AUDIENCIA PUBLICA AP 044/2005
MANIFESTAÇÃO DO:
FÓRUM NACIONAL DOS CONSELHOS DE CONSUMIDORES DE
ENERGIA ELÉTRICA
Inicialmente é preciso avaliar a origem da RTE e o objetivo a que se
propõem.
A RTE foi criada pela Lei 10.438/02, consagrando o Acordo Geral do
Setor Elétrico que permitiu as Concessionárias de Distribuição e de
Geração, recuperarem, via adicionais tarifários, suas perdas de
receitas decorrentes do forte racionamento e, ainda, as despesas
com a compra de energia no âmbito do MAE, realizadas pelas
geradoras e, ainda, as variações dos itens da Parcela “A” do
exercício de 2001.
Preliminarmente é oportuno anotar, desde logo, que para as reuniões
que deram origem ao famigerado Acordo Geral do Setor Elétrico, não
foram convidados os representantes do agente setorial mais
importante: o consumidor.
Exatamente o único agente ao qual não se podia imputar nenhuma
culpa pelo racionamento e que realmente sofreram todos seus
efeitos: os residenciais tiveram de abrir mão do seu conforto pessoal;
os comerciais e industriais foram obrigados a reduzir sua produção,
demitir gente, descumprir contratos de vendas e, muitos deles, até
contratos de financiamento, foram obrigados, por Lei, a reembolsar
distribuidoras e geradoras das perdas de receita que tiveram.
E de estarrecer a atitude dos membros do Poder Legislativo Federal,
(deputados e senadores) eleitos para defender os direitos dos
cidadãos, se prestaram a cumprir ordens do Poder Executivo e
penalizar, impunemente, e de maneira injusta e cruel, os
consumidores de energia elétrica, ou seja, toda a população
brasileira.
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O então Vice-Presidente do BNDES, Coordenador do Grupo que
negociou o Acordo, afirmou com todas as letras, que “o acordo foi a
melhor decisão em prol dos consumidores”, por ter evitado uma luta
judicial com os investidores prejudicados pelo racionamento, na
verdade obra de Deus, previsível com muita antecedência e
perfeitamente controlável pelos homens desde que tivessem agido
tempestivamente.
Depois dessa afirmativa, os consumidores ficaram se perguntando,
se a melhor solução era pagar o adicional, qual teria sido a pior, já
que energia não tinha para consumir. Ficamos, na verdade, no pior
dos mundos.
Os consumidores se comportaram muito acima das expectativas, tal
a colaboração que prestaram ao setor elétrico, reduzindo
drasticamente o consumo, através de medidas concretas de
economia e eficientização, Não fosse a efetiva participação dos
consumidores, particularmente dos residenciais, as conseqüências
teriam sido devastadoras para a economia brasileira. E, apesar
disso, foram punidos com aumento de preços, ao invés de serem
ressarcidos dos seus próprios prejuízos.
E importante ressaltar o total desrespeito aos consumidores, haja
vista que não lhes foi sequer perguntado se concordavam com o
adicional ou se prefeririam enfrentar a fúria jurídica dos investidores,
eventualmente com sérios riscos de novos problemas no futuro e, até
mesmo, de ter de pagar, posteriormente, (certamente muitos anos
depois dada à demora processual) em função de uma possível
decisão judicial favorável as empresas.
Por outro lado, analisando as causas do racionamento, constata-se
facilmente: o Governo Federal foi o único culpado pelo racionamento,
por não ter tomado providencias mitigadoras em tempo hábil. Todos
os técnicos das mais variadas áreas envolvidas, sabiam que haveria
um racionamento, mas, mesmo assim, preferiram continuar
acreditando que Deus era brasileiro e não permitiria que faltasse
água nos reservatórios das usinas geradoras.
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Várias medidas poderiam ter sido tomadas, mas não o foram, tais
como:
i)
Cumprimento do planejamento que previa a construção de
varias centrais térmicas e hídricas;
ii)
Continuar investindo no setor apesar de tê-lo incluído no
Programa de Privatização, como fez o Ministério das
Comunicações que, mesmo com suas empresas incluídas
no programa de privatização, não permitiu a interrupção dos
investimentos, levando a cabo seu programa de expansão
com pleno sucesso;
iii)
As companhias geradoras, que tinham energia contratada
com as distribuidoras, deveriam ter sido estimuladas, por
cobertura tarifária, a importar energia excedente na
Argentina, utilizando sobras de capacidade de transporte
nos sistemas de transmissão de Argentina e Brasil;
O Governo, concomitantemente com a declaração do racionamento,
criou o Comitê de Gestão da Crise, presidido pelo Ministro Chefe da
Casa Civil, que desde logo proclamou não interessar, de imediato,
identificar os culpados, mas, tão somente, tomar medidas concretas
para solução do problema, que sabiam ter sido criado pela inépcia e
incompetência dos seus dirigentes setoriais, apesar de alertados por
todos os outros agentes envolvidos no assunto.
O Comitê de Gestão da Crise até o fim dos seus trabalhos, em
momento algum procurou determinar os culpados que deveriam
pagar pelos prejuízos causados, não só aos consumidores e às
distribuidoras, mas à Nação.
A explicação é muito simples: caso o Governo fosse identificado
como responsável pela crise, teria de arcar com os prejuízos. Então,
optou por não identificar os culpados e tomar dinheiro dos
consumidores para pagar os prejuízos das empresas de energia
(mas não dos consumidores) foi mais fácil e prático. Obviamente,
nem pensou em ressarcir os consumidores.
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O que causa maior revolta é ter o Governo feito o acordo com todos
os outros agentes, decidindo-se pelo adicional, embora detivesse o
controle acionário das principais empresas dentro do próprio setor,
patrimônio esse que poderia, perfeitamente, ser dado em
pagamento, de maneira a preservar a economia popular.
Mas não era esse o interesse do Governo. Queria mais, não só
queria manter seu patrimônio para continuar o processo de
privatização então em curso visando buscar recursos para equilibrar
suas contas e gerar mais receitas para si e para os Governos
estaduais.
Os consumidores, pagando mais pela energia consumida,
simultaneamente permitiram aos Governos Federal e Estaduais
arrecadar mais tributos e encargos incidentes sobre o consumo. Os
adicionais garantiram, ainda, o lucro das distribuidoras e geradores,
que, por sua vez, pagaram mais imposto de renda, CSLL e
PIS/COFINS. Até o BNDES arrecadou mais com a solução, por ter
adiantado, sobre a forma de empréstimos, a receita a ser obtida
pelas empresas financiadas com os adicionais. Foi uma grande farra
a custa dos consumidores, evidentemente não convidados para a
festa.
Passado tantos anos, descobre-se agora que os consumidores que
se tornaram livres, conforme lhes permitia a legislação vigente,
deixaram de pagar a RTE, impedindo que as distribuidoras
arrecadassem menos receita que lhes fora determinada àquela
época.
Lendo os documentos preparados pela ANEEL, podemos verificar
que a retroatividade atingirá apenas os consumidores livres, não
afetando os cativos que continuaram abastecidos pelas
Concessionárias, seja por decisão própria, seja pela impossibilidade
legal de optarem.
Mesmo assim, não nos parece justo que os consumidores, que a
época em que optaram não tinham de pagar a RTE, venham agora a
ser penalizado dessa forma.
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E preciso estar atento à viabilidade econômica de tal cobrança, pois
a economia feita pelos mesmos pode se transformar em prejuízo.
O Fórum Nacional dos Conselhos de Consumidores que presidimos
e ora representamos, não tem recursos suficientes para contratar
uma Consultoria Jurídica para avaliar a questão com maior
propriedade, mas sabemos que outros agentes o fizeram e
apresentarão suas conclusões.
Assim mesmo, podemos afirmar que as regras não podem ser
mudadas de maneira retroativa. Os contratos de opção foram
assinados pelos consumidores livres segundo as regras então
vigente e agora, muito tempo depois, não se pode pensar em mudálas e cobrar a diferença.
Por outro lado, entendemos a situação das distribuidoras que
perderam receitas importantes e podem estar com sua própria
viabilidade econômico-financeira comprometida, mas também
entendemos que os consumidores cativos não podem ser mais
prejudicados do que já foram. Há, pois, que se encontrar uma
solução que atenda as partes diretamente envolvidas.
Estamos convencidos que a melhor forma de resolver essa
importante questão seria o próprio Governo arcar com o ônus de tal
ressarcimento, vendendo seus bens no setor para arcar com os
prejuízo s das distribuidoras. Esta solução, no nosso entender, já
deveria ter sido adotada desde o inicio como acima exposto.
Outra solução, ainda a nível governamental, seria a suspensão, por
tempo determinado, da cobrança de tributos em quantidade
suficiente para gerar receitas às Concessionárias, sem a cobrança
de adicionais tarifários dos consumidores.
Caso nenhuma dessas soluções possa ser viabilizada, nos parece
recomendável que a cobrança não seja retroativa, mas aplicável tão
somente daqui para frente. Neste caso, é preciso dar aos optantes a
oportunidade de reavaliarem suas opções e decidirem se querem
continuar livres ou se desejam voltar à condição de cativo, sem
nenhuma penalização.
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E preciso, também, conservar a competição ao nível de preços,
inclusive, estendendo a todos os consumidores o direito de optar
para serem consumidores livres. O fato de apenas uma pequena
parcela dos consumidores poder escolher seus próprios
fornecedores de energia, não nos parece justa e recomendável, visto
que os demais acabam arcando com os custos fixos que não foram
cobertos pelos que se tornaram livres. Ademais, é preciso estimular
a competição na busca de maior eficiência, imprescindível ao melhor
atendimento do mercado consumidor.
Finalizando, é preciso que fique claro que não toleraremos que os
consumidores cativos sejam minimamente prejudicados. Nenhuma
cobrança, sob qualquer pretexto, deve, portanto, recair sobre os
mesmos.
Era o que tínhamos a apresentar a propósito da cobrança da RTE
aos consumidores livres.
Atenciosamente,
OSCAR MARCONDES PIMENTEL
Coordenador Nacional
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