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Restauraçõo
Restauração de Matas Ciliares - '~Iguns
Aspectos Ecológicos Importantes que devem ser
considerados na Restauração de Matas Ciliares"
(capítulo 3)
de matas
ciliares
Sergius Gondoln
Ricardo
Se na natureza espécies e ecossistemas fluem no tempo, é preciso manter esse fluxo permitindo a existência
de habitats e espécies, e das interações
resultantes da presença de ambos. Se
considerarmos importante recriar habitats, comunidades e ecossistemas,
como estratégias importantes para a
preservação das espécies nativas, então
é preciso usar o conhecimento científico já disponível, as técnicas agronômicas e silviculturais já elaboradas, a
disposição da sociedade em realizar
esses trabalhos e os recursos econômicos necessários, a fim de que se possa
ter sucesso nessa empreitada.
Os conhecimentos ecológicos elaborados no curso de mais de um século são, uma herança que nos permite
organizar nosso pensamento e partir
para esse trabalho de construção ou
reconstrução ecológica de maneira
mais organizada e eventualmente obter resultados mais eficazes.
A restauração de uma mata ciliar
se inicia comumente através da introdução de árvores, ou do favorecimento
do desenvolvimento de árvores que já
estejam presentes na área degradada, e
levam à gradual formação de uma fisionomia florestal, um dos primeiros
passos para a criação ou re-criação de
uma floresta permanente nesse local,
M
I
algo que se poderia denominar de "capoerização". Esse processo via de regra
não se realiza num vazio, onde outras
espécies vegetais não existem, ao contrário é comum que se desenvolva em
áreas ocupadas por plantas herbáceas, em geral gramíneas que dominam
a área a ser restaurada. Portanto, esse
primeiro passo, aparentemente simples
encobre a ocorrência de fenômenos
mais complexos, que podem ser sintetizados da seguinte forma. Durante
essa "capoerização" da área degradada, e ao longo do processo de sucessão
florestal que deve aí se desenvolver,
haverá simultaneamente processos de
desconstrução de habitats, de tal forma
que determinadas espécies não disponham mais de condições para sobreviver (p.ex., gramíneas), e de construção
de habitats, permitindo que outras
espécies possam agora se estabelecer
(p.ex., árvores).
Todavia, uma floresta não é uma
simples coleção de árvores de diferentes espécies vivendo cada qual isoladamente num local em que toleram
as condições abióticas existentes (seu
habitat). E também, cada indivíduo
arbóreo de uma dada espécie pertencente a florestas tropicais e subtropicais, em geral, não pode sozinho deixar
novos descendentes, condição necessá-
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Departamento de Ciências Biológicas Escola Superior de Agricultura "Luizde Queiroz", Universidadede São
Paulo
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13418-900,
Piracicaba,
São Paulo.
[email protected]
13418-900,
Piracicaba,
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, Departamento de Ciências Biológicas- Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São
Paulo
Postal:
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Ribeiro Rodrigues2
ria à perpetuação da floresta local. Na
realidade, muitos processos ecológicos
fundamentais para a existência de uma
comunidade florestal permanente dependem de interações entre indivíduos
da mesma espécie (reprodução sexual)
ou de diferentes espécies (p.ex., polinização, dispersão, competição, etc.),
resultando daí que a restauração não
consiste apenas na recriação de habitats favoráveis às espécies arbóreas.
Faz-se necessário também que durante
o processo de restauração ocorra tanto
a desconstrução, quanto a construção
de populações de espécies vegetais,
animais e de microrganismos, e a desconstrução e a construção de interações
intra e inter específicas.
Esse sentido de uma gradual transformação, essencialmente complexa e
histórica, em que as espécies são o foco
central dos processos em curso, deve
estar sempre em mente no planejamento de projetos de restauração.
Cada espécie vegetal presente numa
floresta fornece alimentos para os animais, potencialmente compete com
outras espécies pelos recursos disponíveis, e, além disso, sofre e determina
alterações no ambiente.
As árvores como outros organismos vivos, pela sua presença e desenvolvimento, agem sobre o meio
como "engenheiras físicas do ecossistema" causando mudanças físicas
nos componentes abiótico e biótico
da floresta (Lawton & Jones 1995,
Jones et aI. 1997)
Numa floresta, sobretudo em função de seu grande porte e persistência
temporal, as árvores do dossel criam,
modificam ou mantém as condições
ambientais sobre si e conseqüentemente controlam a disponibilidade de
recursos para outros organismos, ou
seja, criam, mantém ou alteram microhabitats favorecendo ou desfavorecen-
do a presença de outras espécies junto
si.(Gandolfi et ai. 2007)
Diferentes espécies arbóreas, por
exemplo, absorvem, armazenam e retomam ao solo nutrientes, ou outros
elementos químicos, em diferentes
proporções (Montagnini 2001; Carnevale & Montagnini 2002), podendo
esse potencial de melhoria de solos
degradados ser explorado e manejado, pois o efeito maior ou menor em
certas características do solo poderá
ser obtido dependendo do conjunto de
espécies empregado e das abundâncias
empregadas de cada uma delas.
Note-se aqui que uma recuperação
parcial da fertilidade do solo tanto poderia ser obtida diretamente através de
uma adubação do solo, como poderia
resultar da introdução planejada de
determinadas espécies arbóreas. No
entanto, não apenas esse potencial em
relação ao solo e a capacidade das espécies arbóreas em fornecer diferem
recursos alimentares devem ser explorados nos projetos de restauração.
O conceito das espécies como "engenheiras físicas dos ecossistemas" nos
permite pensar na introdução de espécies como uma ferramenta para o aumento e/ou diversificação de habitats,
que favoreçam a manutenção ou o ingresso de novas espécies na comunidade, o que também acontece quando da
chegada espontânea de espécies numa
área restaurada.
Restauração
de matas
ciliares
Assim, a própria biodiversidade é
uma ferramenta de restauração que
pode ser melhor compreendida e usada, principalmente se pudermos organizar e usar as informações sobre a
biologia das espécies que compõem a
floresta que se quer recompor, essa informação pode levar à criação de modelos que combinem, no espaço e no
tempo, espécies com diferentes atributos biológicos desejáveis.
~ AI
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de motos
ciliares
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Embora a formação e a manutenção de uma comunidade biológica rica
em espécies não sejam fenÔmenos totalmente compreendidos, pois muitos
processos ecológicos se articulam e
complementam, em escalas espaciais e
temporais muito diversas, alguns desses processos ecológicos fundamentais
para a manutenção das florestas tropicais e subtropicais podem servir de
ferramentas para a manipulação, o desencadeamento, e manutenção de projetos de restauração de matas cHiares.
No entanto, quando se pensa na
restauração de matas cHiares é preciso
lembrar que elas não são uma unidade
fitogeográfica, e sim florestas ribeirinhas que podem pertencer a diferentes
formações florestais. (Rodrigues & Leitão Filho, 2004) Isso significa dizer que
na margem de um rio podemos, por
exemplo, encontrar um barranco alto
recoberto por um Cerradão, e num outro trecho do mesmo rio um barranco
baixo recoberto por uma Mata de Brejo, e, portanto muitos processos ecológicos que se quer manipular poderão
diferir significativamente de acordo
com trecho degradado e a formação
florestal que se pretenda ali restaurar.
A existência permanente de uma
floresta depende de muitos processos
tais como a reprodução vegetativa,
a polinização, o banco de sementes,
a germinação, etc., que permitem o
surgimento de novos indivíduos das
populações vegetais florestais já presentes, que terão de se desenvolver
para poderem substituir com o tempo
os indivíduos adultos que irão morrer.
Mas uma comunidade florestal em formação não surge já com sua composição florística completa, e em maior ou
menor proporção, ela irá receber novos
indivíduos e espécies vindos de outros
ecossistemas, e sendo assim, também a
dispersão entre comunidades tende a
ser um fenômeno muito importante.
(p.ex. Capítulo 2)
Mas há ainda muitos outros processos ecológicos que devem ser considerados no desenvolvimento de uma
comunidade, tais como a herbivoria, a
predação, a competição e as condições
ambientais estressantes que podem interferir ao reduzir a sobrevivência e o
desenvolvimento de indivíduos e espécies presentes ou ingressantes.
Uma análise mais apressada poderia então sugerir que a manutenção e
evolução das comunidades seria um
fenômeno simples baseado apenas no
ingresso, saída e ou reposição de indivíduos e espécies; o que tornaria a
restauração florestal de áreas degradadas uma atividade bastante previsível.
No entanto, o surgimento, o desaparecimento ou a manutenção de populações depende de muitos fatores,
processos e interações que não são
totalmente previsíveis e são, portanto
difíceis de reproduzir.
Some-se a isso um outro componente fundamental que atua sobre a
evolução de toda e qualquer comunidade, a ocorrência de distúrbios
naturais, como enchentes, secas incomuns, geadas severas, etc., ou distúrbios antrópicos como as queimadas,
a poluição química do solo, os cortes
seletivos de esp~cies arbóreas, etc.,
que, atuando de forma imprevisível,
podem alterar profundamente a fisionomia, estrutura, a composição e
a dinâmica, tanto de uma vegetação
natural como de uma comunidade em
restauração (Pickett &White 1985).
Essa universalidade da presença de
distúrbios naturais é um dos fatores
que fazem com que as comunidades
naturais sejam o resultado de uma histórica única, cuja composição e estrutura não pode ser prevista a partir das
características da comunidade que ini-
cialmente se instalou numa dada área.
Esse fato, que também incide sobre as
áreas em restauração, faz com que a
restauração ecológica de uma floresta
seja apenas parcialmente controlada
pela ação do restaurador. Por outro
lado, isso sugere que muita atenção
deve ser dada aos possíveis impactos
oriundos dos ecossistemas circundantes a área em restauração, um aspecto
a ser incorporado no planejamento da
restauração, pois os distúrbios existem
e continuarão existindo, e em parte determinarão as características da vegetação que ali irá existir.
A sucessão ecológica pode ser
descrita de forma muito simplificada
como um processo através do qual,
com o passar do tempo, uma vegetação,
ou comunidade vegetal, presente num
dado local, vai progressivamente sendo
substituída por outras comunidades.
Por isso ele é o conceito orientado r dos
projetos de restauração ecológica, uma
vez que pretendemos que uma área degradada mude no sentido de uma vegetação desejada.
Portanto a visão cientifica que se
tem do processo sucessional sempre
foi importante, pois ela determinou,
em grande medida, as expectativas e as
definições de métodos empregados na
restauração de áreas degradadas.
Durante muito tempo acreditouse que esse processo de mudança da
vegetação tivesse sentido unidirecional obrigatório, e convergisse para
uma comunidade relativamente estável (comunidade clímax) (Clements
1916), Isso se refletiu nos objetivos
de uma restauração, pois se buscava
fazer uma restauração que atingisse, no futuro, a estrutura e composição da comunidade clímax que se
acreditava existia na região em que
a restauração estava sendo feita (Rodrigues & Gandolfi 2001).
Entre as práticas relacionadas a
essa perspectiva, e utilizadas por muitos anos, estavam o uso de parâmetros
quantitativos, provenientes de levantamentos fitossociológicos, como referências das densidades que espécies
arbóreas clímax deveriam apresentar
na área restaurada, e a adoção de plantios de mudas como forma de se obter
essas densidades desejadas no campo.
Todavia, visões mais realistas do
processo sucessional ganharam espaço
nos últimos anos, e a existência de um
processo sucessional previsível, unidirecional, e convergente para um único
clímax cedeu espaço para uma visão de
que esse processo pode se desenvolver
através de ~últiplas trajetórias, não
previsíveis, e não convergentes para
uma única comunidade final (Pickett
& Cadenasso 2005).
Essa nova visão, em que o processo
sucessional depende de muitos eventos
que são estocásticos, como os distúrbios e a chegada de novas espécies, e
que esses eventos podem se encadear
no tempo de maneira não pré-determinada, não levando a um clímax com
estrutura e composição previsíveis.
permitiu pensar a restauração de áreas
degradadas em novas bases, onde plall
tios não precisassem mais ser adolados
como principal ação de restauração.
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Restauração
de matos
ciliares
f<estouroçõo
de motos
ciliores
tauração de áreas degradadas, pode-se
agora definir a adoção de um ou mais
ações com base no diagnóstico do estado de degradação da área degradada,
no potencial de regeneração que ela
ainda poder ter, e no potencial de dispersão do seu entorno.
Hoje a adoção de uma composição florística e uma estrutura fitossociológica padronizadas como um
modelo único para a restauração
de diferentes áreas vai diretamente
contra o que se observa na sucessão
e na dinâmica das comunidades flo,restais tropicais e subtropicais.
Podemos acrescentar ao final
desse breve resumo, que no estágio atual da restauração florestal
no Brasil, alguns dos fundamentos
empregado são: o uso de espécies da
flora regional da formação florestal
desejada, o reconhecimento do papel
das diferentes espécies arbustivo-arbóreas na criação microhabitatas,
no fornecimento de alimentos e no
estabelecimento
de interações de
competição e/ou facilitação, o reconhecimento da importância em se
garantir o funcionamento de todos
os processos ecológicos básicos, tais
como polinização, dispersão, etc.,
que garantam a perpetuação
das
populações e da comunidade, e o
reconhecimento de que a sucessão
ecológica é o grande conceito orientador da restauração.
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"T',
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644
--.
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