Políticas sociais: trabalho e saúde na América Latina
Andréa Hopf Bianquin 1
[email protected]
Juliana Franchi da Silva 2
[email protected]
Resumo:
Este artigo apresenta algumas considerações acerca da reestruturação das
políticas sociais na América Latina, frente às mudanças qualitativas dos
Estados e da sociedade, decorrente da nova ordem globalizante, a qual vem
recolocando o papel dos agentes na condução e atualização das políticas.
Primeiramente, parte-se das transformações no mundo do trabalho, sob o
dinâmico cenário da internacionalização econômica, política e social das
Nações. Cenário este, identificado como a causa mais provável de
conseqüências já diagnosticadas no mundo do trabalho, principalmente na
América Latina. Dado a complexidade desses efeitos, constata-se quais suas
relevâncias nos âmbitos produtivos, sociais e individuais quanto às políticas
do setor. Em seguida, aborda-se o caso das políticas sociais de saúde, cuja
evolução é analisada a partir de sua representação como um importante eixo
das reformas sociais que vem se realizando na região, principalmente a
partir da década de 80. Discute-se acerca de que as transformações no setor,
objetivaram a melhora da eficiência na provisão dos serviços e,
conseqüentemente, o fortalecimento dos processos de democratização,
através da ampliação da equidade desses sistemas.
As conclusões
destacam, no caso do trabalho, a instabilidade e insegurança quanto ao
futuro do nível de emprego e a regulamentação das condições de trabalho na
América Latina. Em relação às políticas de saúde, as transformações se
consolidaram institucionalmente, em nível de sistemas, baseados no
princípio descentralizador e privatização dos serviços, cujos efeitos ainda
são inconclusivos e limitados.
Palavras-chave: Estado/sociedade, políticas públicas/sociais, globalização,
trabalho, desemprego, precarização, reformas, sistemas de saúde,
descentralização.
1
Bacharel em Ciências Econômicas, Especialista em Pensamento Político Brasileiro, Mestranda em
Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria.
2
Licenciada em Filosofia, Bacharel em Ciências Econômicas, Especialista em Pensamento Político Brasileiro,
Mestranda em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria.
1
Abstract:
This article presents some considerations around the restructuring of social
policies in Latin America, facing the qualitative changes of States and the
society, due to the new globalizing order, which has been repositioning the
role of the agents in the conduction and updating of policies. First, it is
started from the transformations in the working world, under the dynamic
scenery of economic, political and social internationalization of the Nations.
This scenery, identified as the most probable cause of consequences that
have already been diagnosed in the working world, especially in Latin
America. Given the complexity of these effects, it is noticed which
relevancies in the productive, social and individual scope in relation to the
sector policies. Right away, the case of the health social policies is
approached, which evolution is analyzed from its representation as an
important axis of social reforms that have been carried out in the region,
especially from the 80’s. It has been discussed that the transformations in
the sector, have aimed at the improvement of the service providing
effectiveness and, consequently, the strengthening of the democratization
processes, through these systems equity broadening. The conclusions
highlight, in the case of work, the instability and insecurity as to the future
of the employment level and the work conditions ruling in Latin America.
Concerning the health policies, the transformations have been institutionally
consolidated, in system levels, based in the services decentralizing and
privatizing principle, whose effects are still inconclusive and limited.
Key words: State/society, public/social policies, globalization, work,
unemployment, precariousness, reforms, health systems, decentralization.
1 Introdução
Na atualidade, ocorre em todas as sociedades, uma profunda revolução
que atinge com inusitada velocidade o dia-a-dia das pessoas e as formas de
existência dos Estados. Constata-se uma rearticulação das relações de poder,
da divisão internacional do trabalho e da riqueza, bem como das
regulamentações que determinam o grosso do relacionamento, não só
internamente, como no caso das instituições políticas e sociais, como também
entre países ou blocos regionais.
As estruturas da época da Guerra Fria desapareceram e são substituídas
por um novo ordenamento, em nível mundial interno de cada país. Novas
regras e ordenamentos mais abertos se rearranjam, sob a conformação de
novas entidades ou organizações internacionais, prescrevendo, no caso da
2
circulação de mercadorias e serviços (OMC-Organização Mundial do
Comércio) – uma atuação mais fortalecida de poder, novas formas de
propriedade intelectual, redução do poder dos Estados mais fracos na
definição de suas políticas e a própria flexibilização de fronteiras nacionais
como fator de poder e de soberania destes mesmos Estados.
As implicações destas atuais transformações para os países em
desenvolvimento, como na América Latina, ainda são desconhecidas ou
limitadas. Estes países, providos da expectativa de obterem maior integração
com o mercado mundial e sob pressão dos países mais avançados e de
organismos internacionais financeiros (FMI e Banco Mundial), abriram suas
fronteiras comerciais, privatizaram suas empresas estatais e promoveram uma
desregulamentação das atividades políticas e econômico-financeiras,
particularmente favorecendo o acesso de empresas multinacionais a seus
mercados internos. A expectativa de que a entrada maciça de capital
estrangeiro pudesse acelerar a difusão das novas tecnologias, juntamente com
a integração destes países com um mercado global, não foi favorecida, mas
contribuiu para que uma crise social se revigorasse.
Diante disso, o desemprego surge como uma das conseqüências mais
preocupantes das mudanças velozes e complexas ocorridas pelo processo da
globalização. Tanto em países desenvolvidos como em países em
desenvolvimento, os trabalhadores são excluídos do processo de trabalho. Isso
reflete a pouca ou nenhuma qualificação em relação às necessidades colocadas
pelo mercado de trabalho, excluindo também aqueles que tiveram sua
qualificação ultrapassada em relação ao contexto substancialmente delineado
pelas constantes inovações impostas pela tecnologia. E como o capital tem
conseguido manter sua hegemonia sobre as condições materiais postas no
âmbito do trabalho, suas conseqüências incidem diretamente sobre os
trabalhadores menos favorecidos pelo sistema.
Assim, com a desestruturação decorrente no mundo do trabalho,
juntamente com os problemas econômicos e sociais despertados pela Terceira
Revolução Industrial e agravados pela crise do início dos anos 90, os
trabalhadores e suas organizações sindicais e políticas, mantém-se na
defensiva, sem oferecer alternativas globais capazes de articular as distintas
forças de ruptura a modernização conservadora.
Dessa forma, aliado a estes relevantes processos sociais e históricos
ocorridos nas últimas décadas, concretizados na globalização do capital
3
financeiro, na aceleração do desenvolvimento tecnológico, e na adoção de
políticas neoliberais nos países centrais, constata-se a crise dos Estados
nacionais e o enfraquecimento do Estado-nação, caracterizados, além do
aumento do desemprego, também pelo descontrole fiscal e redução das taxas
de crescimento econômico, contribuindo para o esgotamento do modelo da
sociedade de bem-estar até então preconizado.
Como conseqüência, os países centrais vêem-se pressionados a
iniciarem processos de reforma do aparelho do Estado e de reformulação das
políticas sociais e os introduzirem nos países da América Latina, como é o
caso das políticas de saúde, cujos movimentos de reforma sanitária (1970-80),
viriam a conduzir a conformação de sistemas norteados por ações como: a
descentralização da organização e implementação das ações e programas de
saúde; a implantação do modelo de assistência integral; a instituição legal nos
vários níveis de governo do controle social sobre o sistema; a regulamentação
das relações entre os setores público e privado; a fixação de uma base
financeira estável para a saúde pública; além da incorporação de novos
modelos de gestão na saúde.
De forma geral, diante da complexidade dessas mudanças, configurouse a partir da década de 80 na América Latina, dois fenômenos que atuaram
simultânea e contraditoriamente sobre o sistema de proteção social. Por um
lado, a crise econômica e os endividamentos externos, que afetaram
profundamente a economia regional, reduzindo a capacidade financeira do
Estado e aumentando os custos sociais das medidas de ajuste; e por outro lado,
muitos países iniciaram nesse período seu processo de transição à democracia,
trazendo demandas sociais longamente reprimidas.
Entretanto, esses fenômenos, embora divergentes, confluíram para a
formulação de modelos distintos de reforma da proteção social, especialmente
no caso da saúde pública, tendo como princípios norteadores a busca da
eficiência de um lado e o aumento da justiça social e equidade de outro.
Por fim, a partir da constatação destes fatores sócio-econômicos,
promotores de transformações generalizadas em toda a região, este artigo
tratar-se-á de levantar algumas considerações pertinentes às causas e
conseqüências no mundo do trabalho, bem como na política pública de saúde,
temas estes de grande relevância dada às demandas sociais cada vez menos
privilegiadas pelos Estados nacionais.
4
3 As transformações no mundo do trabalho
Não se pode negar que o processo de globalização atinge um novo
estágio mais abrangente, veloz e muito complexo. O mundo mudou
profundamente nas últimas décadas do século XX. Com o novo padrão
produtivo e tecnológico da Terceira Revolução Industrial, na qual o ritmo de
inovação tem sido rápido e fundamental, impuseram-se mudanças
significativas nas relações de trabalho.
Para Presser (1985, p. 87), “As novas tecnologias jogam um duplo papel:
facilitam a globalização e exercem papel para ampliá-la. A força motriz da
globalização passa a ser o amadurecimento e a difusão internacional desse
novo sistema de produção, denominado flexível, enxuto ou toyotismo”.
Cano (1998), admite que o processo de globalização encerra duas
dimensões, a globalização financeira que resulta da desmedida expansão
financeira internacional, propiciada em grande parte pela difusão de novos
meios de telecomunicações e pela complacência de muitos Estados nacionais
com o livre trânsito de capitais; e a globalização produtiva, que consiste na
reestruturação (econômica, técnica, administrativa, comercial e financeira) das
grandes empresas transnacionais, cujo resultado mais evidente é a promoção
de uma nova divisão internacional do trabalho.
A globalização na sua fase atual nada mais é do que um processo de
aceleração capitalista, num ritmo nunca visto antes. As mudanças são
impulsionadas, principalmente, pela inovação tecnológica permanente, pelo
avanço das telecomunicações, pela internacionalização financeira, do processo
produtivo e do consumo, pela industrialização da cultura, pela
desregulamentação e abertura das economias, pela liberalização e ampliação
dos mercados e pelo aperfeiçoamento dos transportes. Na verdade, "com a
aceleração da globalização, está se implementando no mundo todo outro
projeto de desenvolvimento capitalista - transnacionalizado, globalizado,
definido em termos de mercados mais amplos" (Ianni, 1996, p.8).
Com a globalização tem-se um novo cenário estrutural e reformas
econômicas, um exemplo, encontram-se nos países integrantes do Mercosul,
La globalización significa que los países están hoy más integrados a
la economia internacional que en el pasado. Las reformas
comerciales y finacieras implicaron reducir las barreras al comercio
exterior, mediante la eliminación de las restricciones cuantitativas a
5
las importaciones, la reducción de las tarifas y de su dispersión. La
reforma financiera dio origem a um proceso de apertura del mercado
de capitales, lo cual coincidió com una fuerte entrada de capitales
externos (Panorama Laboral, p.15, 1996).
Atualmente, as mudanças são constantes em todas as direções. Há
mudanças na sociedade, nas relações e nos sistemas de representação dos
valores e das identidades que se projetam nos meios de comunicação de massa
e nas tecnologias da informação. Na realidade, encontra-se uma sociedade
"pós-tradicional" (Guiddens, 1997) onde o homem deve abandonar os
comportamentos e as atitudes que se baseiam no sistema de valores
tradicionais.
Todavia, o embate acerca da globalização está cada vez mais forte e
difuso. O entusiasmo vem sendo substituído por um certo medo. O
crescimento do desemprego acentua-se cada vez mais. O desemprego é "(...)
uma espécie de ponta de iceberg muito maior, qual seja, a deterioração das
relações de trabalho" (Singer, 1999, p.7).
Com a abertura do mercado, os governos, inclusive, o brasileiro,
desregulamentaram o comércio externo e o sistema financeiro, extinguiram o
controle dos preços que tornou o Brasil dependente de maciças entradas de
capital externo. O resultado conjunto destas mudanças estruturais tem sido a
elevação do desemprego e do subemprego em todas as suas formas e o
agravamento da exclusão social.
De acordo com Salama,
A brutal abertura da economia ao mercado internacional, tanto de bens
quanto de capitais, e a rápida liberalização dos mercados concomitante à
retração do Estado provocaram um choque: os aparatos produtivos
transformaram-se profundamente e as relações sociais não são mais as
mesmas, com o aumento do desemprego e a forte precariedade do emprego.
As importações substituíram em parte a produção nacional, e um verdadeiro
processo de dessubstituição de importações foi colocado em prática. As
economias – submetidas a esse modelo de crescimento – se movimentam,
assim, entre a reestruturação de sua indústria e a grande expansão das
exportações, por um lado, e por outro lado a destruição de segmentos
importantes de seu aparato industrial e o forte aumento das importações.
Conseqüentemente o déficit comercial aumentou de forma desmesurada.
Esses déficits precisam ser financiados. A necessidade de financiamento
externo é ainda maior porque a esse déficit se agregam os pagamentos dos
6
gastos de turismo, do serviço da dívida, e cada vez mais o dos dividendos,
conseqüência da poderosa expansão dos investimentos estrangeiros diretos
(Salama, 1999, p.11).
Na América Latina, os processos de reestruturação produtiva e seus
impactos sociais têm variado de acordo com as diferentes realidades
nacionais, dependendo da configuração dos parques produtivos locais, das
estratégias de ajuste do setor privado, das opções no campo da política
econômica e da capacidade de pressão e negociação do movimento sindical.
De um modo geral, o enfrentamento da crise do chamado modelo de
desenvolvimento via substituição de importações tem se baseado em
programas de corte liberal. A liberalização comercial e financeira, a
privatização do Estado e a desregulamentação econômica e social têm sido
uma constante3.
A fragilização do movimento sindical preocupa as centrais sindicais dos
países que integram a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul
(CCSCS)4. As preocupações são relevantes, pois já se notam os efeitos do
deslocamento de setores produtivos dentro do Mercosul. Pode se exemplificar
da seguinte maneira: quando determinada atividade se muda do Brasil para a
Argentina ou vice-versa, a nova instalação vem reestruturada
tecnologicamente, gerando menos postos de trabalho que aquele que encerrou
no país de origem. Ao se discutir a harmonização da legislação trabalhista, que
é diferenciada entre os quatro países, sempre ocorrerão tentativas de nivelá-la
por baixo, agravadas pela flexibilização em curso na Argentina e no Brasil.
Com o início dos anos 90, observou-se o fim do longo ciclo de
crescimento da economia mundial iniciado em 1983, tornando-se mais patente
tanto o caráter ideologizado que as políticas neoliberais assumiram durante a
fase de crescimento dos anos 80 e que tanto foi identificado com a
modernização conservadora, quanto a diferenciação entre países perdedores e
ganhadores da concorrência intercapitalista internacional.
A forma de desestruturação da antiga relação salarial constitui-se em
meio ao início de novas formas de organização do mundo do trabalho sob a
emergência da III Revolução Industrial, em condições de debilidade defensiva
3
De acordo com Oliveira, p.195, 1998.
Conforme Lettieri (1998), a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul é uma articulação informal
existente entre as centrais sindicais da região desde 1986, visando constituir um fórum de debates, de
solidariedade e de ações sindicais comuns.
4
7
do trabalho organizado e de fortalecimento ofensivo do capital reestruturado.
Em nome da competitividade internacional, o capital procura reestruturar-se se
movendo contra o trabalho organizado.
Surge então, um novo trabalhador. Uma crescente massa de trabalhadores
perde seus antigos direitos e não conseguem inserir-se de maneira competitiva
no novo paradigma tecnológico. Acentua-se a fragmentação do mundo do
trabalho, rompendo com as diferentes formas de defesa ou segurança do
trabalho geradas no segundo pós-guerra que representou um avanço no Brasil,
apesar de não chegar a apresentar um estado de bem estar como nos países
centrais.
A redução dos níveis de proteção aos direitos do trabalho que haviam
sido conquistados no pós-guerra, amplia a fragmentação e a desestruturação
do trabalho, acentua o entorpecimento político e enfraquece o movimento
sindical que, reduz ainda mais a solidariedade e a coesão social. Esses fatores
geram nos dias de hoje, uma verdadeira desordem do trabalho e ampliam as
dificuldades para a reconstrução de uma nova hegemonia transformadora.
Segundo Baltar (1998), o desgaste do poder público, permitiu a abertura
de espaço para uma tentativa de reorientar o desenvolvimento com uma
participação bem menor do Estado na proteção e promoção da produção
nacional. Mas, essa reorientação tem significado a desarticulação da estrutura
da produção e o menor investimento na ampliação da capacidade produtiva,
estreitando-se ainda mais as possibilidades de integração socioeconômica da
população pelo emprego.
A falta de emprego é sentida tanto em países desenvolvidos como em
países semidesenvolvidos. As políticas fiscais e monetárias têm em vista
impedir que a economia se aqueça demasiadamente, o que na prática implica
manter uma generosa margem de sobreoferta de força de trabalho. Neste
sentido, o desemprego passa a ser um efeito funcional de políticas de
estabilização exitosas.
As mudanças em relação ao mercado de trabalho são drásticas, não
somente nos países do Mercosul, mas em todo mundo ocorre uma evolução
das formas crescentes de precariedade.
Na visão de Lettieri (1998), prevalecem às formas de trabalho por tempo
determinado, por meio período, em caráter interino, por períodos especiais,
para um só fim de semana, para turnos especialmente sobrecarregados.
Difundem-se também formas laboratoriais fundamentalmente subordinadas,
8
mas apresentadas como trabalho autônomo. Cresce o trabalho contingente,
casual, sem tutelas coletivas, o campo de aplicação das regras diminui e a
desregulamentação transforma-se em uma nova regulamentação confiada ao
mercado. Esta é uma realidade que aparentemente é nova, mas que em sua
essência, vem dos primórdios do capitalismo, próxima à época em que os
sindicatos não tinham ainda se organizado ou eram confinados à margem da
legalidade, pois contrastavam com a liberdade de mercado.
Apesar desses países terem a mesma herança latina, as instituições
trabalhistas apresentam diferenças expressivas. No que diz respeito à jornada
de trabalho, por exemplo, a lei brasileira limita-a a 44 horas semanais,
enquanto que as da Argentina, Uruguai, Paraguai fixam-na em 48 horas,
praticamente, 10% a mais 5.
O Brasil é o único país que remunera o descanso semanal. No caso
brasileiro, essa remuneração representa 18,91% do salário-hora. Em relação à
dispensa, na Argentina, Paraguai, Uruguai pratica-se a indenização por tempo
de serviço, em geral, um mês por ano. No Brasil, o custo da dispensa é o
mesmo (8% ao mês de FGTS) mais a indenização, o que dá um adicional de
40%.
Diferentemente do Brasil que possui um sistema de férias fixas (30 dias
por ano), os outros países possuem férias proporcionais ao tempo de firma.
Ademais, nenhum país tem o abono de férias. As férias no Brasil custam,
aproximadamente, 40% a mais. Os feriados são abundantes em todos os países
considerados. Mas, na maioria, poucos são os feriados remunerados. Isso
também dá uma diferença a favor do Brasil, onde há 12 feriados remunerados.
No que se refere às licenças por doença, o quadro é o inverso. As
despesas das empresas são maiores naqueles países do que no Brasil, onde
prevalece o apoio do INSS. Todos os países vêm tentando flexibilizar as suas
instituições trabalhistas. A Argentina deu passos decisivos no início do
primeiro mandato do Presidente Ménem, mas recuou em 1998. No Uruguai,
onde não há CLT, tem havido inovações tópicas, mas nenhuma reformulou o
sistema atual. No Paraguai, a situação encontra-se estagnada6.
A expansão da insegurança do trabalho se dá em diferentes níveis como:
insegurança no mercado de trabalho, insegurança no emprego, insegurança na
renda, insegurança na contratação e insegurança na representação do trabalho.
5
6
Dados obtidos de acordo com Pastore (1999)
Pastore, 1999.
9
E a maior insegurança no emprego pode ser observada através da redução
relativa ou absoluta de empregos estáveis ou permanentes nas empresas e da
maior subcontratação de trabalhadores temporários, em tempo determinado,
eventuais, em tempo parcial, trabalho a domicílio ou independentes,
aprendizes, estagiários, etc, que conformam o questionamento progressivo da
relação padronizada de emprego, característica do padrão de desenvolvimento
norte-americano 7.
Estas novas formas de trabalho e de trabalhadores apesar de se
diferenciarem entre si, também resultam da terceirização levada a cabo pelas
empresas e da maior utilização da informática e de outras tecnologias que
favorecem o trabalho realizado à distância da empresa. O capital reestruturado
buscou reduzir o tamanho da força de trabalho diretamente empregada pelas
empresas, substituindo o trabalho integral, de longo prazo ou indeterminado,
pelo trabalho temporário e de tempo parcial.
Hoje não é essa a situação nos países desenvolvidos, onde o sindicato
mantém uma substancial capacidade de agregação social e força política. Mas,
não é por acaso que as grandes empresas multinacionais, em suas escolhas de
investimento, levam em conta a ausência do sindicato, ou as leis e as políticas
que impedem a sua constituição, como nas zonas especiais de exportação dos
países em desenvolvimento.
O desemprego e a precarização das condições e relações de trabalho que
se observam ao longo dos anos 90, expandiu-se de forma violenta. De acordo
com Mattoso,
A redução dos níveis de segurança do trabalho do pós-guerra, sem a plena
configuração de uma nova relação salarial e de um padrão de consumo
compatíveis com o salto executado pelas revigoradas forças produtivas, tem
ampliado a fragmentação e a desestruturação do trabalho, acentuando a
paralisia política e o defensismo estratégico do movimento sindical e
reduzindo ainda mais a solidariedade e coesão social, que terminam por
ampliar as dificuldades de se reconstruir uma nova hegemonia
transformadora (1995, p. 525).
Cada vez mais piora a proporção entre os que podem comprar e os que
precisam vender e cresce a parcela dos que acabam alijados até mesmo dos
mercados informais. Mesmo que o exército de reserva não cresça como um
7
De acordo com Mattoso, 1995.
10
todo, aumenta a quantidade de pessoas há muito tempo sem trabalho, que
acabam sendo atingidas pela exclusão social. Suas vidas pessoais entram em
crise, muitas se agregam aos que vagam pelas ruas sem-teto ou à legião dos
desequilibrados mentais. O que tem como contrapartida, a concentração da
renda a favor dos que tem investimentos dirigem empresas ou entidades
públicas e dos que continuam usufruindo os direitos trabalhistas como
integrantes do núcleo primário de trabalhadores estáveis.
Através da Tabela 1 pode-se visualizar a distribuição pessoal da renda na
Argentina, Brasil e Uruguai de acordo com os anos selecionados.
TABELA 1 – Distribuição pessoal da renda nacional em alguns dos países
Latino-americanos selecionados em 1980 e 1992 em
porcentagem
Países
1º Quintil
5º Quintil
1980
1992
1980
1992
Argentina
6,8%
5,9%
45,3%
47,5%
Brasil
3,9%
2,8%
64,6%
62,3%
Uruguai
6,8%
9,0%
46,4%
40,5%
Fonte: Pochmann apud CEPAL, 1995.
De acordo com Pochmann (1998), o quadro de elevado nível de
desigualdade na renda não se alterou. Ao contrário, a piora na distribuição de
renda e o crescimento das ocupações informais parecem estar associados aos
programas de ajuste macroeconômico e de alteração no padrão de
competitividade e nos sistemas de proteção social implementados no período
recente nos países da América Latina. Os movimentos de incorporação social
foram enfraquecidos, enquanto se fortaleceu o processo de exclusão social e a
desigualdade econômica.
A evolução do mercado de trabalho após 1980 registrou o crescimento
dos níveis de pobreza e indigência. As novas formas de exclusão no mercado
de trabalho, com o desemprego aberto, ocupações atípicas e precarização nas
condições e relações de trabalho, complementam um cenário de dificuldades
nos países latino-americanos.
O processo de exclusão não se verifica apenas nos países mais pobres
muito embora nesses a situação seja mais séria, mas ocorre também em países
desenvolvidos.
11
Segundo Gadelha (1997), nos países onde a política neoliberal é adotada
evidencia-se um grande aumento na concentração de renda que caracteriza a
exclusão social. O número de miseráveis nestes países aumentou
significativamente após a adoção dessa política. Por exemplo, na Inglaterra no
final do governo Tatcher, o número de excluídos aumentou conforme a autora,
de cinco milhões para treze milhões e novecentos mil. Desse modo, cresce
cada vez mais o número de pessoas que estão sem acesso aos meios essenciais
à sobrevivência. O aumento da taxa de desemprego não é tão elevada nos
EUA, onde vigora o regime de trabalho flexível. Contudo, evidenciam-se
nesses dois países um número crescente de pessoas trabalhando em funções
precárias (subemprego), o que não deixa de ser uma contundente forma de
exclusão dentro do mercado de trabalho.
O crescimento do desemprego foi acompanhado por uma modificação na
composição da estrutura ocupacional, com uma diminuição gradativa desde
1980 de mão-de-obra empregada na indústria e no setor primário e um
aumento do terciário, que cresce deteriorando-se, absorvendo ocupações
instáveis e mal remuneradas.
Na visão de Kraychete (2000, p. 21),
Quando os trabalhadores perdem seus empregos regulares e mergulham na
informalidade do trabalho por conta própria, experimentam uma diminuição
da sua renda média, somada a uma grande insegurança em relação ao futuro
e a sua proteção social. Tudo passa a depender do próprio indivíduo, que
deve criar e manter seu próprio trabalho. Como não contribuem para a
previdência social, os trabalhadores por conta própria, em sua quase
totalidade, estão excluídos do direito à aposentadoria e enfrentam a ameaça
incontornável da obtenção de algum rendimento na eventualidade de
doenças ou acidentes que interrompam o trabalho que realizam.
Passou-se a ocorrer a subutilização da força de trabalho de modo
significativo. A ausência de maior estímulo à criação de empregos regulares e
regulamentados possibilitou a ampliação das taxas de desemprego aberto e de
ocupações atípicas.
Apesar de não ser um fenômeno recente, a precarização do trabalho
tomou maior vulto a partir de 90. Os novos postos de trabalho que surgem em
função das transformações das tecnologias e da divisão internacional do
trabalho, não oferecem, ao seu eventual ocupante, as compensações usuais que
12
as leis e contratos coletivos vinham garantindo. Muitos destes postos são
ocupações por conta própria.
A precarização do trabalho, desde a década passada, amplifica-se nos
países periféricos que possuem legislação trabalhista e fazem observar os
direitos legais dos trabalhadores. Ela já se faz sentir no Brasil, ao menos desde
1986/90 intensificando-se desde então 8.
Desse modo, a precarização do trabalho por contratos temporários, sem
carteira, dentro de um processo de substituição de trabalhadores a cada
trimestre ou semestre, configura-se como um dos principais mecanismos
utilizados para dissimular os índices reais de desemprego na conjuntura do
trabalho no Brasil.
Para Pochmann (1998), o efeito combinado da queda no nível de
emprego formal e no poder aquisitivo do rendimento assalariado resultou na
redução do padrão de vida das classes trabalhadoras. Em 1990, havia 55,5%
de toda PEA urbana na situação de emprego informal ou de desempregados.
Três anos depois, em 1993, o contingente de empregados no setor informal e
de desempregados representava 58% de toda PEA urbana. Dados esses,
extraídos pelo autor através da OIT, 1995. Segundo o autor, o período pós1980 caracterizou-se pelo funcionamento do mercado de trabalho com maior
heterogeneidade econômica, com o elevado nível de subutilização da mão-deobra e com amplas faixas de precarização do trabalho e dos rendimentos
assalariados.
Portanto, deve-se observar atentamente até que ponto os trabalhadores
participam das mudanças ocorridas nesse novo mundo do trabalho, pragmático
e imediatista, pois a cada dia torna-se mais difícil a preservação dos direitos
dos trabalhadores.
3 A evolução das políticas de saúde
A questão da reforma do Estado e das políticas públicas presente
atualmente na agenda latino-americana, em geral vem sendo remetida a uma
dimensão: a crescente crise fiscal do Estado frente aos inúmeros encargos que
foram por ele historicamente assumidos, em particular a partir dos anos de
1960.
8
Dados de acordo com Singer, 1999.
13
No entanto, cabe ressaltar que enquanto nos países centrais o eixo dessa
discussão foi dado pelo fenômeno da globalização e pela crise do welfare
state, tendo como contrapartida a discussão acerca de critérios distributivistas
e de justiça social no novo contexto marcado por preceitos neoliberais; nos
países periféricos essa discussão também veio seguindo os mesmos rumos, a
partir da herança histórica especifica de seus sistemas de proteção social,
porém, acrescidos do fenômeno da necessidade de ajuste estrutural à nova
ordem econômica mundial e das profundas desigualdades sociais que afetam
estas sociedades.
Assim, se numa dimensão mais imediata esse debate diz respeito à
pluralidade e à abrangência dos interesses e ações do Estado e padrões de
bem-estar social, numa outra, remete à articulação entre Estado/mercado e
Estado/sociedade. E ambas as dimensões, envolvem tanto a articulação entre
as políticas sociais, no caso a de saúde, quanto à articulação entre
Estado/sociedade na garantia de níveis mínimos ou satisfatórios de bem-estar
social.
Essencialmente o que estaria em jogo seria o questionamento de quais
instituições, entidades ou grupos de interesses, Estado e/ou Mercado, estariam
exercendo a função básica de regulação da atividade econômica. E, em
conseqüência, a natureza e o caráter compensatório que as políticas públicas
estariam assumindo na perspectiva de garantia de determinados patamares de
bem-estar social.
Costa (1998) referindo-se à dimensão da articulação entre Estado e
acumulação e considerando as heranças históricas dos países periféricos,
identifica um processo que inicialmente parte da emergência da concepção do
Estado Desenvolvimentista (1950-60); em seguida passa pelo questionamento
dessa concepção e conformação de uma nova imagem do Estado como
problema, dado a resistência de um Estado ditatorial (1970); e por fim,
termina na concepção sustentada pelas teorias do Estado Mínimo, a partir de
1980.
Para o autor, entendidas as implicações da reforma do Estado, impõe-se
encará-las não só a partir da necessidade de se superar as clássicas dicotomias
que presidem as análises a respeito das políticas sociais latino-americanas no
período mais recente, “focalização versus universalização, centralização
versus descentralização, privatização versus estatização, dentre outras” (Costa,
1998, p. 89). Mas buscar entender a reformulação que elas vêm promovendo,
14
sobretudo no que diz respeito à concepção do que vem a ser responsabilidade
do Estado, controle público, modalidade não estatal na esfera pública,
efetivação dos direitos básicos do cidadão e justiça social.
Por outro lado, as análises das várias experiências latino-americanas de
reforma do Estado na área social, revelam que, ao contrário dos pressupostos
das diretrizes de inspiração neoliberal que as vêm norteando recentemente,
elas vêm demandando crescente presença do Estado nesses setores. O que
estaria ocorrendo não só em termos da sua regulação, mas, sobretudo em
termos do seu suporte financeiro, na medida em que estas reformas se
tornariam altamente onerosas.
Cohn (1997) acredita que as reformas estruturais do Estado,
implementadas na América Latina a partir da década de 80, além de
modificarem os critérios e prioridades da política econômica em geral, no
âmbito social, as reformas foram dirigidas principalmente a substituir a
concepção paternalista por um Estado subsidiário. Nesta conformação, a ação
Estatal tenderia a se concentrar nas funções de financiamento, regulação e
desenvolvimento da política social, deixando para o setor privado um maior
espaço para a provisão de bens e serviços. Ao mesmo tempo, observou-se uma
tendência de modificação dos critérios de destinação de recursos, de forma
que, progressivamente se destacaram os critérios de focalização e eficiência na
utilização destes.
O fator que teria contribuído de forma crucial para essa tendência, seria
um fenômeno generalizado na América Latina, originado na crise de
financiamento externo que afetou a maioria desses países no início dos anos
80: a incorporação de equilíbrios macroeconômicos como um componente
central da política econômica em geral. Esse fenômeno acabou se constituindo
numa limitação importante ao desenvolvimento social fazendo com que as
possibilidades de expansão e inovação política na região fossem fortemente
restringidas pela taxa de crescimento da economia, que quando insatisfatória,
conduziria todas as políticas sociais a melhorarem a eficiência do gasto social.
O aumento da eficiência do gasto público social passa então a
representar o principal desafio da política social, alcançando o status de
motivação central das diversas reformas implementadas na região. É dessa
perspectiva que os processos de descentralização dos serviços públicos
passam a representar um dos mecanismos mais elaborados na busca pela
ampliação e fortalecimento de todos os programas sociais existentes.
15
Almeida (2002) referindo-se às características e desafios dos sistemas
nacionais de saúde considera que suas trajetórias na América Latina teriam
sido marcadas em sua origem, por uma história em comum de
desenvolvimento desarticulado. Em efeito, a organização dos sistemas de
saúde na região teria se caracterizado pela ausência de planejamento e pelo
surgimento de estruturas que refletiam respostas de grupos específicos da
população a necessidades conjunturais de saúde. Isto teria origem numa
primeira etapa, na conformação de sistemas relativamente pouco articulados e
muito heterogêneos.
Numa segunda etapa, diversos países procederiam à unificação dos
sistemas de saúde estabelecendo sistemas nacionais fortemente centralizados.
Durante esta fase, os sistemas públicos de saúde se transformaram nos
principais agentes no âmbito da provisão dos serviços de saúde, dessa forma, a
unificação significaria um avanço, à medida que reduziu as desigualdades no
acesso aos serviços e contribuiu para a racionalização da destinação dos
recursos e aproveitamento das economias de escala existentes.
Todavia, o esquema de um sistema estatal fortemente centralizado deu
início à manifestação dos primeiros sintomas de esgotamento no novo
contexto de reformas, as quais privilegiavam a liberalização dos mercados e a
incorporação do setor privado nas atividades de provisão e distribuição dos
serviços sociais.
Em geral, a oferta de serviços de saúde terminou se organizando em
torno de um sistema de prestação de serviços, composto por: um setor público
que atendia a população mais vulnerável; e um sistema de seguros de saúde,
que em alguns casos se transformaria de um sistema coletivo para um sistema
de caráter individual (Chile, Argentina e Colômbia). Diante disso, uma série
de reformas concorrentes no setor saúde foi se realizando, a fins de
modificarem a estrutura desse setor, tal como a introdução de mecanismos de
mercado em alguns segmentos.
Os problemas do sistema público de saúde na região se originariam
então,
(...) da forte deterioração de sua infraestrutura, da falta de recursos para
financiar os gastos operacionais, e de uma estrutura de incentivos que não
estimularia uma gestão eficiente dos recursos. Por outra parte, a excessiva
centralização que caracteriza a maioria dos sistemas de saúde da região, não
estaria respeitando as diferenças territoriais naturais, introduzindo rigidez na
16
gestão dos recursos e impedindo que os programas de saúde refletissem de
forma efetiva as demandas locais. O principal desafio que estaria
enfrentando o sistema de saúde público na atualidade se relacionaria com o
desenvolvimento de um sistema de gestão descentralizado e flexível, capaz
de adaptar-se as demandas que lhe exigissem o surgimento de um sistema
privado fortemente competitivo (Almeida, 2002, p. 30).
A estrutura atual dos sistemas públicos de saúde na América Latina
limitaria as possibilidades de uma condução flexível da oferta de planos de
saúde, o que permitiria que os afiliados reconhecessem a relação entre seus
aportes e os benefícios que lhes retornassem o sistema. Por outro lado, a falta
de flexibilidade dos planos de saúde oferecidos pelo setor público estaria
contribuindo para a criação de subsídios cruzados no interior do sistema
público. E por último, a privatização dos sistemas de saúde em alguns países
estaria acentuando a regressividade do sistema em seu conjunto.
Como conseqüência, nos países onde foram implementadas reformas
dirigidas a ampliar a participação do setor privado na provisão dos serviços de
saúde, deslocando elevadas taxas de investimentos para o sistema privado,
foram reduzidos de forma significativa os recursos do sistema público, que
eventualmente poderiam utilizar-se para redistribuir os benefícios do sistema
para os grupos de baixos investimentos.
Gropello e Cominetti (1998), enfatizam que uma característica dos
sistemas de saúde desenvolvidos na América Latina é seu destacado grau de
fragmentação e estratificação, observando-se uma ausência de integração e
coordenação entre os diversos subsistemas. Em geral, coexistiriam os diversos
subsetores (público, privado e de seguridade social) com uma estrutura e
esquema de funcionamentos não necessariamente coincidentes. A
segmentação institucional e funcional dos sistemas de saúde, somada as
debilidades em matéria de coordenação estariam gerando tendenciosamente
um certo grau de superposição em relação aos beneficiários, subsídios
regressivos cruzados e ineficiências na provisão dos serviços de saúde.
Acrescido a isto, a natureza e variedade das inter-relações que se
estabeleceriam entre os diferentes subsistemas estariam dando origem a
complexos modelos de saúde mistos, complexidade esta, que tenderia a se
reproduzir no interior de cada subsetor, destacando-se o setor público como o
prestador dos serviços de maior importância. Assim, os problemas que
caracterizariam a situação atual dos sistemas de saúde na região teriam
17
estimulado uma série de reformas perseguindo a melhora na eficiência e no
impacto distributivo do gasto setorial, com a finalidade de lograr uma
ampliação na cobertura e na qualidade dos serviços sem representar
necessariamente uma expansão no nível geral do gasto.
Entre os elementos orientadores dessas reformas, mencionam-se,
(...) os objetivos de avançar para sistemas unificados e integrados de saúde, a
descentralização da gestão, e a modificação na destinação financeira,
tendendo a incorporara a descentralização do gasto e uma progressiva
substituição dos tradicionais mecanismos de subsídios de oferta por
subsídios de demanda. Em alguns casos, a participação privada na provisão e
garantia dos serviços de saúde é o elemento central das reformas de saúde.
Nesse contexto, se tem impulsionado diversas ações tendendo redistribuir as
responsabilidades do sistema público, dando origem a modelos mistos nos
quais os níveis subnacionais passariam a ter um papel mais ativo na provisão
do serviço de atenção primária de saúde ( Gropello e Cominetti, 1998, p. 14).
Diante disso, alguns países teriam implementado programas parciais de
descentralização da saúde, observando-se assim, as diversas etapas dentro de
um processo orientado a transferir de forma crescente, as responsabilidades de
provisão de saúde aos níveis subnacionais.
Os processos de descentralização do setor saúde que se seguiriam
estariam se inserindo num contexto de restrição fiscal, o que enfatizaria a
manutenção de equilíbrios macroeconômicos, porém, de fortes desigualdades
territoriais na distribuição de recursos vinculados a provisão de serviços de
saúde. Ademais é importante levar em consideração, que as reformas tem se
delineado sobre sistemas de organização de serviços diferenciados e muito
específicos em cada país, e, conseqüentemente, tem induzidos a resultados
diversos desde a lógica de distribuição dos recursos até a priorização de
interesses.
Kliksberg (2001), analisando alguns indicadores básicos do setor saúde
enfatiza que a complexidade da estrutura da oferta pública desses serviços
dificulta a identificação dos componentes de gasto por nível de complexidade
da atenção de saúde. Isto seria constatado, por exemplo, no fato de muitos
hospitais considerados unidades provedoras de serviços de saúde de maior
complexidade, proverem ao mesmo tempo de serviços de atenção primária.
Desta forma, os sistemas de informação orçamentária que seriam
elaborados usualmente de acordo com um enfoque institucional estariam
18
gerando dados sobre o gasto público total em saúde, independentemente do
grau de complexidade da atenção, e em conseqüência, não permitindo que se
detectasse a importância relativa da atenção primária em saúde dentro do
gasto público total em saúde, o que limitaria a análise do contexto setorial.
Por outro lado, outro fator que dificultaria a análise desse contexto e a
evolução das reformas, constituiria no fato de que no setor saúde a
disponibilidade de indicadores de insumos e resultados que são comparados
entre os países e no tempo seria mais restringida que em outros setores.
A respeito do gasto, os indicadores do gasto total em saúde registrados
na América Latina se encontram geralmente bem abaixo dos indicadores a
nível mundial. Estima-se que a média do gasto total em saúde nos países
industrializados, que em 1990 era em torno de 7,8% do PIB estaria acima dos
gastos na América Latina, que no mesmo período alcançou 5,7% do PIB,
correspondendo algo em torno de 40% do gasto público. Entre os países desta
região, México e Nicarágua se destacariam pelo seu menor gasto relativo em
relação ao PIB, devido ao diferente grau de desenvolvimento e a sua
heterogeneidade do gasto em saúde, o que aumentaria quando utilizado como
indicador o valor real per capita, gerando diferenças ainda mais marcantes em
relação aos demais países.
Estas diferenças nas estruturas organizativas dos sistemas de saúde,
também poderiam ilustrar-se na comparação do peso do setor público no gasto
total de saúde, que chegou a oscilar entre 74% na Nicarágua e menos de 40%
nos demais países da região. Ainda a respeito da evolução do gasto público em
saúde nestes países, cabe assinalar que em geral, o gasto real per capita tendeu
a decrescer durante os anos 80, o que se reverteu a partir de começo da década
de 90 superando os níveis anteriores.
Em relação a alguns resultados analisados na década de 90, relacionados
à mortalidade materno-infantil, imunizações e alguns insumos como
profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) e leitos hospitalares, seria
possível distinguir um grupo de países bem posicionados quanto aos
resultados, mas não correlacionados quanto aos insumos (como Argentina,
Chile, e Colômbia). Por outro lado, Nicarágua, apesar das condições adversas
decorrentes do seu nível de desenvolvimento, também se destacaria pelos seus
resultados favoráveis refletindo a forte orientação política baseada no
desenvolvimento social e econômico durante os anos 80, enquanto a Bolívia
19
teria apresentado os indicadores mais debilitados em relação a este resultados
e insumos considerados.
Finalmente, dentro desse contexto setorial descrito pelo autor, estas
graves deficiências em matéria de utilização de recursos seriam decorrentes
das desigualdades territoriais em cobertura e distribuição de recursos físicos,
financeiros e humanos. Acrescido a isto, o déficit de informação, tanto a
respeito do estado de saúde da população como do tipo de serviço, volume e
composição do gasto, e financiamento a nível territorial. Apesar das limitações
de informação, a opinião generalizada e a reduzida evidência empírica
permitiria anotar que a distribuição territorial dos indicadores de resultados de
insumos ou de serviços mostra uma dispersão territorial preocupante que tende
a reproduzir-se no interior de cada nível subnacional.
4 Conclusão
O ataque do capital reestruturado possui a tarefa de dirigir a sociedade
capitalista sob as regras exclusivas da concorrência e do mercado autoregulável em escala internacional, o que tem dificultado ainda mais a gestação
de uma alternativa que aponte para uma nova sociedade, capaz de gerar a
emancipação crítica do trabalho social e uma nova hegemonia. A situação
atual não é só pessimista, como as expectativas de mudanças são ainda mais
alarmantes.
Diante da precária situação, os trabalhadores excluídos e empobrecidos
passam a procurar qualquer forma de emprego. Por sua vez, este quadro
fortalece a ampliação de empregos precários ou abertamente informais,
caracterizados por jornada excessiva, baixos salários e ausência de vínculos
previdenciários, o que resulta na ineficiente capacidade de discussão ou apatia
acerca das condições e exigências do processo de trabalho.
Conseqüentemente, cada vez mais se escraviza o ser humano a uma condição
de dependência total no mercado global e digital, aumentando a aflição e
ansiedade, causando violentas crises individuais, diminuindo a soberania não
só das nações, mas inclusive da sociedade.
Ao considerarem-se as mudanças no mundo do trabalho constata-se que,
há dificuldades da sociedade humana viver em harmonia, partilhar espaços,
riquezas, oportunidades e conhecimentos com justa distribuição de renda e
cidadania. É cada vez mais difícil assimilar a visão do “todo”, sem os
20
extremos da exploração aleatória imposta pelo sistema capitalista. Assim, num
mundo que se almeja justo, democrático e humano, os resultados são
insatisfatórios, e o desemprego surge como principal problema agravado ainda
mais pelo processo de globalização, o que por sua vez, estimula outros
agravantes como a desigualdade política e econômico-social, conformados no
cenário da fome, da miséria e da exclusão social.
Partindo então, que a evolução das políticas sociais estaria sendo
impulsionada, principalmente pelas transformações de ordem econômica
(internacional), que forçaram, inclusive a inserção da prática de políticas de
saúde eficazes, capazes de conciliarem níveis de desenvolvimento quantitativo
e qualitativo satisfatórios; a exigência mais imediatamente detectada foi à
ampliação da assistência pública pelos Governos e o reconhecimento de que a
pressão crescente, em um ambiente social mais politizado, certamente
pressionaria o Estado a ampliação de políticas de proteção mais abrangentes.
No caso da evolução dos sistemas públicos de saúde, constata-se que o
princípio descentralizador, apesar de se institucionalizar de forma
descoordenada e abrupta, sem bases preestabelecidas, vem se consolidando
numa característica reformadora deste setor, de efeitos multilaterais. Esta
ferramenta política, que numa primeira vista busca a desoneração do Estado
Central de algumas funções sociais relevantes, surge como uma alternativa na
busca pela ampliação da eficiência e equidade dos serviços prestados, neste
caso, na área da saúde.
Entretanto, mesmo diante de heterogêneas experiências desse processo
na região, ainda é possível verificar uma tendência comum que tem a ver com
as motivações de natureza econômica e política para a adoção da
descentralização dos serviços. Todos os processos visam objetivos de maior
eficiência técnica e legitimação política, porém, aliados acima de tudo, a um
projeto maior de construção de cidadania e acionamento dos direitos à
saúde,via a inclusão política da sociedade na definição das prioridades dos
serviços públicos.
Enfim, referindo-se ao papel das políticas públicas na definição de
interesses para a conformação de políticas sociais na América Latina,
independentemente dos objetivos de desenvolvimento pré-determinados por
esta sociedade, o que se efetivamente se concretizará, será o equilíbrio entre o
jogo de poder entre os agentes envolvidos, ou seja, entre o Estado e os atores
sociais. Assim, será diante de interesses organizados e legitimados que o
21
modo de condução governamental das políticas públicas evoluirão, a ponto de
modificarem não só as estruturas políticas preexistentes das instituições, mas
principalmente o status de suas atribuições dentro da arena decisória.
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