Provas de carga em estacas carregadas transversalmente no Dique
Seco do Estaleiro Rio Grande
Christian Matos de Santana
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
Gustavo Vaz de Melo Guimarães
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
Graziella Maria Faquim Jannuzzi
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
Fernando Artur Brasil Danziger
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
RESUMO: Esse trabalho apresenta e analisa os resultados de duas provas de carga horizontais
realizadas em estacas metálicas (perfis tipo I) da laje de fundo do Dique Seco do Estaleiro Rio
Grande, localizado em Rio Grande/RS. Especial atenção é dada à descrição da montagem e
execução dos ensaios. O efeito do tempo no carregamento mantido de estacas é analisado e são
estimados deslocamentos horizontais a longo prazo.
PALAVRAS-CHAVE: Estaca, carga transversal, carregamento mantido.
1
INTRODUÇÃO
Foram realizadas duas provas de carga
horizontais em estacas metálicas (perfis tipo I)
da laje de fundo do Dique Seco do Estaleiro Rio
Grande (Figura 1), que é um empreendimento
destinado à construção e reparo de embarcações
da PETROBRAS, situado na cidade de Rio
Grande/RS.
O Dique Seco do Estaleiro Rio Grande
consiste numa escavação com cerca de 350 m
de comprimento, 133 m de largura e 17 m de
profundidade. Suas paredes são constituídas por
cortinas de estacas-pranchas metálicas (na
maior parte da obra) e paredes diafragma, todas
atirantadas. A laje de fundo, que é estaqueada
em toda a sua extensão com perfis tipo I, tem
espessura variando de 0,60 m (no centro) a 1,54
m (nos bordos). Durante a operação do dique,
essa laje é submetida à subpressão de água
(cerca de 150 kPa) e ao carregamento das
estruturas fabricadas no seu interior.
As provas de carga realizadas tinham o
objetivo de determinar os coeficientes de reação
horizontal das estacas, para a análise de
esforços na laje de fundo. Como a laje de fundo
possui estacas que são solicitadas nas duas
direções principais de inércia, as provas de
carga foram realizadas com as estacas
solicitadas naquelas direções.
Figura 1. Imagem aérea do Dique Seco do Estaleiro Rio
Grande.
2
COMPORTAMENTO DE ESTACAS
SOB CARREGAMENTO MANTIDO
O comportamento de tensões e deformações
dependentes do tempo nos solos está associado
à
viscosidade
e
ao
adensamento.
Especificamente no caso de comportamento de
estacas, a parcela de deformação associada à
viscosidade do solo, chamada de fluência, ainda
não teve seu mecanismo de funcionamento
satisfatoriamente descrito.
Dentre vários exemplos, Whitaker e
Cooke (1966) observaram, durante a realização
de provas de carga em estacas instaladas na
argila de Londres, que ocorrem deslocamentos
sob carga constante e que a velocidade de
deformação diminui com o passar do tempo.
Outro aspecto relevante observado é que as
provas de carga lentas apresentaram carga de
ruptura menor que as rápidas, mostrando que a
resistência dos solos também depende da
velocidade de carregamento.
A norma NBR-12131/2006 (Estacas –
Prova de carga estática – Método de ensaio)
recomenda que no ensaio de carregamento lento
cada ciclo de carga seja mantido até que os
deslocamentos se estabilizem, sempre com um
tempo mínimo de 30 minutos. Segundo a
norma, a estabilização dos deslocamentos está
atendida quando a diferença entre duas leituras
consecutivas corresponder a no máximo 5% do
deslocamento havido no estágio. Segundo
Reese e Van Impe (2001), o carregamento
mantido (sustained loading) de uma estaca em
argila mole pode resultar em acréscimos
significativos de deslocamentos com o passar
do tempo. A Figura 2 ilustra esse fenômeno, em
que a curva carga por unidade de comprimento
(p) versus deslocamento imediato de uma estaca
(y) é dada pela linha contínua. Entretanto,
quando o carregamento é mantido ao longo do
tempo, os deslocamentos aumentam e tendem a
aproximar-se da curva tracejada, que apresenta
um comportamento menos rígido.
Ainda, de acordo com Reese e Van Impe
(2001), a formulação de soluções que façam a
previsão do comportamento de estacas
submetidas a carregamento mantido depende de
um grande número de variáveis, de modo que
ainda não existe na literatura método de
previsão desse comportamento. Entretanto, o
problema pode ser resolvido com satisfatório
grau de acurácia através de ensaios.
Figura 2. Comportamento de estacas submetidas a
carregamento mantido (Reese e Van Impe, 2001).
2
MONTAGEM
ENSAIOS
2.1
E
EXECUÇÃO
DOS
Montagem dos ensaios
Cada prova de carga realizada envolveu duas
estacas adjacentes – do próprio estaqueamento
– que reagiram uma contra a outra. A primeira
prova de carga, realizada na direção de menor
inércia dos perfis metálicos, será chamada nesse
trabalho de Ensaio 1, ver Figura 3. Já a segunda
prova de carga, realizada na direção de maior
inércia dos perfis metálicos, será chamada de
Ensaio 2, ver Figura 4. As Figuras 5 e 6
mostram fotos da montagem do Ensaio 2.
Todas as estacas ensaiadas eram perfis
metálicos W610x125/113/101 (de baixo para
cima são cerca de 12 m de W610x101, 6 m de
W610x113 e o restante de W610x125). As
estacas do Ensaio 1 têm comprimento médio
cravado de 31 m e as do Ensaio 2 comprimento
médio cravado de 36 m. Essas estacas
atravessam uma camada de argila siltosa com
presença de lentes de areia, seguida de camada
de argila, e têm ponta em camada de areia
muito compacta (ver Figura 7).
medidas de deslocamentos em dois níveis.
Dessa forma, foi possível estimar o
deslocamento ao nível do terreno, além de
verificar eventuais torções da estaca durante o
ensaio.
O carregamento foi aplicado por meio de um
macaco hidráulico e medido através de
manômetro digital. Adicionalmente, mediu-se a
carga aplicada com uma célula de carga
posicionada entre o macaco e a barra
prolongadora do curso do macaco (Figura 6).
Ext-3
Ext-1
Ext-4
a
Ext-2
a
b
c
Figura 3. Esquema de montagem do Ensaio 1.
Ext-7
Ext-8
d
a
Ext-5
a
Ext-6
Figura 5. Vista geral do Ensaio 2.
b
e
Figura 4. Esquema de montagem do Ensaio 2.
Foram utilizados 8 extensômetros com
sensibilidade de 0,01 mm em cada ensaio,
sendo 4 extensômetros por estaca, dispostos
conforme apresentado nas Figuras 3 a 6, com
Figura 6. Detalhe da montagem do Ensaio 2.
c
Legenda das figuras:
Ext = extensômetro;
a = viga de referência dos extensômetros;
b = macaco;
c = barra prolongadora do curso do macaco;
d = suporte magnético dos extensômetros;
e = célula de carga;
que é baseado em modelo de molas nãolineares.
Em todos os casos, as simulações das
provas de carga com o programa Lpile
mostraram que a deformada da estaca no trecho
acima do terreno é praticamente linear e, por
esse motivo, a transposição dos deslocamentos
medidos para a posição ao nível do terreno foi
feita por interpolação linear.
3.2
Figura 7 – Perfil geotécnico do local.
As leituras de deslocamentos foram
realizadas nos diferentes estágios de carga. No
Ensaio 1 as estacas foram submetidas a 9
estágios de carga, sendo a carga máxima de
cerca de 6 tf. Já no Ensaio 2 as estacas foram
submetidas a 8 estágios de carga, sendo a carga
máxima de cerca de 19 tf. Em ambos os
ensaios, em cada estágio de carga, foram
realizadas medidas de deslocamentos nos
tempos de 0, 2, 4, 8, 10, 15, 20, 25 e 30 minutos
após a aplicação da carga na estaca. No Ensaio
1 também foram medidos deslocamentos nos
tempos de 35 e 40 minutos.
Em cada prova de carga, as leituras dos
extensômetros foram realizadas por quatro
pessoas, de modo que cada uma foi responsável
por dois extensômetros adjacentes numa mesma
vertical. Havia ainda um profissional operando
o macaco.
3
INTERPRETAÇÃO DOS ENSAIOS
3.1 Estimativa de deslocamentos ao nível do
terreno
Inicialmente a transposição dos deslocamentos
medidos nas estacas, acima do nível do terreno,
para o nível do terreno seria feita através de
uma função de ajuste, obtida com auxílio de um
programa de análise de estacas carregadas
transversalmente, o Lpile (Reese et al., 2004),
Correção dos deslocamentos medidos
Conforme já mencionado, as leituras de
deslocamentos em cada estágio de carga foram
realizadas ao longo do tempo. Dessa forma, a
medida de deslocamento num determinado
nível de carga e tempo inclui a parcela de
fluência adicional dos níveis de carga
anteriores, em tempos superiores ao
considerado. Por exemplo, quando uma das
estacas do Ensaio 1 está submetida a um
carregamento de 5 tf, o deslocamento medido
no tempo de 4 minutos possui, além do
deslocamento a tempo nulo e da sua parcela de
deslocamento por fluência, que ocorreu entre 0
e 4 minutos no próprio estágio e nos estágios de
carga anteriores, uma parcela de fluência que
ocorreu nos estágios de carga anteriores, para
tempos superiores a 4 minutos. Esse efeito foi
considerado subtraindo-se a parcela adicional
de deslocamento por fluência acumulada dos
estágios de carga anteriores. Dessa forma,
foram obtidas as curvas médias de carga versus
deslocamento corrigido ao nível do terreno para
os Ensaios 1 e 2 (ver Figuras 8 e 9). As curvas
de 10, 20, 25 e 35 minutos foram omitidas, a
fim de facilitar a visualização das demais
curvas.
3.3 Estimativa de deslocamentos em tempo
infinito
6
5
Carga (tf)
4
3
t = 0 min
t = 2 min
t = 4 min
t = 8 min
t = 15 min
t = 30 min
t = 40 min
2
1
0
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Deslocamento (mm)
Figura 8. Curvas carga versus deslocamento corrigido
médio ao nível do terreno – Ensaio 1.
20
18
16
Carga (tf)
14
12
10
8
t = 0 min
t = 2 min
6
t = 4 min
4
t = 8 min
t = 15 min
2
t = 30 min
0
0
2
4
6
8
10
12
14
Deslocamento (mm)
Figura 9. Curvas carga versus deslocamento corrigido
médio ao nível do terreno – Ensaio 2.
Cabe salientar que quando se fala em
fluência nesse trabalho, na verdade refere-se a
deformações que dependem do tempo,
associadas a dois fenômenos, o adensamento e a
fluência. Em campo é muito difícil dissociar os
dois fenômenos, assim são referidos, de modo
simplificado, apenas por fluência.
Conforme pode ser visto nas Figuras 8 e 9, as
curvas carga versus deslocamento se tornam
mais abatidas com o passar do tempo, além de
mais próximas umas das outras. Por exemplo, a
distância entre as curvas de 0 e 2 minutos é
maior que a distância entre as curvas de 2 e 4
minutos e assim sucessivamente. Isso ocorre
porque a velocidade de deformação sob carga
constante diminui com o tempo. Dessa forma,
pode-se esperar que esses deslocamentos se
tornem desprezíveis depois de certo tempo
decorrido. Assim existiria, em tese, uma curva
carga versus deslocamento limite, que
representaria o comportamento da estaca em
tempo infinito.
Nesse trabalho, a extrapolação da curva
carga versus deslocamento ao nível do terreno
para tempo infinito foi feita da seguinte forma:
i. Foram marcados num gráfico pontos de
velocidade de deslocamento (variação de
deslocamento num intervalo de tempo, Δd/Δt)
versus tempo para cada nível de carga;
ii. Ajustou-se aos pontos de cada nível de
carga uma função com forma a.x -b (função com
melhor ajuste aos pontos), ver Figura 10;
iii. Integrou-se a função obtida para cada
estágio de carga, utilizando como limite inferior
o tempo da última leitura do ensaio e como
limite superior um tempo suficientemente
grande para que os acréscimos de
deslocamentos fossem insignificantes (adotouse um tempo de 10 anos). O resultado obtido é
o acréscimo de deslocamento da estaca (sob
carga constante) entre a última leitura do ensaio
e o tempo infinito;
iv. Somou-se o valor descrito no item
anterior à última leitura (corrigida) da prova de
carga (Figuras 11 e 12).
As Figuras 10, 11 e 12 exemplificam o
procedimento descrito acima. Com os dados do
Ensaio 1 foi possível obter um conjunto de
pontos de carga versus deslocamento a tempo
infinito com dispersão aceitável (Figura 11),
excluindo-se os dois pontos mais dispersos.
Entretanto, o mesmo não foi possível com os
dados do Ensaio 2, em consequência da grande
dispersão e dos valores de deslocamentos muito
elevados obtidos (Figura 12).
20
18
16
0,6
Q = 0,5 tf
Q = 1,0 tf
Q = 1,5 tf
Q = 2,0 tf
Q = 2,5 tf
Q = 3,0 tf
Q = 4,0 tf
Q = 5,0 tf
Q = 6,0 tf
∆d/∆t (mm/min)
0,4
Carga (tf)
0,5
14
12
10
t = 0 min
8
t = 2 min
t = 4 min
6
0,3
t = 8 min
t = 15 min
4
t = 30 min
0,2
2
t = infinito
0
0
0,1
10
20
30
40
50
60
70
80
Deslocamento (mm)
Figura 12. Curvas carga versus deslocamento corrigido
médio, incluindo pontos extrapolados a tempo infinito –
Ensaio 2.
0,0
0
10
20
30
40
t (min)
Figura 10. Gráfico utilizado na extrapolação da curva
carga versus deslocamento a tempo infinito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As curvas carga versus deslocamento corrigido
(Figuras 11 e 12), obtidas das provas de carga
nas estacas da laje de fundo do Dique Seco do
Estaleiro Rio Grande, permitem a obtenção da
resposta ao carregamento lateral das estacas,
nas suas duas direções principais de inércia.
Essas curvas levam em conta o efeito do tempo
na resposta do solo aos carregamentos. No
Ensaio 1 (na direção de menor inércia) foi
possível extrapolar uma curva para tempo
infinito. O mesmo não foi possível no Ensaio 2
(na direção de maior inércia) em função da
grande dispersão e dos altos valores de
deslocamentos obtidos.
6
5
Carga (tf)
4
3
t = 0 min
t = 2 min
t = 4 min
t = 8 min
t = 15 min
t = 30 min
t = 40 min
t = infinito
2
1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
0
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
Deslocamento (mm)
Figura 11. Curvas carga versus deslocamento corrigido
médio, incluindo curva extrapolada a tempo infinito –
Ensaio 1.
Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT –
NBR 12131 (2006) Estacas – Prova de carga estática
– Método de ensaio. Rio de Janeiro: ABNT.
Reese, L.C. e Van Impe, W.F. (2001) Single piles and
pile groups under lateral loading: Balkema,
Roterdam.
Reese, L.C., Wang, S.T., Isenhower, W.M.e Arrellaga,
J.A. (2004) Computer Program LPILE Plus - Version
5.0, Technical Manual: Ensoft Inc.
Whitaker, T. e Cooke R.W. (1966) An Investigation of
the Shaft and Base Resistance of Large Bored Piles in
London Clay, Proceedings, Conference on Large
Bored Piles, Institute of Civil Engineers, London.
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