas, “processos sumários”.
57. Exceção ao quanto afirmado no texto é o trabalho de Lúcio Delfino, “A tutela jurisdicional do direito a alimentos
gravídicos: análise às técnicas processuais diferenciadas instituídas pela Lei n. 11.804/08”, publicado no vol. 68 da
Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 179-212. De nossa parte, voltamo-nos à
análise do dispositivo destacado, comparando-o com o Projeto de estabilização da decisão antecipatória da tutela,
discutido em seguida no texto, no vol. 4 de nosso Curso sistematizado de direito processual civil, cit., p. 57-61.
14
sumária” pressupõe (sempre) sua substituição por outra proferida com base em “cognição
exauriente”, razão de ser do prosseguimento do “processo até final julgamento”, que se lê do atual
§ 5º do art. 273 do CPC brasileiro58.
Bem resumia os objetivos do Anteprojeto o seguinte trecho de sua Exposição de Motivos,
assinada pelos prestigiados professores já nomeados:
“A proposta de estabilização da tutela antecipada procura, em síntese, tornar
definitivo e suficiente o comando estabelecido por ocasião da decisão antecipatória. Não
importa se se trata de antecipação total ou parcial. O que se pretende, por razões
eminentemente pragmáticas — mas não destituídas de embasamento teórico — é deixar
que as próprias partes decidam sobre a conveniência, ou não, da instauração ou do
prosseguimento da demanda e sua definição em termos tradicionais, com atividades
instrutórias das partes, cognição plena e exauriente do juiz e a correspondente sentença de
mérito.
Se o ponto definido na decisão antecipatória é o que as partes efetivamente
pretendiam e deixam isso claro por meio de atitude omissiva consistente em não propor a
demanda que vise à sentença de mérito (em se tratando de antecipação em procedimento
antecedente) ou em não requerer o prosseguimento do processo (quando a antecipação é
concedida no curso deste), tem-se por solucionado o conflito existente entre as partes,
ficando coberta pela coisa julgada a decisão antecipatória, observados os seus limites.”.
É o seguinte o teor da Proposta, entregue pelo referido Instituto ao Ministério da Justiça:
“Art. 1º. Dê-se aos §§ 4º e 5º do art. 273 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973
(Código de Processo Civil), a seguinte redação:
‘Art. 273 ...........................................................................
§ 4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente,
enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§1° do art. 273-B e art.
273-C).
§ 5º. Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada
sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu,
citado, poderá torná-la ineficaz.
....................................................................................(NR)’.
Art. 2º. A Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), passa
vigorar acrescida dos seguintes arts. 273-A, 273-B, 273-C, 273-D:
‘Art. 273-A. A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento
antecedente ou na pendência do processo’.
‘Art. 273-B. Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no que couber, as
disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código.
§1º. Concedida a tutela antecipada em procedimento antecedente, é facultado, até
30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva:
a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito;
b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à
satisfação integral da pretensão.
§2º. Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada
nos limites da decisão proferida’.
58.
É importante frisar que é o caráter de provisoriedade da tutela antecipada destacada no texto, a partir do § 5º do
art. 273 do CPC brasileiro, que convida à equiparação entre a “tutela cautelar” e a “tutela antecipada” feita na nota 29,
a partir das clássicas lições de Calamandrei.
15
‘Art. 273-C. Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à
parte interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva, requerer
seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito.
Parágrafo único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida
antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida’.
‘Art. 273-D. Proposta a demanda (§ 1° do art. 273-B) ou retomado o curso do
processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a
ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as
decisões.’.”.
Como se pode constatar, a clara finalidade do Anteprojeto era a de admitir, no sistema
processual civil brasileiro, o que é chamado por parte da doutrina de “ações sumárias”, “tutelas
cognitivas sumárias e satisfativas” ou, mais amplamente, “tutela jurisdicional diferenciada”, longe
das amarras e das tantas dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais que pairam sobre o atual Livro III
do CPC brasileiro e do conteúdo de cada uma de suas espécies (v. resposta à quinta questão). Mas
não só: a proposta era também a de se passar a admitir que decisões proferidas independentemente
de “cognição exauriente” assumissem, se não o mesmo, status similar ao da “coisa julgada
material”.
O Anteprojeto referido, contudo, não foi convertido em lei e tem tudo para restar
prejudicado. É que Comissão mais recente, nomeada pelo Instituto Brasileiro de Direito
Processual e presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover entendeu ser o caso de modificar a
proposta original, somando-a a diversas outras propostas de modificação na disciplina da “tutela
antecipada” e do “processo cautelar”, enviando as novas sugestões a recente Comissão nomeada
pelo Senado Federal brasileiro para redigir um novo Código de Processo Civil, em substituição ao
vigente, assunto ao qual se volta a resposta à sétima questão.
O que, por ora, é seguro afirmar é que a introdução de lege lata no ordenamento
processual civil brasileiro das “tutelas” ou “medidas” “auto-satisfativas” parece ser uma tendência
irrecusável59.
Oportuna, a respeito, a reflexão de Alberto José Lafuente Torralba sobre o que o
processualista espanhol chama de “medidas auto-satisfativas” a partir da doutrina de Joan Picó I
Junoy:
“As medidas auto-satisfativas não são mais que um novo passo na evolução da
tutela cautelar: primeiro, das clássicas medidas cautelares de conteúdo conservativo,
passou-se à admissão de medidas idôneas a satisfazer, de forma antecipada, a pretensão de
mérito; o passo seguinte tem sido reconhecer independência a tais medidas,
desvinculando-as de qualquer processo considerado ‘principal’”60.
5) Informe sobre la existencia o coexistencia en el régimen jurídico vigente de otras tutelas
59.
Jorge W. Peyrano e María Carolina Eguren escreveram substancial trabalho em que defendem a necessidade de
adoção daquelas medidas como forma de realizar concretamente diversas garantias que, em geral, são encontradas nas
Constituições dos países Iberoamericanos, dentre os quais, o Brasil, notadamente a “duração razoável do processo”
que, entre nós é expressa no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal. A referência é feita ao seu “El acceso
a la ‘jurisdicción oportuna’: las medidas autosatisfactivas y la necesidad de su regulación legal” publicado em
Problemas actuales del proceso iberoamericano, tomo II. Málaga: CEDMA, 2006, p. 583-600.
60. “La evolución de la tutela cautelar desde una perspectiva internacional: hacia la autonomia de las medidas
anticipatorios”, publicado no vol. 156 da Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 90
(tradução livre). Em sentido similar, tendo o direito argentino como pano de fundo, escreveu Patricia Menéndez
Caggiano (“Tutelas judiciales provisionales. La medida innovativa como herramienta para afianzar justicia” em
Problemas actuales del proceso iberoamericano, tomo II. Málaga: CEDMA, 2006, p. 304-308), propugnando que
merece exame “... en cada caso en particular si nos encontramos frente a una medida innovativa anticipatoria si es
uma autosatisfactiva o si un innovativa cautelar.” (op. cit., p. 308).
16
de urgencia específicas. Señale cada una de ellas, transcribiendo la norma o normas que las
establecen e indicando los presupuestos para su obtención, trámite y régimen recursivo.
Sem prejuízo do que foi exposto na resposta à segunda questão, cabem outras
considerações a respeito do que, nessa sede, é perguntado.
O Capítulo I do Título único do Livro III do CPC brasileiro encerra com um art. 812,
segundo o qual: “Aos procedimentos cautelares específicos, regulados no Capítulo seguinte,
aplicam-se as disposições gerais deste Capítulo”. Em seguida, distribuídos em quinze seções, das
quais a última é, inegavelmente, genérica, os arts. 813 a 889 ocupam-se com a disciplina dos
“procedimentos cautelares específicos”.
Longe de ser supérflua, a regra do art. 812 é importante na sistemática do CPC brasileiro
porque, como já mencionado na resposta à primeira questão, é pouco clara a “verdadeira
natureza” de boa parte das medidas compreendidas no Livro III do CPC brasileiro. Assim, a
expressa previsão constante do art. 812 tem o mérito de evidenciar que todas as medidas lá
reguladas encontram, entre os arts. 796 a 812, regras a serem aplicadas subsidiariamente. A
preocupação do Código de Processo Civil é, inequivocamente, voltada a descrever o
procedimento a ser observado por aquelas medidas, observando-se as disposições gerais
constantes daqueles dispositivos legais.
Os “procedimentos cautelares específicos” expressamente regulados pelo CPC brasileiro
são os seguintes:
O arresto é voltado ao asseguramento do resultado útil de execuções por quantia certa
contra devedor solvente. Considerando que nelas, a finalidade última da prestação da “tutela
jurisdicional executiva” é a expropriação de bens componentes do patrimônio do executado para
satisfazer o crédito do exeqüente (arts. 612 e 646 do CPC brasileiro), disponibiliza, o legislador,
nos arts. 813 a 821 do mesmo Código, um procedimento próprio para evitar que a dissipação do
patrimônio do executado comprometa, em alguma medida, o atingimento daquele objetivo. A
tendência do arresto, por isso mesmo, é a de converter-se em penhora como expressamente prevê
o art. 818 do CPC brasileiro.
O “seqüestro” de que tratam os arts. 822 a 825 do CPC brasileiro relaciona-se às
execuções das obrigações de dar coisa da mesma forma que o arresto vincula-se às obrigações de
pagamento de quantia. O objetivo da medida é o de garantir a guarda e a conservação de coisas
enquanto o credor aguarda o instante oportuno para a sua execução da obrigação.
O procedimento previsto nos arts. 826 a 838 do CPC brasileiro deve ser entendido como a
medida que alguém que deve prestar caução ou que pode exigi-la tem a seu dispor para tanto:
provoca-se o Estado-juiz para que sua intervenção decida a respeito da prestação ou do
recebimento da caução por alguém. O Código de Processo Civil brasileiro distingue, nos seus arts.
829 e 830, quem é o requerente da caução: se aquele que deve prestá-la ou quem deve recebê-la.
A “busca e apreensão” disciplinada pelos arts. 839 a 843 do CPC brasileiro tende a
assumir caráter de satisfatividade a afastar, conseqüentemente, o viés de “cautelar” no sentido
tradicional destacado pela doutrina brasileira. É, com efeito, difícil verificar em que medida a
intervenção jurisdicional, em tais casos, limite-se a assegurar o resultado útil de um outro
“processo” quando a sua conseqüência imediata é acessar diretamente pessoa ou coisa. Tanto que
há diversos autores que a vêem como medida híbrida, a assumir as vestes de uma “verdadeira
cautelar”, de uma “ação sumária” como inegável viés executivo, ou, até mesmo, de medida sem
caráter contencioso, tudo a depender das vicissitudes de cada caso concreto ou, mais
precisamente, do próprio pedido a ser feito ao Estado-juiz em cada hipótese.
A Seção V do Capítulo II do Livro III do CPC brasileiro disciplina, em seus arts. 844 e
845, a “exibição” como uma das “cautelares nominadas”. Trata-se, como se lê do art. 844, de
hipóteses em que o pedido de exibição é formulado de forma preparatória, representativo, neste
sentido, de verdadeiro exercício do direito de ação. A palavra empregada pelo legislador deve ser
17
entendida como aqueles casos em que a pretensão do autor é a de obter, mediante a intervenção do
Estado-juiz, ordem para que o réu exiba o que, por força de lei ou de contrato, deveria ter sido
disponibilizado para o requerente da medida. Uma vez exibida a coisa, dela tomando
conhecimento, o autor poderá, ou não, pleitear alguma outra tutela jurisdicional em face daquela
que a detinha, o réu.
A “produção antecipada de provas” é uma das cautelares mais conhecidas e mais debatidas
em sede de doutrina, comumente chamada de depoimentos ou vistorias ad perpetuam rei
memoriam. Apesar do nome, contudo, a medida, disciplinada na Seção VI do Capítulo II do Livro
III do CPC brasileiro, em seus arts. 846 a 851, não se volta, propriamente, à produção antecipada
de provas. Seu objetivo é o de assegurar a possibilidade da oportuna produção da prova porque o
estado das pessoas a serem ouvidas ou das coisas a serem examinadas justificam a providência
(arts. 847 e 849). Ela volta-se à materialização de um testemunho ou de um exame que pode
desaparecer com a passagem do tempo. Ela pereniza o que, de outro modo, pode esvair-se,
comprometendo a oportuna formação da convicção judicial.
Os “alimentos provisionais” de que se ocupam os arts. 852 a 854 do CPC brasileiro
contrapõem-se aos chamados “alimentos provisórios” disciplinados pelo art. 4º, caput, da Lei n.
5.478/1968, a “lei de alimentos” (v. resposta à segunda questão). Estes, os provisórios,
pressupõem prova pré-constituída da razão pela qual a pensão alimentícia é devida. Aqueles, os
provisionais, aqui descritos, são concedidos desde que o magistrado convença-se suficientemente
de que os alimentos devem ser pagos, satisfazendo-se, por isso mesmo, o art. 852 e o caput do art.
854 com a demonstração de o direito ser plausível (fumus boni iuris). Ademais, do ponto de vista
procedimental, os “alimentos provisórios” assumem feição idêntica a de qualquer pedido de
antecipação de tutela fundamentado no art. 273 do CPC brasileiro na medida em que a decisão do
juiz que os fixa é proferida incidentalmente ao processo em que o autor pretende impor ao réu o
pagamento da pensão respectiva. Os provisionais, como espécie de “cautelar nominada”,
pressupõem, a constituição e o desenvolvimento válido de um “processo” próprio, observando-se
a disciplina respectiva, do Livro III do CPC brasileiro. Trata-se, nessa perspectiva, de mais um
caso, em que o adjetivo “cautelar” é muito mais usado como indicativo de localização da
disciplina no Código de Processo Civil do que, propriamente, de processo que realize a finalidade
instrumental idealizada por boa parte da doutrina. É tamanho o grau de satisfatividade da medida
que é lugar comum na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os alimentos,
independentemente da razão, do momento e dos fins pelos quais são pagos, são irrepetíveis, isto é,
uma vez pagos, não podem ser recobrados.
A finalidade do “arrolamento de bens” (arts. 855 a 860 do CPC brasileiro) é a
documentação da existência e do estado de bens, sempre que houver receio de seu extravio ou
dissipação, no que é claro o art. 855. O arrolamento busca, em primeiro lugar, identificar os bens
no patrimônio do réu para, só depois, conservá-los. A ênfase da medida, destarte, repousa no
conhecimento dos bens que estão na posse do réu.
A justificação, disciplina pelos arts. 861 a 866 do CPC brasileiro, em consonância com o
art. 861, visa à formalização de algum fato ou relação jurídica, desde que não contenciosa, como
documento para servir de prova em processo administrativo ou jurisdicional. Como, nos termos
do art. 863 do mesmo Código, a justificação limita-se à inquirição de testemunhas sobre os fatos
alegados na petição inicial, é correto o entendimento de que, em última análise, a medida busca
transformar em documento a prova testemunhal a ser oportunamente utilizada.
A Seção X do Capítulo II do Livro III do CPC brasileiro ocupa-se concomitantemente de
três figuras que, posto serem próximas e seguir o mesmo procedimento, merecem ser distinguidas.
O protesto (arts. 867 a 872 do CPC brasileiro), de acordo com a lição de Pontes de
Miranda, tem como finalidade “... comunicar a outrem, inclusive a terceiro, a vontade real do
protestante, se de alguma ação sua, ou omissão, seria de inferir-se outra vontade. O ônus da prova
18
fica de certo modo invertido, e o que recebeu o protesto, para se prevalecer da inferência, tem de
provar que o protesto não corresponde à realidade dos fatos (protestatio facto contraria). Isto é:
que a intenção que se tinha por assente existiu, ao contrário do que se teve por fito com o
protesto”61.
A notificação (art. 873 do CPC brasileiro), consoante ensina o mesmo jurista, “comunica e
contém a intimação; mas há o plus, que é a provocação de atividade, positiva ou negativa de
outrem. (...) Em toda notificação há, como plus, comunicação de vontade, ou, às vezes,
comunicação dirigida ao notificado.”62. A notificação é exigida por diversos dispositivos do
Código Civil (assim, v.g., os arts. 290, 292, 298 e 303) para que a cessão da obrigação opere,
regularmente, seus efeitos.
“Interpelação [art. 873 do CPC brasileiro] é o exercício, ou pedido, ou exigência efetiva
(efflagitatio). Só se dirige ao devedor; não se interpela o credor; ao credor, faz-se oblação.
Quando a mora não se estabelece de plano, desde a exigibilidade do crédito, a interpelação é
indispensável para que se produza: desde o momento em que o credor interpela o devedor é que
começa a mora. (...) A interpelação é meio de se exercer a pretensão que deriva do crédito; a
oblação é o convite, da parte do devedor, ao credor, para que aceite a prestação.”63. É o que
expressamente prevêem, dentre outras hipóteses, o parágrafo único do art. 397 com relação à
constituição em mora, o art. 474 quanto à cláusula resolutiva tácita e o art. 525 para a constituição
do devedor em mora para executar a cláusula de reserva de domínio, todos do Código Civil
brasileiro.
Há situações expressamente admitidas pela lei que autorizam quem se afirma credor de
uma obrigação apossar-se de bens daquele que é tido como devedor como garantia do pagamento
da dívida. Trata-se do “penhor legal”. Penhor, direito real de garantia, que vincula um específico
bem ao pagamento da dívida por ele garantida (art. 1.419 do Código Civil). Legal porque o direito
real de garantia decorre diretamente da lei e não de prévio acordo de vontades entre as partes. O
procedimento regulado pela Seção XI do Capítulo II do Livro III do CPC brasileiro, arts. 874 a
876, disciplina a providência que aquele que se afirma credor deve adotar quando do apossamento
dos bens daquele que reputa devedor: pleitear, ao Estado-juiz, o reconhecimento de que sua
atitude amolda-se em uma das hipóteses legais, legitimando, assim, a sua posse sobre os bens até
ulterior satisfação de sua dívida. É neste específico sentido que deve ser entendida a
homologação, isto é, a declaração jurisdicional da correção do ato praticado fora e
independentemente do processo jurisdicional.
A medida disciplinada pelos arts. 877 e 878 do CPC brasileiro tem como finalidade o
reconhecimento jurisdicional da gravidez da mulher para que ela, na qualidade de verdadeira
gestora de negócios, do nascituro, invista-se na posse de seus direitos. Trata-se de providência
que, em última análise, limita-se a declarar formalmente a concepção do nascituro viabilizando,
conseqüentemente, que seja exercida a defesa de seus direitos.
O atentado disciplinado pelos arts. 879 a 881, que compõem a Seção XIII do Capítulo II
do Livro III do CPC brasileiro, deve ser entendido como a medida que permite ao magistrado,
reconhecendo a prática de alteração ilícita no plano material subjacente ao processo, determinar
sua restituição ao estado anterior, impondo, se for o caso, as sanções cabíveis, inclusive relativas a
perdas e danos. A nomenclatura empregada pelo legislador processual civil descreve, a um só
tempo, o comportamento repudiado pelo sistema jurídico (a alteração ilegítima da situação de fato
subjacente ao processo) e o meio jurisdicional apto para corrigi-lo, uma verdadeira metonímia,
portanto.
61.
Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII, cit., p. 240.
Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII, cit., p. 250.
63. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XII, cit., p. 250-251.
62.
19
A Seção XIV do Capítulo II do Livro III do CPC brasileiro disciplina duas medidas
diversas. A primeira, que ocupa os arts. 882 a 884, é o “protesto de títulos e contas judicialmente
verificadas” que, por força do art. 3º da Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997, está tacitamente
revogado64. A segunda é a “apreensão de título não restituído ou sonegado pelo emitente”
regulada pelos arts. 885 a 887, que se mantém incólume no CPC brasileiro. A medida justifica-se
em função dos casos em que a apresentação do título de crédito ao devedor é imposta pelas leis
respectivas para que os direitos nele retratados possam ser exercidos.
Sob o título genérico “outras medidas provisionais”, a Seção XV do Capítulo II do Livro
III do CPC brasileiro, traz, para encerrar a disciplina relativa ao “processo cautelar”, uma série de
medidas bastante heterogêneas que, de comum, tem, apenas e tão-somente, seu procedimento.
Tratam-se, bem examinada a questão, de verdadeiras “ações sumárias” (v. resposta à primeira
questão), não obstante o local de sua disciplina e o nome a elas dado pelo CPC brasileiro65.
A finalidade da medida prevista no inciso I do art. 888 é a de serem autorizadas obras de
conservação em coisa litigiosa (assim, por exemplo, nas chamadas “ações reivindicatórias”) ou
em coisa judicialmente apreendida (como se dá, dentre outras situações, com bens penhorados,
arrestados, seqüestrados ou buscados e apreendidos).
O objetivo da medida prevista no inciso II do art. 888 é a de permitir ao interessado, isto é,
a um dos cônjuges ou aos filhos recuperar a posse de bens seus, de uso pessoal, retidos
indevidamente na pendência da separação judicial, reconhecimento e dissolução de sociedade de
fato, divórcio direto, anulação de casamento e destituição do poder familiar.
A medida prevista no inciso III do art. 888 volta-se à definição de qual dos genitores tem
direito à guarda provisória dos filhos na pendência da demanda em que se discute o rompimento
dos laços matrimoniais.
O inciso IV indica como “medida provisional” “o afastamento do menor autorizado a
contrair casamento contra a vontade dos pais”.
A finalidade da medida prevista no inciso V do art. 888 é resguardar a integridade física e
moral do menor ou incapaz, afastando-os de seu lar enquanto se discute em “processo principal” a
perda do poder familiar fundamentada nos incisos I, III e IV do art. 1.638 do Código Civil, que
deverá observar o procedimento dos arts. 155 a 163 da Lei n. 8.069/1990, o Estatuto da Criança e
do Adolescente.
A hipótese do inciso VI do art. 888 é conhecida, na prática do foro, como “separação de
corpos”. Ela viabiliza, mediante a intervenção jurisdicional, a cessação de um dos deveres dos
cônjuges, previsto no inciso II do art. 1.566 do Código Civil, qual seja, a “vida em comum, no
domicílio conjugal” (art. 1.569 do mesmo Código).
A previsão do inciso VII do art. 888 relaciona-se intimamente com a do inciso III do
mesmo dispositivo, isto é, com a medida voltada à posse provisória dos filhos nos casos de
separação judicial, anulação de casamento, divórcio ou dissolução de sociedade de fato.
O inciso VIII do art. 888 prevê, concomitantemente, duas figuras, a interdição e a
demolição. A interdição é a vedação do uso do prédio quando há risco para a saúde, a segurança
64. Para essa demonstração, v. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
VIII, tomo II, cit., p. 409; Humberto Theodoro Jr., Processo cautelar, cit., p. 411; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio
Cruz Arenhart, Processo cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 328). De nossa parte, v. o nosso Curso
sistematizado de direito processual civil, vol. 4, cit., p. 345.
65. “Na tutela provisional regulada no art. 888, como veremos adiante, cuida-se geralmente de resolver parcialmente o
litígio entre as partes. A deliberada exclusão das chamadas medidas provisionais do processo cautelar, com a
determinação contida no art. 889 de ser observado apenas o procedimento estabelecido nos arts. 801 a 803, denota de
maneira inequívoca tratar-se aqui de sumariedade puramente formal. (…) A análise da classe evidencia tratar-se, no
mais das vezes, de providências vinculadas a uma porção do litígio verificado na vida real, em que cresce de
intensidade a necessidade de pronta resposta jurisdicional, em face da natureza dos valores envolvidos.” (Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo II, cit., p. 25).
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ou outro interesse público. A demolição, por vezes chamada de “ação demolitória”, justifica-se
quando o próprio prédio, isto é, a construção em si mesma considerada, colocar em risco os bens
expressamente referidos pelo inciso VIII do art. 888. Se o risco decorrer de obras ainda em
andamento, isto é, ainda não concluídas, a medida adequada é a chamada “ação de nunciação de
obra nova” disciplinada pelos arts. 934 a 940.
6) En caso de no haber sido legisladas todas o algunas de las tutelas de urgencia antes
aludidas, ¿existen normas que permitan la tutela efectiva y oportuna de los derechos?
¿Cuáles son? ¿Qué señala la jurisprudencia de su país sobre el particular?
A resposta à questão fica prejudicada em função do quanto exposto a propósito do
enfrentamento das demais perguntas.
7) ¿Existen proyectos de reforma legislativa para la inclusión de las tutelas de urgencia o
para la reforma de los textos que las prevén?
Como já noticiado na resposta dada à quarta questão, há uma Comissão nomeada no
âmbito do Senado Federal brasileiro voltada à elaboração de um Anteprojeto de Código de
Processo Civil, sob a presidência do Ministro Luiz Fux do Superior Tribunal de Justiça. Pelo que
se tem anunciado até o momento — não há, ainda, a produção de nenhum esboço do Anteprojeto
—, há expectativa de que o regime do “processo cautelar” e da “tutela antecipada” sejam
alterados, quiçá unificados e procedimentalmente facilitados, com sua disciplina exposta em uma
“Parte Geral” do Código de Processo Civil, inexistente no atual. Não foi possível, contudo, até a
conclusão do presente trabalho, verificar quais os caminhos que serão efetivamente seguidos por
aquela Comissão.
No âmbito do Instituto Brasileiro de Direito Processual, há cinco Comissões encarregadas
de elaborar propostas para o novo Código. Uma delas, presidida pela Professora Ada Pellegrini
Grinover, elaborou sugestões pertinentes ao tema a serem oportunamente encaminhadas à
Comissão do Senado Federal.
A proposta do Instituto Brasileiro de Direito Processual teve origem principalmente em
dois trabalhos anteriores. O primeiro foi chamado pelo responsável por sua elaboração, o Ministro
Athos Gusmão Carneiro, de “Esboço de reformulação legislativa” voltado à alteração do Livro III
do CPC brasileiro. O segundo é o Anteprojeto sobre a “estabilização da tutela antecipada” exposto
na resposta à quarta questão.
A mais recente proposta, aprovada pela Diretoria do Instituto, pretende, em apertada
síntese, eliminar a autonomia do “processo cautelar” quando a providência é pleiteada
incidentalmente, mantendo-a, contudo, quando se tratar de providência requerida de forma
antecedente. A sugestão busca, outrossim, redistribuir de forma mais clara e mais ajustada às
diversas críticas encontradas na doutrina brasileira os diversos dispositivos do atual CPC
brasileiro sobre “tutela antecipada”, “processo cautelar” e as “medidas cautelares específicas”,
assumindo, de vez, sua fungibilidade, nos seguintes termos: “O pedido de medida antecipatória ou
cautelar em lugar de outra, salvo na hipótese de má-fé ou erro grosseiro, não obstará que o juiz,
por fungibilidade, conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos
pressupostos encontre provados” (art. 1º, parágrafo único, da Proposta) e “Além das medidas
cautelares específicas, poderá o juiz determinar as providências que entender adequadas, quando
houver fundado receio de que possa a parte, injustamente, sofrer lesão grave e de difícil reparação.
Parágrafo único. Salvo erro grosseiro, o pedido de medida cautelar incabível não obsta a que o
juiz outorgue outra medida cujos pressupostos considerar comprovados” (art. 3º e parágrafo único
da Proposta).
Propõe-se também, embora de forma menos ampla do que descrito na resposta à quarta
questão, a “estabilização da tutela antecipada” toda a vez em que “a parte ré, pessoalmente citada,
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não apresente resposta ou reconheça a procedência do pedido”. A decisão proferida pelo juiz em
tais casos “produzirá efeito de coisa julgada (art. 467)”, tudo em consonância com o § 1º do art.
43 da Proposta.
O Livro III do CPC brasileiro, com as alterações pretendidas pelo Instituto Brasileiro de
Direito Processual, passaria a ser denominado “Das tutelas diferenciadas”, dividindo-se em dois
Títulos, cada um deles, por sua vez, divididos em Capítulos. O Título I, intitulado “Das medidas
cautelares e antecipatórias”, contém quatro capítulos, a saber: “Das disposições gerais”, “das
medidas cautelares”, “das medidas cautelares específicas” e “das medidas antecipatórias”. O
Título II, “Dos processos autônomos satisfativos”, é apresentado em dois capítulos, o primeiro
deles voltados à disciplina “dos direitos personalíssimos e das medidas satisfativas autônomas” e
o segundo dedicado a “outras medidas provisionais”.
Maiores desenvolvimentos sobre o conteúdo e o alcance desta Proposta, bem assim sobre
os trabalhos da Comissão nomeada pelo Senado Federal, teriam conteúdo exclusivamente
especulativo. É o caso de aguardar o avanço dos trabalhos legislativos para tanto.
Enfrentamento final das questões formuladas
Passamos a responder, em seguida, uma a uma, as questões formuladas. A finalidade é a
de apresentar não só a suma do trabalho desenvolvido mas também a de dar destaque às suas
principais conclusões facilitando, conseqüentemente, a sua leitura e adequada compreensão.
1) Indique si en su país, además de las medidas cautelares, han sido legisladas otras tutelas
de urgencia. En tal caso, ¿cuáles?
O direito processual civil brasileiro conhece de lege lata o “processo cautelar”, que ocupa
o Livro III do Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, arts. 796 a 889, e que desempenha, de
forma ampla, o papel das chamadas “tutelas de urgência”.
Também o instituto da “tutela antecipada”, previsto genericamente no art. 273 do mesmo
Código, busca, por força do que dispõe o inciso I daquele dispositivo, o atingimento da mesma
finalidade.
Diversos dos “procedimentos especiais” disciplinados no Livro IV do CPC brasileiro
admitem também a prestação de tutelas de urgência em caráter incidental do processo, tanto
quanto diversos outros procedimentos regulados pela legislação processual civil extravagante.
2) Establezca si las aludidas tutelas urgentes han sido previstas legalmente como medidas
cautelares especiales o si han sido objeto de regulación separada o diferenciada. En este
último caso informe en qué capítulo o bajo qué denominación han sido incorporadas a los
códigos procesales.
O direito processual civil brasileiro não se vale da nomenclatura “tutela de urgência”. O
seu papel, contudo, é desempenhado pelos institutos e dispositivos mencionados na questão
anterior, notadamente o “processo cautelar”, que, com essa denominação ocupa um dos cinco
Livros do Código de Processo Civil brasileiro.
3) ¿Se encuentra legislada la tutela anticipada? En caso de respuesta afirmativa indique sus
requisitos legales de procedencia y condiciones para su efectivización, juez competente,
trámite aplicable y régimen recursivo. ¿Se prevé la reversibilidad de la anticipación?
Informe sobre las tendencias actuales en la doctrina y la jurisprudencia y agregue todo otro
dato de interés sobre el particular.
O art. 273 do CPC brasileiro, introduzido pela Lei n. 8.952/1994 e modificado pela Lei n.
10.444/2002, disciplina a “tutela antecipada”.
A tutela será antecipada quando houver pedido da parte e prova inequívoca da
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verossimilhança da alegação (art. 273, caput) e desde que, alternativamente, haja receio de dano
irreparável ou difícil reparação (art. 273, I) ou quando ficar caracterizado o abuso do direito de
defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, II) ou, ainda, quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso (art. 273, § 6º).
A irreversibilidade do provimento (comumente chamado de “periculum in mora inverso”)
opera como pressuposto negativo da antecipação nos termos do § 2º do art. 273 do CPC brasileiro.
A doutrina e a jurisprudência, contudo, tendem a relativizar a rigidez da letra da regra invocando
o chamado “princípio da proporcionalidade”.
Uma vez antecipada a tutela, é viável ao magistrado revogar ou modificar a decisão
respectiva na medida em que aprofunde a sua cognição (art. 273, § 4º).
O pedido de tutela antecipada é formulado para o juízo da causa e, quando o processo
estiver em sede recursal, perante o relator, que atua, no âmbito dos Tribunais, como juiz
preparador, que atua em nome do colegiado. De todas as decisões proferidas pelo juízo da
primeira instância, inclusive aquela que defere ou que nega o pedido de tutela antecipada, cabe
recurso, o chamado “agravo de instrumento”, para o Tribunal competente. No âmbito dos
Tribunais, a decisão proferida pelo relator desafia seu contraste perante o colegiado pelo recurso
usualmente chamado de “agravo regimental”.
A efetivação da tutela antecipada deve observar as mesmas regras existentes para as
execuções das obrigações de pagar, fazer e não fazer e dar coisa, sendo tolerável sua modulação
diante da urgência ou das necessidades do caso concreto, em conformidade com o disposto no art.
273, § 3º, do CPC brasileiro.
4) ¿Ha sido prevista legalmente la medida autosatisfactiva (o tutela urgente no cautelar sino
autónoma)? En caso de respuesta afirmativa indique sus recaudos de procedencia, juez
competente, trámite aplicable y régimen impugnativo. Señale también las tendencias que se
registran sobre el particular en la doctrina y la jurisprudencia de su país.
O direito processual civil brasileiro não conhece de lege lata medidas “auto-satisfativas”
no sentido questionado, sendo exemplo isolado os chamados “alimentos gravídicos”.
Os “procedimentos especiais”, que ocupam o Livro IV do CPC brasileiro, por viabilizarem
o proferimento de decisão com cognição exauriente, apta, conseqüentemente, a transitar
materialmente em julgado, não podem ser compreendidos, ao menos sem as devidas ressalvas,
como medidas “auto-satisfativas”.
5) Informe sobre la existencia o coexistencia en el régimen jurídico vigente de otras tutelas
de urgencia específicas. Señale cada una de ellas, transcribiendo la norma o normas que las
establecen e indicando los presupuestos para su obtención, trámite y régimen recursivo.
Os arts. 812 a 889 do CPC brasileiro disciplinam os chamados “procedimentos cautelares
específicos”. A descrição de cada um deles ocupa a resposta à quinta questão.
Também a legislação processual civil extravagante brasileiro prevê uma série de outras
medidas que podem ser compreendidas. Exemplos de tais previsões estão expostos na resposta à
segunda questão.
6) En caso de no haber sido legisladas todas o algunas de las tutelas de urgencia antes
aludidas, ¿existen normas que permitan la tutela efectiva y oportuna de los derechos?
¿Cuáles son? ¿Qué señala la jurisprudencia de su país sobre el particular?
Diante das demais respostas, a questão fica prejudicada.
7) ¿Existen proyectos de reforma legislativa para la inclusión de las tutelas de urgencia o
para la reforma de los textos que las prevén?
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No final de 2009 foi nomeada, pelo Senado Federal, uma Comissão encarregada de
elaborar um Anteprojeto de um novo Código de Processo Civil brasileiro. O que, até o presente
momento, foi passível de constatação é que a Comissão pretende tratar, lado a lado, em uma (até
agora inédita) Parte Geral do Código, a “tutela cautelar” e a “tutela antecipada”, abandonando o
atual tertium genus do “processo cautelar”, com vistas a uma maior simplificação na prestação
daquelas medidas em caráter antecedente ou incidental aos processos de conhecimento ou de
execução.
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RELATÓRIO APRESENTADO ÀS XXII JORNADAS