X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq
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A SUBJETIVIDADE NA COMPLEXIDADE: (AUTO)
PRODUZINDO-SE ENTRE O EU E O NÓS
JOTZ, Claudia B.
Doutora em Psicologia (PUCRS 2012), Mestre em Administração de Empresas
(UFRGS,1997), Psicóloga (UFRGS, 1991)
Professora na UniRitter
[email protected]
SEMINOTTI, Nedio
Pós Doutorado (Espanha, 2011), Doutorado (Madrid, 2000), Psicologia
(PUCRS, 1974)
[email protected]
Resumo: Neste artigo abordamos o desenvolvimento da noção de sujeito
e subjetividade a partir da Modernidade, procurando destacar os movimentos
históricos e sociais que tiveram influência nas mudanças destes conceitos, bem
como apresentamos uma revisão sistemática que assinala o estado da questão na
academia e o utilizamos como contraponto de nossa proposta de entendimento, a
partir do paradigma sistêmico complexo. Este trabalho se propõe a uma
investigação teórica acerca do conceito de sujeito, utilizando como método a
revisão sistemática. Neste sentido, começamos, trabalhando a noção de sujeito
cartesiano e revisando os movimentos que descentraram este entendimento.
Expomos o conceito de sujeito pós-moderno, o qual aparece, na revisão
sistemática, como o mais utilizado, para falar de produção de subjetividade, e
propomos a sua compreensão como uma reação ao sujeito da Modernidade pelo
seu caráter antitético. Através dos pensadores da linha sistêmica complexa,
procuramos responder: Quem é o sujeito contemporâneo? Como ele se produz,
dialogando dialogicamente com os demais saberes? Concluímos através da
tessitura de linhas de atravessamento entre as diferentes visões encontradas na
literatura científica, possibilitando novas formas de abordagem do tema.
1 Introdução
Quem fala em cada um de nós? Como podemos nos dizer a mesma
pessoa de vinte anos atrás, considerando que cada corpo mudou muito, que as
células mudaram quase todas, que nossas ideias já não são as mesmas? A
questão que abre este artigo não é nova, ao contrário, ela se impõe ao homem
desde há muito tempo, como iremos demonstrar, percorrendo diferentes
noções de sujeito, presentes na nossa história e cultura. O que propomos é
abrir uma escuta e elaborar diferentes pensamentos entre a teoria sistêmica
complexa, a partir de Edgar Morin e outros pensadores que refletem sobre o
tema da subjetividade na Pós- modernidade.
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A preocupação com o que é subjetividade e como esta tem sido
produzida em nossa sociedade tem sido alvo de estudos, com variados
enfoques teóricos. Fizemos uma revisão sistemática das publicações,
realizadas entre janeiro de 2002 e setembro de 2008, utilizando as palavras
subjectivity e psychology, e obtivemos 76 artigos através dos sites Psycoinfo e
Lilacs e 133 artigos, através do site Pubmed, e, destes artigos, selecionamos
apenas 13 que falavam sobre subjetividade e grupo, subjetividade e sociedade,
e subjetividade e trabalho. Excluímos todos os textos que discorriam sobre a
subjetividade na relação terapêutica, por não ser este o ponto central de nossa
pesquisa. Como resultado, obtivemos seis artigos que se apoiavam em
Foucault ou Guattari, ou ainda, em ambos, para fundamentar o conceito de
subjetividade (VERONESE, 2006; LEITE & DIMENSTEIN, 2006; FONSECA,
2003; NARDI et al., 2005; BARROS, 2002; MACDONALD, 2004). Os outros
textos traziam autores variados, embora três estudos focassem autores da
linha psicanalítica, Lacan e Dejours. Estes resultados confirmam a escolha dos
autores Foucault e Guattari, que trabalham o conceito de subjetividade dentro
da perspectiva pós-moderna, como importantes interlocutores para a discussão
da subjetividade na complexidade. Embora a psicanálise apareça também,
através das citações de Lacan e Dejours, ela não é tomada como um ponto de
interlocução, mas será referida algumas vezes neste artigo.
A psicanálise tem algumas respostas para a pergunta feita no início do
texto, ela também, ao conceber o sujeito, produz uma ciência que, conforme o
próprio Freud (1926/1976), viria a ser reconhecida mais pelo seu caráter de
ciência do inconsciente do que por sua terapêutica. A psicanálise introduz a
complexidade na concepção de sujeito, ao defini-lo como formado por três
instâncias: Id, Ego e Superego. Cada instância traz um âmbito distinto para o
entendimento do sujeito, de forma complexa: biológica, individual e social.
Entretanto, devido ao seu pioneirismo, a complexidade de sua proposta não foi
assimilada por todos, sendo que muitas das psicanálises dos seguidores
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freudianos acabaram por simplificar a sua concepção de sujeito (MORIN,
2008a). Para Morin, Lacan conseguiu transitar entre os três tipos de
interpretações da psicanálise feitas pelos seguidores de Freud. Estes três tipos
foram dentro dos paradigmas da “[...] „Scienza Nuova’ (que concebe a
complexidade da psique e integra o sujeito) e „Scienza Vecchia‟ (reducionismo
biológico, depois estruturalista) e Nova Mitologia (elaboração de mitos
explicativos do inconsciente) [...]” (MORIN, 2008a, p. 142-143).
Com essas palavras introdutórias, queremos situar o diálogo que iremos
propor e abrir a complexidade que existe na noção de sujeito, que joga com o
tangível e o intangível. Ponderamos, além disso, por um lado, acerca do quanto
a apreensão da realidade é influenciada pelo sujeito que a descreve, que
organiza as suas percepções, muitas vezes, preenchendo lacunas perceptivas
com memórias e ideias preexistentes, e, por outro, de que esta realidade pode
ser modificada pela simples presença de um observador. O sujeito, fazendo
parte desse cenário, está em uma posição de troca constante com o meio, e,
nesta interação, ambos se modificam. Salienta-se que Maturana (1997)
escreve o termo “objetividade” sem parênteses ou entre parênteses 1. Quando
estamos no primeiro registro, supomos que existe uma realidade independente
do observador, e que esta pode ser apreendida como única realidade que
compõe o universo. Já no registro da objetividade entre parênteses,
percebemos que somos seres que, na experiência, não conseguimos distinguir
entre a ilusão e a percepção e que, muitas vezes, a nossa explicação da
realidade produz realidades. Assim, a objetividade entre parênteses conduz à
noção de que a existência de algo se produz na distinção, diferenciação
1
A palavra “objetividade” entre parênteses aparece em Vasconcellos (2002), na retrospectiva do
pensamento sistêmico, associada ao princípio da incerteza de Heisenberg, ou seja, que, mesmo nas
ciências duras, como a física, a mensuração de valores para posição e velocidade de um elétron é
alterada pela observação, isto é, quando se lança luz sobre um elétron, altera-se a sua velocidade ou
posição. Contudo, a expressão “pôr o mundo” entre parênteses já aparece na fenomenologia
transcendental de Husserl, como uma atitude de abster-se de fazer uso das evidências e certezas que ele
oferece, sem deixar de viver no mundo nem negar a sua realidade (KELKEL & SCHÉRER, 1954).
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operada pelo sujeito, de tal forma, admitindo a existência de muitas realidades,
de uma realidade multiversa.
A noção de sujeito se coloca dentro destas premissas de verdades e, a
partir deste paradigma, perguntamos: Quem é esse sujeito? Como ele se
produz? Nessa perspectiva, pretendemos desenvolver a noção de sujeito e a
autoprodução, a partir do pensamento sistêmico complexo. Falamos em
autoprodução e não, de subjetividade, para marcar uma diferença da noção de
produção de subjetividade de Guattari (1986) que traz este conceito, por
preferi-lo em lugar dos conceitos de indivíduo e sujeito. No entanto, como
trabalhamos com a ideia de que a subjetividade é inerente ao indivíduo-sujeito,
também usaremos esta expressão, mas falaremos a partir de outro lugar, de
uma teoria que entende a subjetividade também como uma emergência, como
em Guattari (1986), porém que, além disto, pressupõe a existência de um
sujeito, como em Morin (2006). Esse sujeito não está descontextualizado, pelo
contrário, ele faz parte de uma sociedade e participa de grupos no local de
trabalho, no lazer, na vizinhança, na família, etc. Nas organizações sociais e,
especialmente em uma microssociedade, como o pequeno grupo, é a
coletividade que exprime a intersubjetividade, o encontro de diferentes lógicas,
individuais, coletiva e do contexto, bem como da recursão destas mesmas
lógicas sobre os seus agentes. Sendo assim, a intersubjetividade que emerge
no pequeno grupo pode ser eliciadora, estimuladora da autoprodução, dotando
este espaço da qualidade de produtor de mudanças individuais.
Em prosseguimento a essa discussão, apresentamos a noção de sujeito
dentro da evolução do pensamento moderno, através da análise e
compreensão crítica do modelo proposto por Hall (2003), dividindo em duas
proposições de sujeito, associadas a diferentes tipos de identidades: sujeito do
Iluminismo e sujeito da Pós-modernidade. Posteriormente, discutiremos a
subjetividade, associada à noção de sujeito de Morin (2006), no pensamento
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sistêmico complexo, procurando distinguir e ligar as diferentes posições
teóricas.
2 O sujeito do iluminismo
O sujeito do Iluminismo é fundamentado em Descartes, cujos escritos
datam da primeira metade do século XVII, sendo o sujeito racional por
excelência. Em “Meditações Metafísicas”, Descartes (1641/2005) põe em ação
o seu método de conhecimento, que é duvidar. A única coisa da qual não pode
duvidar é que o ser que duvida, logo pensa, existe. Este ser, que tem
consciência de si, existe, embora ainda não possa afirmar a existência de mais
nada. Assim, o sujeito cartesiano é imaterial, existe antes mesmo da prova de
qualquer corpo ou materialidade. É somente, na “Sexta Meditação”, que vai
surgir a certeza das coisas corpóreas, quando a noção de sujeito será ligada a
um corpo. Todavia, este corpo é visto como máquina, quase como a máquina
animal, apenas se diferenciando desta última, porque está ligado a uma alma
humana. Esta noção de sujeito, sustentada na produção de Descartes, institui a
separação entre mente e matéria e a ideia de conhecer através da
simplificação aos elementos mais simples e irredutíveis.
Este sujeito do Iluminismo, no entanto, tem sido duramente criticado
desde o século XX, principalmente, porque, em seu paradigma, predomina a
racionalidade, certeza esta que foi profundamente abalada pelos escritos
freudianos. Freud, ao afirmar a existência do inconsciente e a sua interferência
nas atividades diárias do sujeito, como na obra “Psicopatologia da vida
cotidiana” (1901/1976), acaba por fazer ruir a ideia de centralidade da razão,
cunhada por Descartes (1637/1986). Contudo, precisamos creditar a Descartes
a sua importância histórica, devido ao rompimento com o teocentrismo, o que
contribuiu para o desenvolvimento do conhecimento científico humano. Ao
postular a autonomia de um “Eu” que pensa e existe como unidade, Descartes
ajuda a romper com o pensamento medieval, que ainda coexistia com o novo
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mundo da Modernidade. No entanto, ao mesmo tempo em que esta visão abriu
novas possibilidades, ela também propiciou algumas simplificações excessivas
do conhecimento e da visão de mundo humana.
3. O sujeito pós-moderno
Segundo Hall (2003), no sujeito pós-moderno a formação de uma
identidade é fortemente associada com o exterior, com o meio no qual o sujeito
está inserido. Com a aceleração das mudanças e com as profundas
modificações da rotina, trazidas pela tecnologia e a sua disseminação,
percebidas principalmente no processo conhecido como globalização, houve
uma intensa transformação no processo de identificação. Assim, o sujeito pósmoderno é concebido como constituído por uma multiplicidade de identidades,
muitas vezes antagônicas, podendo predominar uma ou outra, conforme o
contexto. Hall (2003) afirma que, com as constantes mudanças e criações de
novos cenários, bem como de estruturas sociais, muitas possibilidades de
identificação são oferecidas ao sujeito. Muitas destas tornam-se identidades
possíveis e passíveis de serem assumidas pelo sujeito, ao menos
temporariamente. Para o autor, o sujeito da Modernidade tardia não possui
uma centralidade unificadora de suas identidades, antes sofre de uma crise de
impermanência, refletindo uma realidade cultural com múltiplas possibilidades
de identificações. O sujeito é definido culturalmente e não biologicamente, o
que, a nosso ver, fragiliza esta definição, já que radicaliza a posição cultural,
rompendo com as raízes biológicas deste conceito.
O que acontece se compararmos as noções de sujeito do Iluminismo e
da Pós-modernidade? Encontramos um antagonismo quase completo: de um
lado, um interior praticamente fechado, essencialista em Descartes; e, de outro
lado, um predomínio da exterioridade, a tal ponto que a subjetividade é descrita
como uma multiplicidade de identificações (HALL, 2003). Parece uma
formulação reativa, que reage a uma supervalorização da racionalidade com a
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expulsão da centralidade do eu. Assemelha-se a um movimento dialético, no
qual a tese gera a sua própria antítese, por exemplo, tomando a subjetividade
cartesiana como a tese e a multiplicidade de identificações, como a antítese.
Mas não iremos propor uma síntese, que seria o terceiro momento da dialética
e, sim, tecer transversalidades, trabalhar com a dialógica, em que lógicas
discordantes, ao mesmo tempo, complementam-se.
4 A noção de sujeito sistêmico complexo
Morin (2006) discute a noção de sujeito, a partir de dois paradigmas
antagônicos: um reflexivo, compreensivo, no qual o sujeito aparece na reflexão
sobre si mesmo através de um conhecimento intersubjetivo e outro, no qual o
sujeito desaparece, para que aí faça emergir um conhecimento determinista,
objetivista e reducionista sobre homem e sociedade. O autor enfatiza a
importância de apoiar o conceito de sujeito em um conceito de indivíduo. No
primeiro paradigma, o indivíduo é definido a partir de sua existência individual,
por meio de suas particularidades, no segundo, o indivíduo é visto como
compondo uma espécie, e olhamos, portanto, para o grupo, para as suas
características gerais, populacionais. Poderíamos dizer que estas duas
acepções estão contempladas na ideia de um sujeito que se pensa e se
concebe com certa autonomia, aproximando-se de Descartes e de um sujeito
que se mistura e é produzido socialmente, aproximando-se dos pósmodernistas. Todavia, a autonomia de Morin (2006) é sempre relativa ao seu
meio, seja ele biológico, social ou cultural. Desta forma, temos uma
aproximação maior aos pós-modernistas, pois Morin (2006) traz os princípios
de autonomia e de auto-organização interligados: para ser autônomo, se faz
necessário o meio ambiente, tanto biológico, quanto cultural e social. Isto faz
com que a autonomia seja sempre relativa ao meio, pois existe uma troca
intensa, com o entorno no qual o ser está inserido, sem o qual este não
sobrevive. Essa troca intensa de energia e informação com o meio constitui os
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recursos para a auto-organização, por isto podemos afirmar que ela será
sempre uma auto-eco-organização.
A noção de sujeito é sustentada na noção de indivíduo, que comporta
um caráter bio-lógico: em que bio representa o seu enraizamento na vida
biológica do ser e lógico, a obrigatoriedade do cômputo para todo indivíduosujeito. Segundo o autor, é fundamental retomar uma noção de sujeito que seja
biológica, rejeitando as noções humanista, metafísica e antimetafísica (MORIN,
2005). A noção humanista é rejeitada pelo autor, porque se atém à consciência
de si, colocando a consciência como o fator fundante da qualidade de sujeito e,
ao mesmo tempo, esta é tomada como uma característica exclusiva do homo
sapiens. O fator que define a condição geral de sujeito é o cômputo, entretanto
este sujeito poderá constituir uma subjetividade viva, como a da bactéria
Escherichia coli ou uma subjetividade consciente, como a humana. A noção
metafísica é refutada, por separar corpo e mente, visto que considera o sujeito
transcendente ao próprio corpo, pertencente a outro plano, metafísico e
transcendental, bem representada nas ideias de Descartes. Para Morin (2005),
a fórmula de Descartes deveria ser: computo, logo existo. Isto porque o sujeito
existe a partir do cômputo que é físico, biológico e cognitivo. É importante
assinalar ainda que a bactéria computa, reage ao meio, logo já é um sujeito,
embora seja uma subjetividade viva, sem consciência de si. Por fim, ele rejeita
o sujeito antimetafísico, porque o reduz a praticamente inexistir, eis que este
desaparece frente aos indivíduos de terceiro tipo 2, as sociedades. Afinal, as
partes são a verdade do todo, tanto como o todo é a verdade das partes, e é
preciso que a sociedade seja sempre aberta, incompleta, para que seja
possível contemplar a complexidade.
2
Morin (2005b) propõe três tipos de indivíduos: os de primeiro tipo, que são os seres unicelulares, os de
segundo tipo, que são os seres policelulares e os de terceiro tipo, que são as sociedades. “O fenômeno
social emerge quando as interações entre indivíduos de segundo tipo produzem um todo não-redutível
aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se constitui um sistema” (MORIN, 2005b, p.
264).
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Para se chegar à noção de sujeito, é preciso considerar que a dimensão
biológica, genética, necessita de uma dimensão cognitiva, a qual Morin (2006)
vai chamar de “computacional”. É o cômputo que cada um faz para si mesmo,
de si mesmo e por si mesmo. É lidar com signos, estímulos, dados e
mensagens, tanto para o mundo externo, como para o mundo interno. O
indivíduo só é produzido socialmente, porque possui cômputo, para captar os
estímulos sociais e culturais, constituindo, portanto, um sujeito ou uma
subjetividade. O cômputo inaugura a noção de sujeito, que é esta capacidade
de apreender e guardar informações. Então, no momento em que temos uma
realidade social e cultural, ela produz indivíduos-sujeitos, e o que produz
indivíduos é o ciclo reprodutivo biológico. Por outro lado, como a bactéria mais
simples, a Escherichia coli já possui um cômputo e também constitui uma
subjetividade, a qual Morin (2005) irá chamar de “subjetividade viva”,
diferenciando-a da “subjetividade consciente humana”.
A linguagem está presente em todo sujeito humano e hoje é impossível
separar o cômputo humano da linguagem. Com a descoberta do código
genético, também se encontrou uma linguagem na base biológica deste sujeito
(MORIN, 2008b). Contudo, não nos posicionamos com os teóricos que
acreditam ser a linguagem a estrutura por trás de toda subjetividade humana,
como Lacan propõe. Para o autor, “[...] o inconsciente é estruturado como uma
linguagem [...]” (LACAN, 1979, p. 25). Nessa concepção de sujeito complexo, o
percebemos como atravessado e constituído pela linguagem, ao mesmo tempo
em que a constitui.
Morin (2006) problematiza a produção de fala subjetiva. Se, quando o
“Eu” fala, não é apenas uma ilusão de autonomia, por que o enunciado pelo
sujeito reproduz a sociedade, constituindo-se em um discurso coletivo? Neste
ponto em que Morin (2006) pergunta quem fala pelo sujeito, ele se aproxima
aos que defendem uma concepção de sujeito pós-moderna, que produz mais
enunciações coletivas do que enunciações singularizadas.
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Entretanto,
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devemos guardar as devidas diferenças, já explicitadas neste ensaio, pois os
pós-modernistas trabalham com uma noção de múltiplas identidades, e Morin,
com a noção de sujeito bio-lógico. Mas temos um ponto de convergência, em
que ambas as linhas de pensamento concebem, na realidade social, a
presença de um processo maquínico que produz subjetividades. Guattari
(1992) denuncia o processo de produção de subjetividade capitalística que se
impõe como uma grande máquina social. Já Morin (2008b) traz a linguagem
como uma polimáquina, que atua tanto em nível da infraestrutura social,
coorganizando o indivíduo-sujeito que compõe a sociedade, como em nível da
superestrutura social, coorganizando mitos, ideias, paradigmas, modelos de
pensar característicos de cada cultura.
5 Considerações finais
Com a afirmação cartesiana – “penso, logo existo” –, é operada uma
ruptura do conceito de indivíduo, antes indiferenciado em uma coletividade, que
passa a ser pressuposto como autônomo e senhor de suas decisões. As
pessoas são chamadas a responder, de forma racional e responsável, por suas
ações e decisões, percebendo-se separadas tanto da coletividade como da
natureza. Esta noção de sujeito começa a ser superada na segunda metade do
século XX, segundo Hall (2003), o qual apoia a nova concepção de sujeito pósmoderno. Entretanto, o que questionamos é que este sujeito pós-moderno
constitui-se praticamente em um contraponto do anterior, visto que a sua
subjetividade é produzida de fora, não é identificada com uma interioridade, e a
sua autonomia é praticamente nula frente ao processo social. Questionamos se
o profundo antagonismo ao conceito cartesiano não estaria afetado por uma
reatividade a este, tanto quanto o sujeito do iluminismo reagiu ao feudalismo,
no qual o indivíduo não aparecia indiferenciado na coletividade à qual
pertencia. Isto nos leva a pensar na noção de sujeito, proposta por Morin
(2006), que possibilita contemplar efeitos subjetivos, considerados pelos
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autores pós-modernos, bem como a interioridade, que não é a mesma, porém
guarda a história do sujeito do iluminismo.
A noção de sujeito proposta por Morin (2006) procura contemplar a
complexidade sistêmica, bem como a autonomia, a racionalidade e a
instabilidade da contemporaneidade. O que torna esta visão complexa é
entender o sujeito como aquele que dá “[...] unidade e invariância a uma
pluralidade de personagens, de caracteres, de potencialidades” (MORIN, 2006,
p. 128). Podemos agregar a ideia de que o sujeito também dá uma invariância
a uma pluralidade de identidades, aproximando e diferenciando Morin dos pósmodernistas. É compreender o sujeito dentro de uma perspectiva da inclusão,
daquele que permanece o mesmo, se modificando. Dependendo dos
caminhos, das interações e das redes dais quais fizer parte, ele se constituirá
de formas distintas em um sujeito diferente.
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