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CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICOPEDAGÓGICO NA AMAZONIA NA PERSPECTIVA DA
INTERCULTURALIDADE
Conceição de Nazaré de Morais Brayner, UEPA
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo refletir acerca do projeto político-pedagógico
como instrumento de organização social e política nas comunidades escolares na
perspectiva da interculturalidade na Amazônia. No enfrentamento dos desafios
educacionais na sociedade contemporânea, as escolas precisam organizar o projeto
político-pedagógico em bases legais e educativas com a participação dos professores. A
partir da Lei 9.394/96, as diretrizes curriculares da educação básica vêm sofrendo
alterações em seus textos e significados, tessitura que deve ser interpretada e
implementada nas escolas e salas de aula. Foi utilizado como metodologia a pesquisa
bibliográfica acerca das categorias Projeto Político-pedagógico, educação e
interculturalidade. O texto ora apresentado dialoga com os referenciais teóricos
apontados por Freire (1980), Veiga (2002), Vasconcellos (2000), Brandão (2002),
Candau (2007) Oliveira (2005) Fares (2004) e Corrêa (2007). A partir deste estudo, foi
possível revelar e refletir que este é um instrumento que pode viabilizar a formação de
educadores, garantindo reflexões sobre a prática e aperfeiçoamento dos processos de
gestão e ensino-aprendizagem, bem como, desenvolvimento de estratégias que levem o
coletivo institucional a realizar estudos, refletindo a função social da escola a partir de
uma determinada concepção de sociedade, de trabalho, de ciência, de tecnologia, de ser
humano e, principalmente do ser humano que a escola se proporá a formar na vigência
do novo projeto. A construção do projeto político-pedagógico em escolas amazônicas é
a oportunidade de repensar com a comunidade sua organização pedagógica, atribuindo à
prática educativa o caráter político, para construir novos campos de atuação e novas
estruturas e organizações sociais mais democráticas, valorizando a interculturalidade.
Palavras-chave: Projeto político-pedagógico – Educação – Interculturalidade Amazônia.
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INTRODUÇÃO
As transformações do mundo contemporâneo, marcadas pela velocidade das
descobertas científicas e tecnológicas, informação e globalização, diversidade cultural e
inclusão invadem o universo educacional. A sociedade passa a questionar o papel da
escola de transmissão de conhecimentos e impulsiona o debate acerca da interação com
outros saberes que emergem da contemporaneidade. O projeto político- pedagógico PPP, legalmente instituído na Lei 9.394/06, deve ser visto como ferramenta a disposição
da escola para participação dos sujeitos e estruturação de um currículo adequando às
necessidades e expectativas dos atores sociais envolvidos.
O estudo ora realizado tem como finalidade contribuir para a reflexão sobre
projeto político- pedagógico como instrumento de organização social e política nas
comunidades escolares da Amazônia. O projeto atualmente vem se consolidando em
muitas escolas como agregador de potencial em torno de lutas, resistências a modelos de
educação eurocêntricos e que delineia ideais comuns, a fim de promover ações que
correspondam aos anseios da efetivação de práticas educativas, que oportunizem tratar
com a diversidade cultural e vislumbrar a intercultural idade, favorecendo a interação
entre as culturas.
A ideia de projeto político-pedagógico como instrumento técnico que cumpre a
tarefa burocrática de prever os ideais e ações da escola, definido regras de conduta e
prazos de operacionalização de seu conteúdo aqui é desconstruída, pois o concebemos
como um projeto que carrega dimensões de formação do ser humano, como também,
discute o projeto de homem e sociedade a ser perseguido, considerando lutas,
contradições, avanços e desafios, para que em cada etapa de trabalho, se materializem as
ações planejadas oportunizando o surgimento de novas aspirações.
Muitas são as contribuições dos movimentos sociais que podem ser consideradas
pelos educadores na organização do trabalho pedagógico, como por exemplo: denúncias
de práticas com discriminação racial e pré-conceitos étnicos, situações que reforçam a
desigualdade social pronunciada pelo movimento negro, o debate para que diferentes
mecanismos de exclusão possam ser identificados nas relações sociais e interpessoais,
deixando fluir as vozes de sujeitos historicamente silenciados, o que culmina por
ampliar o debate da função social da escola.
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Observa-se que as exigências sociais e legais provocam também, a participação
dos educadores e educandos em torno da construção do projeto político-pedagógico da
escola, que precisa assumir o caráter político na construção de novas realidades sociais e
educacionais. O texto ora apresentado dialoga com os referenciais teóricos apontados
por Freire (1980), Vasconcellos (2000), Veiga (2002), Brandão (2002), Oliveira (2005)
Fares (2004), Candau (2007) e Corrêa (2007). A escola aqui deve ser vista como espaço
de produção do conhecimento científico dialogando com os saberes populares, local de
encontro de diferenças que interagem e reconhecem seus valores, porque fazem parte da
história contada.
Ao refletir sobre a prática de construção do projeto político-pedagógico, algumas
questões se colocam a fim de buscar caminhos alternativos à superação de um sistema
educacional que privilegiam poucos, pois reconhece e referenda a burguesia,
silenciando as riquezas encontradas nas classes populares da Amazônia. Como se
apropriar da diversidade cultural impregnando-a nas grandes e pequenas ações do PPP?
Como trabalhar na construção do PPP assumindo a perspectiva da intercultural idade na
Amazônia? São questões que ainda soa inquietantes.
Reconhecemos que estamos diante de grandes desafios no enfrentamento das
desigualdades sociais no processo educativo, entendendo que a educação é o caminho
para transformação de mentalidades e comportamentos que mascaram a exclusão, uma
vez que, os processos de planejamento ainda refletem uma realidade em que poucos
pensam, e a maioria executa, principalmente, no que diz respeito às ações da escola.
Nossa intenção é colaborar com o movimento que articula a escola a outras instâncias
de lutas, para reunir esforços e aprender com a ciência, experiência, com o debate, com
as contradições e conflitos, reagindo ao que está padronizado, para construir novas
formas de pensar e fazer a prática educativa.
1 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: DEFINIÇÕES E REFLEXÕES
A expressão projeto político-pedagógico nasce no contexto de mudanças legais
dos anos oitenta, com o intuito de se contrapor a uma visão burocrática e técnica e
afirmar a natureza política do projeto. Veiga (2000) concebe o projeto como “uma
totalidade articulada decorrente da reflexão e do posicionamento a respeito da
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sociedade, da educação e do homem, como uma proposta de ação político-educacional e
não um artefato técnico, pois o que dá clareza ao projeto político-pedagógico é a sua
intencionalidade”.
Um projeto político-pedagógico tem validade na medida em que reflete os
anseios da comunidade e orienta a organização do trabalho escolar na sua totalidade.
Como todo projeto aponta para o que é pretendido, carregando consigo uma crítica e
uma posição sobre o existente, explicitando as rupturas e superações e indicando aquilo
que pretensamente é consenso como objetivo e meta do coletivo. Ele pode ser próprio
de cada instituição/escola, padrão, ou seja, elaborado pela mantenedora, ou referência,
desde a mantenedora, para que cada unidade construa suas especificidades a partir dele.
A elaboração de um projeto político-pedagógico não se constitui na simples
produção de um documento, mas, fundamentalmente, na implantação de um processo de
“ação-reflexão-ação”, que exige o esforço conjunto e a vontade política da comunidade
escolar, consciente da necessidade e da importância desse processo para a qualificação
da gestão, da prática pedagógica e técnico-administrativa. Ainda como finalidade de um
projeto político-pedagógico, podemos citar Vasconcellos (2002, p.173) que afirma que o
projeto político-pedagógico é “um referencial de conjunto para a caminhada; aglutinar a
pessoa em torno de uma causa comum; gerar solidariedade, parceria”. Além disso,
segundo esse autor, ele pode contribuir para “fortalecer o grupo para enfrentar conflitos,
contradições e pressões avançando da autonomia e na criatividade (descobrir o próprio
caminho caminhando)” (idem).
A elaboração de uma proposta pedagógica ou de novos projetos políticopedagógicos pode revelar a síntese possível da escola que queremos construir. Mas é
necessário perceber que a elaboração de um novo documento não vai resolver os
problemas que a escola enfrenta. Traduzir ideias, objetivos e metas nos planos de
ensino/planos de trabalho dos educadores no dia-a-dia, é na práxis - na prática refletida,
cotidiana, no chão da escola - que todo esse esforço tem que ser visto como um
processo e não como um produto ou um documento elaborado por alguns iluminados
que terá destino na gaveta da equipe gestora.
O projeto sempre será um retrato de um momento da caminhada, sujeito a
alterações e atualizações do fazer educativo. Neste processo, o projeto políticopedagógico pode pautar-se no reconhecimento e na afirmação da diversidade
sociocultural, racial, étnica, de gênero e a afirmação do protagonismo de suas diversas
populações nesse processo, criando as bases e ao mesmo tempo, sedimentando o
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princípio da “alteridade e da diferença” como componentes integrantes da formação
humana, da convivência e de um projeto emancipatório de sociedade.
O debate precisa desvelar a visão de que na sociedade atual predomina uma
situação hierárquica entre as culturas, saberes e vivências, onde os grupos com maior
poder econômico, político e cultural têm seus valores e conhecimentos reconhecidos
como padrão de referência, orientando as formas de sociabilidade, as práticas
educativas, o currículo, silenciando, invisibilizando, discriminando e estigmatizando os
modos de vida próprios dos grupos e segmentos populares, tratando-os como grupos
primitivos, arcaicos, atrasados, conservadores, sem história, sem cultura, alienados e
sem perspectivas de futuro.
Assim, destacamos a necessidade de que os processos e espaços de construção
dessas práticas educativas atentem para a perspectiva da educação dialógica, que interrelaciona sujeitos, saberes e intencionalidades, superando a predominância de uma
educação bancária e afirmando seu caráter inter/multicultural ao oportunizar a
convivência e o diálogo entre as diferentes culturas, etnias, raças, gêneros, gerações,
territórios, e, entre o campo e a cidade.
A comunidade escolar ao construir o projeto de caráter pedagógico necessita
indicar a construção de um novo horizonte de produção de conhecimento, que
reconheça os saberes e culturas próprias das populações como legítimas e válidas para
compreensão do mundo e sua ressignificação, superando as dicotomias e dualidades, ao
inspirar-se numa perspectiva inter/transdisciplinar de construir o conhecimento e de
formação humana. O planejamento curricular deve indicar diretrizes e orientações
capazes de confrontar com as perspectivas eurocêntrica, neoliberal e capitalista, ao
inspirar-se numa relação de diálogo e responsabilidade, onde os aspectos sociais,
culturais, políticos, econômicos e ambientais são inseparáveis e se fundem numa lógica
de sociabilidade comprometida com os excluídos. Assim, é necessário também repensar
e refletir acerca dos construtos dos projetos políticos e pedagógicos para as regiões
onde se encontram, no intuito de atender as necessidades de seus sujeitos. Então, pensar
o projeto político-pedagógico para uma escola é pensar também naquilo que ela pode
contemplar levando em consideração a cultura, os valores e os costumes de seu povo,
para que não se perca em modelos pré-definidos de cima para baixo.
É no projeto político-pedagógico que a “cara” da escola precisa ser consolidada
também com a “cara” de sua “gente”. Nesse sentido, pensar um projeto político-
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pedagógico numa escola amazônica se faz necessário não perder de vista tudo aquilo
que Amazônia tem, faz e produz, para que as culturas desse povo e de outros seja
valorizada e reconhecida, e assim, obtermos um projeto intercultural.
2 CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICOPEDAGÓGICO NA AMAZONIA NA PERSPECTIVA DA INTERCULTURALIDADE
A região amazônica caracteriza-se por sua heterogeneidade, uma vez que
apresenta diversidade sócio-cultural, étnico-racial, ambiental e produtiva, o que pode
rechear os processos educativos na escola, influenciando as relações sociais, as posturas
e encaminhamentos pedagógicos em torno das políticas e do currículo a ser
desenvolvido. Também evidencia uma formação cultural que revela forte hibridização
“na constituição e conformação das suas populações e de suas identidades políticoculturais, a qual vem se dando, desde o processo colonial, de forma conflitual e
desigual” (CORRÊA, 2007).
A educação básica é responsável pela formação do sujeito no início de sua vida e
carrega a possibilidade de dialogar com a diversidade cultural, considerando que o/a
homem/mulher se constitui ser humano e que a cultura faz parte do seu existir no
mundo. A partir das relações que estabelece com seu mundo, o homem cria, recria,
decide e dinamiza este mundo. Contribui com algo que ele é o autor... por este ato cria
cultura(...) “não só por suas relações e por suas respostas, o homem é criador de cultura,
ele é também fazedor da história” (FREIRE, 1980, p. 38), concepção que provoca o
debate do currículo a ser implementado nas escolas, e aqui observamos iniciativas de
reorientações curriculares, que indagam o currículo voltado para realidades urbanas e
para a continuidade da negação das diferenças.
A escola que pode ser expressão dessa diversidade cultural amazônica coloca-se
muitas vezes, alheia ao acolhimento de todos, desconsiderando os saberes culturais,
imaginários e representações das comunidades, reproduzindo um sistema de
desigualdades sociais que reforça o individualismo e a exclusão, quando parte do
princípio, de fazer cumprir normas e regras estabelecidas sem refletir os conteúdos
repassados aos indivíduos por meio de sua prática.
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Para Fares (2004, p. 86):
(...) não existe uma cultura, uma identidade amazônica no singular. A concepção
deste espaço é plural. As diferentes manifestações culturais trazem marcas do
híbrido e da mestiçagem e reconhecem as presenças indígenas, africanas,
libanesas, nipônicas entre tantas outras. São essas vozes poéticas de múltiplos
sotaques e línguas que fundam a Amazônia, mesmo sem ser necessário
comprovar quais os desenhos mais fortes e os rascunhos mais claros.
O conhecimento “enciclopédico” pensado como sendo uma síntese do
conhecimento que a humanidade havia acumulado até então, pronta e acabada, está em
cheque. Mas ainda muitas vezes, os professores se preocupam demais como trabalhar
esse conteúdo, sem se questionar sobre, “o que”, nem “para que”, nem “para quem”. Na
tradição, os alunos – educandos em potencial – observam, escutam, tomam notas,
copiam o conteúdo do quadro de escrever, respondem questionários ou exercícios e
devolvem o mais fielmente possível nas provas. E, até mesmo o professor – educador
em potencial – torna-se refém das perversidades do sistema instituídas no espaço físico,
no planejamento, na avaliação, nos rituais, nos prazos, e outros que também o submete a
uma tirania intelectual de reprodução desse ciclo.
Os movimentos sociais revelam no seu conjunto de reivindicações, propostas
que contribuem para afirmar a interculturalidade e se apresentam como resistências a
uma educação voltada aos padrões eurocêntricos e ao histórico silenciamento das vozes
das demais culturas, com lutas diversas, combatendo determinismos e ideias préestabelecidas explícitas e implícitas nas dinâmicas de relacionamentos experimentadas
no ambiente escolar e nas comunidades participantes do processo. A educação popular
vem debatendo a necessidade de problematizar as realidades existentes, apontando a
função social da escola, esta como instituição que deve agregar valores e potencial para
refletir e questionar a organização social instituída, a fim de construir novas realidades,
contribuindo assim, para que a construção coletiva do projeto político-pedagógico, onde
os sujeitos são partícipes no processo de tomada de decisões, seja mecanismo de
empoderamento dos bens e serviços comuns.
Os movimentos sociais com diferentes formas de enfrentamento da exclusão
social têm cumprido um papel sócio-político e pedagógico que não pode deixar de ser
reconhecido pelos educadores. Os movimentos, principalmente os nascidos de grupos
sociais excluídos por fatores étnicos, como os indígenas e os negros e movimentos de
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educação popular, através das suas lutas e suas formas de organização e de expressão,
têm ajudado a afirmar direitos, a humanizar as pessoas criando novas possibilidades de
viver com dignidade, ajudando a enxergar os sujeitos, à medida que os fazem aparecer
diante da sociedade, escancarando suas injustiças, desigualdades, mentiras... Estes
movimentos nos fazem recordar lutas sociais quase tão antigas quanto à humanidade,
educando nossa memória, reescrevendo a história e hoje se constitui referência para
desvelar os processos de de-colonialidade e construir novas práticas na perspectiva da
interculturalidade. Para Walsh (2006, p. 21):
Mais do que um simples conceito de inter-relação, a interculturalidade assinala e
significa processos de construção de conhecimentos "outros", de uma prática
política "outra", de um poder social "outro", e de uma sociedade "outra", formas
diferentes de pensar e atuar em relação e contra a modernidade/colonialidade,
um paradigma que é pensado através da prática política.
Como educadores temos o desafio de compreender melhor a dinâmica destes
movimentos, e aprender que algumas dimensões de sua pedagogia podem ser
incorporadas e refletidas em nossas práticas e em nossas teorias de educação. Um
educador deve saber que quem faz a escola são os próprios sujeitos, organizados e em
movimento; mas que é sua tarefa identificar e ocupar-se das questões específicas da
pedagogia escolar.
Deixar-se educar pelos sujeitos e pelo processo de sua formação, contando e
fazendo história’’. Fazer parte da história do povo; participar de sua memória; participar
de seus processos de formação, de humanização; identificar-se com o seu projeto
utópico e com o desafio de formar as pessoas para construí-lo na prática. Ser exemplo
dos valores que brotam de suas práticas de resistência, de luta: a solidariedade, o
espírito de cooperação, a compaixão (o sentir com o outro), a persistência... Afirmar e
participar do movimento da história sem deixar de encarar contradições e conflitos.
A diversidade cultural aqui se consolida com expressões e linguagens plurais que
devem permear o projeto político-pedagógico, para tanto, considera-se que a
interdisciplinaridade, contextualização e a dialogicidade estão presentes no currículo e
oportunizam qualificar as relações sociais e o processo ensino-aprendizagem, pois
assim, o ser humano torna-se participante e sujeito da história. A grande finalidade da
ação educativa é ajudar no desenvolvimento mais pleno do ser humano, na sua
humanização e inserção crítica na dinâmica da sociedade de que faz parte. Sem
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compreender isso é mais difícil educar o olhar para ver a escola como lugar de sujeitos;
e para olhar educadores e educandos, como sujeitos que têm uma história determinada e
estão em momentos diferentes de seu desenvolvimento humano.
Para ver a educação como formação humana implica em que nos ocupemos com
as grandes questões da pedagogia (e não apenas com a rotina didático-escolar, como às
vezes os cursos nos ensinam), como formar o ser humano mais pleno? Como ajudar a
formar novos sujeitos sociais com criticidade? Que dimensões devem ser incluídas em
nosso projeto de educação?
Um educador precisa compreender como cada um dos grupos com quem
trabalha vem se formando através das relações cotidianas de trabalho, da cultura, da
vivência e resistência às situações de opressão, de miséria, de dominação, das lutas e
dos movimentos sociais de que participa. Precisa também construir um jeito de educar
que ensine seus educandos (sejam crianças, jovens, adultos) a se verem nestes processos
formadores como sujeitos que podem transformar sua realidade. E se estiver na escola o
educador deve perguntar-se o que fazer para trazer estas diretrizes pedagógicas ligadas
às práticas sociais, para dentro do espaço e do tempo escolar? Como podemos ser
sujeitos no processo e engatar os estudos escolares com a pedagogia do trabalho, da
cultura, do movimento social?
A superação das práticas bancárias e do individualismo pedagógico na prática
escolar na Amazônia implica em não apenas viabilizarmos um trabalho coletivo na
escola, mas, sobretudo na constituição e fortalecimento de coletivos políticopedagógicos para instaurar uma experiência de fato interdisciplinar e emancipatória, que
supere a fragmentação e a solidão pedagógica que caracteriza ainda muitas de nossas
escolas e fazeres. Em tese, um planejamento curricular está a serviço de transformações
nos princípios, concepções, formas de organização escolar, conteúdos e procedimentos
de avaliação, relacionamento escola comunidade, gestão, etc, e é justamente na
elaboração de novos projetos político-pedagógicos que se pode acenar para as
transformações desejadas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre
tantos
dilemas
e
mudanças
da
sociedade
contemporânea,
o
multiculturalismo criou novas expectativas e invadiu o cenário da educação,
provocando o repensar do papel da escola e de práticas pedagógicas existentes que
reforçam as desigualdades e injustiças sociais em pleno século XXI. Os movimentos
sociais tornam-se referências para propagar as lutas dos excluídos, interferindo na
organização política, social e epistêmica da sociedade, trazendo ganhos para a conquista
do espaço da diversidade cultural no currículo escolar, reafirmado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
O projeto político-pedagógico com a participação dos educadores e comunidade
escolar, estabelece expectativas de construção de novas realidades no ambiente escolar,
quando se transforma em um instrumento político de combate à exclusão social,
implementando novas experiências educativas que reafirmam as identidades culturais
existentes nos diferentes contextos.
Há necessidade de construir novas metodologias para participação dos sujeitos
na definição de diretrizes e ações de caráter educativo da escola, que atendam aos
anseios das comunidades e contribuam com a formação do ser humano na sua
totalidade. Um projeto de escola não deve se limitar a prever aspectos de ordem didática
e disciplinar, e sim, sua elaboração deve provocar um momento de encontro entre
educadores e educandos, entre culturas, entre saberes, para a efetivação de relações
sociais pautadas nos direitos humanos.
O projeto político-pedagógico na perspectiva intercultural na Amazônia, pautase como mecanismo de mudança social, apresentando as diferentes visões de mundo,
percebendo as diferenças e identidades, trabalhando para organizar ações e práticas
educativas inclusivas. Para isso, deve articular-se aos movimentos sociais e aos
movimentos de educação popular, onde Paulo Freire é referência com sua experiência
na alfabetização de adultos. Atentar para a de-colonialidade, que se processa por meio
do desvelamento de padrões eurocêntricos e norte-americanos e construir coletivamente
novos roteiros de enfrentamento das desigualdades sociais.
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Expectativas de construção do projeto político-pedagógico na perspectiva da
interculturalidade se apresentam na educação, na medida em que se acentuam as lutas
pelo reconhecimento da diversidade cultural, a fim de favorecer a interlocução entre as
diferentes culturas. Ser educador no contexto amazônico, faz-nos colocar as questões da
educação na agenda de cada um dos sujeitos: alunos, famílias, comunidades,
movimentos sociais e outras organizações. Discutir o direito à educação, mas também o
jeito de construir uma pedagogia que forme e cultive identidades, auto-estima, valores,
memória, saberes; que trabalhe com os processos educativos de continuidade, mas
também, de ruptura cultural; de enraizamento e de projeto; de olhar para o passado para
construir novas possibilidades de futuro. Ser educador é ajudar a construir com cada
sujeito uma pedagogia capaz de formá-lo, como ser humano e como sujeito social; uma
pedagogia que se desenvolva nas diversas práticas que compõem o cotidiano deste
homem/mulher, incluindo a escola.
Para tanto, a escola é um espaço de socialização e convivência dos seres
humanos, que se relacionam entre si e com a natureza, e contribui na construção de
dinâmicas para a vida em sociedade, a escola é o ambiente onde a intercultural idade se
anuncia para visibilizar os invisibilizados e modificar estruturas projetadas para
valorizar a cultura eurocêntrica. Portanto, a construção do projeto político-pedagógico
diferenciado para os amazônidas é a oportunidade de repensar com a comunidade sua
organização pedagógica, atribuindo à prática educativa o caráter político, para construir
novos campos de atuação da pedagogia e novas estruturas e organizações sociais mais
democráticas para o seu povo.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO. Carlos Rodrigues. A Pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa
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CANDAU, Vera e KOFF, Adelia Maria Nehme Simão e. Conversas com... Sobre a
perspectiva multi-intercultural. Revista Educação & Sociedade. Campinas Vol. 27, n.
95, p. 471-493, maio/ago. 2006.
CORRÊA, Sérgio R. M. Educação Popular do Campo e Desenvolvimento Territorial na
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Territorial na Amazônia: Uma leitura a partir da Pedagógica do Movimento dos
Atingidos por Barragem (MAB). João Pessoa, PB: Dissertação de Mestrado. 2007.
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Livro 3 - p.002137
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CORRÊA, Sergio Roberto M. Trabalho, saberes, identidades e tradições nas
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Ribeirinhas: saberes e representações sobre práticas sociais cotidianas de
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FARES, Josebel Akel. Cartografia Poética. In: OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de
(Org.) Cartografias Ribeirinhas: saberes e representações sociais sobre práticas sociais
cotidianas de alfabetizandos amazônidas. Belém: CCSE-UEPA, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. Freire, Ana Maria (Org.) São
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VASCONCELLOS, Celso dos Santos, 1956 – Planejamento: projeto de Ensino
Aprendizagem e Projeto Político Pedagógico – elementos metodológicos para
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do Libertad; v. 1).
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.) Projeto Político-Pedagógico na Escola: Uma
construção possível. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995.
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Livro 3 - p.002138
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