O Ford da Cirurgia
Cardíaca
EDIÇÃO 2
13/10/2015
Medicina Júnior - Bruno Morato Faria
Pensamentos, relatos e sonhos: a gestão, a saúde e a
ressonância de 7 tesla.
Eu me considero um entusiasta de muitas coisas: um entusiasta do ensino, da pesquisa,
das plataformas digitais, da inovação, mas poucas coisas me envolvem mais do que casos impactantes que ilustrem o poder
transformador da gestão. E por
isso, esse texto se dedica a contar
a vocês uma história de como a
saúde encontrou a gestão na Índia
e revolucionou o tratamento
cardíaco no país.
Gorro cirúrgico, lentes de
aumento, Dr. Devi Shetty debruçado sobre o tórax aberto de um
garoto de 11 anos, suturando em
seu coração parado um seguimento de aorta artificial. À medida que
o cirurgião puxa o fio de sutura,
um assistente lê em voz alta uma
proposta de construção de um novo hospital nas ilhas Cayman. O
acordo é assinado alguns dias depois e parte para análise do Parlamento do país.
O Dr. Devi esteve sob os
holofotes pela primeira vez no
início dos anos 90, quando se tornou o cirurgião de Madre Teresa
de Calcutá. Atualmente, ele
oferece na Índia cuidados médicos
de ponta que custariam uma fortuna em qualquer outro lugar do
mundo. Uma cirurgia que custa
US$2.000 em seu hospital custa
US$5.000 no resto da Índia e até
US$100.000 nos Estados Unidos.
O modelo do cirurgião revolucionou a caótica saúde indiana
por meio da implementação de
uma administração profissionalizada e focada no lema da rede de
hospitais que ele fundou: “Health
for all. All for health.” Embora possa causar desconfiança à primeira
vista, o Narayana Health (NH) é
um exemplo de negócio social —
como se denominam negócios que
buscam soluções para uma
questão social — que opera o
cuidado em saúde com volumes
enormes, até de procedimentos
considerados mais perigosos, como uma cirurgia cardíaca. Por
meio desse modelo, que leva ciência e gestão muito a sério, o sistema foi capaz de reduzir significativamente seus custos de operação
em todos os níveis, desde a compra de equipamentos.
E se existe uma coisa que
os sistemas de saúde do mundo (e
do Brasil!) procuram e precisam
alcançar para se aproximar da sustentabilidade é uma redução de
custos que possibilite o aumento
da abrangência do cuidado, exatamente o que o Narayana se propõe
a fazer.
Para passar uma ideia da
realidade no hospital, em 2008
eles realizaram 3.174 cirurgias de
bypass cardíaco, contra 1.367 do
primeiro lugar dos EUA, a Cleveland Clinic. O Hospital do Coração
do NH tem mais de 1000 leitos,
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Cardíaca
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mas a rede também conta com
1.400 leitos no Hospital do Câncer, 300 no Hospital do Olho e assim continua nos 32 centros da
rede, totalizando incríveis 6.498
leitos, quase três vezes mais do
que o Complexo HC!
Sem querer tomar muito mais de
seu tempo, vou pular para duas
das perguntas mais relevantes e
frequentes quando falamos de negócios sociais iguais a esse: como
fica o lucro e como fica a qualidade?
A primeira é fácil, a margem de lucros do Narayana gira
em torno de 7.7%, contra a média
de 6.9% dos hospitais americanos. Não é coincidência o fato de
a rede atrair a atenção de fundos
de private equity que estão dispostos a financiar sua expansão.
A qualidade do serviço, primeiro fator que levanta dúvidas
em negócios tão grandes, também
está bem longe de deixar a desejar. A qualidade da rede foi atestada por inúmeros prêmios internacionais e, para dar um exemplo,
a taxa de mortalidade das cirurgias de bypass no Narayana, por
exemplo, são de 1,4%, contra a
média de 1,9% nos EUA, mesmo
em meio às precárias condições
de vida na Índia.
Pois bem, se você quer saber mais sobre como o Dr. Devi
Shetty criou um sistema gigante
em que as pessoas pagam quanto
podem e às vezes nem pagam por
um atendimento em saúde de ex-
celente qualidade e alta complexidade; se quer saber como ele faz
isso e consegue manter seus lucros; se quer saber como o Narayana Health usa a telemedicina
para levar cuidado de qualidade
para lugares que nunca haviam
visto a Medicina antes; se quer
saber as estratégias traçadas para
a manutenção da qualidade dos
serviços, fontes não faltam: de pequenos jornais estudantis como
esse até o The Wall Street Journal,
passando por publicações de Harvard, o NH tem ganhado a mídia
no mundo inteiro.
Agora, o que a ressonância
de 7 tesla tem a ver com isso?
Mais ainda, o que eu e você temos
a ver com isso? Algumas vezes,
paro para observar que os atores
mais importantes do sistema de
saúde depositam a maior parte de
sua esperança, senão toda ela, na
tecnologia. Celebramos os robôs,
as grandes e potentes máquinas
de tomografia e ressonância, os
novos medicamentos fundamentados na biotecnologia e por aí nos
enveredamos. Eu mesmo vejo
grandes avanços em todos esses
aspectos e reconheço o grande impacto que eles podem ter na recuperação dos pacientes. Eu sonho,
no entanto, com o dia em que a
gestão terá um lugar em nossa
Faculdade e em nosso Hospital,
com o dia em que seremos pioneiros também nesse campo e levaremos avanços a todo o país, porque
acredito que a ressonância pode
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fazer pouco sem eles, porque
acredito que sair de um sistema
de gestão que muito se assemelha
ao Feudalismo para um em que
sejam estabelecidos processos de
verdade, pode levar o HC a uma
posição que desconhecemos, mas
certamente queremos ocupar.
A Medicina Jr., acredito, é
a semente desse ramo na Faculdade e trabalharemos para que
ele cresça, floresça e dê frutos
que beneficiem a esta Casa e criem valor para vocês, alunos, e
para os usuários do sistema de
saúde de que somos parte. As falhas são muitas, os desafios são
grandes e temos muito o que fazer se queremos que esse sonho
se torne realidade. Hoje, não temos muito mais do que a vontade
e a disposição, mas amanhã, nos
esperam um Hospital melhor e
todos os objetivos que almejamos
alcançar!
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