XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 23 CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICOPEDAGÓGICO NA AMAZONIA NA PERSPECTIVA DA INTERCULTURALIDADE Conceição de Nazaré de Morais Brayner, UEPA RESUMO O presente artigo tem como objetivo refletir acerca do projeto político-pedagógico como instrumento de organização social e política nas comunidades escolares na perspectiva da interculturalidade na Amazônia. No enfrentamento dos desafios educacionais na sociedade contemporânea, as escolas precisam organizar o projeto político-pedagógico em bases legais e educativas com a participação dos professores. A partir da Lei 9.394/96, as diretrizes curriculares da educação básica vêm sofrendo alterações em seus textos e significados, tessitura que deve ser interpretada e implementada nas escolas e salas de aula. Foi utilizado como metodologia a pesquisa bibliográfica acerca das categorias Projeto Político-pedagógico, educação e interculturalidade. O texto ora apresentado dialoga com os referenciais teóricos apontados por Freire (1980), Veiga (2002), Vasconcellos (2000), Brandão (2002), Candau (2007) Oliveira (2005) Fares (2004) e Corrêa (2007). A partir deste estudo, foi possível revelar e refletir que este é um instrumento que pode viabilizar a formação de educadores, garantindo reflexões sobre a prática e aperfeiçoamento dos processos de gestão e ensino-aprendizagem, bem como, desenvolvimento de estratégias que levem o coletivo institucional a realizar estudos, refletindo a função social da escola a partir de uma determinada concepção de sociedade, de trabalho, de ciência, de tecnologia, de ser humano e, principalmente do ser humano que a escola se proporá a formar na vigência do novo projeto. A construção do projeto político-pedagógico em escolas amazônicas é a oportunidade de repensar com a comunidade sua organização pedagógica, atribuindo à prática educativa o caráter político, para construir novos campos de atuação e novas estruturas e organizações sociais mais democráticas, valorizando a interculturalidade. Palavras-chave: Projeto político-pedagógico – Educação – Interculturalidade Amazônia. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002127 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 24 INTRODUÇÃO As transformações do mundo contemporâneo, marcadas pela velocidade das descobertas científicas e tecnológicas, informação e globalização, diversidade cultural e inclusão invadem o universo educacional. A sociedade passa a questionar o papel da escola de transmissão de conhecimentos e impulsiona o debate acerca da interação com outros saberes que emergem da contemporaneidade. O projeto político- pedagógico PPP, legalmente instituído na Lei 9.394/06, deve ser visto como ferramenta a disposição da escola para participação dos sujeitos e estruturação de um currículo adequando às necessidades e expectativas dos atores sociais envolvidos. O estudo ora realizado tem como finalidade contribuir para a reflexão sobre projeto político- pedagógico como instrumento de organização social e política nas comunidades escolares da Amazônia. O projeto atualmente vem se consolidando em muitas escolas como agregador de potencial em torno de lutas, resistências a modelos de educação eurocêntricos e que delineia ideais comuns, a fim de promover ações que correspondam aos anseios da efetivação de práticas educativas, que oportunizem tratar com a diversidade cultural e vislumbrar a intercultural idade, favorecendo a interação entre as culturas. A ideia de projeto político-pedagógico como instrumento técnico que cumpre a tarefa burocrática de prever os ideais e ações da escola, definido regras de conduta e prazos de operacionalização de seu conteúdo aqui é desconstruída, pois o concebemos como um projeto que carrega dimensões de formação do ser humano, como também, discute o projeto de homem e sociedade a ser perseguido, considerando lutas, contradições, avanços e desafios, para que em cada etapa de trabalho, se materializem as ações planejadas oportunizando o surgimento de novas aspirações. Muitas são as contribuições dos movimentos sociais que podem ser consideradas pelos educadores na organização do trabalho pedagógico, como por exemplo: denúncias de práticas com discriminação racial e pré-conceitos étnicos, situações que reforçam a desigualdade social pronunciada pelo movimento negro, o debate para que diferentes mecanismos de exclusão possam ser identificados nas relações sociais e interpessoais, deixando fluir as vozes de sujeitos historicamente silenciados, o que culmina por ampliar o debate da função social da escola. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002128 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 25 Observa-se que as exigências sociais e legais provocam também, a participação dos educadores e educandos em torno da construção do projeto político-pedagógico da escola, que precisa assumir o caráter político na construção de novas realidades sociais e educacionais. O texto ora apresentado dialoga com os referenciais teóricos apontados por Freire (1980), Vasconcellos (2000), Veiga (2002), Brandão (2002), Oliveira (2005) Fares (2004), Candau (2007) e Corrêa (2007). A escola aqui deve ser vista como espaço de produção do conhecimento científico dialogando com os saberes populares, local de encontro de diferenças que interagem e reconhecem seus valores, porque fazem parte da história contada. Ao refletir sobre a prática de construção do projeto político-pedagógico, algumas questões se colocam a fim de buscar caminhos alternativos à superação de um sistema educacional que privilegiam poucos, pois reconhece e referenda a burguesia, silenciando as riquezas encontradas nas classes populares da Amazônia. Como se apropriar da diversidade cultural impregnando-a nas grandes e pequenas ações do PPP? Como trabalhar na construção do PPP assumindo a perspectiva da intercultural idade na Amazônia? São questões que ainda soa inquietantes. Reconhecemos que estamos diante de grandes desafios no enfrentamento das desigualdades sociais no processo educativo, entendendo que a educação é o caminho para transformação de mentalidades e comportamentos que mascaram a exclusão, uma vez que, os processos de planejamento ainda refletem uma realidade em que poucos pensam, e a maioria executa, principalmente, no que diz respeito às ações da escola. Nossa intenção é colaborar com o movimento que articula a escola a outras instâncias de lutas, para reunir esforços e aprender com a ciência, experiência, com o debate, com as contradições e conflitos, reagindo ao que está padronizado, para construir novas formas de pensar e fazer a prática educativa. 1 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: DEFINIÇÕES E REFLEXÕES A expressão projeto político-pedagógico nasce no contexto de mudanças legais dos anos oitenta, com o intuito de se contrapor a uma visão burocrática e técnica e afirmar a natureza política do projeto. Veiga (2000) concebe o projeto como “uma totalidade articulada decorrente da reflexão e do posicionamento a respeito da Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002129 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 26 sociedade, da educação e do homem, como uma proposta de ação político-educacional e não um artefato técnico, pois o que dá clareza ao projeto político-pedagógico é a sua intencionalidade”. Um projeto político-pedagógico tem validade na medida em que reflete os anseios da comunidade e orienta a organização do trabalho escolar na sua totalidade. Como todo projeto aponta para o que é pretendido, carregando consigo uma crítica e uma posição sobre o existente, explicitando as rupturas e superações e indicando aquilo que pretensamente é consenso como objetivo e meta do coletivo. Ele pode ser próprio de cada instituição/escola, padrão, ou seja, elaborado pela mantenedora, ou referência, desde a mantenedora, para que cada unidade construa suas especificidades a partir dele. A elaboração de um projeto político-pedagógico não se constitui na simples produção de um documento, mas, fundamentalmente, na implantação de um processo de “ação-reflexão-ação”, que exige o esforço conjunto e a vontade política da comunidade escolar, consciente da necessidade e da importância desse processo para a qualificação da gestão, da prática pedagógica e técnico-administrativa. Ainda como finalidade de um projeto político-pedagógico, podemos citar Vasconcellos (2002, p.173) que afirma que o projeto político-pedagógico é “um referencial de conjunto para a caminhada; aglutinar a pessoa em torno de uma causa comum; gerar solidariedade, parceria”. Além disso, segundo esse autor, ele pode contribuir para “fortalecer o grupo para enfrentar conflitos, contradições e pressões avançando da autonomia e na criatividade (descobrir o próprio caminho caminhando)” (idem). A elaboração de uma proposta pedagógica ou de novos projetos políticopedagógicos pode revelar a síntese possível da escola que queremos construir. Mas é necessário perceber que a elaboração de um novo documento não vai resolver os problemas que a escola enfrenta. Traduzir ideias, objetivos e metas nos planos de ensino/planos de trabalho dos educadores no dia-a-dia, é na práxis - na prática refletida, cotidiana, no chão da escola - que todo esse esforço tem que ser visto como um processo e não como um produto ou um documento elaborado por alguns iluminados que terá destino na gaveta da equipe gestora. O projeto sempre será um retrato de um momento da caminhada, sujeito a alterações e atualizações do fazer educativo. Neste processo, o projeto políticopedagógico pode pautar-se no reconhecimento e na afirmação da diversidade sociocultural, racial, étnica, de gênero e a afirmação do protagonismo de suas diversas populações nesse processo, criando as bases e ao mesmo tempo, sedimentando o Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002130 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 27 princípio da “alteridade e da diferença” como componentes integrantes da formação humana, da convivência e de um projeto emancipatório de sociedade. O debate precisa desvelar a visão de que na sociedade atual predomina uma situação hierárquica entre as culturas, saberes e vivências, onde os grupos com maior poder econômico, político e cultural têm seus valores e conhecimentos reconhecidos como padrão de referência, orientando as formas de sociabilidade, as práticas educativas, o currículo, silenciando, invisibilizando, discriminando e estigmatizando os modos de vida próprios dos grupos e segmentos populares, tratando-os como grupos primitivos, arcaicos, atrasados, conservadores, sem história, sem cultura, alienados e sem perspectivas de futuro. Assim, destacamos a necessidade de que os processos e espaços de construção dessas práticas educativas atentem para a perspectiva da educação dialógica, que interrelaciona sujeitos, saberes e intencionalidades, superando a predominância de uma educação bancária e afirmando seu caráter inter/multicultural ao oportunizar a convivência e o diálogo entre as diferentes culturas, etnias, raças, gêneros, gerações, territórios, e, entre o campo e a cidade. A comunidade escolar ao construir o projeto de caráter pedagógico necessita indicar a construção de um novo horizonte de produção de conhecimento, que reconheça os saberes e culturas próprias das populações como legítimas e válidas para compreensão do mundo e sua ressignificação, superando as dicotomias e dualidades, ao inspirar-se numa perspectiva inter/transdisciplinar de construir o conhecimento e de formação humana. O planejamento curricular deve indicar diretrizes e orientações capazes de confrontar com as perspectivas eurocêntrica, neoliberal e capitalista, ao inspirar-se numa relação de diálogo e responsabilidade, onde os aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos e ambientais são inseparáveis e se fundem numa lógica de sociabilidade comprometida com os excluídos. Assim, é necessário também repensar e refletir acerca dos construtos dos projetos políticos e pedagógicos para as regiões onde se encontram, no intuito de atender as necessidades de seus sujeitos. Então, pensar o projeto político-pedagógico para uma escola é pensar também naquilo que ela pode contemplar levando em consideração a cultura, os valores e os costumes de seu povo, para que não se perca em modelos pré-definidos de cima para baixo. É no projeto político-pedagógico que a “cara” da escola precisa ser consolidada também com a “cara” de sua “gente”. Nesse sentido, pensar um projeto político- Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002131 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 28 pedagógico numa escola amazônica se faz necessário não perder de vista tudo aquilo que Amazônia tem, faz e produz, para que as culturas desse povo e de outros seja valorizada e reconhecida, e assim, obtermos um projeto intercultural. 2 CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICOPEDAGÓGICO NA AMAZONIA NA PERSPECTIVA DA INTERCULTURALIDADE A região amazônica caracteriza-se por sua heterogeneidade, uma vez que apresenta diversidade sócio-cultural, étnico-racial, ambiental e produtiva, o que pode rechear os processos educativos na escola, influenciando as relações sociais, as posturas e encaminhamentos pedagógicos em torno das políticas e do currículo a ser desenvolvido. Também evidencia uma formação cultural que revela forte hibridização “na constituição e conformação das suas populações e de suas identidades políticoculturais, a qual vem se dando, desde o processo colonial, de forma conflitual e desigual” (CORRÊA, 2007). A educação básica é responsável pela formação do sujeito no início de sua vida e carrega a possibilidade de dialogar com a diversidade cultural, considerando que o/a homem/mulher se constitui ser humano e que a cultura faz parte do seu existir no mundo. A partir das relações que estabelece com seu mundo, o homem cria, recria, decide e dinamiza este mundo. Contribui com algo que ele é o autor... por este ato cria cultura(...) “não só por suas relações e por suas respostas, o homem é criador de cultura, ele é também fazedor da história” (FREIRE, 1980, p. 38), concepção que provoca o debate do currículo a ser implementado nas escolas, e aqui observamos iniciativas de reorientações curriculares, que indagam o currículo voltado para realidades urbanas e para a continuidade da negação das diferenças. A escola que pode ser expressão dessa diversidade cultural amazônica coloca-se muitas vezes, alheia ao acolhimento de todos, desconsiderando os saberes culturais, imaginários e representações das comunidades, reproduzindo um sistema de desigualdades sociais que reforça o individualismo e a exclusão, quando parte do princípio, de fazer cumprir normas e regras estabelecidas sem refletir os conteúdos repassados aos indivíduos por meio de sua prática. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002132 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 29 Para Fares (2004, p. 86): (...) não existe uma cultura, uma identidade amazônica no singular. A concepção deste espaço é plural. As diferentes manifestações culturais trazem marcas do híbrido e da mestiçagem e reconhecem as presenças indígenas, africanas, libanesas, nipônicas entre tantas outras. São essas vozes poéticas de múltiplos sotaques e línguas que fundam a Amazônia, mesmo sem ser necessário comprovar quais os desenhos mais fortes e os rascunhos mais claros. O conhecimento “enciclopédico” pensado como sendo uma síntese do conhecimento que a humanidade havia acumulado até então, pronta e acabada, está em cheque. Mas ainda muitas vezes, os professores se preocupam demais como trabalhar esse conteúdo, sem se questionar sobre, “o que”, nem “para que”, nem “para quem”. Na tradição, os alunos – educandos em potencial – observam, escutam, tomam notas, copiam o conteúdo do quadro de escrever, respondem questionários ou exercícios e devolvem o mais fielmente possível nas provas. E, até mesmo o professor – educador em potencial – torna-se refém das perversidades do sistema instituídas no espaço físico, no planejamento, na avaliação, nos rituais, nos prazos, e outros que também o submete a uma tirania intelectual de reprodução desse ciclo. Os movimentos sociais revelam no seu conjunto de reivindicações, propostas que contribuem para afirmar a interculturalidade e se apresentam como resistências a uma educação voltada aos padrões eurocêntricos e ao histórico silenciamento das vozes das demais culturas, com lutas diversas, combatendo determinismos e ideias préestabelecidas explícitas e implícitas nas dinâmicas de relacionamentos experimentadas no ambiente escolar e nas comunidades participantes do processo. A educação popular vem debatendo a necessidade de problematizar as realidades existentes, apontando a função social da escola, esta como instituição que deve agregar valores e potencial para refletir e questionar a organização social instituída, a fim de construir novas realidades, contribuindo assim, para que a construção coletiva do projeto político-pedagógico, onde os sujeitos são partícipes no processo de tomada de decisões, seja mecanismo de empoderamento dos bens e serviços comuns. Os movimentos sociais com diferentes formas de enfrentamento da exclusão social têm cumprido um papel sócio-político e pedagógico que não pode deixar de ser reconhecido pelos educadores. Os movimentos, principalmente os nascidos de grupos sociais excluídos por fatores étnicos, como os indígenas e os negros e movimentos de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002133 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 30 educação popular, através das suas lutas e suas formas de organização e de expressão, têm ajudado a afirmar direitos, a humanizar as pessoas criando novas possibilidades de viver com dignidade, ajudando a enxergar os sujeitos, à medida que os fazem aparecer diante da sociedade, escancarando suas injustiças, desigualdades, mentiras... Estes movimentos nos fazem recordar lutas sociais quase tão antigas quanto à humanidade, educando nossa memória, reescrevendo a história e hoje se constitui referência para desvelar os processos de de-colonialidade e construir novas práticas na perspectiva da interculturalidade. Para Walsh (2006, p. 21): Mais do que um simples conceito de inter-relação, a interculturalidade assinala e significa processos de construção de conhecimentos "outros", de uma prática política "outra", de um poder social "outro", e de uma sociedade "outra", formas diferentes de pensar e atuar em relação e contra a modernidade/colonialidade, um paradigma que é pensado através da prática política. Como educadores temos o desafio de compreender melhor a dinâmica destes movimentos, e aprender que algumas dimensões de sua pedagogia podem ser incorporadas e refletidas em nossas práticas e em nossas teorias de educação. Um educador deve saber que quem faz a escola são os próprios sujeitos, organizados e em movimento; mas que é sua tarefa identificar e ocupar-se das questões específicas da pedagogia escolar. Deixar-se educar pelos sujeitos e pelo processo de sua formação, contando e fazendo história’’. Fazer parte da história do povo; participar de sua memória; participar de seus processos de formação, de humanização; identificar-se com o seu projeto utópico e com o desafio de formar as pessoas para construí-lo na prática. Ser exemplo dos valores que brotam de suas práticas de resistência, de luta: a solidariedade, o espírito de cooperação, a compaixão (o sentir com o outro), a persistência... Afirmar e participar do movimento da história sem deixar de encarar contradições e conflitos. A diversidade cultural aqui se consolida com expressões e linguagens plurais que devem permear o projeto político-pedagógico, para tanto, considera-se que a interdisciplinaridade, contextualização e a dialogicidade estão presentes no currículo e oportunizam qualificar as relações sociais e o processo ensino-aprendizagem, pois assim, o ser humano torna-se participante e sujeito da história. A grande finalidade da ação educativa é ajudar no desenvolvimento mais pleno do ser humano, na sua humanização e inserção crítica na dinâmica da sociedade de que faz parte. Sem Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002134 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 31 compreender isso é mais difícil educar o olhar para ver a escola como lugar de sujeitos; e para olhar educadores e educandos, como sujeitos que têm uma história determinada e estão em momentos diferentes de seu desenvolvimento humano. Para ver a educação como formação humana implica em que nos ocupemos com as grandes questões da pedagogia (e não apenas com a rotina didático-escolar, como às vezes os cursos nos ensinam), como formar o ser humano mais pleno? Como ajudar a formar novos sujeitos sociais com criticidade? Que dimensões devem ser incluídas em nosso projeto de educação? Um educador precisa compreender como cada um dos grupos com quem trabalha vem se formando através das relações cotidianas de trabalho, da cultura, da vivência e resistência às situações de opressão, de miséria, de dominação, das lutas e dos movimentos sociais de que participa. Precisa também construir um jeito de educar que ensine seus educandos (sejam crianças, jovens, adultos) a se verem nestes processos formadores como sujeitos que podem transformar sua realidade. E se estiver na escola o educador deve perguntar-se o que fazer para trazer estas diretrizes pedagógicas ligadas às práticas sociais, para dentro do espaço e do tempo escolar? Como podemos ser sujeitos no processo e engatar os estudos escolares com a pedagogia do trabalho, da cultura, do movimento social? A superação das práticas bancárias e do individualismo pedagógico na prática escolar na Amazônia implica em não apenas viabilizarmos um trabalho coletivo na escola, mas, sobretudo na constituição e fortalecimento de coletivos políticopedagógicos para instaurar uma experiência de fato interdisciplinar e emancipatória, que supere a fragmentação e a solidão pedagógica que caracteriza ainda muitas de nossas escolas e fazeres. Em tese, um planejamento curricular está a serviço de transformações nos princípios, concepções, formas de organização escolar, conteúdos e procedimentos de avaliação, relacionamento escola comunidade, gestão, etc, e é justamente na elaboração de novos projetos político-pedagógicos que se pode acenar para as transformações desejadas. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002135 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS Entre tantos dilemas e mudanças da sociedade contemporânea, o multiculturalismo criou novas expectativas e invadiu o cenário da educação, provocando o repensar do papel da escola e de práticas pedagógicas existentes que reforçam as desigualdades e injustiças sociais em pleno século XXI. Os movimentos sociais tornam-se referências para propagar as lutas dos excluídos, interferindo na organização política, social e epistêmica da sociedade, trazendo ganhos para a conquista do espaço da diversidade cultural no currículo escolar, reafirmado nos Parâmetros Curriculares Nacionais. O projeto político-pedagógico com a participação dos educadores e comunidade escolar, estabelece expectativas de construção de novas realidades no ambiente escolar, quando se transforma em um instrumento político de combate à exclusão social, implementando novas experiências educativas que reafirmam as identidades culturais existentes nos diferentes contextos. Há necessidade de construir novas metodologias para participação dos sujeitos na definição de diretrizes e ações de caráter educativo da escola, que atendam aos anseios das comunidades e contribuam com a formação do ser humano na sua totalidade. Um projeto de escola não deve se limitar a prever aspectos de ordem didática e disciplinar, e sim, sua elaboração deve provocar um momento de encontro entre educadores e educandos, entre culturas, entre saberes, para a efetivação de relações sociais pautadas nos direitos humanos. O projeto político-pedagógico na perspectiva intercultural na Amazônia, pautase como mecanismo de mudança social, apresentando as diferentes visões de mundo, percebendo as diferenças e identidades, trabalhando para organizar ações e práticas educativas inclusivas. Para isso, deve articular-se aos movimentos sociais e aos movimentos de educação popular, onde Paulo Freire é referência com sua experiência na alfabetização de adultos. Atentar para a de-colonialidade, que se processa por meio do desvelamento de padrões eurocêntricos e norte-americanos e construir coletivamente novos roteiros de enfrentamento das desigualdades sociais. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002136 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 33 Expectativas de construção do projeto político-pedagógico na perspectiva da interculturalidade se apresentam na educação, na medida em que se acentuam as lutas pelo reconhecimento da diversidade cultural, a fim de favorecer a interlocução entre as diferentes culturas. Ser educador no contexto amazônico, faz-nos colocar as questões da educação na agenda de cada um dos sujeitos: alunos, famílias, comunidades, movimentos sociais e outras organizações. Discutir o direito à educação, mas também o jeito de construir uma pedagogia que forme e cultive identidades, auto-estima, valores, memória, saberes; que trabalhe com os processos educativos de continuidade, mas também, de ruptura cultural; de enraizamento e de projeto; de olhar para o passado para construir novas possibilidades de futuro. Ser educador é ajudar a construir com cada sujeito uma pedagogia capaz de formá-lo, como ser humano e como sujeito social; uma pedagogia que se desenvolva nas diversas práticas que compõem o cotidiano deste homem/mulher, incluindo a escola. Para tanto, a escola é um espaço de socialização e convivência dos seres humanos, que se relacionam entre si e com a natureza, e contribui na construção de dinâmicas para a vida em sociedade, a escola é o ambiente onde a intercultural idade se anuncia para visibilizar os invisibilizados e modificar estruturas projetadas para valorizar a cultura eurocêntrica. Portanto, a construção do projeto político-pedagógico diferenciado para os amazônidas é a oportunidade de repensar com a comunidade sua organização pedagógica, atribuindo à prática educativa o caráter político, para construir novos campos de atuação da pedagogia e novas estruturas e organizações sociais mais democráticas para o seu povo. REFERÊNCIAS BRANDÃO. Carlos Rodrigues. A Pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003. CANDAU, Vera e KOFF, Adelia Maria Nehme Simão e. Conversas com... Sobre a perspectiva multi-intercultural. Revista Educação & Sociedade. Campinas Vol. 27, n. 95, p. 471-493, maio/ago. 2006. CORRÊA, Sérgio R. M. Educação Popular do Campo e Desenvolvimento Territorial na Amazônia: A territorialidade do campo como «espelho» de projetos conflitantes e contraditórios. In. ______.Educação Popular do Campo e Desenvolvimento Territorial na Amazônia: Uma leitura a partir da Pedagógica do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). João Pessoa, PB: Dissertação de Mestrado. 2007. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002137 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 34 CORRÊA, Sergio Roberto M. Trabalho, saberes, identidades e tradições nas comunidades rurais ribeirinhas. In: OLIVEIRA, Ivanilde A. (Org.) Cartografias Ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais cotidianas de alfabetizandos amazônidas. Belém-Pará: CCSE-UEPA, 2004. FARES, Josebel Akel. Cartografia Poética. In: OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de (Org.) Cartografias Ribeirinhas: saberes e representações sociais sobre práticas sociais cotidianas de alfabetizandos amazônidas. Belém: CCSE-UEPA, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. Freire, Ana Maria (Org.) São Paulo: UNESP, 2004. VASCONCELLOS, Celso dos Santos, 1956 – Planejamento: projeto de Ensino Aprendizagem e Projeto Político Pedagógico – elementos metodológicos para elaboração e realização, 7ª edição. São Paulo: Libertad, 2000. – (Cadernos Pedagógicos do Libertad; v. 1). VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.) Projeto Político-Pedagógico na Escola: Uma construção possível. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002138