12 Horas de Porto Alegre 1968: Pace “empurra” Emerson.
Localizava-se entre os bairros de Cavalhada e Vila Nova da cidade de Porto Alegre. Foi
utilizado pela primeira vez em 1958, numa prova pelo campeonato gaúcho. Seus 6,492 km
de extensão tinham terra seca, brita, saibro e paralelepípedo. O sucesso da prova anual foi
grande até 1963. Após quatro anos de interrupção a prova no circuito da Cavalhada-Vila
Nova voltou em 1968 com a disputa das 12 Horas de Porto Alegre, nos dias 21 e 22 de
dezembro. A largada era na Avenida Cavalhada, esquina com a Otto Niemeyer em direção
da Rua João Salomoni. Após a largada, contornava-se um “S” em alta velocidade até a
curva do Posto Ipiranga. Daí até a Igreja da Vila Nova (já na Salomoni), percorria-se curvas
suaves em descida constante. Próximo à igreja, um outro “S” muito veloz e em seguida
forte redução de marcha para contornar a esquerda (onde fica a igreja) a quase 90º. Sai-se
de lá com “pé no fundo” já na Avenida Vicente Monteggia em subida. Curva à direita e
depois, quase um quilômetro em subida pela Monteggia para entrar numa descida, onde se
alcançava a maior velocidade do circuito, durante uns 600 metros. Duas curvas longas –
uma à esquerda e outra à direita- antecediam a famosa e perigosa Curva da Padaria – a mais
fechada do circuito- com praticamente 90º também (mas, bem mais estreita que a curva da
igreja) onde os carros saíam a menos de 60 km/h. Daí era só alegria na descida da
Cavalhada até o Posto Atlantic –diante de uma curva em meia-lua- feita a 100 km/h, para
tomar a reta de quase 400 metros até a linha de chegada.
Em 1963 o veterano Breno Fornari, com seu Simca n°35, estabelecera o recorde da volta
em 3’31”82 a uma média de 110,337 km/h.
Já em 1968, Pace não participou da última etapa do campeonato brasileiro de 1968. Na
tradicional premiação anual da época - Prêmio Victor – o campeão brasileiro Luiz Pereira Bueno
ganhou como o melhor piloto do ano. Outros destaques na premiação foram Pace -melhor piloto de
protótipos de 1968, Emerson Fittipaldi - o melhor da F6rmula-Vê- e Alex Dias Ribeiro -"Piloto
Revelação de 1968".
Nesse cenário, as 12 Horas de Porto Alegre de 1968 –última prova do campeonato gaúcho
de 1968- foi disputada a última corrida de rua
no circuito Cavalhada, nos dias 21 e 22 de
dezembro. Participaram só veículos nacionais,
com motor preparado obedecendo o número de
carburadores originais. A prova foi dividida em
3 categorias: “A” até 1.000 cc, “B” de 1.001 a
1.600 e “C” de 1.601 a 3.000 cc. A grande
Sandler persegue Feoli: disputas entre as Classes “B” e
“A”.
maioria, entre os 41 bólidos participantes, foram
pilotados por duplas do próprio Rio Grande do Sul.
Entre os paulistas, a escuderia Fittipaldi inscreveu seu
já conhecido Fusca, adaptado com o kit Fitti 1600
(1.584 cc) de fabricação própria, com os irmãos
Emerson e Wilson Fittipaldi.
A Ford também participou –com o recém-lançado Ford Corcel- e aqui vale a pena relatar os
antecedentes dessa história. Nesse ano de 1968 a Ford adquiriu a Willys-Overland. Assim, depois de
uma ano de “vida”, findou-se o Departamento de Competição da Willys. A grande sacada desta
transação foi que nessa fusão, o projeto Renault R-12 já estava pronto. Só mudou o nome de Renault R12 para Corcel. Como chefe do departamento de Competições, Luiz Greco ficou sucumbido –pela Fordde promover a estréia do Corcel em competições, justamente nessa prova de Cavalhada.
A Ford queria dois carros na competição e facilitou o preço para o ídolo local Catharino Andreatta
comprar um e Bird Clemente outro, ambos brancos.
Greco convidou José Carlos Pace para fazer dupla com Bird e Catharino correu com seu filho Vitório.
O motor tinha 1.440 cc e preocupado com a visibilidade noturna, Bird acrescentou no seu
Corcel, um par de faróis de iodo do Galaxie. Imaginem a potência que ficou...
Os outros candidatos à vitória eram Jaime Silva e Hugo Galina com um JK de 1.975 cc e o
jovem Jan Balder com seu cunhado Henrique Iwers, pilotando o próprio DKW Vemag de
981 cc, comandados pelo veterano Karl Iwers.
Na véspera da corrida, Karl levou sua equipe para treinar na reta da estrada Porto Alegre Uruguaiana, perto de Guaíba. Jan Balder comentou com os Fittipaldi e estes também
regularam a carburação do Fusca, para a corrida, neste retão.
O Fusca andava uma barbaridade e dificilmente o pesado Corcel derrotaria os irmãos
Fittipaldi, pensou Bird.
O grid foi formado por sorteio e quem “fez” a pole-position foi o JK de Jaime Silva e Ugo
Galina. Na primeira fila também alinhou o favorito fusca dos Fittipaldi. Bem atrás deles,
estava o Corcel da dupla Bird/Pace.
Na escuderia Ford (Greco), Bird estava escalado para iniciar a corrida. Minutos antes da
prova, Bird não se sentiu confortável com o desânimo de Pace e depois de muito insistir
qual era o problema, Pace explicou-lhe que estava triste porque queria estar no grid para a
largada. Aliviado com o desabafo de Pace, Bird não hesitou e concedeu-lhe a pilotagem na
hora da largada, recomendando só ter cuidado com os faróis de iodo, devido à chuva que
caía. Feliz da vida, Pace se aprontou e alinhou no grid.
Era 22:10 Hs do sábado, dia 21/12/1968 com muita chuva, quando o diretor de prova deu a
largada: na empolgação, Pace “encheu” a traseira do Fusca do Emerson quebrando seu
distribuidor. Já o Corcel teve o tão cuidado farol de iodo quebrado. No Box, Bird e Wilson
não acreditavam no ocorrido. O irado “Tigrão” foi tirar satisfações com Bird que com
aquele seu jeito peculiar, acalmou-o.
Emerson foi para o Box e lá não tinha um outro distribuidor. Na correria, o amigo Jan
Balder arrumou –na escuderia Puma de José Guedes- um distribuidor para o mecânico
Darci, da escuderia Fittipaldi. Com uma volta de atraso, Emersou retornou à prova e teve
dificuldades pois o distribuidor não funcionou adequadamente no restante da prova.
Trinta mil pessoas acompanhavam o desenrolar da
prova e às 22:30 o Volks n°40 do piloto José Alfredo
Becker, de 25 anos, saiu da pista para não atropelar uma
pessoa que cruzava à sua frente. Foi de encontro a uma
barraca matando três pessoas: Larri Cardoso Samarsia,
32 anos; Marco Antônio Lutkmeir e Antônio Ferreira
Gonçalves, ambos de 16 anos. Estes foram projetados a
mais de 20 metros de distância. O irmão de Antônio,
Alberto Ferreira Gonçalves, de 17 anos e Norberto
Já sem chuva, o DKW nº45 de Ronaldo
Bittencourt/ Júlio Dickie seguido
Brozoso sofreram ferimentos graves e foram enviados
pelo nº51 de Jallé/ Edison Brum.
ao Hospital do Pronto-Socorro. O piloto Becker sofreu
ferimento leves e quando desceu do carro estava
completamente descompensado, pois foi para o meio da pista e tentou o suicídio.
Felizmente foi retirado a tempo por populares.
A chuva foi até a manhã de domingo.
Da largada até a 15ªvolta a liderança passou por Aldo Costa (Simca
nº3), Lauro Mourmonn (FNM nº25), e Juvenal Martini (Simca nº77)
acompanhados por Pedro Carneiro (FNM nº28) e José Carlos Pace
(Corcel n°4) que assumiu a ponta e a manteve até a 21ªvolta. Na volta
seguinte, Jaime Silva (FNM n°126), era o ponteiro, mas somente por
três voltas pois foi ultrapassado pelo Volks dos Fittipaldi que vinha
num ritmo alucinante e já recuperara a volta perdida (de acordo com a cronometragem da
prova)!
O Simca nº77 de Martini pouco antes de receber “o bote” do impossível Fusca Fittipaldi nº7.
Jaime e Pace os seguiam bem de perto, formando um trio paulista na liderança. Várias
vezes esse trio trocou de posições até a trigésima volta, quando o gaúcho Juvenal Martini,
reassumiu a ponta da corrida, onde ficou por sete voltas, fazendo com que a torcida local
vibrasse um pouco. Pedro Carneiro, liderou por duas voltas, mas Jaime Silva o ultrapassou
na quadragésima volta. Por volta da 80ªvolta Wilson fez uma rápida parada no Box e ao
retornar lutou pela liderança duramente com Ugo Galina, no volante do FNM. Conseguiu
ultrapassá-lo e assumir a ponta. Amanheceu e a liderança era novamente do Corcel da
dupla Bird/Pace com o Fusca dos irmãos Fittipaldi “no cangote”. A batalha se intensificou
entre a 145ª à 183ªvolta.
Foi quando o pai “Barão”
Fittipaldi ordenou do Box
para que seus filhos
forçassem o train de
corrida. Na volta seguinte,
o Volks ultrapassa o Corcel
e nesses últimas dez voltas
abriu 7” do Corcel para
cruzar a linha de chegada
em primeiro, depois de 193
voltas percorridas.
O Corcel nº4, supostamente vencedor. Repare nos faróis da direita quebrados.
Greco achou que a vitória foi do Corcel Bird/Pace, pois os Fittipaldi não teriam descontado
a volta perdida. A rádio Guaíba – que tinha um experiente serviço de cronometragemconfirmou o fato.
Sobre o assunto, encontrei o seguinte depoimento do piloto Fernando Esbroglio:
- Corri esta 12 Horas de Porto Alegre em 1968. Na verdade houve grande dúvida sobre o
vencedor; se a dupla Fittipaldi (com pneus Pirelli Corsa que ninguém tinha) ou a dupla
Moco-Bird. Naquele tempo, a cronometragem era manual e ambos juravam não ter sido
ultrapassados pelo outro. Mas, a força do conjunto Barão-Bardahl-Varga derrotou o
conjunto Greco-Ford/Willys. Na verdade, de dentro da pista garanto, quem realmente
voava baixo era o Luiz Pereira Bueno num Renault Gordini 1.000 cc da Equipe Torke (não
era um 1093 de 900cc).
Mesmo com o impasse constatado Greco, Bird e Pace não reclamaram. Bird esclarece o
porquê:
- Se o Pace não tivesse batido no carro deles, venceriam com facilidade.
Emerson relata:
- Ficamos felizes mas a Ford não. Era a primeira corrida que a sua equipe de fábrica
fazia e havia a certeza de vencer. Aquela altura eu já tinha resolvido ir para a Europa.
Foi sua última corrida antes de sair do Brasil, pois em fevereiro de 1969 ele embarcou para
a Europa.
Aí começa uma outra história...
Abaixo a classificação geral e detalhes de outros pilotos que não completaram a prova.
12 Horas de Porto Alegre, 21 e 22/12/1968 - Cavalhada-Vila Nova
Parceiro
UF
Carro
CC
Classe
Coloc.Classe
Total
Voltas
Tempo
Média
(km/h)
Wilson
Fittipaldi
Jr
Emerson
Fittipaldi
SP
VW
Sedan
1.584
B
1º
193
12h01m31s
104,190
Bird
Clemente
José
Carlos
Pace
SP
Ford
Corcel
1.440
B
2º
193
12h01m38s
104,150
126
Ugo
Galina
Jaime
Silva
SP
FNM
2000
JK
1.975
C
1º
184
4º
22
Jose
Madrid
RS
Simca
Rallye
2.432
C
2º
184
5º
1
Ítalo
Bertao
José
Antonio
Madrid
Rui
Menegaz
RS
Simca
Rallye
2.432
C
3º
183
6º
9
Henrique
Iwers
Jan
Balder
RS
SP
DKW
Vemag
981
A
1º
182
7º
2
Catharino
Andreatta
Vitório
Andreatta
RS
Ford
Corcel
1.440
B
3º
182
8º
8
Edesio Cé
Paulo
Salatino
SC
Simca
Rallye
2.432
C
4º
180
9º
32
José
Asmuz
Ismael
Chaves
Barcellos
RS
Simca
Rallye
2.432
C
5º
179
10º
43
Rafaele
Rosito
Sergio
Axelrud
RS
VW
Sedan
1.584
B
4º
178
11º
35
Jorge
Truda
JoãoCarlos
Macedo
RS
Simca
Rallye
2.432
C
6º
176
Coloc.Geral
Nº
1º
7
2º
4
3º
Piloto
Juvenal
Martini
Valetr Dal
Zotto
RS
Antônio
Macedo
Lauro
Maurmann
Jr
Gilberto
Hoff
Leonel
Friedrich
RS
Renato
Petrillo
RS
Regis
Schuck
RS
11
Flávio Del
Mese
Fernando
Bulgarini
RS
17º
90
Levino
Tagliari
Edson
Troglio
18º
51
Jallé
NT
3
Aldo
Costa
NT
28
Pedro
Carneiro
Pereira
NT
29
NT
40
NT
45
NT
99
12º
77
13º
5
14º
25
15º
79
16º
NT
NT
NT
Simca
Rallye
2.432
C
7º
174
1.584
B
5º
172
1.975
C
8º
171
845
A
2º
169
VW
Sedan
981
A
3º
168
RS
VW
Sedan
1.584
B
6º
168
RS
DKW
Vemag
981
A
4º
148
RS
Simca
Rallye
2.432
C
Alfredo
Oliveira
RS
FNM
2000
JK
1.975
C
Ênio
Sandler
José
Alfredo
Becker
Ronaldo
Bittencourt
Vilson
Drago
RS
VW
Sedan
1.584
B
RS
VW
Sedan
1.285
B
Júlio
Dickie
RS
DKW
Vemag
981
A
Francisco
Feoli
Roberto
Giordani
RS
DKW
Vemag
981
A
RS
VW
Sedan
1.584
B
SP
Gordini
1093
1.000
Cláudio
Mueller
Fernando
Esbroglio
Luiz
Pereira
Bueno
Edison
Soares
de Brum
Luiz
Fernando
Costa
VW
Sedan
FNM
2000
JK
Gordini
1093
OBS.: O recorde de prova não foi batido e permaneceu com a dupla gaúcha de Caxias do Sul Valter Dal Zotto-Juvenal Martini com o tempo de
12h00m51s40, ao vencerem a prova de 1963, quando também completaram 193 voltas a uma média de 104,289 km/h, pilotando um Simca
nº77. Foi por muito pouco, pouco mesmo hein?
Sergio Sultani.
Colaboração(nos resultados): Napoleão Ribeiro.
Fotos: Revista Auto Esporte.
Pesquisa: Nos Bastidores do Automobilismo Brasileiro (J.Balder), Paixão e Técnica ao Volante Entre Ases e Reis de Interlagos
(B.Clemente), revista Auto Esporte e Jornal Folha de São Paulo.
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12 Horas de Porto Alegre 1968: Pace “empurra” Emerson.